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Cultura e Opulência do Brasil PDF

274 Pages·1711·1.452 MB·Portuguese
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ANDRÉ JOÃO ANTONIL CULTURA E OPULÊNCIA DO BRASIL “O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Pedro Calmon (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal”. APOIO FINANCEIRO: ANDRÉ JOÃO ANTONIL CULTURA E OPULÊNCIA DO BRASIL BAHIA / 2021 Antonil e sua obra Estudo biobibliográfico por Affonso D’Escragnolle Taunay Como já tivemos o ensejo de notar, na adver- tência à terceira edição das Memórias para a história da Capitania de S. Vicente, do eru- dito Frei Gaspar da Madre de Deus – preciosas in- substituíveis, para o estudo das primeiras eras pau- listas – como já o deixamos dito, há na bibliografia nacional as mais extraordinárias lacunas a preen- cher. Milhares e milhares são os brasileiros que so- bremodo se interessam pelos livros do velho Bra- sil, a que, no entanto, só conhecem de citação, pelo fato de que ninguém os encontra, senão de longe em longe, pelo mero acaso, em belchiores, e por preços assustadores. Alguns – bem poucos, aliás – destes velhos livros foram, é verdade, reimpressos em grandes coleções, sobretudo na monumental e benemérita Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Já com isto, melhorou a situação do pú- blico em relação a tão procuradas obras. No en- tanto, quem pode possuir tão volumosa coleção como a Revista? Poucos bibliófilos apenas. O que convinha era pôr ao alcance de todos, por meio de edições vendidas por preços razoáveis, estes tão apreciados documentos dos velhos tem- pos brasileiros. Melhor inspirados não podiam ser os Srs. Weiszflog Irmãos do que publicando a História do Brasil de Frei Vicente do Salvador e as Me- mórias de Frei Gaspar da Madre de Deus, sobretudo a primeira crônica, opulentada pelos comentários profundos do grande mestre Capis- trano de Abreu. Prosseguindo nesta ordem de ideias, enceta hoje a Companhia Melhoramentos de S. Paulo, sucessora de Weiszflog Irmãos, uma série de reimpressões de livros raros brasileiros, a que nos dá a honra de presidir, distinção que so- bremodo nos desvanece e só podemos atribuir às relações de amizade que desde anos nos prendem à poderosa e patriótica empresa. Principiamos pela obra de Antonil, livro famoso, inacessível, aureolado pela perseguição colonial de que foi vítima, pela raridade extrema de sua edição princeps, em acima de tudo, cheio de grandes méritos pela abundância, riqueza e sin- ceridade dos informes. Constitui um repositório preciosíssimo sobre a vida econômica do Brasil em princípios do século XVIII; faz um apanhado completo das condições que regiam as principais indústrias do país; a cana-de-açúcar, fator de enor- me opulência do Norte, do luxo da Bahia e de Pernambuco, e a mineração do ouro, exatamen- te numa época em que acabara de dar-se o grande rush de paulistas e reinóis para as terras prodigiosas dos antigos Cataguazes, agora Minas Gerais. A es- tas duas mamas do Brasil, se assim podemos cha- má-las por analogia à célebre comparação de Sully quanto à lavoura e à pecuária, “tetas principais dos reinos”, consagra Antonil quase toda a sua obra, reservando, contudo, ainda pequenos capítulos, à criação do gado e à lavra do tabaco. I - CondIções que regIam a lavoura da Cana no BrasIl seteCentIsta. CrIterIosos Conselhos do autor soBre mIl e um assuntos. a produção açu- CareIra do BrasIl. Discursando sobre a lavoura da cana, não só escreveu Antonil um manual do agricultor da pre- ciosa gramínea que foi a base da riqueza nacional, até meados do século XIX, como ainda um código do critério e do bom-tom, sobremodo proveitoso àquelas épocas atrasadas. Assim o vemos começar expondo “que ca- bedal deveria ter o explorador de um engenho real”, para depois ministrar os mais minuciosos conselhos a quantos quisessem, no Brasil, estabe- lecer-se como fabricantes de açúcar. Surgem os conselhos para a compra das terras, de modo a não adquirir o novo plantador chãos estéreis ou sequer inferiores por massapés, a famosa terra negra, adocicante por excelência do caldo saca- rífero. E como foi sempre o Brasil terra de títulos precários de posse, aconselha aos adquirentes de engenhos que se precavenham contra as possíveis e prováveis demandas; usem de toda a diligência para defender os marcos e as águas de que necessi- tem, para moer, o seu engenho etc., e assim se evi- tem demandas e pleitos, “contínua desinquietação da alma e contínuo sangrador de rios de dinheiro, que vai a entrar em casa dos advogados, solicita- dores e escrivães, com pouco proveito de quem promove o pleito ainda quando alcança, depois de tantos gastos de desgostos, em seu favor a senten- ça. Nem deixe os papéis, e as escrituras que tem, na caixa da mulher, para que depois seja necessário mandar dizer muitas missas a S. Antônio para achar algum papel importante que desapareceu, quando houver mister de exibi-lo!”. E assim continua o bom do autor a discorrer ex abundantia cordis com naturalidade e singeleza encantadoras, a ditar re- gras de elementar critério a bem dos seus possíveis consulentes, a quem só dá os mais leais e judiciosos conselhos, ora a lhes ensinar “como se há de haver o senhor de engenho com os lavradores e outros vizinhos e estes com o senhor”, ora “como se há de haver na eleição das pessoas e oficiais que admitir a seu serviço e primeiramente da eleição do ca- pelão”, ora ainda na escolha “do feitor-mor e dos outros feitores menores, que assistem à moenda, fazendas e partidas da cana” e como lhes determi- nará “obrigações e soldadas”. Feita esta primeira parte relativa ao go- verno do engenho, passa a explicar a fabricação do açúcar, expondo quais os deveres do mestre do açúcar, e seu “soto-mestre, a quem chamam banqueiro”, e do seu ajudante, “a quem chamam ajuda-banqueiro”, e, ainda os do purgador e cai- xeiro do açúcar, ou fiscal-mor da safra fabricada. Voltando a tratar da economia domésti- ca, grande capítulo consagra ao modo pelo qual “se há de haver o senhor de engenho com os seus escravos”, “mãos e pés do seu estabelecimento”. Curiosíssimas páginas estas onde se leem inte- ressantes apanhados de pontos de vista coloniais sobre as relações mútuas de servos e senhores. É nele que o autor recolhe o adágio tão famoso e tão citado das nossas antigas eras; de que o Brasil “é inferno dos negros, purgatório dos brancos, e paraíso dos mulatos e das mulatas”. Conselhos humanitários quando possível ministra o autor aos seus leitores, apelando para os seus senti- mentos religiosos, a fim de que fujam de castigar os servos em demasia, contrariando assim outro prolóquio popular antigo de que só precisam os negros de três P: pão, pau e pano. Passando a outra série de assuntos, conti- nua Antonil a expor os tesouros de sua experiên- cia no caso “de como se há de haver o senhor de engenho no governo de sua família e nos gastos ordinários da casa”, explicando quanto é melin- drosa a resolução do problema que se propõe aos pais em relação aos filhos homens: “se ficam no engenho, criam-se tabaréus; soltos nas cidades é arriscá-los a fazê-los viciosos e enchê-los de vi- ciosas doenças. O melhor é tê-los bem vigiados sem consentir que a mãe lhes remeta dinheiro ou mande para isso secretamente ordens ao corres- pondente”; e por aí continua numa série de ob- servações preciosas para o estudo da vida íntima brasileira, naquelas eras longínquas. Um dos quatros livros destinou-o exclu- sivamente à exposição exaustiva dos assuntos referentes à indústria do açúcar desde a escolha da terra, planta e limpa das canas, estudo das va- riedades agricultadas, pragas, corte e condução para o engenho, até a montagem desta casa de máquinas, movida a água, ensinando como se há de fazer a moagem e de quantas pessoas necessita a moenda. E ainda nos diz quais as melhores ma- deiras a empregar para o madeiramento do enge- nho, a fatura da moenda, “canoas e barcos”, o que se deve pagar aos carpinteiros e oficiais de ou- tros ofícios, qual o aparelhamento das fornalhas, e qual a melhor lenha, o que se há de fazer com a cinza e sua decoada, como devem ser as caldeiras e cobres, de quanta gente hão mister e quais os instrumentos que usam. Vem depois a descrição minuciosa dos processos de limpar e purificar o caldo nas caldeiras e no parol de coar, até pas- sar para os tachos, do modo de cozer e bater o melado nestes, das três têmperas que este sofre, da passagem do açúcar para as formas, do ten- dal para a casa de purgar, da descrição do pessoal ocupado em purgar, mascavar, secar e encaixar, e dos instrumentos para isto necessários, todas as manipulações enfim, até a conferência do peso, repartição e encaixotamento do gênero. Estuda os tipos de açúcar, que separadamente se encai- xam, a marca das caixas e dos modos de sua con- dução ao trapiche, lembrando providências para que se poupe a boiada do engenho e se examinem as condições da vendagem do gênero, os seus pre- ços “antigos e modernos”, explicando as causas da crise que assoberbava a lavoura açucareira, a con- corrência da nova indústria mineradora do ouro, empolgando todas as atenções, atraindo todos os negros importados da África por preços agora ex- cessivos. Daí vem a enorme alta do gênero. Feito o cômputo da produção brasileira, em caixas de açúcar, a 37.020, das quais 14.500 para 146 en- genhos baianos, 12.300 para 246 pernambucanos e 10.220 para 136 fluminenses, estuda Antonil “o que custa uma caixa de açúcar de trinta a cin- quenta arrobas, na alfândega de Lisboa, e o valor de todo o açúcar que cada ano se faz no Brasil”. Assim ficamos sabendo que uma caixa do melhor tipo, de 35 arrobas, açúcar branco batido, valia em princípios do século XVIII 69$488 rs., preço que precisamos multiplicar por 50, senão mais, para atendermos às diferenças de capacidade aquisitiva da moeda, então e agora. Valia a exportação bra- sileira do gênero um total de 2.535:142$800 rs.; uns cem ou cento e vinte mil contos de hoje, o que é uma cifra bem considerável para tão escassa população. Muito curiosa a síntese com que remata o autor o seu extenso memorial agrícola. “Do que padece o açúcar desde o seu nascimento na cana até sair do Brasil”, espirituosa, vivaz, em que segue as diversas manipulações por que passa o caldo até se converter em sólido e continua a enunciar-lhe as peripécias da existência até a en- trada em casa dos consumidores, depois de mil e um padecimentos e torturas, descritas com real graça. “E ainda assim, sempre doce, e vencedor de amarguras, vai a dar gosto ao paladar dos seus inimigos nos banquetes, saúde nas mesinhas dos enfermos, e grandes lucros ao senhor do enge- nho, e aos lavradores que o perseguiram, e aos mercadores que o compraram e o levaram degre- dado, nos portos, e muito maiores emolumentos à fazenda real nas alfândegas”. São duas páginas de humorismo sobremodo raras de se encontrar em livro português, geralmente repassados de gravi- dade e monotonia como lhes sucede.

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