ebook img

comparando colleges norte- americanos e faculdades brasileiras PDF

25 Pages·2005·0.09 MB·Portuguese
by  
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview comparando colleges norte- americanos e faculdades brasileiras

A MARCA DE ORIGEM: COMPARANDO COLLEGES NORTE- AMERICANOS E FACULDADES BRASILEIRAS ARABELA CAMPOS OLIVEN Programa de Pós-Graduação em Educação e Programa de Pós-Graduação em Sociologia/Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected] RESUMO Colleges nos Estados Unidos e faculdades no Brasil existiam antes da criação de universidades. Instituições radicalmente diferentes, têm marcado profundamente o desenvolvimento da edu- cação superior nos dois países. O college nasceu privado, mais ligado ao seu Board of Trustees (Conselho de Curadores) do que à Coroa Inglesa, e com profunda orientação religiosa. As primeiras faculdades no Brasil, criadas por Dom João VI, seguiam o modelo das Grandes Esco- las Francesas: eram instituições seculares, de formação de profissionais. Seus professores costu- mavam ser médicos de renome que se dedicavam tangencialmente às atividades docentes. Nos Estados Unidos, os professores moravam nos colleges com os estudantes e assumiam a responsabilidade na formação do caráter de seus alunos, estando no lugar dos pais (in loco parentis). Este trabalho traça um paralelo entre a educação superior nos Estados Unidos e no Brasil, dando ênfase à influência do modelo de origem no desenvolvimento dos dois sistemas. Procura mostrar como o exemplo das instituições fundantes se constitui em marca indelével, presente nos períodos tanto de continuidade como nos de mudança dos sistemas. ENSINO SUPERIOR – HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO – BRASIL – ESTADOS UNIDOS ABSTRACT THE MARK OF ORIGIN: A COMPARISON BETWEEN COLLEGES IN THE UNITED STATES AND FACULDADES IN BRAZIL. Colleges in the United States and faculdades in Brazil were the first higher education institutions in those countries which existed before universities. These two old and traditional institutions, radically different from each other, have marked deeply the development of higher education in both countries. Most colleges were private from the Esse artigo é parte do projeto de pesquisa “Universidade: continuidade e ruptura” e contou com a colaboração de Aline Durrán S. de Bittencourt, bolsista de iniciação científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, p. 111-135, maio/ago.2005 111 Arabela Campos Oliven beginning, they used to be more dependent on their Board of Trustees than on the English Crown, having also a profound religious orientation. The first faculdades in Brazil were founded by Dom João VI, Prince Regent, in the beginning of the XIX century, almost two hundred years latter than Harvard. They followed the French Great Schools model: were lay institutions, with a strong professional orientation. Their professors used to be well known medical doctors, usually not strongly committed to their academic activities. In the United States, professors lived in the college with the students and they assumed the responsibility of building their character, through their life examples and their in loco parentis function. This article draws a parallel on higher education in the United States and Brazil, placing greater emphasis on the influence of the origin of the two systems. It shows how the model of the first institutions in each country turned out to be a significant mark which can be felt until our days. HIGHER EDUCATION – HISTORY OF EDUCATION – BRAZIL – USA In loco parentis, alma mater, greek system, fraternity, board of trustees, commencement... são termos bastante usuais nas universidades americanas mas pouco familiares a nós brasileiros, mesmo àqueles que fizeram sua formação pós- graduada nos Estados Unidos. Eles não têm tradução para a nossa realidade, como são intraduzíveis para o inglês palavras como cátedra vitalícia, cursinho, vestibu- lar, excedentes, gabaritar, trote etc. Esses termos tão diferentes refletem reali- dades socioeducacionais distintas, que têm raízes profundas, algumas remontando às origens de cada um dos sistemas de educação superior nos dois países. Este artigo tem como finalidade analisar essas diferenças, dando ênfase à influência da origem no desenvolvimento de cada um dos dois sistemas. Pro- curarei mostrar como o modelo das instituições fundantes se constitui em marca indelével, presente nos períodos tanto de continuidade como nos de ruptura dos sistemas, quando são realizadas mudanças significativas em instituições, através de políticas internas e/ou de reformas legais. Como a influência norte- americana no Brasil aumentou a partir da Reforma Universitária de 1968 e do desenvolvimento do sistema de pós-graduação que lhe seguiu, farei referên- cia especial à relação entre graduação e pós-graduação nos dois países. A EDUCAÇÃO SUPERIOR NOS ESTADOS UNIDOS A instituição fundante: o college norte-americano A primeira instituição de ensino superior nas colônias inglesas da América foi Harvard; college fundado em 1636 por um grupo de orientação calvinista, 112 Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, maio/ago.2005 A marca de origem... logo após sua chegada ao Novo Mundo. Durante o período colonial foram fundados mais sete colleges de diferentes denominações. Desse grupo, sete permanecem privados até hoje. Na Inglaterra, inspiração para as colônias bri- tânicas do Novo Mundo, o sistema de ensino superior dispunha de um grande número de colleges ligados a uma das duas universidades tradicionais – Oxford e Cambridge –, únicas instituições que conferiam graus acadêmicos. Esse era um modelo muito complexo para ser adotado nas colônias, considerando-se as limitações impostas pelas suas realidades socioeconômicas. Apesar de copiarem, na medida de suas possibilidades, vários aspectos da tradição universitária inglesa, havia uma grande independência dos colleges coloniais em relação à metrópole. Muitos ingleses que deixaram a Inglaterra nessa época fizeram-no para escapar de perseguições religiosas. Assim, a maior parte da população de cada nova colônia se constituía, predominantemente, de uma diferente denominação do protestantismo e os fundadores dos colleges coloniais, em grande parte não conformistas, temiam a interferência da Ingla- terra na orientação religiosa do ensino superior. Os colleges formavam, principalmente, pastores e líderes religiosos para as novas comunidades. A fim de alcançar tal objetivo, a formação do caráter era essencial e isso só era possível pela leitura e discussão da Bíblia, do estudo dos clássicos e de uma rígida disciplina que incluía assistência regular aos serviços religiosos e contato próximo entre alunos e professores, constituindo estes últi- mos modelo de conduta. Tais instituições de ensino superior funcionavam como internato. Os professores, que também moravam nos colleges, tinham a respon- sabilidade de formar os jovens estudantes, dando-lhes o exemplo e assumindo o papel dos pais, situação denominada in loco parentis (Rudolph,1990). Vários colleges foram instituídos sem a autorização da Inglaterra; por essa razão seus fundadores sentiam-se bem mais ligados a seus patrocinadores locais do que à Coroa Britânica. Essa situação deu origem a um dos mais fortes com- ponentes da estrutura de poder dos colleges: o Board of Trustees. Era uma es- pécie de Conselho Curador, grupo não residente, aberto a leigos, que governa- va a instituição, apontava as suas diretrizes e escolhia o presidente, que devia levar a efeito políticas emanadas pelos fundadores e por esse conselho. O corpo de professores era um sócio menor nessa estrutura de poder; ele não possuía o conhecimento, a organização nem a tradição dos mestres medievais e depen- dia, diretamente, daqueles que o sustentavam. Devido à pequena dimensão dos colleges, as disputas de poder costumavam ser pouco significativas. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, maio/ago.2005 113 Arabela Campos Oliven No período colonial, o caráter público ou privado dos colleges se confun- dia, uma vez que cada colônia possuía uma população bastante homogênea e a filiação religiosa perpassava quase todas as relações sociais. Com a independên- cia dos Estados Unidos o caráter público, e portanto leigo, da educação passou a ser visto por alguns líderes da nova República como um objetivo a ser alcança- do. A disputa entre o controle público ou privado, bem como a maior centrali- zação ou diversificação no que concerne ao ensino superior norte-americano têm um divisor de águas no caso de Dartmouth College. Esse college foi fundado a partir de uma autorização emitida pela Coroa Inglesa. Na disputa de poder que seguiu à morte de seu primeiro presidente e à indicação de seu filho como su- cessor, período em que os Estados Unidos já eram independentes, o Conselho Curador e os políticos locais do Estado de New Hampshire, onde se situa o college, tentaram definir, cada um à sua maneira, os futuros rumos da instituição. Em 1816 o governo estadual tentou, pela legislação, criar a Universidade de Dartmouth, a partir do college do mesmo nome. Para isso necessitaria do consentimento do Conselho de Curadores. Esse consentimento foi alcançado através de um expediente: o aumento do número de curadores formando um conselho pró-criação da universidade. Como o conselho original recusava-se a obedecer a nova lei, a mesma instituição – Dartmouth College e Dartmouth University – tinha dois corpos administrativos. Essa situação levou o conselho original a processar o tesoureiro do college quando ele se negou a obedecer às suas ordens. A questão que se colocava era se Dartmouth era uma institui- ção pública ou não. Esse impasse colocou a disputa na esfera judicial. A Corte Estadual, como era de se esperar, decidiu a favor do controle público da instituição. O caso foi à Suprema Corte de Justiça. E o julgamento nessa instância foi pró-conselho original, baseado no argumento de que a li- cença outorgada pela antiga metrópole era um contrato que devia ser honra- do. Criar uma universidade pública estadual seria submeter-se a influências político-partidárias, o que não seria aconselhável e poderia, inclusive, levar à perda da confiança de benfeitores privados. Essa decisão judicial equiparou, de certa forma, uma instituição educa- cional a uma corporação. A decisão incentivou a criação de inúmeros colleges de diferentes denominações religiosas, livres da ingerência governamental. Isto contribuiu para acentuar a diversidade, que é uma característica do sistema ame- ricano desde a sua origem. Contribuiu, também, para aumentar o sectarismo, acentuando as diferenças etno-religiosas da população. 114 Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, maio/ago.2005 A marca de origem... O ensino superior nos Estados Unidos, em suas origens, destinava-se a formação de pastores e outros líderes das comunidades, sendo definido como uma educação para homens e, mais especificamente, para homens brancos. A partir do século XIX esse monopólio passa a ser quebrado de uma forma tipi- camente americana: surgem colleges para mulheres e para negros (Brubacher, Rudy, 1976). Os colleges, pelo seu plano arquitetônico centrado no green, um qua- drilátero gramado circundado pelos principais prédios (a capela, a biblioteca, as salas de aula, os dormitórios, os laboratórios etc.), reproduziam os valores de uma sociedade predominantemente rural. Em geral retirados da cidade, os colleges constituíam instituições quase totais. Com sua identidade religiosa, sua diversidade regional e étnica, suas especificidades por sexo e raça, tinham por missão não apenas formar o espírito dos seus jovens alunos, como conquis- tar-lhes o coração. Essa densa atmosfera espiritual produz uma marca profun- da que costuma acompanhar, ao longo da vida, todos aqueles que passam pelo mesmo college e é denominada a alma mater. Daí, também, a importância para as tradicionais universidades americanas do apoio financeiro dos alumni, ex- alunos, o que se faz sentir até hoje em dia (Leslie, 1992). Vivendo no college: greek system e outras formas de sociabilidade Na segunda metade do século XIX, estudantes universitários fundaram diversas organizações como grupos literários, sociedades secretas, times de futebol, clubes sociais, bem como fraternities (fraternidades). Estas últimas se constituíam em grupos fechados de estudantes, que residiam juntos em casas localizadas dentro ou na periferia dos campi e que, até hoje, podem ser iden- tificadas por letras gregas nas suas fachadas. As primeiras fraternidades eram só para estudantes do sexo masculino. Passado algum tempo são fundadas as sororities para estudantes do sexo feminino. As várias fraternities e sororities, espalhadas por todo o país, formam o greek system, ou seja o sistema grego, que as une nacionalmente para que tenham maior organização. Esse sistema funciona como uma rede de apoio e de contatos sociais. Mediante ele os es- tudantes contam com apresentações e/ou recomendações, que podem facili- tar a busca de estágios, empregos, empréstimos e outras facilidades; contam também com uma identidade que os diferencia. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, maio/ago.2005 115 Arabela Campos Oliven Para pertencer a uma fraternity não basta pagar uma mensalidade, é pre- ciso se candidatar e ser escolhido. O candidato preenche uma ficha com foto- grafia, dados pessoais, especificando as razões pelas quais elegeu tal fraterni- dade para pertencer. Quem escolhe os novos sócios são os antigos residentes. É interessante que um inscrito que tenha alguém da família que pertence ou pertenceu a uma fraternity, possui uma chance maior de ser escolhido, ele possui uma legacy, ou seja, um legado. Existem alguns rituais referentes à pas- sagem da condição de pledged, (candidato), a membro da organização, ou seja, brother (irmão). O candidato a membro deve enfrentar desafios que lhe são impostos para mostrar que é merecedor de fazer parte da organização. A cada um dos novos membros selecionados é designado um irmão mais velho, que já mora na residência, para orientar o novato em termos de adaptação à vida no college e na fraternity. Existe todo um ritual de acolhimento aos novos só- cios. Uma vez irmão, se é irmão por toda a vida. O pertencer a uma fraterni- dade exige lealdade, pois a ligação com ela não se encerra com a obtenção do diploma do college. Ela, de fato, continua e se deve expressar de várias ma- neiras, desde o apoio a obras sociais, a ajuda para a construção de residências universitárias para novos membros até o apoio financeiro ao college. São várias e complexas as razões pelas quais as fraternities e sororities se multiplicaram e se mantêm ativas até hoje. Logo que surgiram, algumas ti- nham como objetivo aprofundar os conhecimentos em literatura clássica, uma vez que muitos colleges antes da Guerra de Secessão (1861-1865) ofereciam aos alunos uma experiência intelectual bastante limitada, devido ao sectarismo reinante em grande parte das instituições de ensino superior. As fraternidades, com seu ambiente mais familiar, serviam e servem ain- da de apoio, para a adaptação do calouro à nova vida no campus. O “deixar a família” para iniciar os estudos superiores significa para muitos estudantes não voltar mais para a casa dos pais. As fraternities passam a se constituir numa nova família, uma família de irmãos mais velhos e mais novos, ou seja, mais e me- nos experientes. Numa perspectiva sociológica, pode-se afirmar que, quanto mais os colleges se democratizavam e passavam a aceitar grupos com menor capital cultural, as fraternities passaram a servir de filtro social. Elas tornam público que uns já trazem um verniz de berço, enquanto os demais dependem da sua pas- sagem por circuitos escolares para adquirir capital cultural. O sistema grego possui toda uma estética que identifica seus membros. São camisetas, blusões, 116 Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, maio/ago.2005 A marca de origem... abrigos esportivos, chaveiros, pastas etc. Os Estados Unidos são considerados uma sociedade que apresenta valores de “igualdade manifesta e desigualdades sutis”. Em matéria de residência no campus, pertencer a uma fraternidade é um sinal diacrítico, ou seja, marca de distinção (Bourdieu, 1979). As fraternidades dão suporte a organizações de alumni, ex-alunos, que mantém um forte vínculo com a sua alma mater. Essa expressão, que a tradi- ção inglesa passou para a norte-americana, refere-se não apenas àquele am- biente expresso em ideais, valores, normas, atitudes, mas também aos aspec- tos naturais e arquitetônicos, que caracterizam e dão vida a uma instituição de ensino, ou seja, a sua filosofia, história e geografia. Muitos colleges são conhe- cidos por incentivar mais as atividades artísticas ou desenvolver nos seus estu- dantes o gosto pelo esporte, já outros, por exemplo, valorizam as atividades comunitárias etc. As relações dos colleges e universidades com as fraternidades variam muito. As fraternidades realizam várias ações filantrópicas, como conceder bolsas de estudos. Os colleges são beneficiados com essas bolsas e com o sig- nificativo apoio financeiro de alumni, que pertencem a fraternities presentes no seu campus. No entanto, as fraternidades podem constituir-se em poderes paralelos. Os alunos, às vezes, se sentem mais ligados a suas fraternities do que ao college, deixando de obedecer as regras estabelecidas por este último. Para dar um exemplo, em muitos estados norte-americanos a idade mínima para ingerir bebidas alcóolicas em espaços públicos é a de 21 anos. Isso faz com que grande parte dos undergraduates (alunos de graduação), devido a sua idade, seja proibida de beber socialmente. Para evitarem multa, os estabelecimentos exigem a apresentação de carteira de identidade aos jovens que pedem bebi- das. As fraternities se tornam, principalmente entre os rapazes, lugares em que se pode beber sem ser molestado e algumas vezes isso significa beber de for- ma anti-social. Entre alguns professores universitários com quem tive a opor- tunidade de comentar esse assunto, as fraternidades são vistas como anacrô- nicas e excludentes, algumas delas se caracterizando por serem antiintelectuais e lugares em que se bebe demais. Desses professores nenhum pertencera a uma fraternity ou sorority. Aproveitei um período de três meses que passei em Dartmouth College, em 2003, para pesquisar mais sobre fraternidades. Nas entrevistas que reali- zei com brothers e sisters senti-os muito ligados e orgulhosos de pertencer a suas respectivas fraternities ou sororities. Eu já tinha ouvido referência ao fato Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, maio/ago.2005 117 Arabela Campos Oliven de que o sistema grego, como quase tudo nos Estados Unidos, é altamente segmentado em termos sociais. Um dos irmãos com quem estava fazendo uma entrevista se referiu às white letters. São as fraternidades predominantemente de brancos, alguns deles da elite wasp (white, anglo-saxon and protestant: bran- cos, anglo-saxões e protestantes). Com a abertura do ensino superior para minorias, que até então dificil- mente entravam na universidade, existe hoje fraternidades onde predominam americanos hifenados: os native-americans (indígenas americanos); os afro- americans (negros nascidos nos Estados Unidos); os asian-americans (ameri- canos de ascendência asiática), os hispanics (latino-americanos, sejam brancos ou negros). Os que se consideram brancos são americanos não-hifenados, por hipótese euro-americans, muitos deles fazendo parte da elite dirigente. Falando com uma sister, perguntei-lhe por que escolhera a sorority da qual fazia parte. Ela me disse que vinha de outro estado, seus pais não tinham freqüentado a universidade e não conhecia bem as diferenças logo que che- gou em Dartmouth. Teve, pois, que se informar antes de escolher. Pedi que me comentasse as características das sororities para as quais ela não tinha se candidatado. Falou-me que algumas são muito festivas, outras, ao contrário, só pensam em estudar e brilhar academicamente, outras reúnem atletas, que estão sempre participando de competições esportivas, outra, é formada por moças casadouras, que pretendem achar um marido no college e se interessam por culinária. Ela escolheu a sua por ser mais nova, com um perfil menos estabe- lecido, que reúne jovens como ela. Frisou que o pertencer a uma sorority lhe ajudou bastante a se adaptar à nova vida. Nas visitas que fiz a uma fraternity e a uma sorority, chamou-me a aten- ção a presença de bandeiras, diversos quadros nas paredes, que pareciam os de formatura em nossas faculdades, com as fotos de todos aqueles que foram aceitos em cada ano nas fraternidades. Os quartos eram compactos com cama, às vezes beliche, armário e mesa. Havia pequenas bibliotecas e sala de estu- dos, também pequenas. Isso se entende uma vez que a biblioteca do college, que se localiza a uma quadra, dispõe de todos os recursos bibliográficos ne- cessários, vários computadores para uso da comunidade acadêmica, espaço amplo e confortável. Havia uma sala grande para jogos com mesa de pingue- pongue e TV. O espaço social era bastante amplo, com sofás confortáveis, mesas para refeição, que poderiam ser arredadas para dar mais espaço por oca- sião de festas. As duas residências que visitei tinham realizado festas recente- 118 Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, maio/ago.2005 A marca de origem... mente e estavam com os móveis do salão amontoados. Na fraternity havia caixas com garrafas e latas de bebidas alcóolicas vazias. As fraternidades são espaços privilegiados de sociabilidade. Entre elas há alianças e rivalidades, e inú- meras atividades sociais aí se realizam. Mas, afinal o que diferencia as casas com letras gregas das demais resi- dências estudantis? Muitos colleges e universidades são cidades universitárias incluindo as residências onde moram os alunos, principalmente, de graduação. Esses dormitórios pertencentes aos colleges são prédios próximos ao núcleo central onde se encontram os prédios de salas de aulas, biblioteca, reitoria, bares, restaurantes etc. A alocação dos estudantes é feita por um administrador, respeitando, na medida do possível, as características e preferências de cada um, expressas na ficha de inscrição. Práticos, os americanos perguntam ao futuro residente se fuma ou não, prefere dormir cedo ou tarde... para que seja colocado junto aos que têm gostos e hábitos semelhantes aos seus. O aluno pode mudar de quarto ou residência, desde que consiga vaga. Além dos dormitórios, que estão abertos a todos (alunos e alunas), exis- tem residências especiais reservadas para grupos específicos. No caso de Dartmouth, havia, por exemplo, a Latin American House. Perguntei ao funcio- nário encarregado dos latinos, desde a seleção, adaptação, até o acompanha- mento nos cursos, se aquela era uma residência independente, em que os alu- nos estabeleciam as suas próprias regras. Ele me disse que não, essa é uma residência do college e, embora haja muita liberdade entre os residentes, os critérios de admissão são decididos pelo college. Perguntei-lhe se precisava ser latino-americano, para residir na casa. A resposta foi, também, negativa: estão aptos a se candidatar para a casa quaisquer estudantes que tenham, mediante seu currículo, mostrado interesse no estudo da América Latina. Isso inclui qual- quer estudante do college. Há, também, exigências para os que foram sele- cionados. Pela orientação do próprio administrador da casa, uma vez por se- mana os estudantes devem-se reunir para uma refeição em comum, financiada pelo college, a fim de que tenham um contato mais íntimo como grupo de residência. Uma vez por mês a casa tem a responsabilidade de organizar um evento artístico ou cultural (apresentação de um filme, exposição de fotos, palestras etc.), que trate da América Latina e seja aberto à comunidade. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, maio/ago.2005 119 Arabela Campos Oliven Sobre continuidade e mudanças: o desenvolvimento da educação superior Dos primeiros colleges do período colonial até a “multiversidade” de nossos dias, a educação superior norte-americana se expandiu muitíssimo, tornando-se um dos maiores e mais complexos sistemas do mundo. Para fa- zer uma breve síntese do desenvolvimento desse sistema, farei referência a algumas de suas características, dando maior ênfase a momentos que o leva- ram a responder certos desafios, postos pela sociedade e pelo governo fede- ral, que se constituíram em mudanças. Os land-grant colleges e as atividades de extensão Até o final da primeira metade do século XIX, o ensino superior ofere- cido nos Estados Unidos era quase exclusivamente de orientação clássica. Ape- sar de já ter havido um processo de secularização, em que a formação em certas carreiras, como Medicina e Direito, passavam a ser oferecidas junto com a formação geral, havia muitas críticas às limitações do currículo, que apontavam a necessidade de uma educação mais técnica, voltada ao desenvolvimento do país. Grupos de agricultores reivindicavam uma educação democrática e apli- cada à realidade por eles vivida. Como os estados não possuíam recursos su- ficientes para oferecer esse tipo de educação, o senador Justin Morril apresen- tou ao congresso um projeto de lei, a fim de garantir recursos federais a colleges que oferecessem cursos na área de agricultura. Aprovada, a lei deu origem aos land-grant colleges. O governo federal se comprometia a doar terras para os estados usarem-nas como bem lhes aprouvesse, a fim de tornar possível a fun- dação de uma universidade estadual, que se voltasse para o atendimento das necessidades mais práticas em sua região (Lucas, 1994). Eram grandes as dificuldades iniciais para por em prática tal objetivo: baixo prestígio dos cursos, alunos com pouca base de estudos, professores mal pre- parados e sem dispor de material didático apropriado. O estabelecimento de estações experimentais de agronomia favoreceu o progresso do conhecimen- to que passou a ser ministrado nos colleges. Da parte dos agricultores, pro- prietários de médio porte, havia, também, críticas ao caráter teórico do ensi- no e o desejo de possuir um conhecimento que atendesse suas necessidades cotidianas. Essa demanda levou alguns colleges a oferecer cursos rápidos para farmers, o que deu origem às atividades de extensão, uma contribuição tipica- mente norte-americana à concepção de universidade. 120 Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, maio/ago.2005

Description:
Colleges nos Estados Unidos e faculdades no Brasil existiam antes da criação primeiras faculdades no Brasil, criadas por Dom João VI, seguiam o
See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.