UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA Eduardo Socha Tempo musical em Theodor W. Adorno São Paulo 2015 Eduardo Socha Tempo musical em Theodor W. Adorno Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Filosofia sob a orientação do Prof. Dr. Vladimir Pinheiro Safatle São Paulo 2015 SOCHA, E. Tempo musical em Theodor W. Adorno. 2015. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Para a Lia Agradecimentos Ao professor Vladimir Safatle, pela orientação e pela confiança irrestrita. A ele, devo os eventuais acertos do trabalho e a advertência para seus riscos. Aos professores Jorge de Almeida e Ricardo Fabbrini, pela generosidade e pelo rigor crítico das considerações durante o exame de qualificação. Ao professor Georg W. Bertram, pela supervisão e pela acolhida em seu grupo de seminários no Instituto de Filosofia da Freie Universität Berlin. A Michael Schwarz, do Theodor W. Adorno Archiv na AdK-Berlin, pelo verdadeiro interesse no diálogo e na sugestão de documentos à pesquisa. À FAPESP, pela concessão das bolsas de doutorado e de apoio a estágio de pesquisa na Alemanha. Às funcionárias do Departamento de Filosofia da USP, Luciana Nóbrega, Maria Helena Barboza, Marie Pedroso. A Igor Baggio e Lucas Vilalta, com quem tive a sorte de discutir em profundidade os ensaios de Adorno e algumas das questões espinhosas de teoria musical. A Antonin Wiser e Marion Maurin, pelos diálogos imprevistos que se revelaram imprescindíveis para este trabalho. Aos amigos do grupo de Teoria Estética, Silvio Carneiro, Henrique Xavier, Marilia Pisani e Paula Martins, pelos debates sempre prazerosos sobre Adorno, Marcuse, autonomia e sorvetes. Aos participantes dos almoços de domingo, que vêm conciliando filosofia e culinária de modo altamente festivo e produtivo. Em especial, aos amigos Fábio Franco, Ronaldo Manzi, Virginia Ferreira, Bruna Coelho, Mariana Pimentel, Rafael Gargano, Juliana Portilho. Àqueles que contribuíram para este trabalho com sugestões e comentários: Gustavo Pedroso, Silvana Ramos, Henry Burnett, Shierry Weber Nicholsen, Eduardo Guerreiro, Jean- Pierre Caron, Antonio Herci, Mario Videira. Aos queridos amigos Julián, Fernanda, Guilherme, Ligia, Carioca, Gazi, pelas jornadas e conversas diuturnas. À minha família, Marli, Sérgio, Alexandre, Andrea e Amanda, pela compreensão, afeto e apoio incondicionais. E, especialmente, à minha companheira Lia, pelo tempo vivido de todos os dias, pela música viva de todas as noites. A arte é o que a arte veio a ser, para bem ou para mal: a sua figura tardo-capitalista preside à revisão crítica do objeto, criando um modelo de discussão filosófica historicizada a partir da crise do presente – Roberto Schwarz Sobre Adorno (entrevista), Martinha versus Lucrécia A vida prejudica a expressão da vida – Bernardo Soares Estética do Artifício, Livro do Desassossego RESUMO SOCHA, E. Tempo musical em Theodor W. Adorno. 2015. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. A partir da constatação dos diversos modos de formalização da experiência temporal na música do século 20, pretende-se analisar a consolidação do conceito de tempo musical no pensamento de Theodor W. Adorno. O escopo adotado será sua crítica ao serialismo pós- Webern, vinculada ao debate com os compositores da “Escola de Darmstadt” nas décadas de 1950 e 60, e sobre a qual operam seus conceitos de material e música informal. Um duplo propósito orienta a tese. Primeiramente, trata-se de esclarecer os referenciais do conceito de tempo que Adorno mobiliza em seus escritos musicais, tomando por base a reciprocidade entre categorias filosóficas e musicais que o filósofo sempre sustentou em seu percurso intelectual. História da filosofia e história da música constituem, para Adorno, campos para uma crítica convergente à progressiva espacialização e “destemporalização do tempo”. Nesse sentido, os Beethoven-Fragmente contribuem para uma primeira elucidação do conceito materialista. Já os ensaios sobre Stravinsky e sobre as relações entre música e pintura demonstram o potencial crítico e especulativo do conceito. Em um segundo momento, a tese procura descrever, em contraponto ao pensamento adorniano, as abordagens teóricas propostas por Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen sobre o problemática do tempo musical, com as quais Adorno teve contato. Identificamos, então, no encaminhamento programático de uma música informal o ponto culminante da crítica de Adorno às orientações teóricas e práticas da vanguarda serialista no pós-guerra. Notamos que sua intensa participação nos cursos de Darmstadt entre 1952 e 1966 (onde atuou como professor, crítico, conferencista e organizador de debates) esteve fortemente alinhada à sua produção ensaística e monográfica voltada à música no mesmo período. Nesse sentido, acreditamos que a confrontação com os compositores de Darmstadt viabilizou uma ocasião decisiva para que o filósofo expusesse criticamente e colocasse à prova os critérios de seu conceito de tempo musical. Palavras-chave: Adorno, estética, música, filosofia, tempo musical, escola de Darmstadt, vanguarda, Boulez, Stockhausen ABSTRACT SOCHA, E. Musical time in Theodor W. Adorno. 2015. (Doctoral dissertation) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. This dissertation concerns the concept of musical time in Adorno’s philosophy and emphasizes his critique of post-Webern serialism, noticeable in his frequent interventions in the context of the Kranichstein-Darmstadt Summer Courses and the radio debates during the 1950s and 60s. These include controversial essays like Das Altern der neuen Musik, Die Funktion des Kontrapunkts in der neuen Musik, Kriterien der neuen Musik – as well as his later related programmatic notion of informal music presented in the Darmstadt lecture Vers une musique informelle (1961). In these interventions, Adorno insists – whether explicitly or not – on the conservancy of a specific way of structuring inner temporal relationships between musical events. This type of formalization and perception of time became eluded with the advance of avant-garde compositional procedures. The dissertation has two parts and a dual purpose. First, it examines the references to the specific notion of time that Adorno develops in his musical thought, contemplating the reciprocity between philosophical and musical categories held by his historical-materialist approach. This philosophical framework ascribes a progressive “rationalization” or “detemporalization” of time in Western culture through the advance of Enlightenment, which would also be recognizable in the history of musical forms. Hence, for Adorno, “detemporalization of time” (title of an important sub-chapter of Negative Dialektik) in philosophy resulted from a symmetrical thrust that imposed a progressive “spatialization of musical time” (a central claim from Philosophie der neuen Musik). The late published Beethoven-Fragmente offers a great deal of elucidation about his concept of musical time; whereas his Stravinsky critique and the essays on the relationship between music and painting clearly shape the critical singularity of the concept. Secondly, this dissertation describes, as a counterpoint to Adorno’s concept, the theoretical approaches proposed by Pierre Boulez and Karlheinz Stockhausen on musical time. It is shown why the notion of informal music can be considered the epitome of Adorno’s musical reflection after Philosophie der neuen Musik (1949), considering his ambivalent criticism of these post-war avant-garde orientations. In short, one observes that Adorno’s regular attendance of the Darmstadt Summer Courses, from 1950 until 1966, is closely linked to his publications and thoughts on music aesthetics of the same period. We argue that these reflections on the directions of the avant-garde provided him the opportunity to better present and confront the elements of his concept of musical time. Key Words: Adorno, aesthetics, music, philosophy, musical time, Darmstadt school, avant- garde, Boulez, Stockhausen Lista de abreviações GS – Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften in 20 Bänden (obras completas). Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1986; Berlin: Directmedia-Surkhamp, 2003 (CD-ROM, Digitale Bibliothek). (a referência às páginas [PP] corresponde à dos volumes impressos [VV] da coleção e segue o formato “GS VV, PP”) FNM – Philosophie der neuen Musik (in GS 12) Wagner – Versuch über Wagner (in GS 13) Das Altern – Das Altern der neuen Musik (in Dissonanzen. Musik in der verwalteten Welt, GS 14) Mahler – Mahler. Eine musikalische Physiognomik (in GS 13) QUF – Quasi una fantasia (in GS 16) Beethoven – Beethoven, Philosophie der Musik: Fragmente und Texte. Organizado por Rolf Tiedemann. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993. Nachgelassene Schriften I/1. (a indicação dos fragmentos será precedida por §) Traduções mais consultadas (ver lista completa na bibliografia): DE – Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Trad. Guido de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985 PNM – Philosophie de la nouvelle musique. Trad. Hans Hildenbrand; Alex Lindenberg. Paris: Gallimard, 1979 DN – Dialética Negativa. Trad. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. TE – Teoria Estética. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2008 Obs: a não ser quando indicadas, as traduções das citações foram livres, realizadas por mim ÍNDICE APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................... 11! Notas avulsas sobre a questão do tempo em Adorno ..................................................................................... 16! Estrutura da tese ............................................................................................................................................. 25! PARTE I .................................................................................................................................... 37! Introdução ........................................................................................................................... 38! Tempo musical como tempo histórico refletido ............................................................................................. 38! 1. Beethoven: paradigma do tempo musical ....................................................................... 45! Os fragmentos e a teoria dos tipos ................................................................................................................. 45! 1.1 Tipo intensivo ou dramático ..................................................................................................................... 55! 1.2 Tipo extensivo ou épico ........................................................................................................................... 83! 1.3 Estilo tardio .............................................................................................................................................. 94! 2. Stravinsky: fim da experiência do tempo musical ........................................................ 101! 2.1 Os gestos de Wagner: “aqui o tempo vira espaço” ................................................................................ 102! 2.2 Choque e dissociação do tempo em FNM .............................................................................................. 108! 2.3 Pseudomorfoses ...................................................................................................................................... 121! 2.4 O ensaio “Stravinsky, um retrato dialético” ........................................................................................... 128! 3. Arte do tempo e arte do espaço .................................................................................... 143! 3.1 Lessing: limites da pintura e da poesia .................................................................................................. 147! 3.2 Os ensaios de 1950 e 1965 sobre música e pintura ................................................................................ 155! 3.3 Convergência, imbricação e rejeição de uma síntese sistemática das artes ........................................... 167! 3.4 Nominalismo. Sentidos para a espacialização do tempo ....................................................................... 174! PARTE II ................................................................................................................................. 178! Introdução ......................................................................................................................... 179! “Escola de Darmstadt”: panorama histórico ................................................................................................ 179! Adorno em Darmstadt e o incidente de 1951 ............................................................................................... 188! 4. Boulez: sistema racional de tempo ............................................................................... 193! 4.1 Derivando estruturas de Messiaen e Webern ......................................................................................... 193! 4.2 Ângulo de audição a posteriori e o “sistema racional de tempo” .......................................................... 207! 5. “Envelhecimento da nova música” .............................................................................. 223! 5.1 Um falso precursor ................................................................................................................................. 224! 5.2 Teimosa racionalização .......................................................................................................................... 228! 5.3 O debate com Metzger ........................................................................................................................... 242! 6. Stockhausen: morfologia do tempo musical ................................................................. 254! 6.1 “como o tempo passa” ............................................................................................................................ 254! 6.2 “A unidade do tempo musical” .............................................................................................................. 262! 6.3 A ambivalência de Adorno sobre a teoria de Stockhausen .................................................................... 267! 7. Depois do serialismo .................................................................................................... 283! 7.1 Musique informelle: metateoria de Filosofia da nova música? ............................................................. 283! 7.2 Forma, cor e tempo: os últimos escritos musicais .................................................................................. 299! CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 312! ÍNDICE DE FIGURAS ............................................................................................................... 322! BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................... 323!
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