SUMÁRIO O PROBLEMA.............................................................................................................3 AS TEORIAS NÃO-CRÍTICAS....................................................................................5 A PEDAGOGIA TRADICIONAL...............................................................................5 A PEDAGOGIA NOVA.............................................................................................7 A PEDAGOGIA TECNICISTA................................................................................12 AS TEORIAS CRÍTICO - REPRODUTIVISTAS........................................................17 TEORIA DO SISTEMA DE ENSINO ENQUANTO VIOLÊNCIA SIMBÓLICA........18 TEORIA DA ESCOLA ENQUANTO APARELHO IDEOLÓGICO DE ESTADO (AIE) ...............................................................................................................................23 TEORIA DA ESCOLA DUALISTA .........................................................................27 PARA UMA TEORIA CRÍTICA DA EDUCAÇÃO.......................................................32 POST-SCRIPTUM.................................................................................................35 ESCOLA E DEMOCRACIA I.....................................................................................39 A TEORIA DA CURVATURA DA VARA................................................................39 O HOMEM LIVRE..................................................................................................42 A MUDANÇA DE INTERESSES............................................................................44 A FALSA CRENÇA DA ESCOLA NOVA...............................................................46 ENSINO NÃO É PESQUISA..................................................................................49 A ESCOLA NOVA NÃO É DEMOCRÁTICA..........................................................52 ESCOLA NOVA: A HEGEMONIA DA CLASSE DOMINANTE..............................54 AS TEORIAS DA EDUCAÇÃO E O PROBLEMA DA MARGINALIDADE O PROBLEMA De acordo com estimativas relativas a 1970, "cerca de 50% dos alunos das escolas primárias desertavam em condições de semi-analfabetismo ou de analfabetismo potencial na maioria dos países da América Latina”. 1 Isto sem se levar em conta o contingente de crianças em idade escolar que sequer têm acesso à escola e que, portanto, já se encontram a priori marginalizadas dela. O simples dado acima indicado lança de imediato em nossos rostos a realidade da marginalidade relativamente ao fenômeno da escolarização. Como interpretar esse dado? Como explicá-lo? Como as teorias da educação se posicionam diante dessa situação? Grosso modo, podemos dizer que, no que diz respeito à questão da marginalidade, as teorias educacionais podem ser classificadas em dois grupos. Num primeiro grupo, temos aquelas teorias que entendem ser a educação um instrumento de equalização social, portanto, de superação da marginalidade. Num segundo grupo, estão às teorias que entendem ser a educação um instrumento de discriminação social, logo, um fator de marginalização. 1 Tedesco, 1981, p. 67 Ora, percebe-se facilmente que ambos os grupos explicam a questão da marginalidade a partir de determinada maneira de entenderias relações entre educação, e sociedade. Assim, para o primeiro grupo a sociedade é concebida como essencialmente harmoniosa, tendendo à integração de seus membros. A marginalidade é, pois, um fenômeno acidental que afeta individualmente a um número maior ou menor de seus membros o que, no entanto, constitui um desvio, uma distorção que não só pode como deve ser corrigida. A educação emerge aí, como um instrumento de correção dessas distorções. Constitui, pois, uma força homogeneizadora que tem por função reforçar os laços sociais, promover a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social. Sua função coincide, pois, no limite, com a superação do fenômeno da marginalidade. Enquanto esta ainda existe, devem se intensificar os esforços educativos; quando for superada, cumpre manter os serviços educativos num nível pelo menos suficiente para impedir o reaparecimento do problema da marginalidade. Como se vê, no que respeita às relações entre educação e sociedade, concebe-se a educação com uma ampla margem de autonomia em face da sociedade. Tanto que lhe cabe um papel decisivo na conformação da sociedade evitando sua desagregação e, mais do que isso, garantindo a construção de uma sociedade igualitária. Já o segundo grupo de teorias concebe a sociedade como sendo essencialmente marcada pela divisão entre grupos ou classes antagônicos que se relacionam à base da força, a qual se manifesta fundamentalmente nas condições de produção da vida material. Nesse quadro, a marginalidade é entendida como um fenômeno inerente à própria estrutura da sociedade. Isto porque o grupo ou classe que detém maior força se converte em dominante se apropriando dos resultados da produção social tendendo, em conseqüência, a relegar os demais à condição de marginalizados. Nesse contexto, a educação é entendida como inteiramente dependente da estrutura social geradora de marginalidade, cumprindo aí a função de reforçar a dominação e legitimar a marginalização. Nesse sentido, a educação, longe de ser um instrumento de superação da marginalidade, se converte num fator de marginalização já que sua forma específica de reproduzir a marginalidade social é a produção da marginalidade cultural e, especificamente, escolar. Tomando como critério de criticidade a percepção dos condicionantes objetivos, denominarei as teorias do primeiro grupo de "teorias não-críticas" já que encaram a educação como autônoma e buscam compreendê-la a partir dela mesma. Inversamente, aquelas do segundo grupo são críticas uma vez que se empenham em compreender a educação remetendo-a sempre a seus condicionantes objetivos, isto é, aos determinantes sociais, vale dizer, à estrutura sócio-econômica que condiciona a forma de manifestação do fenômeno educativo. Como, porém, entendem que a função básica da educação é a reprodução da sociedade, serão por mim denominadas de teorias “crítico-reprodutivistas”. AS TEORIAS NÃO-CRÍTICAS A PEDAGOGIA TRADICIONAL A constituição dos chamados "sistemas nacionais de ensino" data de inícios do século passado. Sua organização inspirou-se no princípio de que a educação é direito de todos e dever do Estado. O direito de todos à educação decorria do tipo de sociedade correspondente aos interesses da nova classe que se consolidara no poder: a burguesia. Tratava-se, pois, de construir uma sociedade democrática, de consolidar a democracia burguesa. Para superar a situação de opressão, própria do "Antigo Regime", e ascender a um tipo de sociedade fundada no contrato social celebrado "livremente" entre os indivíduos, era necessário vencer a barreira da ignorância. Só assim seria possível transformar os súditos em cidadãos, isto é, em indivíduos livres porque esclarecidos, ilustrados. Como realizar essa tarefa? Através do ensino. A escola é erigida, pois, no grande instrumento para converter os súditos em cidadãos. "redimindo os homens de seu duplo pecado histórico: a ignorância, miséria moral e a opressão, miséria política"2 Nesse quadro, a causa da marginalidade é identificada com a ignorância. É marginalizado da nova sociedade quem não é esclarecido. A escola surge como um antídoto à ignorância, logo, um instrumento para equacionar o problema da marginalidade. Seu papel é difundir a instrução, transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente. O mestre-escola será o artífice dessa grande obra. A escola se organiza, pois, como uma agência centrada no professor, o qual transmite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos. À teoria pedagógica acima indicada correspondia determinada maneira de organizar a escola. Como as iniciativas cabiam ao professor, o essencial era contar com um professor razoavelmente bem preparado. Assim, as escolas eram organizadas na forma de classes, cada uma contando com um professor que 2 Zanotti, 1972, p.22,23 expunha as lições que os alunos seguiam atentamente e aplicava os exercícios que os alunos deveriam realizar disciplinadamente. Ao entusiasmo dos primeiros tempos suscitado pelo tipo de escola acima descrito de forma simplificada, sucedeu progressivamente uma crescente decepção. A referida escola, além de não conseguir realizar seu desiderato de universalização (nem todos nela ingressavam e mesmo os que ingressavam nem sempre eram bem sucedidos) ainda teve de curvar-se ante o fato de que nem todos os bem sucedidos se ajustavam ao tipo de sociedade que se queria consolidar. Começaram, então, a se avolumar as críticas a essa teoria da educação e a essa escola que passa a ser chamada de escola tradicional. A PEDAGOGIA NOVA As críticas à pedagogia tradicional formuladas a partir do final do século passado foram, aos poucos, dando origem a uma outra teoria da educação. Esta teoria mantinha a crença no poder da escola e em sua função de equalização social. Portanto, as esperanças de que se pudesse corrigir a distorção expressa no fenômeno da marginalidade, através da escola, ficaram de pé. Se a escola não vinha cumprindo essa função, tal fato se devia a que o tipo de escola implantado - a escola tradicional - se revelara inadequado. Toma corpo, então, um amplo movimento de reforma cuja expressão mais típica ficou conhecida sob o nome de "escolanovismo". Tal movimento tem como ponto de partida a escola tradicional já implantada segundo as diretrizes consubstanciadas na teoria da educação que ficou conhecida como pedagogia tradicional. A pedagogia nova começa, pois, por efetuar a crítica da pedagogia tradicional, esboçando uma nova maneira "de interpretá-la educação e ensaiando implantá-la, primeiro através de experiências restritas; depois, advogando sua generalização no âmbito dos sistemas escolares. Segundo essa nova teoria, a marginalidade deixa de ser vista predominantemente sob o ângulo da ignorância, isto é, o não domínio de conhecimentos. O marginalizado já não é, propriamente, o ignorante, mas o rejeitado. Alguém está integrado não quando é ilustrado, mas quando se sente aceito pelo grupo e, através dele, pela sociedade em seu conjunto. É interessante notar que alguns dos principais representantes da pedagogia nova se converteram a pedagogia a partir da preocupação com os "anormais"' (ver, por exemplo, Decroly e Montessori). A partir das experiências levadas a efeito com crianças "anormais" é que se pretendeu generalizar procedimentos pedagógicos para o conjunto do sistema escolar. Nota-se, então, uma espécie de bio-psicologização da sociedade, da educação, e da escola. Ao conceito de "anormalidade biológica" construído a partir da constatação de deficiências neuro-fisio-lógicas se acrescenta o conceito de "anormalidade psíquica" detectada através dos testes de inteligência, de personalidade etc., que começam a se multiplicar. Forja-se, então, uma pedagogia que advoga um tratamento diferencial a partir da "descoberta" das diferenças individuais. Eis a "grande descoberta": os homens são essencialmente diferentes; não se repetem; cada indivíduo é único. Portanto, a marginalidade não pode ser explicada pelas diferenças entre os homens, quaisquer que elas sejam: não apenas diferenças de cor, de raça, de credo ou de classe, o que já era defendido pela pedagogia tradicional; mas também diferenças no domínio do conhecimento, na participação do saber, no desempenho cognitivo. Marginalizados são os "anormais", isto é, os desajustados e desadaptados de todos os matizes. Mas a "anormalidade" não é algo, em si, negativo; ela é, simplesmente, uma diferença. Portanto, podemos concluir, ainda que isto soe paradoxal, que a anormalidade é um fenômeno, normal. Não é, pois, suficiente para caracterizar a marginalidade. Esta está marcada pela desadaptação ou desajustamento, fenômenos associados ao sentimento de rejeição. A educação, enquanto fator de equalização social será, pois, um instrumento de correção da marginalidade na medida em que cumprir a função de ajustar, de adaptar os indivíduos à sociedade, incutindo neles o sentimento de aceitação dos demais e pelos demais. Portanto, a educação será um instrumento de correção da marginalidade na medida em que contribuir para a constituição de uma sociedade cujos membros, não importam as diferenças de quaisquer tipos, se aceitem mutuamente e se respeitem na sua individualidade específica. Compreende-se, então, que essa maneira de entender a educação, por referência à pedagogia tradicional tenha deslocado o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não-diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada principalmente nas contribuições da biologia e da psicologia. Em suma, trata-se de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender, mas aprender a aprender. Para funcionar de acordo com a concepção acima exposta, obviamente a organização escolar, teria que passar por uma sensível reformulação. Assim, em lugar de classe confiadas a professores que dominavam as grandes áreas do conhecimento revelando-se capazes de colocar os alunos em contato com os grandes textos que eram tomados como modelos a serem imitados e progressivamente assimilados pelos alunos, a escola deveria agrupar os alunos segundo áreas de interesses decorrentes de sua atividade livre. O professor agiria como um estimulador e orientador da aprendizagem cuja iniciativa principal caberia aos próprios alunos. Tal aprendizagem seria uma decorrência espontânea do ambiente estimulante e da relação viva que se estabeleceria entre os alunos e entre estes e o professor. Para tanto, cada professor teria de trabalhar com pequenos grupos de alunos, sem o que a relação inter-pessoal, essência da atividade educativa, ficaria dificultada; e num ambiente estimulante, portanto, dotado de materiais didático ricos, biblioteca de classe etc. Em suma, a feição das escolas mudaria seu aspecto sombrio, disciplinado, silencioso e de paredes opacas, assumindo um ar alegre, movimentado, barulhento e multicolorido. O tipo de escola acima descrito não conseguiu, entretanto alterar significativamente o panorama organizacional dos sistemas escolares. Isto porque, além de outras razões implicava em custos bem mais elevados do que a escola tradicional. Com isto, a "Escola Nova" organizou-se basicamente na forma de escolas experimentais ou como núcleos raros, muito bem equipados e circunscritos a pequenos grupos de elite. No entanto, o ideário escolanovista, tendo sido amplamente difundido, penetrou nas cabeças dos educadores acabando por gerar conseqüências também nas amplas redes escolares oficiais organizadas na forma
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