B.O. Sutti; L. Guimarães; J.M.M. Schmiegelow; R.P. Borges Avaliação do fosfato dissolvido como indicador da influência antropogênica na região estuarina centro-norte da Ilha de Santo de Santo Amaro Guarujá-SP. Bruno O. Sutti¹, Luciana L. Guimarães², João M. M. Schmiegelow², Roberto P. Borges² ¹Aluno do Mestrado em Ecologia da Universidade Santa Cecília, Santos, BR ²Professores do Mestrado em Ecologia da Universidade Santa Cecília, Santos, BR e-mail: [email protected] Resumo Este estudo visou avaliar sazonalmente e espacialmente o fosfato dissolvido nas águas superficiais de dois rios com características físicas similares, porém com diferentes níveis de interferências antropogênicas. Os resultados mostraram que a vegetação viva de manguezal reduz a concentração de fosfato dissolvido na água estuarina ao gerar concentração de matéria orgânica relativamente elevada. Palavras-chave: Estuários; Fosfato dissolvido; Manguezais; Interferências antropogênicas. ___________________________________________________________________________ Evaluation of dissolved phosphate as an indicator of anthropogenic influence on estuarine region central-northern of Santo Amaro Island (Sao Paulo – Brazil) Abstract This study aimed to evaluate seasonally and spatially the dissolved phosphate in surface waters of two rivers with similar physical characteristics, but with different levels of anthropogenic interference. The high concentration of organic matter in estuarine water generated by forests of mangroves reduces the concentration of dissolved phosphate by adsorption process. Keywords: Estuaries; Dissolved phosphate; Mangroves; Anthropogenic interferences. Introdução O fósforo inorgânico (Ex: fosfatos) é liberado para o ambiente pela ação do intemperismo, principalmente do mineral apatita (TROEH & THOMPSON, 2007), que passa a se adsorver nas partículas em sistemas de água doce, sendo transportado como material particulado até chegar aos estuários onde é novamente liberado na forma dissolvida (PO 3-) 4 (CONLEY et al., 1995). Em locais não impactados, a coluna sedimentar é o principal fornecedor desse nutriente para os produtores primários (BAUMGARTEN et al., 2003). A complexidade da circulação estuarina dificulta à identificação e caracterização das fontes de poluição em sistemas estuarinos. Com base nisso, o presente estudo visou avaliar UNISANTA BioScience – p.154 - 159; Vol. 4 (2015) nº 3 Página 154 B.O. Sutti; L. Guimarães; J.M.M. Schmiegelow; R.P. Borges sazonalmente e espacialmente o fosfato dissolvido nas águas superficiais de dois rios tributários do canal de Bertioga, considerando diferentes momentos (estofa, enchente e vazante) de marés de sizígia. Materiais e Métodos Área de Estudo e Estratégia amostral Os rios Maratuã e Crumaú situam-se na região estuarina centro-norte da Ilha de Santo Amaro, e representam a maior área de drenagem desta ilha para o canal de Bertioga. O manguezal nas adjacências do Rio Maratuã encontra-se em um bom estado de preservação. Por outro lado, a região a montante do Crumaú apresenta um aterro sanitário, próximo a uma comunidade residente em palafitas (Figura 1). Dados de pluviometria foram obtidos da estação pluviométrica de Santos-SP (CIIAGRO, 2013). A tábua de marés para o Porto de Santos (DNH, 2012) foi consultada para selecionar dias de amostragem em marés de sizígia. Através do Sonar e GPS M52 (Lowrance®) foram registradas as coordenadas geográficas das estações oceanográficas, bem como a profundidade na maior parte da extensão dos rios. Figura 1. À esquerda, localização da área de estudo (modificado de Gianesella et al. 2005). À direita, localização geográfica das estações oceanográficas. Nas estações oceanográficas (1) e (2), as velocidades de corrente foram medidas por fluxômetro mecânico (General Oceanics® 2030R6) em intervalos de 30 min, cobrindo a maior parte dos ciclos das marés, sendo as coletas de água realizadas em momentos de elevada hidrodinâmica nas duas fases da maré (enchente e vazante). Na estação (3), as coletas foram realizadas nas estofas de baixa-mar em out/2012 e de preamar em jan/2013, não havendo medição de corrente. Oxigênio dissolvido (OD) e salinidade foram mensurados pontualmente durante as coletas de água, respectivamente pelo oxímetro MO-910 e pelo UNISANTA BioScience – p.154 - 159; Vol. 4 (2015) nº 3 Página 155 B.O. Sutti; L. Guimarães; J.M.M. Schmiegelow; R.P. Borges refratômetro RTS-101ATC, ambos da marca Instrutherm®. As amostras foram coletadas em triplicata por garrafa van Dorn e postas em frascos de polipropileno (1L) de cor âmbar que foram armazenados com gelo até as análises. Análise Laboratorial e Tratamento estatístico As análises foram realizadas nos laboratórios de Química da Universidade Santa Cecília. O pH das amostras foi determinado através do pHmetro (micronal®, modelo B474) Os sólidos foram determinados por método gravimétrico, sendo a fração orgânica (sólidos voláteis) determinada através de calcinação em mufla à 550 ⁰C por uma hora, conforme a norma NBR 10664 (1989). O fosfato dissolvido foi determinado por método colorimétrico com leitura em espectrofotômetro (APHA, 2005), a partir de volumes (100 mL) filtrados em bomba de vácuo, utilizando-se membranas de acetato de celulose (Millipore®) com porosidade de 0,45 μm, conforme Prista (2012). Os resultados das análises foram expressos como média ± desvio padrão para cada local analisado, através do software GraphPad Prism® for Windows versão 5.03. Resultados e Discussão O volume precipitado no período chuvoso reduziu consideravelmente a salinidade das águas superficiais (Tabela 1) e intensificou o escoamento fluvial originando velocidades de correntes de vazante maiores que às do período seco (Figura 2). Essa dinâmica indica redução na troca vertical pela conservação de sal durante os ciclos de marés, aumento da exportação do material em suspensão para o canal de Bertioga, bem como maior contribuição de fontes alóctones de fosfato na superfície. Figura 2. À esquerda, volume médio precipitado nos meses de amostragens (CIIAGRO, 2013). À direita, registros em intervalos de 30min de velocidades de corrente na maior parte dos ciclos de marés de sizígia. UNISANTA BioScience – p.154 - 159; Vol. 4 (2015) nº 3 Página 156 B.O. Sutti; L. Guimarães; J.M.M. Schmiegelow; R.P. Borges Por outro lado, o baixo escoamento fluvial e as maiores salinidades no período seco (Figura 2), mostraram maior eficiência no transporte vertical durante os ciclos das marés, sugerindo maior contribuição de fontes autóctones de fosfato devido ao maior tempo de residência da água. A ascensão da água intersticial do sedimento à superfície provavelmente contribuiu de forma significativa às elevadas concentrações obtidas na estação (3) deste período, pois a amostragem ocorreu com profundidade de cerca de 1m. Já no período chuvoso, a amostragem foi realizada em uma coluna d’água de cerca de 2,2m, desfavorecendo o alcance da água intersticial do sedimento à superfície. O pH variou pouco entre os períodos, apresentando uma faixa de ≈7,0-7,5. (Tabela 1). Além da maior proximidade das fontes de esgoto, as maiores concentrações de fosfato nas águas da estação (3) também pode estar sendo influenciada pelo pH do local, pois de acordo com Troeh & Thompson (2007), a solubilidade de fosfato é maior em faixa de pH 6,5-7,0. Tabela 1. Físico-químicos e matéria orgânica das águas superficiais das estações oceanográficas. Salinidade pH OD (mg.L-1) *MO (mg.L-1) ESTAÇÕES (3) (2) (1) (3) (2) (1) (3) (2) (1) (3) (2) (1) P. SECO 12 22 23 7,0 7,5 7,4 3,6 6,5 7,1 2,3 1,2 2,4 P. CHUVOSO 5 10 15 6,4 7,2 7,0 2,7 4,6 4,8 2,5 2,1 3,3 Nota: *MOP = Matéria Orgânica Particulada (valores médios). Os teores de OD abaixo de 4 mg.L-1 (Tabela 1) nas águas da estação (3) indicaram processos anaeróbicos nesse trecho do Rio Crumaú, que provavelmente deve-se aos esgotos brutos gerados pelas palafitas, e possivelmente de percolados do aterro sanitário, ambos situados a montante desta estação (Figura 1). Isso pode estar respondendo às concentrações relativamente baixa de matéria orgânica (MO) nas águas do Crumaú (estações 2 e 3) em relação às do Maratuã (estação 1), devido principalmente às substâncias altamente biodegradáveis de esgotos e aos desmatamentos, sugerindo que manguezais preservados contribuem por maiores percentuais de carbono refratário, o que proporciona maior fração particulada na água. UNISANTA BioScience – p.154 - 159; Vol. 4 (2015) nº 3 Página 157 B.O. Sutti; L. Guimarães; J.M.M. Schmiegelow; R.P. Borges Figura 3. Concentrações de fosfato dissolvido. Os valores expressos representam a média ± desvio padrão. Em estudo na Baía da Guanabara (RJ), Borges (2006) demonstrou que o sedimento e a vegetação de manguezal pode influenciar a qualidade ambiental de áreas afastadas de efluentes urbanos devido à retenção ou incorporação de contaminantes como fósforo (P), demonstrando que em ambientes com vegetação viva, o sedimento apresenta maior conteúdo de fósforo orgânico em relação ao inorgânico, devido à incorporação do P-inorgânico pela vegetação e produção do P-orgânico pela mesma, estabelecendo que em áreas degradadas o sedimento passe a incorporar maiores teores de P-inorgânico com significativa parcela antropogênica. Essa dinâmica provavelmente também ocorre na coluna d’água, uma vez que a maior presença de MO nas águas do Maratuã (Tabela 1), devido ao bom estado de preservação dos bosques de manguezal, pode ser uma significativa remoção deste íon por adsorção. Conclusões A vegetação viva de manguezal reduz a concentração de fosfato dissolvido na água estuarina por gerar concentração de matéria orgânica relativamente elevada, a qual retira o fosfato por adsorção, proporcionando pouca disponibilidade ao fitoplâncton. Referências Bibliográficas APHA. American Public Health Association. Standard methods for the examination of water and watwater. 2 ed. Washington. Port City Press. 2005. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR10664: Águas - Determinação de resíduos (sólidos) - Método gravimétrico. Rio de Janeiro:1989. BAUMGARTEN, M. G. Z.; NIENCHESKI, L. F. & VEECK, L. Nutrientes na coluna da água e na água intersticial de sedimentos de uma enseada rasa estuarina com aportes de origem antrópica. Atlântica, v.23, p. 101-116. 2003. UNISANTA BioScience – p.154 - 159; Vol. 4 (2015) nº 3 Página 158 B.O. Sutti; L. Guimarães; J.M.M. Schmiegelow; R.P. Borges CONLEY, D. J.; SMITH, W. M.; CORNWELL; FISHER, T. R. Transformation of particle- bound phosphorus at the land-sea interface. Estuarine, Coast. Shelf Sci, v. 40, p. 161–176, 1995. BORGES, A. de C. Dinâmica do fósforo em sedimentos de manguezal em um gradiente de degradação da vegetação. Niterói: UFF, 152p. Dissertação de mestrado - Programa de Pós-Graduação em Geociências, 2006. CIIAGRO. Centro Integrado de Informações Agrometeorológicas. Disponível em http://www.ciiagro.sp.gov.br/ciiagroonline/Quadros/. Acessado em 02/07/2013. DHN. Diretoria de Hidrografia e Navegação. Disponível em: https://www.mar.mil.br. Acessado em 12/10/2012. GIANESELLA, S.M.F..; MIRANDA, L.B.; CORRÊA, M.A.; MOSER G.A.O. Short-term variability and transport of nutrients and chlorophyll-a in Bertioga Channel, São Paulo State , Brazil. Brazilian journal oceanography, 2005. PRISTA, G. Águas marinhas e estuarinas: métodos de amostragem e armazenamento para nutrientes. Grupo de Investigação em Recursos Marinhos (GIRM). Peniche (Portugal), v.4, p. 69-75, 2012. TROEH, F. 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