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conselho de defesa sul-americano (cds) PDF

16 Pages·2014·0.13 MB·Portuguese
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ÁREA TEMÁTICA: POLÍTICA INTERNACIONAL CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO (CDS): BALANÇO E PERSPECTIVAS ALEXANDRE FUCCILLE (UNESP – Universidade Estadual Paulista) Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014 CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO (CDS): BALANÇO E PERSPECTIVAS ALEXANDRE FUCCILLE (UNESP – Universidade Estadual Paulista) Resumo: Criado em fins de 2008 no interior da União Sul-Americana de Nações (Unasul), o Conselho de Defesa Sul-Americano tem aparecido como um importante espaço de concertação onde, a despeito das idiossincrasias regionais/ideológicas entre a Comunidade Andina de Nações (CAN), o Mercado Comum do Sul (Mercosul), ou ainda a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), importantes avanços têm sido registrados. Passada essa fase embrionária, a grande questão é seguir avançado com base em uma metodologia que impõe, obrigatoriamente, a necessidade de consenso em suas decisões. Não obstante o esforço que esta nova estrutura institucional pretende representar no subcontinente – fundamentalmente a passagem de um arranjo caduco de segurança coletiva em direção a um modelo mais dinâmico de segurança cooperativa –, o advento de iniciativas como a Aliança do Pacífico, bem como limitações estruturais do próprio CDS, podem colocar em xeque o quanto se avançou até aqui. Empreender um balanço crítico, ao lado de avaliar as perspectivas e o estado d’arte com respeito à temática em tela, é o que pretendemos como resultado final deste artigo. Palavras-chave: Conselho de Defesa Sul-Americano; América do Sul; Integração Regional; Cooperação em Defesa; Política Externa Brasileira Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS): balanço e perspectivas 1. Introdução O Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), criado em fins de 2008, apresenta-se como uma inovação histórica em uma região onde, se no passado podemos afirmar que a mesma foi caracterizada por importantes conflitos e disputas por liderança no plano sub-regional, a despeito de consideráveis avanços nas últimas décadas não é possível se afirmar que estamos no outro oposto da cooperação, que seria a integração com marcados elementos de supranacionalidade. Nesse meio de caminho, o CDS parece muito mais se notabilizar como uma instância de cooperação onde a coordenação de políticas em temas afeitos à sua área parece ser o fio condutor da associação dos países sul- americanos em torno desta instituição. Visto como um verdadeiro ponto de inflexão com respeito à clássica ideia de segurança coletiva herdada da Guerra Fria – sob a liderança norte-americana –, o CDS aparece como uma admirável iniciativa em uma região tradicionalmente marcada por uma baixa autonomia e acumulo em matérias afeitas à temática de defesa. Contudo, desde a sua criação até seu pleno funcionamento, a construção e consolidação deste arranjo institucional situado no interior da União Sul-Americana de Nações (Unasul) não tem ocorrido de forma linear, com descompassos, contradições, zonas nebulosas de atuação e déficits de condução democrática em muitos dos temas que se propõe a tratar. A ideia deste paper é refletir acerca da riqueza e profundidade deste debate, fazendo uma breve síntese de como o mesmo tem se dado até os dias presentes. 2. A criação do CDS O fim da Guerra Fria, a intensificação do processo de globalização e o que se convencionou chamar novas ameaças (normalmente via atores não-estatais) evidenciou a crise de um modelo de segurança hemisférico (ou pan-americano) que apresentava problemas já há tempos. A crescente erosão da legitimidade do modelo de segurança coletiva do período anterior, confirmado por exemplos como a pouca efetividade do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), a Junta Interamericana de Defesa (JID) e até a própria Organização dos Estados Americanos (OEA), combinada a um crescente desengajamento dos EUA na região, bem como novas prioridades por parte do Departamento de Estado estadunidense pós-11 de setembro de 2001, acabaram por consolidar um imaginário na América do Sul de espaço geográfico possível e passível de desenvolver políticas mais independentes, advindas de uma maior margem de autonomia. No presente século, marcado pela emergência de governos nacionais progressistas e/ou à esquerda na região – ainda que de diferentes matizes e caracterizados por uma não desprezível heterogeneidade –, importantes alterações na agenda internacional pós-setembro de 2001, crescentes reveses nos mais diversos campos e um declínio relativo norte-americano no sistema internacional, bem como a saída do estado de hibernação em que ficou o urso russo ao longo dos 1990 e o espetacular crescimento chinês e seu desembarque por estas paragens, acabou por instaurar um quadro completamente distinto do que tivemos por décadas. Já em meados de 2000, na I Cúpula Sul-Americana realizada em agosto/setembro em Brasília, por iniciativa do então presidente Fernando Henrique Cardoso, começa a se delinear a necessidade de um maior adensamento das relações dos países da região. Se geografia é destino, como se diz na geopolítica, o Brasil e seus vizinhos pareciam estar despertando de um longo período de letargia e inação, ciosos da necessidade de pactuação de uma agenda comum de oportunidades e desafios. Assim é que, no nascente século XXI, as reuniões se tornam mais rotineiras e novos arranjos institucionais são pensados e implementados. Em paralelo, a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2003, traria importantes mudanças não só internas como também externas, dada a dimensão de maior player regional e as dimensões físicas, políticas, econômicas e militares que o Brasil possui. Particularmente, a instituição do CDS, pensado e entendido como conditio sine qua non à construção de uma vigorosa comunidade de segurança ou, até mesmo, para a transformação do Complexo Regional de Segurança – na linha proposta por Buzan e Wæver –1 em direção a um modelo centrado, passaram a nortear muitas das reflexões e estudos envolvendo esta temática.2 Antes de qualquer coisa, vale destacar que, entre a apresentação da proposta iniciada em conversas bilaterais de bastidores ao longo de 2006-20073 e a exposição pública e aprovação do CDS na Reunião Extraordinária do Conselho de Chefes de Estado e de Governo da Unasul em dezembro 2008, diversas foram as articulações para superar as diferenças de forma e conteúdo entre seus 12 membros, bem como sepultar a ideia de que tal instrumento visava consolidar a hegemonia brasileira na região. Ainda: desde seus primórdios, o CDS foi pensado e idealizado como locus de concertação e interlocução entre seus integrantes, capaz de fomentar o intercâmbio nos campos da segurança e defesa, cujas decisões só têm validade se acordadas por consenso e com previsão de ao menos um encontro anual ordinário entre seus ministros da Defesa. Contudo, ao analisarmos a cronologia dos temas que compunham a agenda prioritária (e também a não-prioritária) a ser enfrentada neste esforço integrador sul-americano, nenhuma menção à temática segurança e defesa – exceto de forma marginal – aparecia com destaque. O que terá mudado para que tal assunto ganhasse tamanho protagonismo? Para alguns atores deste processo, a acelerar a conformação deste arranjo estavam (1) a possibilidade de transbordamento das chamadas novas ameaças a outros países, como o narcotráfico colombiano para o Brasil e a contenda envolvendo Colômbia, Equador e Venezuela pela morte de Raúl Reyes; (2) os conflitos sub-regionais, como os contenciosos envolvendo Perú e Equador, Bolívia e Chile, entre outros; (3) os movimentos autóctones difundindo um sentimento separatista, como ilustram Bolívia e Paraguai; (4) frear os ímpetos bolivarianos na região, sobretudo via isolamento da Venezuela e/ou dos países integrantes da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA); (5) evitar uma corrida armamentista na região, com a adoção cresceste de medidas de confiança mútua (CBMs); (6) solidificar o Atlântico Sul como um área de paz, livre de armas nucleares e vital de projeção de poder ao Brasil, não permitindo a presença de potências extra- 1 Buzan e Wæver, 2003. 2 Uma discussão mais aprofundada em torno dos CRSs e a América do Sul pode ser encontrada em Fuccille & Rezende, 2013. 3 Para uma cronologia da criação do CDS e as disputas envolvendo sua instituição, ver Medeiros Filho, 2010 (http://www.brasa.org/_sitemason/files/fLdvB6/Oscar%20Medeiros%20Filho.pdf; acessado em 27 jun. 2012); Carvalho, 2009; e Teixeira, 2011. Para um balanço mais amplo, cf. Pagliari, 2009. regionais (como o caso do Reino Unido e a questão Malvinas/Falklands); (7) impedir a materialização de uma política estratégica de segurança hemisférica definida a partir dos Estados Unidos para o subcontinente; e, último mas não menos importante, (8) concretizar os objetivos estratégicos da Política Externa Brasileira de consolidação de um processo de integração sul-americano.4 Efetivamente, mais do que nunca, para que o desenvolvimento do Brasil se acelerasse e se consolidasse seu desejo de player global, a estabilidade jogava um papel fundamental não apenas para o florescimento pleno de suas potencialidades, mas igualmente para mostrar ao mundo seu desempenho como fiador de uma importante estabilidade regional. O comando da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH) desde 2004 não tem outra razão, para além das justificativas protocolares de ajuda humanitária etc. Aqui é importante ficar claro que, para além dos arroubos triunfalistas que por vezes assaltam a Política Externa Brasileira no período recente, só se foi possível erigir uma estrutura como o CDS pela opção de não-confrontação aberta com Washington. Ciosa de suas muitas limitações no campo das capabilities, Brasília optou por uma espécie de low profile na construção de sua liderança (que não é percebida e nem recebida como natural na região ao contrário do que muitos defendem) com respeito à temática aqui abordada. Indiretamente, sem querermos sugerir qualquer relação mecânica centro-periferia/Washington-Bogotá, os Estados Unidos souberam se valer dos estreitos vínculos político-ideológicos com o país andino e a colaboração na área castrense via o Plano Colômbia para assegurar o que não pretendiam para a região. Amparando-se no receio de uma Colômbia insulada, cercada de governos esquerdistas, o presidente George W. Bush soube utilizar-se da ascendência e outros laços com o presidente Álvaro Uribe para a criação de uma estrutura suavizada (não-operativa), como o é o CDS.5 Na prática, a não participação da Colômbia – como chegou a ser aventada – esvaziaria de substância e sentido o Conselho de Defesa Sul-Americano. Esse cenário seria problemático para a tentativa brasileira de liderar uma coadunação das percepções 4 Notas pessoais a partir de conversas off the record com membros do Itamaraty e Ministério da Defesa brasileiro. 5 No outro extremo, tínhamos uma Venezuela histriônica que defendia a criação de um instrumento militar operacional comum – leia-se, uma aliança militar – chamado Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS, nos moldes da Organização do Tratado do Atlântico Norte/OTAN). Na grande mídia, esta proposta ganhou a alcunha de “OTAN do Sul” ou ainda “OTAN dos pobres”. de securitização dos Estados da região dos dois subcomplexos regionais da América do Sul (Norte-Andino e do Cone Sul). Com a demanda colombiana contemplada, chegamos a um texto final onde, com respeito à natureza do CDS, propugnava-se sua criação como uma “instância de consulta, cooperação e coordenação em matéria de defesa”6 nos marcos da institucionalidade e princípios da Unasul. Conforme seu documento constitutivo, seus objetivos gerais são: (a) consolidar o subcontinente como uma zona de paz, base para a estabilidade democrática e desenvolvimento integral dos povos sul-americanos, além de contribuir para a paz mundial; (b) construir uma identidade sul-americana em matéria de defesa, tomando em conta as características sub-regionais e nacionais e contribuindo para o fortalecimento da unidade da América Latina e Caribe; (c) geração de consensos para fortalecer a cooperação regional em matéria de defesa. Para além destes objetivos gerais, foram definidos onze objetivos específicos.7 3. Balanço da atuação do CDS: 2008-2013 Ao lado do acima já apontado, de forma um tanto sumarizada, em anos recentes tivemos a instituição de importantes mecanismos como a Zona de Paz Sul- Americana/Comunicado de Brasília (2000), a inauguração das Reuniões de Ministros da Defesa da América do Sul (a primeira ocorrendo no Rio de Janeiro em 2003), além do crescente adensamento das relações bilaterais entre Brasil e Argentina, que vinham em um crescente desde a década de 1980, culminando no 6 Ver http://www.unasursg.org/index.php?option=com_content&view=article&catid=82:consejo-suramericano-de- defensa&id=329:estatutos-de-creacion-consejo-de-defensa-suramericano (acessado em 13 mar. 2014). 7 Segundo o Artigo 5 do Estatuto do CDS, são eles: (a) Avançar gradualmente na análise e discussão dos elementos comuns de uma visão conjunta em matéria de defesa; (b) Promover o intercâmbio de informação e análise sobre a situação regional e internacional, com o propósito de identificar os fatores de risco e ameaça que possam afetar a paz regional e mundial; (c) Contribuir para a articulação de posições conjuntas da região em foros multilaterais sobre defesa, no marco do artigo 14 do Tratado Constitutivo da Unasul; (d) Avançar na construção de uma visão compartilhada a respeito das tarefas de defesa e promover o diálogo e a cooperação preferencial com outros países da América Latina e do Caribe; (e) Fortalecer a adoção de medidas de fomento da confiança e difundir as lições aprendidas; (f) Promover o intercâmbio e a cooperação no âmbito da indústria de defesa; (g) Fomentar o intercâmbio em matéria de formação e capacitação militar, facilitar processos de treinamento entre as Forças Armadas e promover a cooperação acadêmica dos centros de estudo de defesa; (h) Compartilhar experiências e apoiar ações humanitárias como desminagem, prevenção, mitigação e assistência às vítimas de desastres naturais; (i) Compartilhar experiências em operações de manutenção de paz das Nações Unidas; (j) Intercambiar experiências sobre os processos de modernização dos Ministérios de Defesa e das Forças Armadas; (k) Promover a incorporação da perspectiva de gênero no âmbito da defesa. Para maiores esclarecimentos sobre os princípios, estrutura e funcionamento que norteiam o CDS, cf. http://www.unasursg.org/index.php?option=com_content&view=article&catid=82:consejo-suramericano-de- defensa&id=329:estatutos-de-creacion-consejo-de-defensa-suramericano (acessado em 13 mar. 2014). Acordo Bilateral de Cooperação em Matéria de Defesa, firmado em 2007.8 Enfim, uma não desprezível tradição de se procurar distensionar o ambiente de segurança e defesa regional,9 além de servir para o propósito de aproximar os subcomplexos regionais de segurança Norte-Andino e do Cone Sul, destacando o papel central do Brasil nesse processo. Para além do grande interesse brasileiro, autor da iniciativa de criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, idiossincrasias locais, regionais e extra- regionais parecem ter fornecido alento para a concretização deste arranjo. Em um breve périplo pelo subcontinente percebemos que o CDS poderia vir a cumprir diferentes desígnios, com todos tendo eventualmente algo a ganhar: da perspectiva argentina interessava aglutinar novos atores ao pleito de que “as Ilhas Malvinas são argentinas” e todos os desdobramentos que esta questão encerra; passando por um Paraguai acossado por problemas internos que culminou no surgimento do grupo guerrilheiro Exército do Povo Paraguaio (EPP); uma Venezuela que, ainda que aquém do modelo desejado pelo comandante Chávez, o enxergava como um importante instrumento para evitar o encapsulamento ou até mesmo uma ação direta por parte dos EUA; aos outros bolivarianos da região, Bolívia e Equador, que interessavam buscar garantias ante ações desestabilizadores do tipo que se passou com e após o episódio de Angostura; para a Colômbia, ainda que reticente a princípio e temendo o isolamento, a possibilidade de um maior comprometimento e compreensão dos países vizinhos com o flagelo do conflito interno vivido por este; o Peru e Chile, com preparos e capacidades militares bastante distintos, buscavam reforçar a solução dos litígios por vias diplomáticas e eventualmente por meio de tribunais internacionais; ao norte Guiana e Suriname enxergando uma possibilidade para o aprofundamento de sua “sulamericanização” (em contraste com a histórica vocação caribenha); e, finalmente, com o CDS o Uruguai conseguia superar suas ressalvas a uma preocupante colaboração militar mercosulina entre Brasil e Argentina que causava grande desconforto em Montevidéu. Enfim, por diferentes leituras e compreensões, parecia que o CDS não seria o tipo de estrutura que 8 A esses poderíamos somar as iniciativas brasileiras (todas deste século) dos Acordos Bilaterais-Quadro com Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai, além dos Acordos-Quadro de segurança regional assinados pelo Mercosul com Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. 9 Alguns veem nestas iniciativas, que auxiliaram na ausência de guerras no último século, o surgimento de uma comunidade pluralística de segurança na região. Neste particular, ver Hurrel, 1998; e Kacowica, 2005. Em oposição a esta leitura otimista, Mares propugna a existência de uma “paz violenta”, caracterizada, entre 1884 e 1993, por 127 disputas interestatais militarizadas (DIMs) na esfera sul-americana, algumas delas já em díades democracia/democracia. Mares, 2001, pp. 39-43. tolheria ou dificultaria o exercício das soberanias nacionais na América do Sul e os países concordavam quanto à oportunidade e a conveniência. Concretamente, estavam abertas as portas à passagem de um modelo caduco de segurança coletiva a uma nova forma mais dinâmica de segurança cooperativa. Mas, será o Conselho de Defesa Sul-Americano um mecanismo multilateral estável útil e eficaz em situações conflitivas? Nos seus anos iniciais, o CDS tem aparecido como um importante espaço de concertação onde, a despeito das idiossincrasias regionais/ideológicas entre a Comunidade Andina de Nações (CAN), o Mercado Comum do Sul (Mercosul), ou ainda a Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), importantes avanços têm sido registrados, como a definição de Planos de Ação comuns na temática de segurança e defesa, o estabelecimento de medidas de confiança mútua, a criação do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED) na cidade de Buenos Aires, a instituição da Escola Sul-Americana de Defesa (Esude) para altos estudos, a construção de uma metodologia comum de medição dos gastos em defesa, um importante intercâmbio em matéria de formação e capacitação militar, entre outros pontos igualmente meritórios. Não obstante, desafios permanecem. Passada essa fase embrionária de estruturação e pactuação de conteúdos mínimos, a grande questão é seguir avançado com base em uma metodologia que impõe, obrigatoriamente, a necessidade de concordância unânime entre seus membros – ou, ao menos, não objeção explícita por qualquer um dos integrantes. A regionalização da arquitetura de segurança e defesa no subcontinente prossegue, mas com novas interrogantes: o que temos assistido, corrida armamentista ou reaparelhamento? e os históricos contenciosos fronteiriços, foram superados? os espaços e identidades nacionais crescentemente são respeitados reciprocamente? como se evitar desequilíbrios onde a economia/PIB – bem como os gastos na área de defesa – de apenas um dos participantes representa mais da metade de todos os outros somados? podemos – definitivamente – falar em superação da dicotomia Pacífico (arco de instabilidade/Subcomplexo Norte-Andino) versus Atlântico (arco de estabilidade/Subcomplexo do Cone Sul)? o risco de balcanização de países da região é coisa do passado? a tutela estratégica norte- americana foi contida? Apenas a resposta a uma das questões acima colocadas (por exemplo, corrida armamentista ou reaparelhamento?) abriria uma fecunda discussão que ultrapassaria os limites deste paper. Senão vejamos: de modo bastante breve e de certa forma como desafios à implementação do mandato do CDS a partir de 2009, tivemos “uma proposta peruana, recomendando desarmamento, desmilitarização, um pacto de não agressão e a criação de uma Força de Interposição de Paz; uma proposta chilena, recomendando uma Força combinada de Defesa Sul-Americana; e uma proposta equatoriana, propugnando um código de conduta e mecanismos de redução de gastos militares”.10 Enfim, uma considerável heterogeneidade de pontos de vista para a região tida como a mais desmilitarizada do mundo, que evidencia as dificuldades para a consolidação do CDS, seu aprofundamento (dada a atual baixa institucionalização), lança dúvidas acerca de sua eficácia e efetividade e explicita a polissemia que marca os conceitos de segurança e defesa na região, além das disparidades e assimetrias nos campos social, econômico e militar que caracterizam os países membros. Na verdade, o CDS ainda não passou por nenhuma prova de fogo capaz de por em xeque a eficácia e eficiência desta estrutura institucional. Em paralelo, a chamada agenda negativa que caracterizou o relacionamento EUA-América do Sul no período pós-Guerra Fria, centrada no combate ao tráfico de drogas, terrorismo e outros delitos de natureza policial, foi parcialmente superada.11 A despeito disso, os Subcomplexos Regionais de Segurança do Cone Sul e Norte-Andino vivenciam dinâmicas ainda bastante díspares entre si, que carecem de maior articulação e organicidade. O comportamento do Brasil, principal fiador da criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, carece de coerência e se apresenta inúmeras vezes de forma diacrônica. Se por um lado, no mais alto nível político, Brasília trabalha pela concretização deste arranjo institucional (que já representa 2/3 do destino de nossas exportações em armamentos),12 inclusive em uma espécie de liderança aquiescida por parte de Washington e sem confrontá-la no nível global, por outro, descuida-se 10 Para detalhes, ver Abdul-Hak, 2013, pp. 179 e sgs. 11 A criação de instâncias como o Conselho Sul-Americano sobre o Problema Mundial das Drogas, separado do Conselho de Defesa Sul-Americano, ilustra como uma maior maturidade – para além da habitual cruzada proibicionista norte-americana de militarização no combate ao narcotráfico – em diferentes temas vem ganhando corpo no subcontinente. 12 É possível afirmar que, desde a primeira reunião da história de ministros da Defesa da América do Sul ocorrida em 2003 no Rio de Janeiro no interior da LAAD – maior feira do mercado de defesa da América Latina –, ainda no início do governo Lula, a ideia de uma base industrial de defesa compartilhada e a fim de garantir escala já informava em larga medida os movimentos brasileiros nesta área. A estratégia de maximar os ganhos ampliando as relações econômico-comerciais com os vizinhos sul-americanos segue em curso, garantindo os melhores resultados tanto quantitativamente quanto qualitativamente à balança de comércio brasileira – aqui, mais de ¾ das exportações foram de produtos manufaturados, contrastando com a performance brasileira para mercados extrarregionais (ver dados em http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/index.php?area=4; acessado em 16 jun. 2014).

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