UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM ADRIANO LACERDA DE SOUZA ROLIM JEAN DES ESSEINTES E CHARLES BAUDELAIRE AFINIDADES DA DECADÊNCIA CAMPINAS 2009 ADRIANO LACERDA DE SOUZA ROLIM JEAN DES ESSEINTES E CHARLES BAUDELAIRE: AFINIDADES DA DECADÊNCIA Monografia apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Estudos Literários. Orientador: Prof. Dr. Mário Luiz Frungillo CAMPINAS 2009 ii 2 Dedico este primeiro passo aos que moram comigo e têm me apoiado todos os dias: Abel e Maria – meus pais – e minha irmã Juliana; também a Ana Cláudia, grande incentivadora, e à memória do meu querido irmão Adélysson. iii3 AGRADECIMENTOS Ao Professor Mário, pela orientação paciente e objetiva; à Professora Maria Betânia Amoroso, conselheira espiritual desde os primeiros dias de Unicamp; à banca examinadora, na pessoa do Professor Eric Mitchell Sabinson e da doutoranda Paula Gomes Macário, pelas proveitosas sugestões; ao Professor Luiz Antonio Amaral (UNESP – Araraquara), especialista em J.-K. Huysmans, pela disponibilidade nas comunicações on-line; e aos amigos, pelas boas conversas, leituras e discussões. Meus agradecimentos, enfim, a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho. iv4 “Être un homme utile m’a paru toujours quelque chose de bien hideux” Charles Baudelaire 5v RESUMO As obras de J.-K. Huysmans e Charles Baudelaire, em suas aspirações ultra- românticas, assemelham-se no cumprimento de um projeto de modernidade característico do século XIX, sobretudo se colocamos o esteticismo do dândi de À Rebours diante do poeta das Fleurs du Mal e do Spleen de Paris com seu horror ao mundo. Trata-se do desejo profundo de encontrar o lugar em que a vida não seja um instrumento a serviço do lucro, mas um árduo trabalho mental, o culto obstinado a um novo tipo de sublime. À Rebours é a exposição doentia de um impasse: através do enredo diluído e da reação ao programa estético naturalista o livro evidencia uma crise do romance. O autor encontra na poesia de Baudelaire a direção espiritual para seu excêntrico herói, um inepto que deseja, com todo seu desprezo e erudição, experimentar o fora-do-mundo, um lugar cuja religião é a Arte, um não-lugar esfumaçado por obras de homens como Gustave Moreau, Edgar Poe, Stéphane Mallarmé, Marquis de Sade e Charles Baudelaire. O isolamento de des Esseintes leva a tamanha hipertrofia mental que chega o momento de escolher: voltar ao mundo ou morrer? A decisão do personagem leva a nova pergunta: que fazer após intenso e solitário mergulho na Arte quando, de repente, o mundo bate às portas e ameaça? Palavras-chave: Literatura Francesa; Decadência; Simbolismo; Baudelaire; Huysmans. 6vi ABSTRACT J.-K. Huysmans’s and Charles Baudelaire’s works, with their ultra-romantic aspirations, resemble each other in the execution of a XIX century characteristic modernity project, mainly if we put the dandy’s estheticism before the poet of Fleurs du Mal and Spleen de Paris with his horror about the world. It is about the deep desire of finding the place where life is not an instrument on behalf of profit, but an arduous mental work, the obstinate cult to a new kind of sublime. À Rebours is the unhealthy exhibition of an impasse: through the diluted plot and the reaction to the naturalistic aesthetic program this book evidences a romance crisis. In Baudelairean poetry the author finds the spiritual direction for his eccentric hero, an inept one who, with his whole disdain and erudition, wants to try the out-of-the-world, a place whose religion is the Art, a no-place inebriated by men’s works like Gustave Moreau, Edgar Poe, Stephane Mallarme, Marquis de Sade and Charles Baudelaire. Des Esseintes isolation takes to such mental hipertrofia that ends up at the moment of choosing: return to the world or die? The character’s decision takes to a new question: what to do after an intense and solitary plunge in the Art when suddenly the world knocks on the door and threatens? Key words: French Literature; Decadence; Symbolism; Baudelaire; Huysmans. vii 7 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...............................................................................................09 2. DES ESSEINTES, BAUDELAIRE E A DECADÊNCIA............................12 3. DE REPENTE, À REBOURS.........................................................................15 4. SÃO BAUDELAIRE DE FONTENAY.........................................................18 4.1. LA MORT DES AMANTS…………………………………………...20 4.2. L’ENNEMI…………………………………………………………..22 4.3. ANY WHERE OUT OF THE WORLD……………………………...24 4.4. UMA PALAVRA SOBRE O ELEITO..............................................27 5. BAUDELAIRE E MOREAU.........................................................................32 6. TRANSMIGRAÇÃO DE ALMAS................................................................35 REFERÊNCIAS..........................................................................................................43 ANEXOS......................................................................................................................46 viii8 1. INTRODUÇÃO Estamos em 1884. Mês de maio. Joris-Karl Huysmans, mais conhecido como J.-K. Huysmans – hoje não tão conhecido assim – publica À Rebours [Às Avessas], livro que ficaria conhecido como a “Bíblia do Decadentismo” e tornar-se-ia um marco tanto para a história do autor quanto para a história da Literatura, mais precisamente a modernidade fin- de-siècle do XIX e seus herdeiros. À Rebours inicia-se com uma Notice, que deixa claras uma espécie de paródia e a ruptura com o naturalismo de Zola. Narra-se a história de Jean des Esseintes, um jovem aristocrata parisiense. Sua família está em franca decadência, sendo ele próprio a maior evidência disto: nada lhe restou da virilidade de seus antepassados; sua fisionomia é frágil, efeminada, doentia, lembrando-nos o Usher de Edgar Poe. Após uma infância fúnebre no castelo de Lourps (perdera os pais bastante jovem), des Esseintes, educado num colégio jesuíta e desde cedo afeito a livros e ao latim, herda dessa nobreza decadente o título de duque e uma situação financeira que lhe permitirá seu dandismo e suas extravagâncias; freqüenta diversos círculos da sociedade: os próprios parentes, resquícios de feudalismo, são velhos catarrentos e de conversas maçantes; os jovens da sua idade, vazios de pensamento, criaturas absolutamente desinteressantes; e os homens de letras, seres enfadonhos, que julgam o valor de uma obra em função do número de edições e dos lucros de vendas. O duque entedia-se e enoja-se com todos estes. Enterra-se então em aventuras sexuais, a tal ponto que fica impotente, e o tédio aumenta. Até aqui, o leitor de 1884 bem que poderia esperar mais um romance naturalista: o determinismo do meio agindo sobre o homem; o histórico da evolução documentada de uma patologia... No entanto, é emblemático que esta seja mesmo apenas uma notice. A seguir, teremos dezesseis capítulos, nenhum deles nomeado – apenas enumerados de I a XVI – de um livro que sugerirá a cada linha o significado de seu título. Des Esseintes enoja-se do mundo real/ natural e resolve isolar-se. No capítulo I, já o vemos construindo seu próprio ambiente. Tendo comprado uma casa em Fontenay-aux-Roses, faz desta o seu refúgio artificial e a decoração da nova tebaida será a única missão desse herói solitário que se perde em digressões, demora longos parágrafos até se decidir por esta cortina ou aquela cor de parede, hesita, cria essências de perfumes, cultiva flores artificiais, zomba da natureza, enerva-se com facilidade e aprecia artistas como Gustave Moreau, Jan Luyken e Odilon Redon. Nesse construir o seu próprio ambiente está o símbolo maior do “às avessas”, o “desnaturalismo”, o “desdeterminismo”. O gosto refinado de des Esseintes elege Charles Baudelaire como diretor de alma. Eis, pois, onde nos deteremos. 9 A partir de uma leitura dos três poemas de Baudelaire venerados por des Esseintes no primeiro capítulo do À Rebours de Huysmans; tendo em mente as diversas aparições do poeta das Fleurs du Mal [Flores do Mal] neste livro, apresenta-se no texto monográfico a seguir uma tentativa de explorar afinidades entre o personagem e o autor em questão. Primeiro uma contextualização do momento literário em que se inserem. A partir daí a análise dos poemas La Mort des Amants [A Morte dos Amantes], L’Ennemi [O Inimigo] e Any Where out of the World [Seja Onde for, Fora do Mundo] à luz da excitação nervosa de Jean des Esseintes. Segue-se uma reflexão sobre o significado de eleger Baudelaire como paradigma estético. Tal paradigma leva des Esseintes a Gustave Moreau, seu pintor predileto, sobre quem também diremos algumas palavras, considerando não só o des Esseintes que admira Moreau à luz de Baudelaire, mas o próprio Huysmans que aproxima o artista e o poeta também em seus escritos sobre Arte. Passamos então às considerações finais suscitadas pela “transferência de almas” observada nas reflexões de des Esseintes, seu narrador e o próprio autor J.-K. Huysmans diante de Charles Baudelaire. Longe está a reivindicação de alguma novidade na aproximação proposta. Por outro lado, ao menos dos estudos lidos até aqui, poucas vezes dedica-se mais que uma página ao episódio da “eleição de Baudelaire”. A nevrose autoprovocativa de des Esseintes, acredito, sugere-nos que ler com cuidado os três poemas expostos no altar do duque pode enriquecer a leitura de À Rebours. Além disso, lidamos com dois momentos singulares da decadência: Baudelaire e Huysmans. Se o primeiro internacionalizou-se e dele temos uma profusão de estudos e artigos em português, Huysmans, fora da França, e talvez até por lá também, vai ficando no ostracismo1. A primeira tradução de À Rebours no Brasil foi ontem mesmo (1987), mais de um século decorrido de sua aparição na França. Isso porque falamos de seu livro mais conhecido! Não quero fazer apologias, mas o autor tem uma trajetória – de vida e obra – assaz interessante: passa de naturalista do círculo de Médan, liderado por Zola, a celibatário num convento no fim da vida. À Rebours está justamente no meio desse caminho. É o momento da ruptura com um naturalismo do qual Huysmans já se saturara, momento de crise e de busca 1 Luiz Antonio Amaral, em estudo publicado recentemente, fala sobre a pouca acessibilidade à obra de Huysmans no País: “Hoje, no Brasil, é possível ler Às Avessas, na tradução de José Paulo Paes e O Castelo do Homem Ancorado, uma tradução portuguesa de En Rade, realizada por Aníbal Fernandes, publicada pela Editorial Estampa Ltda. Lisboa, 1985. Quanto a artigos produzidos no Brasil, o primeiro deles é sobre Les Soeurs Vatard e apareceu no Jornal do Brasil, sem data. Só as obras católicas de Huysmans é que tiveram uma recepção na imprensa brasileira do início do século XX (...) Nenhuma referência à morte de Huysmans foi registrada, à época, no Brasil (...) Issacharoff comenta com espanto que À Rebours e sua primeira tradução no estrangeiro, demorou vinte e nove anos para acontecer, e foi em Praga, em 1913. José Paulo Paes brindou o público brasileiro com sua tradução em 1987, ou seja, depois de cento e três anos. Podemos adivinhar o tamanho do espanto de Michael Issacharoff, caso ele tivesse recebido essa informação à época da fatura de sua tese aqui citada!” (AMARAL, 2007, p.70-71) 10
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