ebook img

Diccionário da Língua Portuguesa PDF

2175 Pages·17.066 MB·Portuguese
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview Diccionário da Língua Portuguesa

Novo Diccionário da Língua Portuguesa Candido de Figueiredo 1913 Por favor, não imprima este documento! As árvores estão a morrer! ii Preâmbulo Redigido em harmonia com os modernos princípios da Ora, desde que eu senti em mim o mofino sestro de sciênciadalinguagem,eemquesecontémquásiodôbro cultor das letras, preoccupou-me e dissaboreou-me sem- dosvocábulosatéagoraregistadosemtodososdiccioná- preafaltadeumvocabulário,quemedirigissenoestudo rios portugueses, além de satisfazer a todas as graphias dos mestres da língua, desde Fernão Lopes até Camillo; legítimas, especialmente a que tem sido mais usual e na applicação de milhares de lusitanismos, conservados aquella que foi prescrita officialmente em 1911. amoravelmente pelo povo de todas as nossas províncias, mas desconhecidos dos diccionaristas; na avaliação da NOVA EDIÇÃO - 1913 nossa riquíssima technologia rural, da technologia artís- ticaescientífica; noconhecimentodafaunaedaflorado Essencialmente refundida, corrigida e copiosamente nosso ultramar e até do nosso próprio continente. ampliada. Abria os diccionários menos imperfeitos ou de melhor Contemporâneo nomeada, — O , por exemplo, — e nem aomenosallisemedeparavamvocábulosdeusocorrente Razão da obra paulada bruxedo deferimento sa- e vulgaríssimo, como , , , liência caudelaria palheiro plagiar plangente granjear , , , , , , A história dos diccionários da língua portuguesa, de par prefaciar desvirar saguão agrupamento propositado , , , , , comalgunsdeploráveisdocumentosdeinsciência,delevi- promptificar-se reconsiderar reproductor ruço têxtil , , , , , andade e de mera exploração mercantil, offerece á nossa empanturrar guerrilheiro , , etc., etc. admiração perduráveis monumentos de muito saber, de De centenares de vocábulos, com que Vieira, Filinto laboriosas e inestimáveis investigações, de honestíssimo e Camillo enriqueceram a sua língua, raramente se me e profícuo trabalho. um deparava sequer nos léxicos portugueses! Está certamente na consciência de todos o altíssimo Da antiga e moderna technologia das artes e sciências serviço, prestado ás letras nacionaes por Bluteau, que, rara notícia me davam os lexicógraphos nacionaes. lutandocomacarênciadetrabalhossimilaresnasuapá- Dalinguagempopular,privativadestaoudaquellapro- tria adoptiva, inaugurou brilhantemente a lexicographia víncia, tratára um ou outro literato, um ou outro folclo- portuguesa; por Moraes e Silva, cuja obra foi, relativa- rista; os diccionaristas, êsses não desceram da esphera mente aos fins do século XVIII, invejável título de gló- da linguagem erudita, restringida, ainda assim, á quinta ria; pelosobscuroseillustradíssimosautoresdoprimeiro parte da linguagem dos eruditos. Diccionário e único volume do da Academia Real das Isto, quantoápobrezadevocabulário. Quantoaerros Sciências, esmagados ante-sazão pela enormidade e pêso de doutrina, aliás communs aos melhores diccionários, daquellemeritórioemprehendimento;eaindaemtempos não me podiam êlles surprehender, visto como um dicci- mais próximos de nós, pela clara e sisuda intelligência, onário, não obstante a maior autoridade e competência DiccionárioContem- quesereconhecenaorganizaçãodo do seu autor, é o trabalho literário mais susceptível de porâneo . imperfeições, e ocioso será o justificar esta these. Não menciono mais, porque só adduzo exemplos. Por isso, embora o respeitável Moraes e outros distin- Infelizmente,todosquesabemlêrterãocertamenteob- toslexicógraphoserremaodefinirlicranço,pesebre,teiró, servado que, sendo cada diccionário geralmente vazado croca, pieira, calambrá, rocló, lacrau, baceira, cerva, ma- nos moldes dos diccionários que o precederam, succedeu niqueira, corça, torneja, gallacrista, etc.; embora regis- que a língua andou e os diccionários pararam. tempalavrasquenuncaexistiram,comoigarvana,garna, E pararam, sem que ao menos tivessem conglobado fomo, fangapena, marapinina, frondíbalo, etc.; embora em vocabulário a maior parte dos thesoiros, dissemina- mandem lêr adípe, (que é ádipe), alcácel, (que é alcacél), dos nos nobiliários, nos cancioneiros, nas chrónicas qui- caguí, (que é çagüí, ou sagüí), mucuna, (que é mucuná), nhentistas, em Gil Vicente, em Bernardim Ribeiro, em gombo,(queégombô),etc.;emboraperpetremmanifesto Vieira, em Filinto... arbítrioenotáveisirregularidadesemprosódia,tornando Pararam, e a esphera da linguagem foi-se ampliando oraparoxýtonas,oraproparoxýtonas,palavrasdeforma- hydrocéle epiplócela successivamente, não só por effeito de numerosas deri- çãosimilar, como , , etc., etc., nãoera vações internas, senão também, e principalmente, pela por esse lado que mais facilmente se justificaria o ac- formação e diffusão da moderna technologia scientífica, créscimo demais umdiccionário atantissimosque enxa- artística e industrial, pela permutação internacional de meiamoescassomercadonacional;mas,sim,pelaassom- muitas fórmulas, pela febre do neologismo, e pela ne- brosadeficiênciadevocábulosouartigos,imprescindíveis cessidade de dar nome a coisas e factos que nossos avós em qualquer inventário da língua nacional. desconheceram. E,aêstepropósito, nãoseráociosomemorarquemui- iii iv tos diccionaristas conheceram e usaram, no decurso das dêsteassêrto,maspoucosbastarão. Nosescritoresema- suasobras,expressõesquenãoregistaramnocompetente nuscritos antigos deparam-se-nos expressões que os eru- lugar do vocabulário, ou porque, redigindo um artigo, ditos têm relegado para os domínios do archaísmo ou, claror nãosouberamrecordar-sedostermosqueusaramnoutro, pelo menos, da linguagem desusada. Taes são: , luxar grossor gerecer-se calleja almofia doairo ou porque, distribuida a obra por collaboradores diver- (sujar), , , , , , traguer nembro estrancinhar Can- sos, o autor dos artigos relativos á letra A, por exemplo, (trazer), , (usado no cioneiro da Vaticana confita Eufrosina engaço não conhecia os termos de que se serviria o autor dos ), , (na ), ceivar orreta gocho artigos da letra Z. (ancinho), , , (nas comédias de Simão sorça Lendas da Índia adôrádo busa- E assim é que, na grande obra de Frei Domingos Vi- Machado), (nas ), , ranhos agra bramante barbante eira,—esómerefiroaosartigosdeumaletra,—debalde ,(emGilVicente), , (por ), procuraremos pelagiano, perómelos, phene, patigabiraba, quartapisa, seto, ril, tenreiro, gaiar, guaiar, legão, cofi- picaveco, plumbear, panarei, etc., etc. E, contudo, o au- nho, inorar, etc. E contudo, quem percorrer as nossas tor ou os seus ampliadores conheceram e empregaram províncias, sobretudo quem penetrar nos desviados rin- aquellestermos,aodefinirmarmanjo,albatroz,batrachio, cões, donde o caminho de ferro e a concomitante civili- benzina, côco, azerar, calhamaço, etc. No bom Diccioná- zação ainda não expungiram tudo que há de usanças e rio Contemporâneo, inutilmente procuraremos os vocá- locuções avoengas, ouvirá pronunciar commummente no bulos assexuado, arachnidas, herva, carácias, chenopó- Algarve claror, luxar (sujar), grossor; na Beira, gerecer- dias, spermatozoides, camomilla, gorilla, gálleas, parro- se, calleja, almofia, doairo, traguer (trazer); no Minho chiano eparróchia, trachinídeos, decapódeos, escomberoi- nembro, estrancinhar, confita, engaço (ancinho); no Ri- des, avessar, termillionésimo, azaro, lóio, etc.; econtudo batejo, ceivar; em Trás-os-montes, orreta, gocho, sorça, adôrádo busaranhos agra o autor ou os autores da obra serviram-se delles, com , ; em Aveiro, , etc. E, em quási fundamento ou sem êlle, ao definir abelha, ácaro, alque- todas as províncias poderá ouvir as dicções antigas in- quenje, ambeta, anserina, antherídea, anthêmis, anthro- créu, descudar, hétigo; bellos lusitanismos como verguio; pomorphos, aparinas, aparrochiar-se, aranha, astacites, e, mormente em Trás-os-montes, puros latinismos, como atum, avessado, avo, azeredo, azulóio, etc., — e só me hedra, por hera. Etc. refiro a vocábulos da letra A. Ainda cheguei a tempo para incluir no inventário da Em taes casos, é a falta de méthodo, e sobretudo língua nacional milhares de verbas, que àmanhan esta- o facto ou a necessidade de muitos collaboradores da riamsonegadasporessainsaciávelcabeçadecasal,quese civilização mesma obra, o que determina sensíveis lacunas, sem de- chama , o que, desculpando-se com os seus in- sabono da competência e saber de quem dirige a obra. tuitosnobilíssimos,procuralocupletar-seácustadetudo E todavia taes casos, embora dignos de nota, não ac- e apesar de tudo. cusam, como é de vêr, as principaes deficiências dos nos- Àmanhan seria tarde; e exceptuando o que Camillo sos mais estimados diccionários: as deficiências capitaes salvou com os seus livros e o que algum devotado fol- referem-se á linguagem popular, á linguagem culta, an- clorista tem recolhido acaso, pouco ficará, entre o povo, tigaemoderna,átechnologiascientífica,etc.,efoiespeci- da bôa e antiga linguagem portuguesa. Falo por expe- almente neste campo que eu, durante vinte e dois annos, riência: há trinta annos, ainda aprendi nas aldeias da despendi larga parte dos meus cuidados e trabalho. Beiranumerosasfórmasdedizer, deperfeitocunholocal e de acentuado sabor português; hoje, parte dellas, não as oiço por lá, e acho-as substituídas ás vezes pela gí- Materiaes da obra riada cidadee peloneologismo, ora inútil, oratolíssimo. locomotora A locomotiva, ou antes, a , esfumou aquelles Nado e criado entre as serranias da Beira, nunca achei cerros e valles, e a vegetação secular vai cedendo terreno exaggeradooparecerdeCamillo,quandoocelebradoes- a plantas novas, entanguidas e ephêmeras... critor chamava ao povo o melhor dos nossos clássicos; e, Nem tudo porém se perderá; e, sobretudo se houver tendo ao depois residido annos nas provincias do Doiro, devoção para colher e archivar os numerosos provincia- do Alentejo e da Extremadura, mais se me arraigou a nismos, de que, apesar dos meus esforços, não consegui convicção de que o povo é realmente um grande mestre tomar conhecimento e que porventura ainda vão resis- da língua, embora êlle o seja inconscientemente, e em- tindo á foice que os ameaça, a Philologia terá nelles vali- bora mui raramente o hajam consultado diccionaristas, osossubsídiosparaahistóriacríticadalíngua,ealíngua a revêzes preoccupados de prosápias acadêmicas. poderá continuar a ufanar-se da sua excepcional flexibi- Desadorada pelos lexicógraphos, a linguagem popular lidade e belleza, e do seu numeroso vocabulário, irrivali- mereceu-me longos e especiaes cuidados, que reverteram zável talvez, se o defrontarmos com o das outras línguas na colheita de mais de seis mil vocábulos e locuções que românicas. nãoandavamnosdiccionários,masqueopovotemguar- dado religiosamente por essas províncias em fóra. * * * * * É muitas vezes incerta a origem ou formação dessas expressões; mas, muitas outras vezes, ali se nos deparam Naclassificaçãodosprovincianismosportugueses,nem preciosos lusitanismos, apropriadas dicções, e até nume- sempre pude seguir uma norma absolutamente rigorosa. rosos termos, que os eruditos têm tido a ingenuidade de A um termo, que se ouve pelo menos em Mogadoiro, capitular de archaísmos! emMirandaouemVinhaes,chameiprovincianismotras- Poderiam centuplicar-se os exemplos justificativos montano,semqueissosignifiquequeêlleéusadoemtoda v aquellaprovínciaouquenãoéusadofóradella. Umavez gallicismos, passando êstes ao domínio da língua. Basta termo garção abrevar minhão mancar ou outra, — raramente, — designo a localidade, ( citar , , (pequeno), (fal- de Alcobaça termo de Coímbra , , etc.), por tôr a proba- tar), etc. bilidade de que o termo respectivo só ali é usado. Tam- Um purista, que vivesse há quatro ou cinco séculos, provincianismo bei- bém, quando chamo a um vocábulo devia sentir ondas de indignação, quando visse começar rão, quero dizer que êlle é falado, pelo menos, numa das a usar-se libré, arranjar, ferrabrás, marau, freire, grifa, duas Beiras, (Alta e Baixa), ou até só em parte de uma genebra,bilhete,betarraba,besonha,febre (adj.),petigris, dellas. Da mesma fórma, há provincianismos alenteja- poteia, poterna, abreuvar, assembleia, petimetre, grelo, nos, que não são conhecidos no Alto Alentejo, e outros, gaio (alegre), gage,greu, moéla, gredelém, etc., porque que os distritos de Beja e Portalegre não conhecem. todas essas palavras eram puras francesias; hoje... são Vá isto á conta de esclarecimento, como de quem, as- portuguesas. ¿Quem sabe o que succederá aos mais in- sentando numa classificação que o não satisfaz absoluta- toleráveis gallicismos de hoje? mente, não achou processo mais simples nem mais pró- Epossívelqueosalludidosneologóphobos abranjamna ximo da verdade. suaphobiaoregisto,queeufaço,demuitoscentenaresde termos de gíria, como estranhos á linguagem othodoxa e * * * * * gravedospontíficesliterários. Aostaesbastaráponderar Masalinguagemportuguesanãoésóalinguagempo- que não há pontífice literário que inflija excommunhão pular de hoje; é também a linguagem popular antiga, e maior ao vocabulário da gíria, porque está relacionado a linguagem culta, antiga e moderna. pormuitosvínculosálinguagemgeral,offereceporvezes Sôbre a linguagem popular antiga, foram-me excellen- o facto notável de derivações erudítas e tanto se abeira tessubsídiososautosecomédiasdeGilVicente,António amiúdedalinguagempopular,quesetornadiffíciltraçar Prestes, Jorge Ferreira, Simão Machado; e para o estudo a divisória. cangalhas catrafilar danossalinguagemcultadetodosostempos,nãofoisem Estão neste caso as (óculos), estalo esticar massa grande assombro que eu achei, ainda inexplorados pelos (prender), (bofetada), (morrer), (di- penante pireza refilar diccionaristas,nãosóoscancioneirosechrónicasdospri- nheiro), (chapéu), (fuga), (reagir), tóla valente meiros tempos da nossa língua, não só Fernão Lopes e (cabeça), (alavanca para arrombar), etc., Gil Vicente, senão também os monumentos literários de etc. Vieira,FranciscoManuel,Filinto,JoséAgostinho,Casti- Accrescentando-se que os diccionaristas e philólogos, lho, Latino, Herculano, Camillo, e tantos outros. Só em comoBluteau,Diez,Cornu,Schuchardt,Michel,emuitos António Vieira, depararam-se-me mais de quatrocentos outros, têm dado ao calão ou gíria a importância que vocábulos, que eu nunca vira em diccionários. Em Gil os ingênuos poderão negar-lhe, nada mais opporei aos Vicente e Filinto, mais numerosa foi ainda a colheita. reparos, com que, a propósito de gíria, foram recebidas E nada desperdicei do que fui colhendo: archaísmos e as primeiras fôlhas desta obra por um ou outro crítico neologismos, derivações violentas e até erróneas, termos inoffensivo e anónymo. de significação duvidosa ou obscura, tudo alphabetei e reproduzi, julgando cumprir um dever. * * * * * Bem sei que os menos experientes em trabalhos desta natureza hão de acoimar-me de nimiamente tolerante, Não se limitam os meus estudos e investigações á lin- com respeito a locuções injustificáveis. Mas ao dicciona- guagem escrita e falada no continente português: — Ex- rista não impende o tolerar ou vedar o uso ou abuso de ploreitambémalinguagempopulardosarchipélagosaço- tal ou tal locução: o diccionarista tem, como dever capi- reano e madeirense; e, detendo a attenção na linguagem tal, o reproduzir factos e interpretá-los. Se entende que vulgar entre os Portugueses das nossas possessões ultra- um vocábulo está corrompido ou que é mal formado, se marinas,realizeilargacolheitadeexpressõeslocaes,con- o julga neologismo inútil ou disparatado, consigna o que cernentes a usos, costumes, administração pública, ves- entende, mas regista o vocábulo. tuário, ceremónias e crenças indigenas de Angola, Mo- Os próprios mestres têm extravagâncias, que ao dicci- çambique, Estado da Índia, Macau e Timor. onarista não é lícito expungir. Vejam o manti-costumes, Mas o português não é sómente a língua de Portugal o mil-lindo, o mil-gamenho, o mulhermente de Filinto, o e das suas possessões: fala-o uma grande nação, que se lucreciamente de Camillo, etc. emancipou da nossa velha soberania, mas que não enjei- Mas onde a crítica fácil mais convictamente me alve- touoidioma,comquelevámosacivilizaçãoeuropeiaaos jará é na inscripção, que eu faço, de gallicismos into- sertões da América do Sul. leráveis. Não alongarei justificações, afóra o que dito SuccedeporémqueoportuguêsdoBrasilnãoéprecisa- fica sôbre a missão do consciencioso diccionarista; mas mente o português europeu: recebeu numerosos termos apraz-me notar que, embora a francesia e o barbarismo da população indígena, e o tupi entrou como elemento em geral não sejam defeitos vulgares em livros meus, eu constituinte no organismo da moderna linguagem brasi- nemsemprecondemnooestrangeirismoquenãopratíco. leira. Ora, desde que um diccionário é destinado a todos Por uma consideração: é que nós não sabemos se o galli- os povos que falam português, não póde prescindir dos cismo,hojeintolerável,seráàmanhanpalavraportuguesa termosbrasílicos,quesãoinseparáveisdalinguagempor- e, como tal, fará parte do thesoiro da língua. tuguesa, praticada além do Atlântico. E esta incerteza é confirmada pela história. Raro será Consultei portanto vocabulários brasileiros; li poétas, oclássico, antigooumoderno, quenãotenhaperpetrado romancistas,críticosegrammáticosdaquellanação;falei vi pessoalmentecommuitosbrasileiros,e,detodasestasdi- nica geral: — Num diccionário da língua, ¿até onde de- Diccionário ligênciasresultouparaêste oregistodemais veria chegar o registo dos seres vegetaes, dos seus órgãos desetemilbrasileirismos, quenunca haviamentradoem e dos seus phenómenos biológicos? A quem deveria eu diccionários da língua portuguesa. seguir nas classificações do reino vegetal? Linneu? De- Note-se entretanto: nem todos os termos, a que eu Candolle? O Congresso de Paris de 1867?... apponho a nota de brasileirismos, e que como taes são Pela sua importância collectiva e scientífica, aquelle consideradospelosmaisconspícuosvocabularistas,como Congresso impunha-se-me naturalmente com as suas de- classe sub- Beaurepaire-Rohan, provieram dos tupís ou fôram cria- cisões; mas a classificação que propôs, — , classe cohorte sub-cohorte ordem sub-ordem tribo dos por brasileiros. Muitos dêlles são velhos portugue- , , , , , , sub-tribo gênero sub-gênero secção sub-secção espécie sismos, que partiram daqui com os descobridores e co- , , , , , , sub-espécie prole variedade sub-variedade variação lonizadores das terras de Santa-Cruz, e que lá vivem e ou , , , , sub-variação planta prosperam ainda, sendo aqui já esquecidos ou mortos. , , — além de se me figurar um tanto Assim é que a conjunção si que, no português, é hôje casuística, obrigar-me-ia a minúcias pouco compatíveis privativa do Brasil foi usada por clássicos nossos; usou- com a precisão, simplicidade e clareza que me cumpria a, por exemplo, Garcia da Orta, nos seus Collóquios. O observar;eassim,reduzindotodososgrausdaquellaclas- vocábuloperendengues,senãopartiudecá,foidelárece- sificaçãoaomenornúmeropossívelsemoffensadasciên- familias bidohámuitoeentrounoportuguêsdosmestres;usou-o cia, acostei-me á simples e clara taxinomia das , Filinto, pelo menos. A geriza, o agir, o faneco (pedaço tribos, gêneros e espécies. alfafa alfaifa guaiar de pão), a ou , o , etc., são bons e Noqueeurespeitei,quantopude,oreferidoCongresso, áceas ídeas velhos vocábulos portugueses, de que nós nos esquecê- foi em preferir a terminação á terminação , íneas íceas famílias amomá- mos quási, mas que os Brasileiros, para vergonha nossa, , , etc., ao designar vegetaes: ceas amómeas lauráceas lauríneas sabem alimentar e prezar. Sob êste ponto de vista, a ,emvezde ; ,emvezde ; rhamnáceas rhâmneas myrtáceas inscripçãodemuitosvocábulosbrasileirosequivale,creio , em vez de ; , em vez de myrtíneas eu,árehabilitaçãopúblicadealgumacoisa,injustamente , etc., respeitando embora as fórmulas consa- comdemnada pela ingrata pátria...1 gradas das gramíneas, leguminosas, labiadas, etc. Masnãoeramsimplesmentetaxinómicasasdifficulda- * * * * * des que a Botânica me oppunha: provinham também da amplitude numérica, que, num diccionário da língua, se Para a inscripção da technologia scientífica, de pouco deveria dar aos gêneros e espécies do reino vegetal. mevaleramoslexicógraphosportuguesesqueescreveram A tal ponto se tem desenvolvido há um século o es- antes de mim. tudo da Botânica que, não sendo conhecidos ainda 2:000 A tal respeito, foram sempre vulgares as queixas de gêneros em tempo de Jussieu, (fins do século XVIII), professores e estudiosos contra a falta de um vocabulá- o número dêlles sobe hoje a mais de 8:000, segundo o rio nacional, que comprehendesse com alguma largueza cálculo de Ducharte; e orça-se em 600:000 o número das a technologia mais corrente entre os homens de sciência. plantasactualmenteconhecidas! Hácincoentaannos,em Dei-me ao trabalho incalculável de estudar nas fon- tempo de Lasegues, nem 100:000 se conheciam aínda. tes respectivas a technologia botânica, geológica, anató- É verdade que muitos milhares de plantas aínda não mica, philosóphica, médica, chímica, radiográphica, etc.; perderam a sua designação exclusivamente scientífica e e muitas vezes, á mingua de competência encyclopédica, difficilmente se adaptariam dêsde já á nossa linguagem tivedemesoccorrerdacompetênciaeobsequiosidadede vulgar; mas muitíssimas há, cujo nome é perfeitamente muitos dos nossos mais notáveis homens de sciência, aos romanizável,comooutrashá,emqueadesignaçãovulgar quaes se deve certamente o melhor quinhão nos serviços e a scientífica precisamente coincidem, tão estreito é o queêstelivropossaprestaraosestudiososdetechnologia parentesco entre o português e o latim. scientífica. Occorri á difficuldade, conciliando, quanto em mim Confessarei, sem hesitar, que uma das sciências, em coube, a conveniência, se não necessidade, de enrique- que se me depararam maiores dificuldades, foi a Botâ- cer um diccionário da língua com um amplo onomástico botânico,eaimpossibilidadederealizarnessediccionário 1Depassagemadvertireiqueaodiccionaristaconscienciosomais o que aínda não conseguiram os próprios vocabularistas deumavezsedeparamdifficuldadesnoregistodosvocábulosbra- sílicos. Como os Tupis não tinham língua escrita, muitos vocá- botânicos. bulos, que delles procederam, apparecem hoje escritos por mais E assim, quanto á Botânica geral, registei com inusi- de uma fórma, segundo o arbítrio de quem escreve. Assim é que, famílias gêneros tada amplidão o onomástico das e dos , — referindo-me apenas a alguns vocábulos da letra G, — vejo na espécies imprensadoBrasilasvariantesgopiaraegupiara,garirobaeguari- e só me detive nas que se recommendam pelas roba,gurandirana eguarandirana,gurejuba egurijuba,guaiamum suas qualidades medicinaes, ornamentaes, etc. e goiamum, goiaba e guayaba (fórma preferida por Beaurepaire- Quanto porém á Botânica portuguesa, continental e Rohan),etc. colonial,equantoáBotânicabrasileira,tudomeaconse- SobretudolongedoBrasil,nãoénadafácildecidirqualdasvari- antesdeumvocábulobrasílicoéaexactaou,pelomenos,apreferí- lhava que registasse quanto as minhas investigações me vel. Emtaescondições,julgoqueandeibemavisado,registandoas deparassem. variantesquesemedepararam,eremetendooleitorparaafórma Neste ponto, e ao passo que noutros diccionários só se vocabular,quemaiscorrentesemeafigurava. Aexegesedoserudi- haviadadoplausívelattençãoàBotânicaeuropeia,tivea tosbrasileiros,—queosháemuitos,—poderáresolveradúvida emúltimainstância,eosseusacórdãosacatareicomodevo. satisfação de trazer para a lexicographia numerosíssimas (Nota desta 2ª edição). espécies da nossa flora africana, asiática e oceânica, bem vii como da flora brasileira. No Museu da Sociedade de Ge- * * * * * ographia, nos jardins botânicos da Escola Polytéchnica de Lisbôa e da Universidade de Coimbra, nos livros de Com a Entomologia, vi que se davam factos análo- Garcia da Orta, Capello e Ivens, Serpa Pinto, Sisenando gos. Se eu me despreoccupasse de outras considerações Marques, Stanley, Henrique de Carvalho, Levingstone, eattendesseexclusivamenteaoplausívelintuitoderegis- Ficalho, Lopes Mendes, Pedroso Gamito, Dalgado, e ou- tar vocábulos que não há noutros diccionários da língua, tros,pudecolhernotíciademuitoscentenaresdeespécies ampliariadesmedidamenteacolheitaquefiznaquellaes- vegetaes, que ainda hoje valorizam o nosso império co- pecialidade scientífica. Tenho effectivamente ao meu al- lonial e que, pela primeira vez, enriquessem agora um canceosnomesdemilharesdeinsectos,nomesqueeunão diccionário da língua; e, para o largo registo que faço registo,nãosóporqueobomsensoealexicologiaestabe- diccionário da língua da flora brasileira, de muito me serviram os largos de lecem limites entre um e um dicci- estudos do Dr. Caminhoá, de Del-Vecchio, de Araújo onárioespecial,senãotambém,eprincipalmente,porque Amazonas, de Brás Rubim, de Beaurepaire-Rohan, etc. procureidaraomeutrabalhoapossívelunidadeerefugir Na própria Botânica do nosso país, e não obstante o ásdesproporções,dequeenfermamoutrosléxicos,nome- muito que já lhe consagraram outros diccionários, tive adamente, a meu vêr, o grande diccionário de Larousse. ensejo de reconhecer, pelos livros dos nossos ampeló- E, contudo, nenhum diccionário português apresentou graphos,pelosrelatóriosdosagrónomos,pelosjornaesde ainda tão copioso vocabulário entomológico, como o dic- agricultura e pelo trato directo com a gente do campo, cionário que estou prefaciando. quemuitosfrutosemuitíssimasespéciesdeplantasúteis ainda não pertenciam á lexicographia, tendo eu que re- * * * * * gistar mais de 1:500 variedades de videiras, e numerosos frutos, que entraram há muito na linguagem do povo e Em Ornithologia, consegui refundir lexicographica- que só agora entram no vocabulário português. mente o respectivo vocabulário, não só ampliando com centenares de variedades o registo, por outros feito, das * * * * * aves portuguesas, mas também dando dellas noção mais exacta, do que aquella que até hoje podiamos adquirir Na parte scientífica do meu léxico, não foi sómente pelos diccionários. a Botânica o que me abriu campo extenso e diffícil: a E, de facto, é vulgaríssimo vermos definidos, como no- gaivão zirro pedreiro Chímica não me offerecia muito menores difficuldades. mes de animaes diversos, o , o , o , o guincho ferreiro andorinhão arvião catavento Relendo livros e consultando professores, também , o , o , o , o ; me surgiam hesitações sôbre o ponto até onde deveria quando, afinal, eu pude verificar que todos êsses nomes, estender-se o registo da nomenclatura chímica num dic- — cada qual em sua província ou localidade, — são da- gaivão cionário da língua. Depois de haver colhido nesse campo dos á mesma ave, o , embora um ou outro sirva muitíssimo mais do que os meus confrades em lexico- excepcionalmente para designar, ao mesmo tempo, ou- graphia, suspendi a colheita quando conheci a impossi- tra ave. abibe bilidade ou a desnecessidade de proseguir. Foi quando O mesmo succede com o , cujo nome varía de vi que os chímicos, lutando com a difficuldade de de- região para região, podendo nós, se percorrermos o composto bibes ví- signar um por uma palavra normalmente or- país inteiro, ouvir que lhe dão os nomes de , bora abesconhinha avetoninha ave-fria gallispo ma- ganizada ou derivada, formavam de muitos elementos , , , , , toninha verdizella choradeira galleno coím donzella- um só termo, que só poderá quadrar ás altas especu- , , , , , verde galleirão avecoínha còninha lações scientíficas ou ás memórias secretas dos labora- , , , ; além de que, na bibi bisbis gui- tórios. Para um diccionário, pareceu-me inútil, se não Madeira, esta ave tem os nomes de , , zinho melrinho-das-urzes melrinho-da-serra melrinho- muito estranhável, aproveitarem-se fórmulas como esta: , , , paranitrophenyldehydrohexonecarboxýlico dos-pereiros pintasilgo-derrabado ; ou como esta: , . oxyditrichloroethylidenadiamina. E mais extraordinária é ainda a megengra, que, vari- Quando muito, vocábulos com dimensões análogas, só ando o nome, segundo as localidades ou regiões, chega pentadecylparotolylcetona chapim cedovém pata- me aventurei a registar a , pela a reunir os seguintes nomes: , , phenylhydroqui- chim pinta-caldeiras fradisco fura-bugalhos ferreiro sua estreita relação com a radioscopia; , , , , , nazolina mezengro parachim cachapim papa-abelhas chincha- , e pouco mais. , , , , ravêlha fradinho semeia-linho chinchinim caldeirinha E não foi só a exagerada complicação das fórmulas , , , , , rabilongo adoptadas recentemente pelos nomencladores chímicos o ! que fez sustar o passo nas minhas excursões por aquella Êstes e outros factos análogos, facilmente verificáveis, província do saber humano; foram também, não direi o dão-me a persuasão de que a parte ornithológica desta abuso, mas o arbítrio, com que a pharmacologia de hoje obrarevelaosdevidosescrúpulos, opossívelrigor, esen- sedáaoapparatosoluxodeinventarvistososrótulospara síveis melhorias na lexicographia nacional. os seus productos, á custa da Chímica e da Pathologia. O autor, neste caso e em casos semelhantes, não fala Entretanto, pelo esfôrço próprio e pela cooperação de por vaidade nem faz alarde de serviços e méritos: julga algunsdosnossosmaisnotáveishomensdesciência,con- cumprir um dever, historiando os seus processos e o seu seguiregistarlargamenteanomenclaturachímica,emvi- trabalho, para auxiliar o leitor no conhecimento e avali- sível desproporção com o que até agora, e a tal respeito, açãodaobra. Contraprovadasporêsteasallegaçõeseos se tinha feito em trabalhos congêneres. factos,fica-lheopleníssimodireitodejulgaraobracomo viii lhe aprouver. Mas, antes que a julgue, requeiro que me Obedecendo a estas e àquella, na redacção primitiva Diccionário oiça. do não havia sequer uma citação de autor ou de obra estranha. Por êsse lado todavia, — e só por * * * * * êsselado,—sentinãotêrderecomeçaraobra,porquere- AIchthyographiaeaConchyliologiatambémmefacul- conheci a conveniência de justificar com uma autoridade taramimportantesacquisiçõeslexicológicas,porintermé- o registo de tal ou tal vocábulo, de tal ou tal accepção. diodosautorizadosestudosdeFelixCapelo, Barbosadu Era tarde para voltar atrás, e seria quási impossível Bocage, Baldaque da Silva, A. Girard e muitos outros. recordar, entre centenares de livros, o livro e a página que contribuiu para o meu vocabulário. * * * * * Como porém um triste successo retardou por dois an- nos a publicação da obra, e como até hoje nunca cessou Mais importantes ainda fôram as contribuições que eu a colheita de novos vocábulos e novas accepções, pude devo á Anatomia, á Medicina geral e, especialmente, á remediar o que era remediável, e, nas novas colheitas, Ophtalmologia, á Psychiatria, á Homeopathia, á Elec- pudejustificarcomcitaçõessuccintasoregistodeumou trotherapia, etc. outro vocábulo, de uma ou de outra accepção. Os mais conspícuos especialistas nestas sciências distinguiram-me com as suas luzes, com os seus livros, A linguagem não é inventada pelos diccionaristas: fa- com o seu carinhoso auxílio, o que me autoriza a affir- ladaouescrita,registam-na,edeixamaresponsabilidade marqueemnenhumdiccionárioportuguêsessassciências della aos que a criaram. lograram ainda tão largo espaço como na presente obra. Mas há circunstâncias, em que a menção de um vo- O mesmo se póde dizer da Radiographia, da Veteri- cábulo poderia sêr apodada de destempêro pelos leitores nária, da Agricultura, da Geologia, da Architectura, das mais inclinados á maledicência do que á justiça. indústrias fabris, da Náutica antiga e moderna, da Pe- Assim, quando eu registo um barbarismo inútil ou um dagogia, da arte militar, da Velocipedia, do Espiritismo, neologismo ousado, a crítica fácil poderia suppor que eu dosoffíciosmecânicos, daJurisprudência, dasantiguida- inventei, ou que perfilho, como escritor, a novidade, se des gregas e romanas, da Ethnologia, dos jogos, danças, eu não lançasse o termo á conta alheia, citando o in- e usos populares, etc., etc. ventor ou o patrono. Estão nêste caso os neologismos mesmicedesenfechar Procurei não omittir os mais recentes descobrimentos , , e tantos outros. cinema- mu- emqualquerespheradaactividadehumana,—o Da mesma fórma, se eu registasse os advérbios tógrapho icérya radioscópio melinite acetylene lhermente lucreciamente lapantanamente , a , o , a , o , , , , o substan- manticostumes minotaurizado difficil- etantíssimosoutros;e,dandoaomeutrabalhofeiçãosen- tivo , o adjectivo , lissimo digressoar dormitólogo donairíssimo fósmea sívelmenteencyclopédica,obedeciaopropósitodebasear , , , , , flavibico clystermente emnovosprocessosumaobraque,nãopodendotêrtudo, , , etc., e não mostrasse logo que tivesse ao menos alguma coisa de tudo e de novo. essas originalidades são da responsabilidade de Filinto, Camillo, etc., poderiam suppor ingênuos que eu estava brincando com quem me lê3. Processo da obra Por outro lado, colligi numerosos vocábulos, cuja sig- nificação não resalta do texto em que se me depararam. Reunidos os materiaes através de duas dezenas de annos Claro é que, em tal hypóthese, o processo preferível é e á custa de incompensáveis fadigas, dois caminhos se registar o vocábulo e citar o texto respectivo, para que meantolhavam: —Organizarumdesenvolvidodiccioná- os leitores o interpretem, se puderem. rio que poderia abranger seis a oito grossos volumes; ou Muitas vezes, se não quási sempre, as referências a synthetizar aquelles materiaes no mais limitado espaço. obras alheias levam a indicação do tomo e página res- Na primeira hypóthese, seria mister um editor arro- pectiva, não só para se facilitar a contraprova ao leitor jado, se não temerário, o que é raro; e ao autor, seria escrupuloso,senãotambémeprincipalmenteparaobviar mistervidalonga,oqueéaindamaisincerto. Aventurei- ás supposições gratuitas de críticos praguentos e mal in- me á segunda hypóthese, e nem por isso foi menos arro- jado o meu saudoso amigo e honradíssimo editor2, que tencionados, que, julgando por si os mais, admittem a possibilidade de que qualquer escritor tenha a improbi- não hesitou em jogar sôbre o meu trabalho uma dezena dade de inventar citações por conveniência própria. de contos de réis. É verdade que, em muitos casos, a obra citada teve Uma condição me impôs apenas: reunir todos os ma- duas ou mais edições, e é diversa a paginação destas, teriaes, colhidos por mim, a tudo que os outros diccio- difficultandoassimocotejo. Emtodocaso,adifficuldade nários tivessem de aproveitável, e organizar uma obra, não é impossibilidade; importa apenas algum trabalho cujo preço a não tornasse incompatível com os recursos para o crítico mais minudencioso, por têr de consultar pecuniários da maioria do público que lê. Novo Dicci- diversas edições da mesma obra. Daqui a índole visivelmente sinthética do onário . A quem ella não aprouver bastará ponderar que 3Sobretudonestanovaedição,emborasuccintamente,pudeabo- uma sýnthese em dois grossos volumes só por conven- narcomtextosdosmestresoemprêgoeasaccepçõesdemilharesde ção se chama sýnthese e corre já o perigo de exceder a vocábulosmenosvulgares,oupoucoconhecidos;eraraéapagina, emquecertasaccepçõesvocabularesnãosejamacompanhadasde condição do editor e as intenções do autor. exemplos, — o que sem dúvida representa um dos mais sensíveis 2O finado proprietário da casa editora Tavares Cardoso & Ir- melhoramentosdestaedição. mão,Sr. AvelinoTavaresCardoso. (Nota desta nova edição). ix Excepcionalmente, cito uma ou outra locução sem in- regra, porém, e de acôrdo com os mais autorizados lexi- dicar as fontes escritas, porque a recebi da linguagem cógraphos, dou o primeiro lugar á accepção natural ou oral ou dos registos avulsos e dispersos do falar do povo, primitiva, consignando sucessivamente a extensiva e a como as canções populares, os prolóquios, etc. figurada, quando para um vocábulo há variedade de ac- cepções. * * * * * A orthographia Seguindobonsexemplos,—ebastar-me-iaodeLittré, —registei, apardovocabulárioportuguês, algunsvocá- buloselocuçõesquepertencemaoutraslínguas,masque Aorthographia,que,paraosantigospadres-mestres,era são, mais ou menos commummente, usados e, em geral, uma parte da grammática, está reduzida actualmente a necessários em nossa linguagem falada e escrita. Taes um intricado e curioso problema. sãodeficit,Te-Deum,item... Tiveporémocuidadodeos Àpartemeiadúziadeeruditos,quetomamoassumpto preceder da indicação de alheios ao português e de indi- a sério, a generalidade dos nossos escritores modernos caralínguaaquepertencem,paraque,aoescreverem-se, observamaorthographiaquelhesensinaramouaquellaa sejam devidamente sublinhados ou griphados, não vá al- quesehabituaram,preoccupando-semediocrementecom guém confundi-los com o que é lidimamente nosso. a razão do que escrevem. Todos os escritores estão convencidos de que ortho- * * * * * graphambeme,entretanto,cadaqualortographadesua maneira. Como descargo de consciência, suppõem prati- usual Há toda a conveniência, e de bom grado a subscrevo, car a orthographia . A orthographia usual reduz-se em que se annotem de archaísmos os termos que se afas- á orthographia de cada um, o que dá em resultado cem tamdalinguagemcommumdonossotempoedaprática ou duzentas orthographias differentes e quási todas au- dos mestres contemporâneos. Reconheço porém a diffi- torizadas. culdade de, em muitos casos, capitular de archaico um Officialmente, considera-se modêlo a orthographia do termoque, pelaprimeiravez, nosoccorreemdocumento Diário do Govêrno. É verdade que o próprio Govêrno, antigo. Nenhum de nós, os que escrevemos, conhece me- isto é, os ministros, só a praticam nas columnas da tade dos termos da sua língua, e, como já notei, muitos mesma fôlha; cáfóra, praticamo quelhes ensinouo pro- julgarão archaico um vocábulo, que só vimos usado em fessor de primeiras letras, cuja orthographia já brigava escritoresquinhentistasoupre-quinhentistas,equepóde com a do professor da vizinha escola. deparar-se-nos acaso no uso corrente de alguma região O uso dos doutos é outro bordão, que de nada serve portuguesa, e até na escrita de algum escritor moderno. porque o uso dodouto Garret não é o uso do douto Her- antigos Entretanto, não poupei a nota de ou de sim- culano; o uso dêste não é o de Castilho; o de Castilho desusados plesmente aos vocábulos que me parecem não nãoéodeLatino,eassimpordeante. Lembremo-nosde têr chegado ao uso do nosso tempo ou, pelo menos, aos que Herculano escreveu outomno e Castilho outono; Ca- escritores portugueses do último século. milo graphou filósopho; Garret usava mattar, cinquenta, fummo entrehabrir Essanotaporémnãoqueredizerquetodosêllessejam , , e outras extravagâncias do mesmo pertença exclusiva de épocas findas e que não possam gênero. nobilitareenriqueceraescritamoderna,emboraaadap- Êste facto, só o não vê quem fôr cego de vontade. tação dependa de muito bom senso, alguma autoridade, De maneira que os diccionaristas, julgando que tem e de opportunidade sempre. Succede, até, que muitas igual direito ao dos outros escritores, escrevem geral- expressões, realmente de cunho antigo, tendo pertencido mentecomoentendem,condemnandoimplicitamenteto- a usos e instituições que passaram, hão de necessaria- das as fórmas divergentes. mente empregar-se ainda hoje, sempre que tenhamos de Consequência: lemos glycose e ouro num livro, procu- nos referir a essas instituições e usos. ramos êstes termos num diccionário, e não os topâmos Temos disso copiosos exemplos em Herculano. porque o diccionarista escreve glucose e oiro. Ou vice- A simples indicação, que eu faço a revêzes, de que versa. gallicismo umvocábuloé ,significaqueapalavraproveio Ora, o diccionarista não tem o direito de escrever so- directamente do francês, o que não implica a sua con- mente como entende. A sua missão não é preconizar demnaçãoemnomedavernaculidadeportuguesa;podem systemas, nem fazer reformas, nem manter intolerantes arrecear-sedellaospuristas,masnadaprovaqueellanão exclusivismos. Àparte os termos que êlle só conhece de possaconsubstanciar-se, ounãovenhaaconsubstanciar- outivaouquecolheudalinguagemoral,equetemdere- se, no corpo da nossa língua. produzirphoneticamente,seaetymologia,aaderivação, Há gallicismos de gallicismos: e, quando êlles se me ou a analogia lhe não aconselham outro processo, todos afiguraminúteis,violentosoudisparatados,inscrevo-lhes osvocábulosqueêlleviuescritos, sobaresponsabilidade cave canem ao lado o do prudente aviso. de um escritor antigo ou moderno ou sob a chancella da Quanto á disposição das várias accepções de cada vo- prática corrente numa época, tem de os reproduzir taes, cábulo, segui, ás vezes, o processo da Academia Fran- quaes os viu; e, se a fórma varía de escritor para escri- cesa, dando o primeiro lugar á accepção mais vulgar ou tor ou de época para época, essas variantes devem fazer conhecida, quando a accepção primitiva é inteiramente partedoseutrabalho,sobpenadesensíveisimperfeições obsoleta, e deixando esta para o fecho do artigo. Em ou de lastimosas deficiências. x * * * * * E o Padre António Vieira sentenciava: — «Quem entra a introduzir uma lei nova não póde Porissoéqueoleitorencontraránestaobranumerosas tirar de repente os abusos da velha.» — Diccioná- variantes autorizadas; e nem de outra fórma o Quando humanistas e lexicógraphos da craveira de rio reproduziria, como deve, o estado actual da escrita Verney e Moraes recuavam perante o colosso da rotina e idéa ideiapae pai philósopho portuguesa. Veja-se e , e , e daindifferença,¿dequevaleriamosmeusesforçosafavor filósofo ouro oiro distincto distinto escripto es- , e , e , e da possível simplificação orthográphica, embora estriba- crito lyra lira , e . dos no saber e na convicção dos poucos que, entre nós, Claroéque,entreduasoumaisvariantesdeumtermo, logramincontestávelcompetênciaemmatériasphilológi- tenho de pôr na primeira plana, para o effeito da defini- cas? o uso mais ção ou do significado, a fórma que tem por si Amuitomeaventuroeu,dandoolugardefórmasper- geral , excepto quando tal uso é diametralmente opposto mittidas, e até plausíveis, a graphias que poderão indig- ás regras e aos preceitos da sciência da linguagem, como nar a ingênua e pacata rotina; e a muito mais desejava civilisar portuguez atraz atravez em , , , , etc. queeumeaventurasseanotabilíssimaescritoraeuropeia, Portanto, as convicções do autor sôbre orthographia glórianossaedasuaterra,aSenhoraMichaëlis. Folgaria portuguesa retrahem-se nesta obra, para dar lugar ás ella de que eu registasse as variantes opostas ao uso das convicções da maioria do público ledor e ás praxes mais consoantes geminadas: elipse, ela, aquela, nulo... geralmenteseguidas. Aliás,poriaêllenaúltimaplana,se Muitas registei de facto, mormente aquellas em que a as não expungisse inteiramente, todas as fórmas ortho- geminação provém convencionalmente da assimilação de gráphicas,emqueappareceoinutilíssimoy,oprejudicial umaconsoantedeprefixo,comoofício,oferecer,aparecer, ch por c ou q, o falso ph, o falso th, as consoantes gemi- suceder,acumular,etc.;masregistá-lastodasseríadupli- nadas, e todas as convenções que, sem valor scientífico, car a extensão da obra; e a necessidade dêsse registo fica sóservemparadifficultaraextincçãodoanalphabetismo attenuada desde que se consigne, em nome da sciência e e tornar a escrita portuguesa um privilégio de sábios. do bom senso, que não é êrro evitar systematicamente a Diccionário duplicação das consoantes, quando não sejam r e s Mas o é o que deve sêr: reproducção de . factos e não tribuna de reformador. E, depois, a eliminação das consoantes geminadas não Semeestimulassemprurídosdereforma,eseestaobra me parece dos desideratos mais instantes para a racio- DiccionáriodaLíngua nãofôsseum ,eudiriaatodosque nalsimplificaçãodaescrita,vistocomo,phoneticamente, escrevem: — «Sêde embora etymologistas, mas sêde-o tanto valem dois ll, dois pp, como um só4. como a Itália e a Espanha, que, possuindo os idiomas * * * * * mais irmãos do nosso, simplificaram a sua orthographia, uniformizandoasuaescritaefacilitandooconhecimento Pela natureza especial da obra e pela difficuldade, se de uma vez da língua; e vereis como as crianças e os estrangeiros não desnecessidade, de se fazerem todas as física filosofia coro- aprenderão facilmente a lêr: ..., ..., convenientes ou necessárias correcções na escrita mais grafia teatro liceu química iguais cadela Novo Diccionário ..., ..., ..., ..., ..., ..., usual, é esta a que o autôr do observa retórica ...» geralmente no decurso da sua obra; e a tal ponto re- Mas isto são assumptos infinitamente pequenos, no conhece a improficuidade das reformas precipitadas e o conceito geral da nossa oligarchia literária. Consola-me, afêrro do seu país a rotinas, ainda as mais absurdas, que porém,aresignaçãodovelhoMoraesque,preambulando a pesar seu e contra os ditames da sciência, regista e o seu Diccionário, já ponderava, como bom conhecedor deixa passar sem indignação muitas fórmas que a Philo- geito jeito sapato da sua terra: logia condemna, como em vez de , em çapato sarça çarça salameleque —«QuantoáOrtografiaquesegui,declaroaltamente, vezde , emvezde , emvez çalameleque grasnar graznar e de bom som, que na maior parte a sigo contra o meu de , em vez de , etc., etc. ç parecer, e porque assim o querem. Eu sou pela Orto- Sobretudo o inicial, embora sensatamente adoptado graphia Filosófica, a qual, fundada na analise dos sons pelos nossos mestres antigos para os casos em que a sci- proprios, ou vogaes, e na de suas modificações, pede que ência o impõe, como nos casos alludidos, não é melhoria a cada um se dê um só sinal, ou letra privativa, distinta, quepossavingarjá,taessãooscalefriosqueêlledesperta e que não represente nenhum outro som ou consoante. nos amoucos da rotina inconsciente. Deste voto eram João de Barros, o célebre Duclos, e o Outras reformas há porém que, baseadas na sciência immortal Franklim... cujos nomes aponto para confusão e na índole da lingua se vão enraizando já, com apra- dos que não valem tanto como estes...» — zimento de quantos se interessam pelo lustre da nossa E, já antes de Moraes, o audaz e superior espírito do língua. Eassiméque,emlivrosdasescolaspúblicas,em grandeLuísAntonioVerneyreconheciaaimproficuidade documentosofficiaesesobretudoemrevistaselivros,or- dos seus esforços em tornar simples e racional a com- ganizadosporquemnãosejaestranhoásnoçõesscientífi- plicada, e por vezes absurda, orthographia acadêmica. cas da língua, vemos já ir-se dilatando o uso de escrever, Dizia êlle: 4Escrevia-seistoem1899. Annosdepois,foiofficialmenteadop- —«...istodeemendaromundoeprincipalmenteoque- tado um processo orthográphico de simplificação, que aboliu as consoantesgeminadas,oy,ok,osgruposph,th,rh,ch (=k),etc. rer arrancar certas opiniões do animo dos homens enve- Nesta nova edição portanto, a par das palavras que, etymologi- lhecidos nellas e consagradas já por um costume de que camente e segundo o uso, tem consoantes geminadas, regista-se a não há memoria, é negócio que excede as forças de um correspondentefórmasimplificada. só homem...» — (Nota da nova edição).

See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.