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Discurso de Primavera e Algumas Sombras PDF

163 Pages·2014·6.14 MB·Portuguese
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CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE DISCURSO DE PRIMAVERA E ALGUMAS SOMBRAS POSFÁCIO Sérgio Alcides Sumário NOTÍCIAS DO BRASIL Águas e mágoas do rio São Francisco Num planeta enfermo Kreen-akarore As arcas e os baús Triste horizonte Receituário sortido Jornal de serviço (Leitura em diagonal das “Páginas amarelas”) Ataíde à venda? Um besouro em toda parte OS MARCADOS A casa de Helena Pedro Nava a partir do nome Em louvor de mestre Aires Augusto Frederico Schmidt 10 anos depois Perda Murilo Mendes hoje/ amanhã A Lúcio Cardoso (na casa de saúde) Traços do poeta Lembrança de Portinari A falta de Erico Verissimo Frutuoso Viana Alagados da Bahia A um contemporâneo I — O sábio sorriso II — Alceu na safira dos oitent’anos Uma flor para Di Cavalcanti Manuel Bandeira faz novent’anos Folheando Disegni, de Kantor A Abgar Renault A Lourdes e Cassiano Ricardo Exercitia, de José Geraldo Nogueira Moutinho O nariz do morto A paisagem no limite Visão de Clarice Lispector Um lírio, por acaso Joan Crawford: in memoriam Postal para Catherine A voz A Afonso Arinos, setentão SÃO SEBASTIÃO E PECADORES DO RIO DE JANEIRO Retrato de uma cidade Elegia carioca Alegria, entre cinzas CAPÍTULOS DE HISTÓRIA COLONIAL Branca Dias Governador em viagem Inconfidência Mineira Fala de Chico-Rei ASSIM VAI (?) O MUNDO Ultratelex a Francisco Mal do século Antibucólica 1972 Entreato de paz Todo mundo e ninguém (Auto da Lusitânia, de Gil Vicente) Microlira Infatigável Indagação Sussurro Recomendação O comércio da privacidade A grande manchete MÚSICA DE FUNDO A palavra mágica O constante diálogo Som A casa do jornal, antiga e nova E aconteceu a Primavera Retrolâmpago de amor visual Exorcismo A rosa é um jardim Receita de Ano Novo Ceia em casa de Simão (Evangelho de Lucas, VII, 36-50) Os namorados do Brasil A música da terra Posfácio Canto circunstancial, SÉRGIO ALCIDES Leituras recomendadas Cronologia Caderno de imagens Crédito das imagens Índice de títulos e primeiros versos DISCURSO DE PRIMAVERA E ALGUMAS SOMBRAS NOTÍCIAS DO BRASIL ÁGUAS E MÁGOAS DO RIO SÃO FRANCISCO Está secando o velho Chico. Está mirrando, está morrendo. Já não quer saber de lanchas-ônibus, nem de chatas e seus empurradores. Cansou-se de gaiolas e literatura encomiástica e mostra o leito pobre, as pedras, as areias desoladas onde nenhum caboclo-d’água, nenhum minhocão ou cachorrinha-d’água, cativados a nacos de fumo forte, restam para semente de contos fabulosos e assustados. Ei, velho Chico, deixas teus barqueiros e barranqueiros na pior? Recusas pegar frete em Pirapora e ir levando pro Norte as alegrias? Negas teus surubins, teus mitos e dourados, teus postais alucinantes de crepúsculo à gula dos turistas? Ou é apenas seca de junho-julho para descanso e volta mais barrenta na explosão da chuva gorda? Já te estranham, meu Chico. Desta vez, encolheste demais. O cemitério de barcos encalhados se desdobra na lama que deixaste. O fio d’água (ou lágrimas?) escorre entre carcaças novas: é brinquedo de curumins, os únicos navios que aceitas transportar com desenfado. Mulheres quebram pedra no pátio ressequido que foi teu leito e esboça teu fantasma. Não escutas, ó Chico, as rezas músicas dos fiéis que em procissão imploram chuva? São amigos que te querem, companheiros que carecem de teu deslizar sem pressa (tão suave que corrias, embora tão artioso que muitas vezes tiravas a terra de um lado e a punhas mais adiante, de moleque). moleque). É gente que vai murchando em frente à lavoura morta e ao esqueleto do gado, por entre portos de lenha e comercinhos decrépitos; a dura gente sofrida que carregas (carregavas), no teu lombo de água turva, mas afinal água santa, meu rio, amigo roteiro de Pirapora a Juazeiro. Responde, Chico, responde! Não vem resposta de Chico, e vai sumindo seu rastro como o rastro da viola se esgarça no vão do vento. E na secura da terra e no barro que ele deixa onde Martius viu seu reino, na carranca dos remeiros (memória de outras carrancas há muito peças de living), nas tortas margens que o homem não soube retificar (não soube ou não quis? paciência), nos pilares sem serviço de pontes sobre o vazio, na negra ausência de verde, no sacrifício das árvores cortadas, carbonizadas, no azul, que virou fumaça, nas araras capturadas que não mandam mais seus guinchos à paisagem de seca (onde o tapete de finas gramíneas, dos viajantes antigos?), no chão deserto, na fome dos subnutridos nus, não colho qualquer resposta, nada fala, nada conta das tristuras e renúncias, dos desencantos, dos males, das ofensas, das rapinas que no giro de três séculos fazem secar e morrer a flor de água de um rio. NUM PLANETA ENFERMO A culpa é tua, Pai Tietê? A culpa é tua se tuas águas estão podres de fel e majestade falsa? MÁRIO DE ANDRADE (Meditação sobre o Tietê) Cai neve em Parnaíba, noiva branca. Vem dos lados de Pirapora do Bom Jesus. Presente de Deus, com certeza, a seus filhos que jamais viram Europa. Ou talvez cortesia do Prefeito? Moleques, brinquem na neve pura e rara. Garotas, não tenham cerimônia. Cai neve em Parnaíba, é promoção. O senhor que é tabelião, o dr. promotor por que não vão fazer bonecos dessa neve especial, que reacende o espírito infantil? Correm todos a ver a neve santa, a alvorejar em sua alvura. Olha a rua vestida de sonho, olha o jardim envolto em toalha de nuvens, olha nossas tristezas lavadas, enxaguadas! O professor chega perto e não se encanta. Esse cheiro… diz ele. Realmente, quem pode com esse cheiro nauseante? A neve foi malfeita, não se faz neve como em filmes e gravuras. E me dói a cabeça, diz alguém. E a minha também, e o mal-estar me invade o corpo. Desculpem se vomito à vista de pessoas tão distintas. Envenenada morre a flor-de-outubro no canteiro onde o branco deixa uma escura marca de gordura. Marcadas ficarão as casas coloniais da Praça da Matriz tombadas pelo IPHAN? A pele dos rostos mais limpinhos — ai Rita, ai Mariazinha — cheira a óleo

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A ecologia, o passado do Brasil, a amizade e os amores em mais uma obra poderosa de nosso grande poeta Publicado em 1977, quando Carlos Drummond de Andrade estava com setenta e cinco anos, Discurso de primavera e algumas sombras nГЈo Г©, como se poderia esperar, a obra outonal de um escritor na
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