UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro Do sigma ao sigma – entre a anta, a águia, o leão e o galo – a construção de memórias integralistas Niterói 2007 Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro Do sigma ao sigma – entre a anta, a águia, o leão e o galo – a construção de memórias integralistas Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor – Área de concentração: História Política. Orientador: Profa. Dra. Ana Maria Mauad Niterói 2007 Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro Do sigma ao sigma – entre a anta, a águia, o leão e o galo – a construção de memórias integralistas Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor – Área de concentração: História Política. Banca examinadora ____________________________________________________ Profa. Dra. Ana Maria Mauad Universidade Federal Fluminense ____________________________________________________ Profa. Dra. Márcia Menendes Motta Universidade Federal Fluminense ____________________________________________________ Profa. Dra. Lúcia Grinberg Universidade Cândido Mendes ____________________________________________________ Profa. Dra. Maria Paula Nascimento de Araújo, Universidade Federal do Rio de Janeiro ____________________________________________________ Prof. Dr. Fábio Bertonha Universidade Estadual de Maringá Resumo Esta tese dedica-se a analisar a construção de memórias integralistas produzidas por aqueles que se consideram depositários do direito de mantê-las presentes na História e que procuram demonstrar a importância da Ação Integralista Brasileira como movimento político- social de massa da década de 1930. Entendendo que as idéias integralistas, em determinados momentos da história do Brasil, são consideradas base para projetos de organização partidária, propõe-se a composição de uma periodização a partir do lançamento do Manifesto de Outubro de 1932. Nestes períodos, pelos quais atravessa a memória do integralismo, percebe-se a tentativa de continuidade do movimento como organização política capaz de, ao resgatar e manter as idéias e propostas fundadoras da AIB, torná-las parâmetros para intervenção na vida pública nacional no atual século e para o futuro.Para esta análise utilizo-me principalmente da metodologia da História Oral que permite a produção das fontes no contato direto e pessoal entre historiador e o depoente, tornando-o co-produtor do conhecimento. Neste caso, com a militância da década de 1930 à atual. A observação de campo, feita a partir do comparecimento às reuniões e eventos comemorativos durante uma década de pesquisa, contribuiu para a apreensão do movimento no seu interior organizativo e, desta forma, entendê-lo como espaços de disputas do que é considerado significativo para os integralistas: o respeito, a observação e a interpretação das verdades doutrinárias que compõem a memória que querem preservar. Para embasar meu trabalho de análise, busco, primordialmente, apreender a constituição do movimento, sua história e as características sócio-culturais a partir, principalmente, das perspectivas de Antonio Gramsci e Mikhail Bakhtin. Estes demonstram que a produção de idéias não escapa às múltiplas determinações contextuais e conjunturais de quaisquer tempos e que os homens produzem a História no constante diálogo com os outros homens, ainda que se busque resgatar no passado as suas origens e utopias. Abstract This thesis aims to analyze the construction of Integralist memories produced by those that consider themselves as depositaries of the right to keep them present in History and try to demonstrate the importance of Brazilian Integralist Action as a mass movement of the decade of 1930. Understanding that the Integralist ideas, in determined moments of the Brazilian history, are considered basis for projects of organization of political parties, the thesis proposes the composition of a periodization, in which the defenders of the movement make the rescue of the memory of the founding period, the Manifest of October of 1932, relevant. In these periods, through which crosses the memory of Integralism, it is noticed the attempt of continuity of the movement as a political organization, when rescuing and keeping the ideas and the founding proposals of AIB, able to make them parameters for intervention in the national public life in the current century and for the future. For this analysis, I mainly make use of the methodology of Oral History that allows the production of sources in the direct and personal contact between historian and the deponent, making him co-producer of the knowledge. In this case, with militancy from the decade of 1930 to the current one. The field observation, made out of the attendance to the meetings and commemorative events for one decade of research, contributed for the apprehension of the movement in its organizing interior and, this way, understanding it as space of disputes of what is considered significant for the Integralists: respect, observation and interpretation of the doctrinal truths that compose the memory they want to preserve. To base my analysis work, I primordially search to apprehend the constitution of the movement, its history and the socio-cultural characteristics, principally from the perspectives of Antonio Gramsci and Mikhail Bakhtin. They demonstrate that the production of ideas does not escape from the multiple contextual and conjunctural determination of any time and that men produce History in constant dialogue with other men, although they search to rescue in the past their origins and utopias. SUMÁRIO Introdução – A Herança e seus herdeiros: 1 Parte I Os Homens, o Tempo e as Idéias Capítulo 1: Memória: escudo e espada 17 I. História e Memória 17 II. Memória como linguagem cultural e política 25 III. Os embates entre a construção da memória e a produção de uma história integralista 34 IV. O trabalho de construção da memória 46 Capítulo 2: Entre permanências e mudanças, idéias que o integralismo toma no seu caminho 53 I. A questão social: entre conflitos, a produção de utopias 54 II. Os fascismos: histórias, porquês e definições 70 III. As idéias autoritárias em uma sociedade autoritária – o Integralismo no contexto de formação de seu ideário no Brasil 83 IV. “Deus dirige o destino dos povos” – fundamentos doutrinários da Ação Integralista Brasileira 95 Capítulo 3: O Movimento integralista – as fases, seus contextos e formas de organização 118 I. O tempo da anta: a construção da AIB 120 II. De 1945 a 1965 – Vôo dos “águias brancas” 143 III. Enquanto o leão espreita, o galo se lança à arena – a 3ª. Fase do integralismo 149 Parte II Os Tempos, os Homens e suas Idéias Integralistas Capítulo 1: Os integralistas falam 160 Capítulo 2: Os velhos guardiões da memória: os integralistas da década de 1930 167 Capítulo 3: Uma intercessão na construção da memória na presença e ausência da AIB nos projetos do PRP e nas expectativas e vigilâncias quanto a um novo integralismo – onde convergem e onde se distanciam os mesmos sujeitos 213 Capítulo 4: Os novos integralistas e seus sonhos de construção do movimento sob a égide da memória pelos meios cibernéticos 276 Capítulo 5: nas gerações, continuidades, rupturas na re-produção doutrinária 366 I. Memória sob poeira – onde, por que e o que rememorar 366 II. O trabalho da rememoração: as lembranças 382 Conclusão: 390 Fontes 394 Referências Bibliográficas 400 1 Introdução Integralismo: a Herança e os Herdeiros O trabalho de pesquisa e escritura desta tese demandou dez longos anos. Começou em 1996, com a primeira entrevista com uma integralista. Esta integralista eu conhecera toda a minha vida como minha avó. A partir da tomada de seu depoimento conheci uma mulher cujos ideais ultrapassavam os limites de sua casa, onde sempre a encontrei. Esta mulher, de quem conhecera uma face, tivera outras e as resguardava na memória. Percebi, então, que durante toda a minha vida, eu desconhecera a minha avó. Que suas idéias eram muito diferentes da minha, já sabia, mas não sabia, no fundo, como ela concebia o mundo que vivia. E que seu mundo, seus sonhos, estavam bem distantes do meu entendimento de mundo, de meus desejos de transformá-lo, das minhas utopias. Deste primeiro encontro com minha avó integralista, também nasceu a pesquisadora do integralismo. Percebi, então que todo esse desconhecimento e o afastamento de uma outra memória de minha avó tinha a ver com a própria história brasileira e a produção da história do que se quer preservar como memória nacional. Esta busca pela memória do integralismo, portanto, nasceu da necessidade de entender algo com o qual não tenho afinidade. Mas isso não significa não ter afinidades com as pessoas que escolheram ser, ou se formaram integralistas. Estas encontraram no movimento, as suas próprias perspectivas, as respostas para entender e dar um contorno mais ordenado ao mundo. Uma ordem, é claro, que necessita excluir o que é se considera desordem, para que não haja conflitos. Uma ordem governada pelo espírito cristão, pelo exercício de um governo forte, que, sob os auspícios divinos, poderia garantir a integração salvadora através de uma identidade uniformizada pelas idéias e pela submissão à uma única e confiável Chefia. A importância do integralismo na vida política e social brasileira pode ser demonstrada pela permanência de suas idéias até a atualidade e pelos numerosos estudos que vêm tomando fôlego a partir da década de 1990. Quanto à produção sobre o movimento que foi, de certa forma substancial na década de 1970, estavam os estudos, já clássicos, de Hélgio Trindade, Marilena Chauí, Gilberto Vasconcellos, José Chasin, 2 Ricardo Benzaquen de Araújo, Hélio Silva e Ivan Alves. Atualmente, novas teses sobre o integralismo são divulgadas e discutidas por uma geração mais recente. Os trabalhos de Carla Brandalise, Ivo Canabarro, João Fábio Bertonha, Marcos Chor Maio, Renato Dotta, Gilberto Calil, Rosa Maria Feiteiro Cavalari, Rogério Lustosa Vitor, estão entre os mais importantes entre outros1. De modo geral, todos os autores relacionados, contribuem para a compreensão da participação integralista no pensamento político nacional. Dentre eles, destaca-se o conjunto da obra de Trindade, ponto de referência para trabalhos importantes produzidos sobre o integralismo. Esse autor analisa profundamente a gênese do pensamento pliniano, seus desdobramentos ideológicos até a criação da AIB, e a sua organização político-social. A partir de dados quantitativos e qualitativos, ele resgata aspectos importantes que reconstroem a organização interna do integralismo. Quanto aos atuais, pesquisadores, como esta que redige este texto, existem certas condições que afetam o nosso trabalho: a interferência física, material e intelectual dos novos militantes em nossas produções. O fato positivo nesta relação pessoal entre pesquisadores e 1 Verde. RJ: Civilização Brasileira, 1971; TRINDADE, Hélgio: Integralismo – o fascismo brasileiro na década de 30. SP/RJ: DIFEL, 1979 (Trindade produziu vários trabalhos, hoje considerados clássicos e referência pelos pesquisadores do integralismo); CHAUÍ, Marilena. Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira. In CHAUÍ, Marilena & FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Ideologia e Mobilização Popular. Rio de Janeiro: Centro de Estudos de Cultura Contemporânea/Paz e Terra, 1978, pp. 19–149. CHASIN José. O Integralismo de Plínio Salgado – Forma de regressividade no capitalismo hipertardio. SP: Ciências Humanas, 1978. VASCONCELLOS, Gilberto. Ideologia Curupira: Análise do discurso Integralista. SP: Brasiliense,1979. ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Totalitarismo e Revolução – O Integralismo de Plínio Salgado. RJ: Jorge Zahar, 1987. ALVES, Ivan. Os nossos super-heróis: nem notívagos, nem marinheiros, são os integralistas que chegam. Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1982. Da geração mais atual e inovadora, temos: BRANDALISE, Carla. O Fascismo na periferia latino-americana: o paradoxo da implantação do Integralismo no RS. Porto Alegre: UFRGS, 1992. Diss. de Mestrado, mimeo. CANABARRO, Ivo. Uma abordagem cultural de um movimento político dos anos trinta: O caso do Integralismo em Ijuí. Ijuí: UNIJUÍ, 1999. BERTONHA, João Fábio. Integralismo: Um Movimento fascista? Novos elementos sobre a questão. In XIX Encontro Nacional da ANPUH. Belo Horizonte: Anais da ANPUH, 1997 (Neste, entre outros diversos trabalhos, Bertonha demonstra a relação fascismo-integralismo e imigração italiana). MAIO, Marcos Chor. “Nem Rotschild nem Trotsky”- O Pensamento Anti-semita de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro: Imago, 1991. CAVALARI, Rosa Maria Feiteiro. Integralismo – ideologia e organização de um partido de massa no Brasil (1932-1937). Bauru: EDUSC, 1999. CALIL, Gilberto. O Integralismo no Pós-Guerra – A formação do PRP (1945-1950). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001 & O integralismo no processo político brasileiro - o PRP entre 1945 e 1965: Cães de guarda da ordem burguesa. Tese de Doutoramento, defendida em 2005 na UFF na qual Calil demonstra a adaptação do PRP às regras liberais e seu distanciamento de algumas das idéias que eram consideradas sólidas e inquestionáveis aos integralistas, como a questão da defesa do nacionalismo; DOTTA, Renato. O integralismo e os trabalhadores –as relações entre a AIB, os sindicatos e os trabalhadores através do jornal Acçâo (1936- 1938). São Paulo: FFLCH-USP, 2003. VITOR, Rogério Lustosa. O integralismo nas águas do Lete – História, Memória e Esquecimento. Goiânia; UCG, 2005. CRUZ, Natália. O Integralismo e a Questão Racial. A Intolerância como Princípio. Niterói: UFF, Tese de Doutorado, 2004. Neste trabalho, a autora aponta contradições na construção da “democracia racial” integralista.
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