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Episteme - Filosofia e História das Ciências em Revista vol. 9, n. 19, 2004 PDF

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EDITORIAL ENTRE O VIVER NAS MINAS SETECENTISTAS E O SÉCULO DO GENE É bem provável que o tema científico mais conhecido do público em geral seja o do determinismo genético, tal a quantidade de material que é quase que diariamente veiculado pela imprensa em suas diferentes formas. Destaca- se o determinismo genético porque é exatamente com esta ênfase que os temas são divulgados: “tudo está nos genes”. Se aceitarmos a caracterização de Granger1 de que a segunda metade do século XX seja chamada a Idade da Ciência, não teremos dificuldades em aceitar também o título de O Século do Gene, do livro de Keller,2 referindo-se ao mesmo século XX. Como se sabe, justamente na alvorada daquele século, o trabalho de Mendel é resgatado e inicia-se o desenvolvimento da Genética, cujas repercussões atingiram a agricultura, a pecuária, a biologia humana e o nosso entendimento dos processos da evolução biológica. Pois é exatamente sobre o conceito de gene e seus diferentes significados o que trata um dos artigos deste número de Episteme; seus autores, Gustavo Solha e Edson Silva, analisam as mudanças no conceito de gene e o interpretam à luz da lógica dialética comparativamente à lógica formal. Independentemente da discussão epistemológica sobre o conceito de gene, o que envolve um grupo muito restrito de pessoas, a ligação de diferentes aspectos do comportamento humano à ação dos genes (para ficarmos apenas com a nossa espécie), bem como de outros aspectos puramente biológicos, trazem ao grande público uma carga muito forte de determinismo genético. De um lado, imagina-se que sequenciar3 os genes humanos seria o primeiro passo para, com a ajuda da biotecnologia, resolver os problemas das doenças hereditárias. De outro lado, fortalece-se a imagem de que os genes possuem as informações necessárias (e suficientes) para a construção de um organismo, isto é, constituem-se em um programa genético (a analogia com um programa 1 GRANGER, Gilles-Gaston. A ciência e as ciências. São Paulo: Unesp, 1993. 2 KELLER, Evelyn Fox. O século do gene. Belo Horizonte: Crisálida, 2002. 3 A palavra sequenciar é aqui empregada no sentido do estabelecimento da seqüência linear dos chamados nucleotídeos (uma entre quatro bases nitrogenadas, adenina, timina, citosina e guanina, ligadas respectivamente a uma molécula de ribose e de fosfato) formadores da molécula do DNA. Episteme, Porto Alegre, n. 19, p. 5-8, jul./dez. 2004. 5 de computador é quase total, pois os genes são as instruções, os comandos do programa, o qual, uma vez iniciado, levaria à produção de um novo organismo). Esta imagem, cuja origem deve ser compartilhada tanto por divulgadores da ciência como dos próprios cientistas, é tão equivocada quanto tendenciosa. Uma vez mais, a contribuição do texto referido acima e publicado neste número é fundamental, ainda que não trate especificamente da questão do determinismo genético. Mas saber que o conceito de gene metamorfoseou-se ao longo dos anos é fundamental para o leitor avaliar que as relações entre a atividade dos genes e o organismo formado são bem mais complexas do que a princípio se imaginou. Não existem genes isolados, independentes do seu entorno (usualmente visto como o ambiente); interpretá-los de outro modo é admitir que a velha teoria do pré-formacionismo, também conhecida como a teoria do homúnculo, estava correta. Se um espermatozóide não pode mais ser visto como contendo um ser humano em miniatura, ele todavia dispõe de todas as instruções para produzi-lo. Um mundo bastante diferente era o que se apresentava nas Minas Setecentistas, como nos é descrito no artigo de Ramon Fernandes Grossi, Uma leitura do viver nas Minas Setecentistas a partir do imaginário da doença e da cura. No entanto, aí também vamos detectar a presença de idéias de determinismo biológico. Caso contrário, como entender a afirmação de que “na vida cotidiana daqueles homens e mulheres de outrora, por exemplo, tamanha era a importância dada tanto às crises de abastecimento de grãos quanto à crença corrente que imputava efeitos maléficos ao sangue menstrual e, nesse sentido, refletia o modo como o próprio sexo feminino era interpretado” ? Muitas outras passagens do texto de Grossi nos levam a perceber as associações propostas entre uma doença, ou um aspecto da fisiologia humana e determinados comportamentos. Para os leitores de Episteme que eventualmente não se sentirem motivados por estes dois textos, o presente número oferece várias outras opções de satisfação intelectual. No contexto da evolução biológica, o que o vincula com o artigo anteriormente comentado sobre o conceito de gene, está o texto de Vicente Dressino, Guillermo Denegri e Susana Lamas sobre os alcances e as limitações do conceito de adaptação biológica quando aplicada ao caso do parasitismo. Os três autores, argentinos, já de longa data vêm tratando deste tema, tendo inclusive outros artigos publicados em Episteme sobre temas relacionados. O problema da definição de adaptação, a qual aparece na literatura da biologia evolutiva ora como um resultado, ora como um processo, é altamente relevante nas discussões epistemológicas. Aos interessados em lógica, sugerimos o artigo de Jorge Alberto Molina, o qual discute a concepção cartesiana da álgebra como uma lógica do 6 Episteme, Porto Alegre, n. 19, p. 5-8, jul./dez. 2004. descobrimento científico. Lógica, álgebra, geometria, temas tratados por Molina, poderiam ser vistas também sob a ótica da interdisciplinaridade, um outro tema apresentado neste número de Episteme. Railda Alves, Maria do Carmo Brasileiro e Suerde Oliveira Brito abordam a interdisciplinaridade sob um enfoque histórico e crítico. Segundo estes autores, “a ciência não pretende perder de vista a disciplinaridade, mas vislumbra a possibilidade de um diálogo interdisciplinar, que aproxime os saberes específicos, oriundos dos diversos campos do conhecimento, em uma fala compreensível, audível aos diversos interlocutores”. Em outro artigo instigante, Patrícia Morey tenta responder quais são os limites da redução em ciências sociais. Ela procura mostrar que o reducionismo não é possível nesta área e avança uma proposta segundo a qual um fisicalismo não redutivo seria um modelo que permitiria conceber simultaneamente os objetos sociais como emergentes e dependentes de um nível mais básico. Finalmente, Ondina Pereira procura mostrar algumas propostas de interpretação do mundo contemporâneo no seu artigo O ethos do indivíduo grego e o êxtase do sujeito contemporâneo. Adiciona-se ainda a este número de Episteme, uma resenha de André Luís Mendonça e Antonio Augusto Passos de Oliveira sobre o importante livro de Timothy Lenoir, Instituindo a Ciência: A produção cultural das disciplinas científicas, em excelente tradução e publicação da Editora da Unisinos, São Leopoldo, RS. Aldo Mellender de Araújo, Editor Episteme, Porto Alegre, n. 19, p. 5-8, jul./dez. 2004. 7

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