ebook img

Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação PDF

224 Pages·2008·1.19 MB·Portuguese
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação

Universidade de São Paulo – USP Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH Departamento de Ciência Política Conrado Hübner Mendes Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação São Paulo 2008 Universidade de São Paulo – USP Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH Departamento de Ciência Política Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação Conrado Hübner Mendes Tese apresentada ao Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Doutor em Ciência Política. Orientador: Prof. Álvaro de Vita São Paulo 2008 Ninguém tem a última palavra porque não há última palavra. Hanna Pitkin1 1 “No one has the last word because there is no last word”. (“Obligation and Consent—II”, p. 52) Resumo O controle de constitucionalidade de leis sempre foi objeto de desconfiança da teoria democrática. Sob qual justificativa juízes não eleitos podem ter a última palavra sobre o significado de direitos fundamentais? É assim que a questão costumou ser formulada pela tradição. Alguns a responderam em favor desse arranjo, outros em defesa da supremacia do parlamento. Essa seria uma encruzilhada da separação de poderes e as “teorias da última palavra” se enfrentam nesses termos. A tese investiga uma saída alternativa para esse dilema, oferecida pelas “teorias do diálogo institucional”. Segundo essa corrente, a última palavra, na democracia, não existe. O trabalho defende que ambas as perspectivas, última palavra e diálogo, têm papel analítico importante a cumprir. Propõe que uma interação de caráter deliberativo, e não somente adversarial, entre os poderes, tem maiores possibilidades de, ao longo do tempo, produzir boas respostas sobre os direitos fundamentais. Torna a separação de poderes sensível ao bom argumento. Abstract The judicial review of legislation has always been under the distrust of democratic theory. Under what justification can unelected judges have the last word upon fundamental rights? That’s the way the question has been formulated by the tradition. Some are favourable to this institutional arrangement, whereas others defend the supremacy of parliament. This would be the crossroads of the separation of powers and “theories of last word” face the dispute under these terms. The thesis investigates an alternative response to this dilemma, offered by “theories of institutional dialogue”. According to it, there is no last word in a democracy. The dissertation defends that both perspectives – last word and dialogue – have an important analytical role to play. Is proposes that an interaction of a deliberative kind rather than adversarial is more likely, in the long term, to produce better answers about rights. It turns separation of powers sensitive to the quality of argument. ÍNDICE Capítulo 1 1 O mesmo velho problema Capítulo 2 56 A inclinação por juízes e cortes constitucionais Capítulo 3 80 A inclinação por legisladores e parlamentos Capítulo 4 99 A inclinação por ambos: diálogo sem última palavra Capítulo 5 164 Auto-governo e direito ao erro Capitulo 6 171 Separação de poderes e os tempos da política: diálogo ou última palavra? Capítulo 7 193 Separação de poderes e legitimidade: deliberação inter-institucional Capítulo 1 O mesmo velho problema 1. Introdução Certo senso comum da teoria constitucional costuma supor, implícita ou explicitamente, que parlamentos seriam a expressão mais direta do ideal democrático, enquanto que constituições e declarações de direitos, somados à instituição do controle judicial de constitucionalidade, seriam a manifestação do constitucionalismo.1 Controvérsias sobre quem deveria ter a última palavra em conflitos sobre direitos fundamentais, dessa maneira, são percebidas como uma tensão não apenas entre duas instituições – parlamentos e cortes – mas também entre dois ideais políticos – respectivamente, democracia e constitucionalismo. Se o primeiro ideal se propõe a realizar algum tipo de governo do povo, o segundo busca assegurar que o poder tenha limites.2-3 Por trás da interação entre duas instituições políticas, portanto, encontra-se o problema de como balancear as demandas procedimentais e substantivas desses dois ideais.4 Várias dificuldades conceituais, morais e institucionais decorrem desses slogans abstratos, particularmente se o mesmo sistema político persegue a combinação dos dois ideais como fundamento de sua legitimidade e da cobrança de obediência. Essa combinação foi a escolha da maioria dos regimes políticos ocidentais durante o séc. XX, e a expressão “democracia constitucional” o nome convencionado para se referir a eles. Apesar das diferenças, esses regimes compartilham alguns 1 Abordei essa associação entre, de um lado, democracia e parlamento, e, de outro, constitucionalismo e corte constitucional, no cap. 1 de minha dissertação de mestrado. Controle de Constitucionalidade e Democracia, p. 10. 2 Frank Michelman resume melhor essa tensão: “‘Democracy’ appears to mean something like this: popular political self-government – the people of a country deciding for themselves the content (…) of the laws that organize and regulate their political association. ‘Constitutionalism’ appears to mean something like this: the containment of popular political decision-making by a basic law, the Constitution – ‘a law of lawmaking’, we shall sometimes call it – designed to control which further laws can be made, by whom, and by what procedures” (Brennan and Democracy, p. 5). 3 Cf. os argumentos de Dworkin sobre a interdependência, ao invés de tensão, entre esses dois ideais e também a tese sobre a “unidade do valor” e a inseparabilidade entre os conceitos políticos. Freedom’s Law, “Introduction”; “Hart’s Postcript and the Character of Political Philosophy”; Justice for Hedgehogs. 4 Os problemas oriundos de se conceber demandas procedimentais e substantivas, tanto da democracia quanto do constitucionalismo, serão melhor abordados no tópico 5, onde tento sistematizar alguns dos principais níveis teóricos em que essa discussão da teoria política geralmente ocorre. 1 denominadores comuns do ponto de vista institucional. Para os propósitos desse trabalho, é suficiente observar que quase todos possuem uma constituição escrita, um poder legislativo representativo e uma corte constitucional que exerce o controle de constitucionalidade.5 Uma explicação hegemônica da divisão de trabalho entre essas duas instituições é dada por Ronald Dworkin, que enxerga a defesa de direitos fundamentais como a tarefa central das cortes – o “fórum do princípio” – e a deliberação sobre políticas públicas (policies) o papel principal de parlamentos representativos – que poderíamos chamar de “fórum da utilidade”. Para ele, a objeção democrática contra a legitimidade da revisão judicial confunde o que a democracia efetivamente significa. De acordo com sua concepção constitucional de democracia,6 esse regime tem alguns requisitos morais substantivos que não são atendidos necessariamente por um procedimento majoritário, mas pela “resposta certa” sobre direitos fundamentais.7 O procedimento decisório, nesse caso, pouco importa para a legitimidade da decisão. Tal “resposta certa” sobre direitos fundamentais é inspirada pelo ideal da “igual consideração e respeito”, e ajuda a promover a “filiação moral” de cada pessoa à comunidade política. Sem essa filiação moral prévia, procedimentos majoritários (ou quaisquer outros) não teriam absolutamente nenhum valor e não satisfariam um padrão minimamente desejável de igualdade.8 Em resumo, democracia, quando estão em jogo direitos fundamentais, é uma questão de output substantivo, não de input procedimental.9 5 Obviamente, esse retrato simplifica as variações institucionais encontradas nas democracias contemporâneas. Tais variações passam de modelos fortes de revisão judicial (o modelo difuso norte- americano e o modelo concentrado germânico são os dois “tipos puros” encontrados na literatura comparada) para modelos fracos de revisão judicial (encontrados em inovações recentes dentro do “constitucionalismo do commonwealth”, especialmente no Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido), ou mesmo para modelos não judiciais, como o francês. As preocupações teóricas apontadas aqui, contudo, são mais abrangentes e não precisam se restringir a um único arranjo institucional. Esse capítulo abordará mais adiante o “isolamento das variáveis institucionais”. Cf. Stephen Gardbaum, “The New Commonwealth Model of Constitutionalism”. 6 Dworkin, em mais uma confirmação de sua versatilidade terminológica para um mesmo conceito, também chamou sua concepção de democracia de “communal conception ” ou “partnership conception” em outras oportunidades. 7 Para Waldron, Dworkin também comete o erro de inferir um arranjo institucional a partir de uma consideração substantiva, o que confundiria as duas tarefas principais da filosofia política. Um procedimento decisório, de acordo com ele, não pode ser justificado em termos de substância (v. “Freeman's Defense of Judicial Review”). 8 Trata-se da distinção que, em outro texto, Dworkin faz entre “legitimate majority rule” e “mere majoritarianism”. (“Constitutionalism and Democracy”, p. 1) 9 Dworkin desenvolve diferentes partes desse argumento amplo em diferentes lugares. Suas principais referências no assunto são Freedom’s Law, “Introduction”, Sovereign Virtue, capítulos 1 e 2, “Equality, democracy and Constitution: we the people in court”, e “The Partnership Conception of Democracy”. 2 A maioria das democracias constitucionais contemporâneas apresenta, como filosofia política de base, alguma versão dessa explicação dworkiniana. Independentemente de variações no detalhe, a prática da revisão judicial é freqüentemente associada a promessas mais ou menos ambiciosas de proteção de direitos e das minorias.10 Pretendo testar essa justificativa tradicional à luz de recentes críticas e outros tipos de defesa da revisão judicial. Nesse longo capítulo de abertura, resumo o argumento desenvolvido em minha dissertação de mestrado, mostro os alvos atacados, os passos conquistados e os problemas ainda não resolvidos (tópico 2). Naquela oportunidade, esbocei um modelo de revisão judicial como contra-poder e operador de veto, não como “reserva de justiça” da democracia. No terceiro tópico, explico o percurso argumentativo desta tese, em estrita continuidade com a dissertação, e a sua estrutura de capítulos. No quarto tópico, faço algumas digressões metodológicas que clareiam questões subjacentes à tese. Finalmente, articulo uma estrutura analítica para teorizar sobre a separação de poderes. A intenção é ilustrar como as discussões sobre o papel da revisão judicial na democracia não podem ignorar a pergunta complexa que a teoria da separação de poderes deve enfrentar: quem decide o que e como e quando e por que numa democracia?11 Diferentes abordagens da revisão judicial dão respostas alternativas a essa questão, mesmo quando não assim estruturadas ou não apresentem explicitamente respostas a todos os seus elementos. Mostro, nesse mesmo tópico, os níveis de análise em que os desacordos dessas teorias ocorrem e como tal pergunta ajuda a suscitar o problema de maneira mais produtiva. Encerro o capítulo com um preâmbulo dos três capítulos seguintes. 2. Controle de constitucionalidade: reserva de justiça ou contrapoder? 10 Há também outras justiticativas para a revisão judicial, como a supremacia da constituição, o estado de direito e o federalismo. Não serão, porém objeto desse trabalho, exceto incidentalmente. 11 Omito a dimensão de “onde” para evitar outras discussões intrincadas sobre espaço politico, soberania estatal, instituições internacionais etc., que não se aplicam a essa tese. 3 Álvaro de Vita, em prefácio ao livro derivado de minha dissertação de mestrado,12 resume o argumento lá presente: “Se recusamos a justificação mais ambiciosa para o instituto do controle de constitucionalidade – a de que o tribunal, por ser o ‘fórum do princípio’, estaria mais apto do que a legislatura para garantir direitos e liberdades fundamentais protegidos constitucionalmente –, haveria alguma outra forma de justificá-lo? Possivelmente, sim. Mas uma justificação menos ambiciosa provavelmente também leva a um entendimento mais circunspecto e prudente da autoridade de realizar o controle jurisdicional de constitucionalidade. Apesar de o argumento de teor negativo ser o forte deste livro, há também algumas pistas (que, quem sabe, poderiam ser objeto de reflexão mais forte do autor em outro trabalho) para pensar o problema nessa direção”.13 Nesse resumo, procurarei descrever o ponto de chegada da pesquisa de mestrado que, de alguma maneira, é o ponto de partida para essa tese. As “pistas” a respeito de argumentos positivos sobre o papel da revisão judicial lá presentes serão objeto de desenvolvimento mais cuidadoso. Aquele texto promoveu algumas realizações importantes: afastou justificativas apressadas do controle de constitucionalidade, as quais, em geral, tendem a dar um “cheque em branco” ao tribunal e a lhes conferir uma credencial especial; relativizou duas inferências consolidadas e pouco tematizadas na literatura constitucional brasileira: (i) se democracia não é só vontade da maioria, uma instituição anti-majoritária é desejável e necessária,14 e (ii) se a constituição é suprema e deve ser obedecida inclusive pelo legislador, deve existir um agente controlador externo que fiscalize tal obediência;15 reafirmou a incerteza e a falibilidade da política em face das promessas arriscadas da teoria constitucional em nome da efetivação de direitos;16 reduziu expectativas em 12 Controle de Constitucionalidade e Democracia, dissertação de mestrado defendida em janeiro de 2004. 13 Controle de Constitucionalidade e Democracia, p. XXI. 14 Esta inferência decorreria do vício de se derivar um determinado conteúdo a partir de uma certa forma, um resultado a partir de certo procedimento decisório. Defendi que a reserva de justiça não depende do controle de constitucionalidade e que isso corresponderia a confundir, nos termos de Waldron, teoria da justiça com teoria da autoridade. 15 Veremos novamente essa discussão nos capítulos 2 e 3 da tese, e como Carlos Santiago Nino trata do tema (The constitution of deliberative democracy, p. 189-196). 16 Dilemas constitucionais, como todo dilema moral, nem sempre terminam ou mesmo permitem “finais felizes” (expressão famosa de Dworkin, que disse ser o objetivo da interpretação jurídica terminar em “happy endings”). Freqüentemente, envolvem “tragédias”, soluções “não ótimas”, às vezes encobertas por trás da cortina de fumaça de uma retórica constitucional contemporizadora. Isso não é produto apenas de eventual “erro judicial”, mas da essência mesma da interpretação constitucional. Três referências interessantes a respeito são: Rebecca Brown, “Constitutional Tragedies: the dark side 4 relação ao tribunal constitucional, que não tem como carregar o ônus de nos proteger contra as intempéries da política;17 apresentou, ainda de forma embrionária, um papel a ser desempenhado pela revisão judicial: a corte como um contrapeso à política majoritária e, mais do que isso, como instituição com a oportunidade de inserir um argumento moral na agenda, que chamei de processo de interlocução institucional. As idéias de “desaceleração da política majoritária” e de “interlocução institucional” são as “pistas” que essa tese procurará dissecar. A dissertação formulou um argumento negativo contra uma forma tradicional de se pensar a revisão judicial. Não somou a isso um argumento positivo em favor do legislador, dedução equivocada que eventualmente se faz em face de objeções contra a revisão judicial. Criticar a revisão não equivale, portanto, a defender necessariamente o legislador representativo. Ataquei uma certa justificativa, não a existência do controle. Não se trata de exercício trivial, pois a forma de justificar determina como entendemos o papel dessa instituição, como depositamos expectativas sobre o seu desempenho e como efetivamente ela opera essa função. Sustentei que essa forma convencional de olhar para o controle de constitucionalidade superestima seu papel e sua responsabilidade, ao mesmo tempo que atrofia o dos outros poderes. A constituição, assim, passa a ter um único centro de gravidade, um único guardião. Os outros atores políticos vão testando impunemente os seus limites. Nenhuma condenação moral recai sobre eles porque, afinal, não têm a responsabilidade de promover os valores constitucionais, mas apenas de tomar decisões políticas ordinárias. Deferem, comodamente, o escrutínio constitucional ao tribunal e abdicam da tarefa de formular um argumento constitucional consistente e sincero. of judgment”, em Levinson, Sanford e Eskridge, William (eds.), Constitutional Stupidities and Constitutional Tragedies, p. 39; James E. Fleming, Securing Constitutional Democracy (em especial o cap. 10, “Constitutional Imperfections and the Pursuit of Happy Endings: Perfecting our Imperfect Constitutions”, p. 210); Lorenzo Zucca, Constitutional Dilemmas. 17 Louis Fisher, em referência à decisão do caso Dred Scott, que culminou na Guerra Civil Americana, afirmou: “The belief in judicial supremacy imposes a burden that a Court cannot carry. It sets up expectations that invite disappointment if not disaster”. Em outra passagem, enfatizou a mesma idéia: “The habit of looking automatically to the courts to protect constitutional liberties is ill-advised” (Constitutional Dialogues, p. xx). 5

Description:
revisão judicial)), seguir para a 3.2 (contra), ir para a 3.1 (a favor de parlamentos) e voltar para a 2.2 185 “It marks the end of a yes/no politics and the beginning of politics as open arena of contestable opinions abre uma saída pelo meio, um mecanismo para aplicar a máxima do juiz Brand
See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.