ALEXANDRE PINTO DA SILVA Carmen da Silva, Caderno nº 1. Rastros, memórias, histórias: recortes e recordações de uma vida Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras – Mestrado em História da Literatura – da Universidade Federal do Rio Grande, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Letras. Orientadora: Prof.ª D.ª Nubia Jacques Hanciau Rio Grande Outubro 2015 2 ALEXANDRE PINTO DA SILVA Carmen da Silva, Caderno nº 1. Rastros, memórias, histórias: recortes e recordações de uma vida Dissertação aprovada como requisito parcial e último para a obtenção do grau de Mestre em Letras, na área de História da Literatura, do Programa de Pós- Graduação em Letras, da Universidade Federal do Rio Grande. A Comissão de Avaliação esteve constituída pelas seguintes professoras: Profª. Drª. Nubia Tourrucôo Jacques Hanciau (FURG – Orientadora) Profª. Drª. Aimée González Bolaños (FURG) Profª. Drª. Eliane Teresinha do Amaral Campelo (UCPel) 3 Dedico este trabalho à amizade e às memórias daqueles que passam por nós e nos tocam com sua magia. 4 Agradecimentos À CAPES, pela provisão da bolsa de mestrado. À Universidade Federal do Rio Grande – FURG –, pelos esforços em proporcionar uma universidade para todas as pessoas. Às professoras e professores, pela atenção e apoio oferecidos ao longo desta trajetória. Aos meus familiares, amigos e amigas, pelo acolhimento, apoio e compreensão nesta jornada. Meu agradecimento especial à minha orientadora, Nubia Jacques Hanciau, pela orientação, atenção e apoio em todos momentos, ao longo de cinco anos de pesquisa acerca das escritas de Carmen da Silva no projeto “Carmen da Silva, uma rio-grandina precursora do feminismo”, culminando neste trabalho, final deste ciclo. Eternamente grato pelas contribuições fundamentais para minha formação, pela compreensão e paciência que me dedicou neste processo, especialmente nestes últimos momentos. Aos colegas da turma de mestrado 2013; às amigas desta turma da/no transitar da vida além: Cherlise, Elizabeth, Daia e Luciana e ao amigo Nadson, pelo apoio incondi(emo)cional, nas pesquisas, discussões, trabalhos de campo e momentos culturais mais que especiais, em que convivemos durante esta memorável caminhada de estudos e amizades, (per)seguindo sonhos, objetivos, rastros... Enfim, a todas as pessoas que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho. 5 “Ora, inibição e recalques numa definição estritamente científica, são zonas de bloqueios voluntários, pontos cegos inacessíveis à consciência, neste sentido alegro-me imensamente de não os ter. Contenção e autodomínio são outras coisas: freios deliberados, barreiras lucidamente auto-impostas; creio que ninguém me pode acusar de carecer delas, seja pessoal, seja literariamente” (Diário de Notícias, 9 ago. 1964). 6 RESUMO Esta dissertação tem o objetivo de trazer à luz os recortes jornalísticos reunidos por Carmen da Silva no início de sua carreira literária, de 1957 a 1966. Colados em caderno de desenho denominado Caderno nº 1, esses fragmentos documentais remetem à recepção e à crítica, entrecruzando narrativas memoriais, histórias e manifestações da sociedade à época da circulação dos seus primeiros textos. Ao trazer ao presente o conhecimento de dados desconsiderados do passado, publicados no Brasil e fora do país, interpenetrando-os às obras de Carmen da Silva e aos referenciais teóricos selecionados, pretende-se cumprir o dever de memória em relação a sua história e carreira literária. A proposta de recuperar os rastros que Carmen da Silva deixou, três décadas depois de sua morte, permite reconstituir suas “pegadas”, reativar o lugar que ela ocupou no cenário literário nacional e internacional, revalorizando suas produções e seus ideais. Palavras-chave: Carmen da Silva; Caderno nº 1; rastros; recortes; recordações; memória. 7 RESUMEN Esta disertación tiene como objetivo sacar a la luz los recortes de prensa reunidos por Carmen da Silva al comienzo de su carrera literaria, de 1957 a 1966. Pegados en cuadernos de dibujo, ellos componen la obra denominada Cuaderno nº 1. Estos fragmentos documentales se refieren a la recepción y a la crítica de su obra, allí se entrecruzan relatos memoriales, historias y manifestaciones de la sociedad en la época de circulación de sus primeros textos. Con la presente disertación se pretende cumplir el deber de memoria en relación a la historia y carrera de la escritora Carmen da Silva, trayendo al presente el conocimiento de datos ignorados del pasado, que fueron publicados en Brasil y en el extranjero, para relacionarlos en sus obras literarias y también con las referencias teóricas seleccionadas. Finalmente, la propuesta de recuperar los rastros que Carmen da Silva dejó, tres décadas después de su muerte, permite recomponer sus “huellas”, revalorizando sus producciones y sus ideales para reactivar el lugar que esta escritora ocupó en el panorama literario nacional e internacional. Palabras-llave: Carmen da Silva; Cuaderno nº 1; huellas; recortes; recordaciones; memoria. 8 SUMÁRIO Introdução....................................................................................................................................... 9 Contextualização. Os recortes: Carmen da Silva e o Caderno nº 1......................... 18 1 Reflexões teóricas: rastros, memória, história e esquecimento............................. 23 1.1 A memória, a história e o esquecimento: suas relações.............................................. 23 1.2 A escrita, monumento e suporte da memória................................................................. 40 1.3 O arquivo. O ato de arquivar............................................................................................... 50 1.4 O conceito de rastro e aura; os arquivos de Carmen da Silva................................... 58 2 Carmen da Silva na Argentina: primeiras escritas, críticas e contexto de produção.......................................................................................................................................... 63 2.1 Rastros de Setiembre (1957)................................................................................................ 63 2.2 Os contos, vestígios……....................…………………………...…………..…................... 82 2.3 “La niña, el capullo y el retrato”.…………………………...…………………………… 85 3 Retorno ao Brasil: críticas e contexto de produção................................................... 94 3.1 Recortes críticos de Sangue sem dono (1964)............................................................... 94 3.2 Aporias e a escrita do eu em Sangue sem dono............................................................. 99 3.3 Sangre sin dueño e o meio literário argentino............................................................... 114 3.4 Carmen da Silva e a ditadura militar................................................................................ 119 3.5 Um romance inacabado e o contexto ditatorial............................................................. 126 3.6 “Dalva na rua Mar” (1965).................................................................................................. 134 3.7 A arte de ser mulher: um guia moderno para o seu comportamento..................... 137 Considerações finais................................................................................................................... 149 Referências..................................................................................................................................... 155 Anexos.............................................................................................................................................. 164 9 INTRODUÇÃO “Carmen da Silva. Presente!” A história de uma vida termina com a morte. Mas como entendê-la a partir do que dela restou? Para Sabrina Sedlmeyer e Jaime Ginzburg, “O final de uma vida não oferece sua unidade e seu sentido completo, pelo contrário, nesse ponto pode estar o início de uma interrogação sobre uma delimitação difícil: o que, ao longo dela, foi importante?” (2012, p. 8). Revisitar parte da história de Carmen da Silva e os primeiros nove anos de sua carreira literária – entre 1957 e 1966 –, recuperar críticas às suas primeiras produções literárias e também homenagear a memória da autora, é o que este trabalho pretende realizar a partir da leitura e interpretação dos recortes jornalísticos por ela amealhados ao longo de sua vida. Esta dissertação os circunscreverá, notadamente os recortes que constam no que se denominou Caderno nº 1. Coletados pela autora, eles representam documentos que produzem narrativa. São igualmente fonte de história e memória. Situados em dado contexto e espaço temporal, encontram-se num horizonte de continuidade, aberto à dialética. Acompanhar a recepção e a crítica em torno do que Carmen da Silva escreveu, trazendo à tona suas produções, inclusive algumas até hoje desconhecidas, é igualmente meta desta pesquisa, que usará metáforas e referências teóricas para falar das lembranças que se apresentam como rastros, marcas, signos ou pistas deixadas. Valorizar esses rastros, no meu entendimento, é recompor sua obra, a partir do poder da memória e da reconstituição dos vestígios que restaram. Assim fazendo, pretendo que este trabalho contribua para trazer esse material ao presente e ao re/conhecimento, tanto os recortes veiculados no contexto argentino quanto no brasileiro. Por outro lado, não tenho dúvida de que as críticas reunidas e colecionadas pela escritora rio-grandina no Caderno nº 1 compõem uma documentação de inestimável valor, embora até o presente sem a recuperação e o enfoque que ora proponho. Também é certo que por si só e isoladamente esses documentos não teriam valor significativo. Mais do que isso, fui levado a considerar que esse material estaria relegado ao esquecimento, senão ao desaparecimento. Daí a proposta de recuperação dos rastros pretender contribuir para o enriquecimento, a atualização e, por que não?, consideradas as proporções, para a valorização da história da autora. 10 Carmen da Silva foi historiadora e arconte1 de si mesma. Ao longo de seu trânsito entre nós, cuidou em preservar rastros que testemunham sua passagem pela Terra e asseguram a permanência de sua história. Esses fragmentos, crônicas muitas vezes em torno de pequenos sucessos, tecem importante malha em torno de suas produções e dos episódios mais relevantes à época de sua publicação; são registros em relação a ela e em relação à sociedade versus sua obra. Eu já tinha conhecimento de sua história a partir do que ela própria deu a conhecer, especialmente em Histórias híbridas de uma senhora de respeito (1984), obra final em que Carmen se propõe narrar sua vida em perspectiva autobiográfica, onde constam aspectos que alguns recortes retomam. Outros dados, mais pessoais e não contemplados por eles, estarão ausentes de minha narrativa por não fazerem parte da cronologia que delimito, de forma que esta dissertação abordará mais especificamente o início de sua carreira literária. A leitura de Histórias híbridas... permitirá entretanto ir além nas informações, mesmo que a ficção não assegure a veracidade dos acontecimentos, mas ela amplia sem dúvida a compreensão dos fragmentos encontrados. A história de Carmen da Silva tem início na cidade de Rio Grande em 31 de dezembro de 1919, data de seu nascimento. Aos vinte e quatro anos muda-se de sua cidade natal para Montevidéu, onde vive em torno de seis anos, partindo de lá para Buenos Aires e, mais tarde, após viver em torno de doze anos na capital da Argentina, retorna ao Brasil, em 1962. Vive no Rio de Janeiro o resto de sua vida. Falece em 29 de abril de 1985, aos 65 anos de idade. Originária de uma família culta da média burguesia rio-grandina, Carmen da Silva estudou em boa escola – Santa Joana D’Arc –, teve acesso a bibliotecas, bons livros, cujas leituras contribuíram para sua formação. Ela mesma diz em sua autobiografia que na cidade natal escreveu alguns artigos publicados nos jornais locais, mais pela influência do nome da família, notadamente o de seu pai e o de seu avô. Em Rio Grande era conhecida como a Carmenzinha do Doutor Pio, mas, a partir da publicação de Setiembre (1957), na Argentina, tornou-se conhecida pelo próprio nome, dedicando-se a partir de então à carreira literária. No Brasil se tornará conhecida com a 1 Na antiga Grécia, os arcontes eram magistrados. Arconte era um cargo ao qual apenas tinham acesso os cidadãos, filhos de naturais da polis. O colégio dos arcontes constava de nove elementos (divididos em arconte-rei, polemarca e tesmotetas) mais um secretário, eleitos por sorteio e sujeitos a um exame ou doquimasia antes de assumirem funções. “Juíza” de si mesma, Carmen da Silva exercia sua própria “magistratura”, dificilmente curvava-se ante as opiniões e julgamentos alheios.
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