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Elis - Uma biografia musical PDF

2015·1.86 MB·portuguese
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arthur de faria elis uma biografia musical Porto Alegre - 2015 © Arthur de Faria, 2015 Capa Paola Manica Imagem da capa Acervo/Editora Globo Preparação Rodrigo Breunig Revisão Camila Garcia Kieling ISBN 978-85-6017-172-9 Todos os direitos desta edição reservados a ARQUIPÉLAGO EDITORIAL LTDA. Avenida Iguassu, 418/1101 CEP 90470-430 Porto Alegre — RS Telefone 51 3012-6975 www.arquipelagoeditorial.com.br Pra Maria Luiza Kfouri e pro Juarez Fonseca, que poderiam ter escrito este livro, com amor profundo e seriedade. Na verdade, praticamente o fizeram. Pra Áurea e pra Tóti, que foram heroicas em aguentar o monotemático-da-Elis aqui em casa. Pro Zé e pra Rosinha, que me ensinaram a amar essa mulher. O gaúcho não sabe chegar. Ele fica numa distância, numa coisa separada, o gaúcho não sabe acarinhar, não sabe dizer que gosta... O gaúcho guarda distância dos seus ídolos. Nelson Gonçalves (por sinal, nascido no Rio Grande do Sul) O Brasil e o mundo andam cheios de grandes cantoras. E a mim não interessa ser uma boa cantora a mais. Quero é usar o dom que a Mãe Natureza me deu para diminuir, com ele, a angústia de alguém. Elis Regina Elis Regina faz de qualquer canção uma Marselhesa. Nelson Rodrigues Sumário Apresentação 1. Dá sorte 2. Formiguinha triste 3. Arrastão 4. Samba eu canto assim 5. Boa palavra 6. Elis, como & porque 7. Perdão não tem 8. É com esse que eu vou 9. Elis & Tom 10. Na batucada da vida 11. Falso brilhante 12. Transversal do tempo 12. Um dia 13. Saudade do Brasil 14. Trem azul 15. Chegou, de repente, o fim da viagem Agradecimentos Bibliografia Depoimentos, colaborações e generosas correções Caderno de imagens Apresentação Há mais de 20 anos, Arthur de Faria vem se dedicando a escrever a História da Música Popular de Porto Alegre. O livro que você tem em mãos é apenas um capítulo desta grande saga, capítulo este fundamental para a História da Música Popular do Brasil. O que Arthur faz aqui é situar — devida, justa e necessariamente — sua biografada na cena musical brasileira a partir da segunda metade da década de 1960. E, neste sentido, é um livro ao mesmo tempo inaugural e definitivo no que diz respeito àquela que considero a maior cantora e um dos maiores músicos deste país de tão grande música e tão grandes músicos. Porque Arthur vai ao ponto que mais interessa — ou deveria mais interessar — sobre Elis Regina. Ele descreve com exatidão sua imensa importância e sua participação fundamental nos acontecimentos históricos e musicais que pautaram anos riquíssimos da produção musical brasileira, apesar da escuridão e da violência impostas pela ditadura civil-militar depois de março de 1964. Arthur fala da vida pessoal de Elis? Sim, fala. Na exata medida em que vida e arte são indissociáveis. No entanto, os irrelevantes disse-me-disse, as fofocas, as invencionices, tudo aquilo mais ao gosto das revistas desde sempre marrons ficam de fora para que o foco seja a arte de uma figura genial. Arthur não tem nenhuma vocação para o sensacionalismo. Sobretudo, músico que é, ele explica muito bem ao leitor como e por que Elis era uma cantora (um músico) excepcional. Uma pessoa muito inteligente que, quando abria a boca pra cantar, tinha estudado aquela canção, refletido sobre sua letra, pensado no que gostaria de dizer naquele momento. Uma cantora que ganhou a admiração musical e pessoal da maioria dos grandes instrumentistas que trabalharam com ela, como eu mesma pude atestar ao entrevistá-los para uma série de programas de rádio que é citada neste livro. Existe até hoje uma forte tendência a considerar o eixo Rio-São Paulo como o mais importante do país e, portanto, a fixar o início e a relevância dos acontecimentos a partir deste eixo. É certo que Elis aconteceu para todo o Brasil a partir de um Festival realizado em São Paulo e transmitido pela televisão. Mas muito antes disso, Elis começou a construir sua carreira e seu aprendizado como cantora trabalhando — e muito — em Porto Alegre e convivendo com excelentes músicos locais. Não era apenas uma menina brincando de cantar no rádio pra alegrar e envaidecer a família. Era uma menina trabalhando, cantando em toda parte, e ajudando no parco orçamento da família. Toda esta trajetória anterior ao sucesso nacional é contada aqui com riqueza de detalhes, deixando claro que a mocinha que chegou ao Rio de Janeiro em março de 1964 não era uma folha em branco, sem história. E aqui cabe um parêntese. Arthur não se deixa levar por tentações fáceis e superficiais e destrói alguns mitos criados em torno de Elis, às vezes por ela mesma. Um deles é o de que ela teria chegado ao Rio de Janeiro no mesmo dia em que foi deflagrado o famigerado e desastroso golpe militar. O surgimento nacional de Elis, em 1965, cantando “Arrastão” no I Festival de Música Popular Brasileira teve, para a minha geração (eu tinha 11 anos na época), o mesmo impacto transformador que João Gilberto, ao cantar “Chega de saudade”, causou na geração imediatamente anterior. Até porque, junto com ela, e muitas vezes pela voz dela, vieram Edu Lobo, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Baden Powell... E, um pouquinho depois, com sua voz dando o pontapé inicial, Milton Nascimento e Fernando Brant, Ivan Lins, João Bosco e Aldir Blanc, só pra citar os mais notáveis. Além do já conhecidíssimo faro para lançar compositores — que revela uma incessante procura e nenhum acomodamento — pode-se acrescentar ao currículo de Elis o fato de ter recuperado Tom Jobim para o Brasil ao gravar “Águas de março”, em 1972. O compositor, depois de gravar em 1967 um disco com Frank Sinatra, passou a ser vítima de uma síndrome brasileira que, anos antes, também atingira Carmen Miranda. Foi acusado de se ter americanizado, de ter esquecido que era brasileiro (“imagine só: cantando em inglês!”, diziam) e o que era pra ter sido um orgulho ganhou o desprezo de seus conterrâneos. Como ele mesmo dizia, “fazer sucesso ofende”. “Águas de março”, na voz de Elis, ganhou as rádios de todo o país e germinou nela a ideia, realizada dois anos depois, de gravar um disco com Jobim. Pois quando os dois fizeram o show de lançamento deste disco, havia quase dez anos que ele não pisava num palco brasileiro. A história da gravação deste disco e todos os quiproquós que a envolveram é contada por Arthur de forma absolutamente saborosa, com todos os bons e maus humores característicos da personalidade de nossa maior cantora e todas as dúvidas e inquietações de nosso maior compositor. Esta é outra qualidade essencial deste livro. Jornalista e pesquisador que também é, Arthur escreve muito bem. Sua narrativa é informal, coloquial e bem- humorada, além de ser precisa, clara e muito bem realizada. Esta tem sido a tônica de sua História da Música Popular de Porto Alegre. Que, como Elis Regina, não é só de Porto Alegre, mas do Brasil. Há muitas razões que explicam o fato de que — mais de 30 anos depois de sua morte — Elis, ao contrário de ter sido esquecida, continue a ser cultuada e, como diz Fernanda Montenegro, “cante cada vez melhor”. Como um joalheiro que sabe muito bem a preciosidade que tem em suas mãos, Arthur de Faria não só explica cada uma dessas razões como dá a Elis Regina a biografia musical que ela há muito merecia. Para mim, pessoalmente, é uma alegria que esta biografia exista e uma honra ter sido — ao lado de pessoas que muito admiro — uma das interlocutoras de seu autor durante sua feitura. E como não desejo atrasar nem mais um minuto o seu prazer de ler este livro, vou fazer o que o compositor disse à Elis que fizesse. Vou parar aqui. Assim. Maria Luiza Kfouri, agosto de 2015 1. Dá sorte Eu nasci em Porto Alegre, em 1945, no dia 17 de março, num domingo, às duas e dez da tarde — estragando o café da mamãe, aquele lanche maravilhoso... E eu fui a primeira filha, muito esperada, de um casal de dois anos de vida em comum. Primeira neta e primeira sobrinha de uma família de sete pessoas que se adoravam muitíssimo e resolveram me adotar como filha de todos. Eu achei tudo ótimo, tudo maravilhoso — principalmente o talento comercial do papai, porque ele olhou para mim e deve ter pensado assim: que esta menina quando crescer vai ser cantora. Então um ótimo nome para cantora é Elis Regina. Entende? Porque você sabe, é esquisito, porque eu ia me chamar só Elis. Ele foi me registrar, né? Seu Romeu foi lá e disse: vim registrar a menina, minha filha que nasceu. Qual é o nome? Elis. Mas tem um pequeno problema, meu senhor, porque esse nome serve para pessoas tanto do sexo masculino quanto pro sexo feminino. Então a gente tem que dar um jeito de diferenciar isso aí, porque, se não, vai criar problemas para a criança mais tarde. Aí ele deve ter pensado de novo: vai ser cantora, e Regina vai ficar muito bem ao lado de Elis. E aí ele botou Elis Regina Carvalho Costa. A bebê veio ao mundo no Hospital da Beneficência Portuguesa, em Porto Alegre. E, para quem acha isso importante — ela achava —, é bom saber: Peixes. Nas palavras dela: “Eu sou do signo [...] que é simbolizado por um peixe virado para a direita e outro para a esquerda. Tem hora que estou com o peixe de cima e está tudo bem. Mas aí entra o peixe de baixo e complica tudo”. Teve, como diria o jornalista, ator e elisófilo Zeca Kiechaloski, uma infância pobre e estrábica. Filha única até os quatro anos — quando nasceu o querido irmão Rogério —, criou-se à beira do Rio Guaíba, no bairro Navegantes, famoso por suas procissões a Nossa Senhora — a rainha (Regina) que lhe inspirou o segundo nome. Sempre precoce, entrou para o Grupo Escolar Gonçalves Dias já lendo. Em 1952, a família Carvalho Costa — encabeçada por Seu Romeu e Dona Ercy — muda-se para o bairro do Passo D’Areia. Mais especificamente, para a Vila do IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários). Projeto concebido pelo governo Vargas, a vila segue hoje com sua

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