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Franz Boas, Antropologia Cultural PDF

54 Pages·2009·38.6 MB·Portuguese
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Preview Franz Boas, Antropologia Cultural

Franz . BOAS Antropologia .Cultural organização celso castro -;MiM' Universidade Federal de P~mbuco BIBLIOTECA CENTRAL I CIOAOE UNIVERSITÁRIA CEP50.670-901 - Recife - Pemambuco - Brasil Reg. n° 7480 -26/0712006 SUMÁRIO Titulo:ANTROPOLOGIA ClJLTURAL Copyright da seleção de textos eapresentação ©2004, Celso Castro Copyright ©2005 desta edição: a.e .26 -12 ~ 1- Jorge Zahar Editor Ltda. ~ so rua México 31 sobreloja J)\ -'. 601-'-1 O O 20031-144 Rio de Janeiro, RJ tei.: (21) 2240-0226/ fax: (21) 2262-5123 7 Apresentação, Celso Castro e-rnail: [email protected] l"lJ.o-7- site: www.zahar.corn.br 25 Aslimitações do método comparativo Todos os direitos reservados. da antropologia, 1896 A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98) Edição anterior: 2004 41 Os métodos da etnologia, 1920 Capa: Valéria Naslausky Foto da capa: Franz Boas representando adança do espírito canibal, parte de 53 Alguns problemas de metodologia uma cerimônia da sociedade secreta Harnatsa, dos índios Kwakiutl (Vancouver, nas ciências sociais, 1930 Canadá). Afoto foi tirada para servir de modelo ao escultor de um diorama em tamanho natural, exibido no United States National Museum em 1895. Copyright ©National Anthropological Archives, Smithsonian Institution/MNH 8304. 67 Raça eprogresso, 1931 CIP-Brasil. Catalogação-na- fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. 87 Os objetivos da pesquisa antropológica, 1932 Boas, Franz, 1858-1942 B634a Antropologia cultural /Franz Boas; textos selecio- 2.ed. nados, apresentação etradução, Celso Castro. - 2.ed. - Rio deJaneiro: Jorge Zahar Ed., 2005 ~ . -(Antropologia social) ISBN 85-7110-760-2 1. Etnologia. 2. Antropologia. r. Castro, Celso, 1963-.11. Título. m.Série. CDD 301 04-3188 CDU 316 ~ Apresentação Celso Castro Édifícil acreditar que este sejaoprimeiro livro publi- cado no Brasil de um autor da importância de Franz Boas, indiscutivelmente um dos fundadores da mo- derna antropologia. Não há nem mesmo trabalhos de ~ Boas publicados em coletâneas ou em revistas acadê- micas no Brasil, com alouvável exceção de um pequeno texto em uma revista de alunos da usr.' Existem ainda algumas poucas traduções feitas por professores para uso exclusivo em sala de aula." Em Portugal foitraduzido apenas um livro de Boas (Primi- tiveArt),de difícil acesso no Brasil.' Diante desse quadro, grande parte do ensino de antropolo- giaem cursos de graduação - nos quais em geral éproblemático adotar textos em inglês- trata rápida esuperficialmente da obra de Boas, por vezesutilizando-se apenas de comentadores. O obje- tivo desta pequena coletânea éjustamente contribuir para modi- ficar esse quadro, permitindo que seamplie o conhecimento so- bre um dos mais importantes antropólogos de todos ostempos. o Franz Uri Boas nasceu na pequena cidade prussiana de Minden (Vestfália) em 9dejulho de 1858, em uma família de comercian- tes judeus já culturalmente assimilados à vida alemã." Entrou para a universidade em 1877, estudando física sucessivamente 7 8 Antropologia cultural Apresentação 9 em Heidelberg, Bonn eKiel.Nesses anos, como era comum entre pregado da família, Wilhelm Weike, da sua idade. Passou um ano os estudantes, envolveu-se em vários duelos - pelo menos um na ilha, convivendo com os esquimós em muitas de suas ativida- motivado por ataques de natureza anti-semita -, nos quais ga- des diárias. Durante aestada na localidade de Anarnitung, escre- nhou cicatrizes na facevisíveis por toda asua vida. veu em seu diário: "Sou agora um verdadeiro esquimó. Vivo Em 1881, Boas concluiu seus estudos universitários com como eles,caço com elesefaçoparte dos homens deAnarnitung" uma dissertação sobre a absorção da luz pela água. Data dessa (cf. Cole, p. 78). Sua permanência entre os esquimós também época seu interesse pela psicofísica (desenvolvida por Gustav gerou observações como as seguintes, registradas em seu diário Fechner), disciplina que buscava compreender a relação entre no dia 23de dezembro de 1883: sensações físicas epercepção psicológica. No entanto, insatisfeito com as perspectivas da carreira de físico, mudou seu interesse Freqüentemente me pergunto que vantagens nossa "boa socieda- para a geografia, em parte por influência do geógrafo Theobald de" possui sobre aquela dos "selvagens" edescubro, quanto mais Fischer, seu professor em Kielede quem setornaria amigo. Após vejo de seus costumes, que não temos o direito de olhá-Ias de prestar um ano de serviço militar obrigatório, mudou-se para cima para baixo. Onde, em nosso povo, poder-se-ia encontrar Berlim, onde conheceu Adolf Bastian (1826-1905), patriarca da hospitalidade tão verdadeira quanto aqui? ...Nós, "pessoas alta- mente educadas", somos muito piores, relativamente falando .... antropologia alemã eentão diretor do Museum für Võlkerkunde Creio que, seestaviagem tem para mim (como serpensante) uma (Museu do Folclore), por ele fundado em 1873 e ao qual Boas influência valiosa, ela reside no fortalecimento do ponto de vista ficou provisoriamente ligado. Nessa época, também estudou téc- da relatividade de toda formação [BildungJ, eque amaldade, bem nicas de medições, então características da antropologia- física, como o valor de uma pessoa, residem na formação do coração com omédico anatomista RudolfVirchow (1821-1902). [HerzensbildungJ, que eu encontro, ou não, tanto aqui quanto Sem grandes perspectivas em Berlim, Boas alimentou opla- entre nós' no de realizar uma expedição à ilha de Baffin (Canadá), para es- tudar os esquimós (hoje conhecidos, no Canadá, como Inuit). Apesar das grandes dificuldades causadas pelo rigoroso cli- Após várias tentativas, conseguiu obter recursos do dono de um ma da região, Boas conseguiu cumprir em parte seu projeto de grande jornal berlinense em troca de artigos sobre aexperiência. obter informações sobre distribuição e mobilidade entre os es- Em 1881,antes de embarcar, conheceu eapaixonou-se por Marie quimós, suas rotas de comunicação e a história de suas migra- Krackowizer, órfã de um importante médico austríaco que emi- ções. As observações geográficas que fez foram publicadas em grara para os Estados Unidos e se estabelecera em Nova York. 1885 no livro Baffinland; as etnográficas viriam a público em Marie visitava a Alemanha em companhia de sua mãe e de um 1888,em The Central Eskimo. amigo da família, Abraham Iacobi, coincidentemente, tio mater- Boas parece ter permanecido entre os esquimós muito mais no de Boas que também se mudara para Nova York (no futuro, como um observador do que como um pesquisador participante Iacobi seria de grande importância para o sobrinho, inclusive - no sentido que essa expressão assumiria na antropologia pós- ajudando-o financeiramente). Malinowski. No entanto, para contextualizar historicamente as Em 20dejunho de 1883,Boaspartiu para sua expedição aos duas experiências, devemos lembrar que eleviveu entre osesqui- esquimós. Por insistência do pai, ia acompanhado por um em- mós trinta enove anos antes de Malinowski publicar seu famoso 10 Antropologia cultural Apresentação 11 Argonautas doPacificoOcidental (1922), fruto de alguns anos de de divulgação científica Science. Essa posição permitiu que ele pesquisa entre os nativos dos arquipélagos da Nova Guiné. Em- permanecesse em definitivo nos Estados Unidos e finalmente se bora aexperiência de Boas não deva ser encarada como uma sú- casasse com Marie, em março de 1887. bita "conversão" antropológica, sem dúvida pode ser vista como Os nove primeiros anos na América foram difíceis. O em- oprimeiro momento de um longo ritual de passagem que oleva- prego na Science era modesto e durou apenas dois anos. Em se- ria da geografia àantropologia. guida, Boas foipor três anos professor de antropologia na recém- Finda a experiência entre os esquimós, sua preocupação inaugurada Clark University (Worcester, Massachusetts), dedi- principal era casar com Marie. Procurou emprego nos Estados cando-se sobretudo ao ensino eàpesquisa na área de antropolo- Unidos (onde permaneceu por quase seismeses) edepois na Ale- giafísica.Daí partiu para um trabalho temporário como assisten- manha, quando para lávoltou, em 1885.O clima na Alemanha de te de Frederick W. Putnam na seção de antropologia da World's Bismarck - com sua onda nacionalista conservadora eofortale- Columbian Exposition, que celebrava os quatrocentos anos da cimento do anti-semitismo, sensível até mesmo na esfera acadê- chegada de Colombo àAmérica. Os anos deempregos inconstan- mica - passou a atraí-lo menos que o dos Estados Unidos, país tes ou temporários foram intercalados por expedições aos índios, então visto como terra do liberalismo político e de melhores viagens à Alemanha e filhos. (Boas e Maria tiveram seis filhos oportunidades profissionais, com vastas possibilidades de cresci- entre 1888 e 1902, dos quais um morreu antes de completar um mento acadêmico. ano.) Boas voltou, por um curto tempo, aser assistente de Bastian Com a mudança para os Estados Unidos, Boas se tornou na catalogação de coleções etnográficas. Também habilitou-se cada vezmais antropólogo, embora ocampo institucional da an- como privatdozent de geografia na universidade deBerlim. Trata- tropologia ainda fosselimitado naquele país. Um pequeno artigo va-se' no entanto, de uma posição precária, remunerada apenas publicado em 1889, "On alternating sounds", éconsiderado por por taxas pagas pelos alunos. George Stocking, Ir, um marco dessa mudança. Ao analisar dife- Viajou para osEstados Unidos emjulho de 1886,durante as renças deaudição emrelação aum mesmo som, pronunciado por férias letivas, para rever Marie e procurar trabalho. Aproveitou uma pessoa de outra sociedade, Boas chegou àconclusão de que para fazer uma expedição de dois meses emeio àprovíncia cana- elas não sedeviam acausas físicas, esim à "apercepção" diferen- dense de British Columbia, o que fezcom que cancelasse o curso cial do ouvinte com respeito aos sons a que estava acostumado. em Berlim por um semestre. Seus interesses já eram essencial- Para Stocking, Ir.,o artigo continha, em germe, amaior parte da mente etnográficos. Visitou, entre outras tribos, a dos Kwakiutl futura noção boasiana de "cultura': (atualmente denominados Kwakwaka'wakw), que se tornariam o um de seus grandes interesses de pesquisa. Nessa expedição, os objetivos principais de Boas eram estudar línguas emitos nativos ereunir objetos para coleções museológicas. Em 1896,finalmente Boas conseguiu um emprego estável, sendo De volta a Nova York no final de dezembro, quando já se contratado para trabalhar na curado ria das coleções etnológicas esgotava seu período de licença em Berlim, Boas finalmente con- do American Museum ofNatural History, em Nova York.Ainsti- seguiu emprego como editor-assistente da recém-criada revista tuição estava sendo revitalizada sob aliderança (e com os recur- 12 Antropologia cultural Apresentação 13 sos) do milionário Morris K. Iesup. Boas convenceu Iesup a fi- (1928). Foram seus orientandos alguns dos principais expoentes nanciar uma ampla pesquisa coletiva para investigar asafinidades da antropologia norte-americana nas décadas seguintes, como erelações entre os povos da Ásia edo Noroeste norte-americano Alfred Kroeber (seu primeiro aluno adoutorar-se, em 1901), Ed- - que ficou conhecida como a Iesup North Pacific Expedition. ward Sapir, Robert Lowie, Ruth Benedict, Margaret Mead eMel- Foidurante apreparação dessa expedição que escreveu, em 1896, ville Herskovitz. Teve ainda uma importante atuação como in- otexto sobre ''Aslimitações do método comparativo da antropo- centivador da antropologia no México, onde passou oano acadê- logia",incluído na presente coletânea. mico de 1911-1912. A expedição, que se desenrolou entre 1897 e 1902, não foi Em 1936aposentou-se em Columbia, após trinta esete anos tão bem-sucedida quanto Boas imaginava. Apesquisa na Sibéria de magistério. Lecionou também na New School for Social Re- e no Alasca ficou muito aquém do esperado, tanto por falta de search, instituição fundada em 1919 eque abrigou diversos inte- recursos quanto por dificuldades dos pesquisadores. Elepróprio lectuais estrangeiros exilados ou fugidos da guerra na Europa. participou apenas de uma etapa da expedição. Mesmo assim, foi Entre elesencontrava-se oentão jovem eainda desconhecido an- reunido um volumoso material etnográfico. tropólogo Claude Lévi-Strauss, que estava sentado ao lado de A partir de 1896, Boas passou a acumular o emprego no Boas em um almoço realizado no Faculty Club da universidade museu àcondição deprofessor em tempo parcial na universidade de Columbia, em 21 de dezembro de 1942, quando este morreu de Columbia, embora o contrato tivesse de ser renovado anual- de um ataque cardíaco fulminante, aos oitenta e quatro anos de mente. Suaposição sósetornou permanente, mas ainda em tem- idade. po parcial, no início de 1899,quando eletinha quarenta anos. Na segunda metade de sua vida, Boas tornou cada vez mais Por essa época, presidiu um comitê para criar arevista aca- públicas assuas posições políticas progressistas. Em 1906procu- dêmica American Anthropologist. O primeiro número saiu em rou convencer, sem sucesso, alguns milionários a financiar a 1899,eBoas teve um papel importante em sua criação, chegando construção deum African Institute, que teria como objetivo mos- mesmo adoar dinheiro do próprio bolso. AAmerican Anthropo- trar que a inferi<jiidade do negro dos Estados Unidos se devia logical Association, criada em 1902, assumiu apublicação da re- inteiramente acausas sociais, enão raciais. Valelembrar que, na- vista, eele tornou-se um dos primeiros vice-presidentes da enti- quela época, os afro-americanos eram cidadãos de segunda clas- dade. se,sem direitos políticos ecivis ~sicos - não votavam eviviam Por diferenças de orientação com o diretor com respeito à uma realidade cotidiana de segregação em escolas, bancos deôni- organização das coleções eaos objetivos da instituição, Boas saiu bus, banheiros públicos etemplos religiosos. do museu em 1905. Isso permitiu que ele se tornasse professor Boas, que se tornara cidadão americano em 1891, desilu- em tempo integral em Columbia, concentrando-se em sua pro- diu-se com apolítica dos Estados Unidos apartir da guerra his- dução intelectual e na orientação de alunos. Dentre os muitos pano-americana de 1898, e principalmente após a entrada do livros que publicou nesse período, destacam-se o monumental país em 1917 na Primeira Guerra Mundial, à qual se opôs. Nas Handbook ofNorth American Languages (cujo primeiro volume é eleições de 1918,preocupado com o clima cada vez mais repres- de 1911), The Mind of Primitive Man (1911, 2a ed. revista em sivo, anunciou publicamente sua intenção de votar no Partido 1938), Primitive Art (1927) e Anthropology and Modern Life Socialista. No final de 1919, denunciou no jornal a atuação de 14 Antropologia cultural Apresentação 15 antropólogos que agiam como espiões do governo dos Estados co textos aqui incluídos foram publicados entre 1920 e 1932, Unidos no México, oque motivou sua suspensão por dois anos da quando Boas tinha entre sessenta edois esetenta equatro anos. A American Anthropological Association. exceção é "Aslimitações do método comparativo da antropolo- Foi um dos fundadores, em 1939, do American Committee gia",publicado em 1896, quando eletinha trinta eoito anos - e for Democracy and Intellectual Freedom, criado em uma época aqui incluído sobretudo em função de sua ampla disseminação e de intensa "caça àsbruxas" dos dois lados do Atlântico. Quando, extraordinária importância histórica. Fiz amesma opção crono- em 1938, a universidade de Heidelberg foi invadida pelas SSna- lógica que Boas para sua coletânea, embora reconhecendo que zistas, seus livros estavam entre os que foram queimados. Franz isso dificulta apercepção de mudanças conceituais ede orienta- Boas morreu no auge da Segunda Guerra Mundial. No obituário ção em sua trajetória intelectual. Aquilo que seperde com essas que fez, Ruth Benedict ressaltava a importância de sua ação pú- exclusões talvez seja compensado pela concentração, neste livro, blica, além da contribuição científica que dera, concluindo: "Ele da contribuição metodológica de Boas para aentão nascente an- foi um grande homem, eneste momento precisamos de homens tropologia cultural. como ele."6 Oprimeiro texto, "Aslimitações do método comparativo da antropologia", foilido em um encontro da American Association o for the Advancement ofScience (MAS) em 1896.Trata-sede uma crítica contundente ao método do evolucionismo cultural - Para esta coletânea, selecionei artigos e textos de conferências, chamado por Boas, nesse texto, de "método comparativo" ou completos em si mesmos. Optei por não incluir capítulos de li- "novo método" -, àél?ocadoutrina dominante na antropologia. vros monográficos, para evitar fragmentá-los (mantenho aespe- Impulsionado pela analogia com ateoria da evolução bioló- rança de que venham a ser publicados integralmente em portu- gica (Darwin publicara A origem dasespéciesem 1859), essalinha guês). Os textos aqui traduzidos foram publicados em Race,Lan- buscava descobrir leis uniformes da evolução, partindo do pres- guage and Culture (1940), coletânea organizada por Boas quase suposto fundamental de uma igualdade geral da natureza huma- no final da vida. Eleselecionou os sessenta edois textos curtos de na. Em função disso, todos os diferentes povos deveriam progre- antropologia que julgava mais representativos de sua carreira, dir segundo os mesmos estágios sucessivos, únicos eobrigatórios agrupando-os em três partes principais, conforme o título do ( - daí o uso que os evolucionistas fazem de "cultura humana" e livro. "sociedade humana", sempre no singular. Esse substrato comum Quatro dos cinco textos do presente livro estavam incluídos de toda a humanidade explicaria a ocorrência de elementos se- na parte sobre cultura. Ficaram de fora os escritos mais especifi- melhantes em diferentes épocas elugares do mundo. Acompara- camente etnográficos de Boas, bem como suas importantes con- ção entre tais elementos permitiria esclarecer, não só esse cami- tribuições nos campos da lingüística e da antropologia física nho único da evolução da humanidade, como também o estágio (neste caso, com ahonrosa exceção de "Raça eprogresso"). no tempo em que cada povo seencontra. Obviamente essesauto- Na seleção que fez para Race, Language and Culture, Boas res colocavam no ápice do processo de evolução aprópria socie- privilegiou os textos da fase madura, na qual suas idéias e sua posição institucional estavam mais consolidadas. Quatro dos cin- dade em que viviam. 16 Antropologia cultural Apresentação 17 A crítica de Boas, no entanto, não era tanto contra ateoria apoiando financeiramente suas pesquisas entre as tribos cana- da evolução quanto com relação ao seu método. Para ele,antes de denses, por intermédio da British Association for the Advance- supor que os fenômenos aparentemente semelhantes pudessem ment of Science. Boas manteria uma relação cordial com Tylor, ser atribuídos às mesmas causas - o que não ficava de modo escrevendo-lhe com freqüência evisitando-o em Oxford durante algum provado -, era preciso perguntar, para cada caso, se eles suas viagens àEuropa. não teriam se desenvolvido independentemente, ou se não te- Os textos 2,3e5- respectivamente, "Os métodos da etno- riam sido transmitidos de um povo aoutro. Ao contrário do mé- logia" (1920), ''Alguns problemas de metodologia nas ciências todo dedutivo dos evolucionistas, Boas defendia ométodo da in- sociais" (1930) e"Os objetivos da pesquisa antropológica" (1932) dução empírica, evitando amarrar os fenômenos em Uma cami- - são fundamentais para melhor compreender ométodo defen- sa-de-força teórica. O novo "método histórico", por ele defendi- dido por Boas para a antropologia. Ele aí repetia as críticas ao do em oposição ao comparativo, exigia que selimitasse acompa- método comparativo dos evolucionistas já feitas no texto ante- rior, embora agora já não atribuísse qualquer validade àidéia de ração aum território restrito ebem definido. Aprecondição para evolução cultural em si. oestabelecimento degrandes generalizações teóricas eabusca de Além disso, Boas também critica o método "difusionista". leis gerais seria, portanto, o estudo de culturas tomadas indivi- Ao contrário do evolucionismo, do qual também eram críticos, dualmente e de regiões culturais delimitadas. Apenas após esse os autores difusionistas colocavam todo o peso explicativo da longo e árduo trabalho - ainda todo por ser feito -, é que se questão da diversidade cultural humana na idéia de difusão. Ou poderia avançar em terreno mais firme. seja, ao invés de supor, como os evolucionistas, que aocorrência Boas criticava também, nesse texto, odeterminismo geográ- de elementos culturais semelhantes em duas regiões geografica- fico, afirmando que o meio ambiente exercia um efeito limitado mente afastadas seria prova da existência de um único emesmo sobre acultura humana - agrande diversidade cultural existen- caminho evolutivo, os difusionistas pressupunham que deveria te entre povos que vivem sob as mesmas condições geográficas ter ocorrido adifusão de elementos culturais entre essesmesmos reforça essa tese. lugares (por comércio, guerra, viagens ou quaisquer outros Embora o texto seja hoje lido como uma crítica dirigida a meios). autores evolucionistas clássicos, como Lewis Henry Morgan Alguns autores, chamados de "hiperdifusionistas", chega- (1818-1881) e Edward Burnett Tylor (1832-1917), o alvo mais ram mesmo adefender aexistência deum único grande centro- próximo e direto era seu contemporâneo norte-americano Da- em geral, o Egito antigo - a partir do qual a civilização seteria niel G. Brinton (1837-1899), então expoente do método evolu- difundido para todas as regiões do mundo. Ou seja, por outros cionista nos Estados Unidos. Boas criticava indiretamente uma caminhos, oresultado dos difusionistas acabava sendo semelhan- conferência que Brinton fizera no encontro de 1895da AAAS, an- te ao dos evolucionistas - e suas suposições também não po- tecipando também as críticas que este lhe faria com relação às diam ser bem fundamentadas. Embora Boas reconhecesse cabal- idéias apresentadas em seu Indianische Sagen von derNord-Paci- mente aimportância geral do fenômeno da difusão, elelimitava fischen Küste Amerikas (Lendas indígenas da costa americana do sua pertinência explicativa apenas a áreas relativamente próxi- Pacífico Norte), publicado no mesmo ano. Aliás, em relação a mas, onde sepudesse reconstituir com razoável segurança ahis- Tylor,deve-se observar que eleajudou Boas no início da carreira, tória das transmissões culturais. 18 Antropologia cultural Apresentação 19 Nesses textos, aparece também, de forma mais desenvolvida cusava qualquer valor científico àsuposição de que existem dife- acrítica deBoas avários determinismos: geográfico, racial, psico- renças raciais significativas entre os homens. Segundo ele, ava- lógico (quando transposto dos indivíduos às culturas) e econô- riação sedaria entre diferentes linhagens familiares de uma mes- mico. Nessa crítica, vai-se definindo a importância que ele atri- ma população, e não entre supostas "raças': construí das apartir buía ao conceito de cultura como elemento explicativo da diver- de elementos puramente superficiais, como cor da pele, forma da sidade humana. É preciso observar, no entanto, que a principal cabeça ou textura dos cabelos. Haveria uma enorme variabilida- contribuição para aantropologia cultural não foi como formali- de genética, mesmo em uma população considerada "racialmen- zador de teorias; seu papel foi acima de tudo o de crítico de teo- te homogênea", daí o absurdo científico de se pensar em "raças rias então consagradas, como o evolucionismo eo racismo. Com puras". Traços ou características que habitualmente se associa- isso, abriu caminho para que outros antropólogos - muitos de- vam auma determinada raça estariam, na verdade, presentes em les,seus alunos - desenvolvessem asimplicações decorrentes da várias outras. percepção da relatividade das formas culturais sob as quais os Segundo Boas, para se compreender as diferenças observá- homens têm vivido. veis entre populações de origens diferentes, era importante con- A concepção boasiana de cultura tem como fundamento siderar não suas supostas características "raciais': esim oefeito de um relativismo de fundo metodológico, baseado no reconheci- outras variáveis, como o meio ambiente eespecialmente ascon- mento de que cada ser humano vêomundo sob aperspectiva da dições sociais em que vivem essaspopulações. Não sepodem abs- cultura em que cresceu - em uma expressão que se tornou fa- trair essas variáveis da análise antropológica. Era nesse sentido mosa, ele disse que estamos acorrentados aos "grilhões da tradi- que elerejeitava também apretensa validade científica dos testes ção". O antropólogo deveria procurar sempre relativizar suas de inteligência, então usados para "provar" a inferioridade das próprias noções, fruto da posição contingente da civilização oci- pessoas "de cor" em relação aos brancos. dental ede seus valores. Boas terminava aconferência com um desafio aberto ao an- Mas o relativismo cultural não era, para Boas, apenas um tropólogo escocês sir Arthur Keith (1866-1955), um dos cientis- instrumento metodológico. Apercepção do valor relativo de to- tas britânicos mais importantes e reconhecidos de seu tempo. das as culturas - a palavra aparece agora no plural, e não no Keith fora presidente doRoyalAnthropological Institute eda Bri- singular, como no caso dos evolucionistas - servia também para tish Association for the Advancement of Science. No discurso de ajudar alidar com asdifíceis questões colocadas para ahumani- posse como reitor da universidade de Aberdeen, em 1930, Keith dade pela diversidade cultural. É com isso em mente que pode- desenvolveu atese de que o nacionalismo era um poderoso fator mos apreciar plenamente aforça de "Raça eprogresso" (1931). de diferenciação na evolução das raças humanas, interpretando Essetexto reproduz aconferência pronunciada por Boas em os preconceitos racial e nacional como inatos. Em um contexto 15 de junho de 1931 como presidente da MAS. Éuma vigorosa internacional crescente mente racista e belicista, Boas desafiava crítica àsteorias racistas, que na época dominavam não só osen- Keith aprovar, não apenas que aantipatia racial seria "implanta- so comum, como também boa parte do ambiente acadêmico. É da pela natureza", enão efeito de causas sociais, como também também um exemplo da intensa participação de Boas na cena a afirmação de que as guerras teriam uma função positiva de pública norte-americana em relação àsquestões sociais. Boas re- seleção. 20 Antropologia cultural Apresentação 21 Chamo também a atenção para a importância que essas Essahistória de raça, idéias tiveram sobre um dos principais intérpretes do Brasil. No Raças más, raças boas prefácio àprimeira edição de Casa-grande &senzala (1933), Gil- -Dizo Boas- berto Freyre relembrava Boas,que conheceu quando estudara em Columbia no início da década de 1920: "O Professor Franz Boas Écoisa que passou éa figura de mestre de que me ficou até hoje maior impressão" Com o franciú Gobineau (p.lvii). Freyre contava como asidéias de Boas haviam-no ajuda- Pois omal do mestiço do apensar de forma diferente sobre um dos grandes problemas Não está nisso. nacionais, na perspectiva de sua geração: a questão da mestiça- gern." Segue-se um trecho famoso: Está em causas sociais, De higiene eoutras que tais: Vi uma vez, depois de mais de três anos maciços de ausência do Assim pensa, assim fala Brasil, um bando de marinheiros nacionais - mulatos ecafuzos Casa Grande &Senzala. - descendo não me lembro sedo SãoPauloou do Minas [navios o da Marinha de Guerra brasileira] pela neve mole de Brooklyn. Deram-me a impressão de caricaturas de homens. E veio-me à lembrança afrase de um livro de viajante americano que acabara Gostaria de agradecer a algumas pessoas que me ajudaram na de ler sobre o Brasil: "the fearfully mongrel aspect of much of the preparação deste livro. Karina Kuschnir leu atentamente todo o population':8 A miscigenação resultava naquilo. Faltou-me quem material efezdiversas sugestões. Marisa Schincariol de Mello au- me dissesse então, como em 1929Roquette-Pinto aos arianistas xiliou-me com apesquisa sobre pessoas citadas por Boas em seus do Congresso Brasileiro de Eugenia, que não eram simplesmente textos. Piero Leirner eAlessandra El Far enviaram-me material mulatos ou cafuzos os indivíduos que eujulgava representarem o dedifícil acesso sobre Boas,eVerena Alberti reviu astraduções de Brasil, mas cafuzos emulatos doentes. palavras eexpressões em alemão no original. Foi o estudo de Antropologia sob a orientação do Professor Boas que primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo Seésempre bom publicar um livro, melhor ainda épublicá- valor - separados dos traços de raça os efeitos do ambiente ou 10pela editora Jorge Zahar. Cristina Zahar apoiou incondicional- da experiência cultural. Aprendi aconsiderar fundamental adife- mente aidéia do livro desde oinício, Gilberto Velho mais uma vez rença entre raça ecultura; adiscriminar entre osefeitos de relaçõ- deu-me ahonra de publicar por sua coleção de Antropologia So- es puramente genéticas e os de influências sociais, de herança cial eAngela Vianna fezuma competente revisão dos originais. cultural e de meio. Neste critério de diferenciação fundamental Organizei este livro pensando em meus alunos, que me fize- entre raça ecultura assenta todo oplano deste ensaio. Também no ram compreender uma frase de Guimarães Rosa, em Grande ser- da diferenciação entre hereditariedade de raça e hereditariedade tão: veredas: "Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de de família." repente aprende." O efeito dessa influência foi evocado poeticamente por Ma- o nuel Bandeira:"

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Edição anterior: 2004 Os métodos da etnologia, 1920. 53 .. Após a publicação da primeira edição deste livro, foi lançada a tradução de. Stocking
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