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Como Proust pode mudar sua vida PDF

165 Pages·2013·2.56 MB·Portuguese
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Copyright © Alain de Botton, 1997 TÍTULO ORIGINAL How Proust Can Change Your Life TRADUÇÃO Marcello Lino CAPA E PROJETO GRÁFICO Mariana Newlands IMAGEM DE CAPA © Hulton-Deutsch Collection/CORBIS/Corbis (DC)/Latinstock PREPARAÇÃO Anna Lee REVISÃO Lucas Bandeira Elisa Nogueira REVISÃO DE EPUB Juliana Latini GERAÇÃO DE EPUB Simplíssimo E-ISBN 978-85-8057-123-3 Edição digital: 2013 Traduções de trechos de Em busca do tempo perdido gentilmente cedidas pela Editora Globo. Todos os direitos desta edição reservados à Editora Intrínseca Ltda. Rua Marquês de São Vicente, 99, 3º andar 22451-041 – Gávea Rio de Janeiro – RJ Tel./Fax: (21) 3206-7400 www.intrinseca.com.br » » » SUMÁRIO UM Como amar a vida hoje DOIS Como ler para si mesmo TRÊS Como não se apressar QUATRO Como sofrer com sucesso CINCO Como expressar suas emoções SEIS Como ser um bom amigo SETE Como abrir os olhos OITO Como ser feliz no amor NOVE Como abandonar os livros capítulo um Como amar a vida hoje Há poucas coisas a que os seres humanos se dedicam mais do que a infelicidade. Se tivéssemos sido colocados na Terra por um criador maligno apenas para sofrer, teríamos uma boa razão para nos congratular por nossa reação entusiasmada a essa tarefa. Motivos para ficarmos inconsoláveis não faltam: a fragilidade do nosso corpo, a inconstância do amor, as hipocrisias da vida social, as concessões da amizade, os efeitos entorpecentes da rotina. Diante de males tão persistentes, poderíamos naturalmente esperar que nenhum evento fosse tão aguardado quanto o momento de nossa própria extinção. Alguém que procurasse um jornal para ler em Paris, na década de 1920, poderia comprar uma publicação chamada L’Intransigeant. Esse periódico era conhecido por notícias investigativas, fofocas metropolitanas, classificados abrangentes e editoriais incisivos. Também costumava elaborar grandes perguntas e pedir que celebridades francesas enviassem suas respostas. “Em sua opinião, qual seria a educação ideal para sua filha?” foi um desses questionamentos. “Alguma recomendação para melhorar o congestionamento do trânsito em Paris?” foi outro deles. No verão de 1922, o jornal formulou uma pergunta particularmente complexa para seus colaboradores. Um cientista americano anuncia que o mundo vai acabar, ou pelo menos que uma grande parte do continente será destruída, e de maneira tão repentina que a morte será certeira para centenas de milhões de pessoas. Em sua opinião, caso se provasse verdadeira, que efeitos essa previsão causaria sobre as pessoas entre a confirmação da notícia anteriormente mencionada e o momento do cataclismo? Por fim, no que lhe diz respeito, o que o senhor ou a senhora faria nessas últimas horas? A primeira celebridade a reagir ao tétrico cenário de aniquilação pessoal e global foi um homem das letras, conhecido naquela época, mas atualmente esquecido, chamado Henri Bordeaux, sugerindo que as massas iriam diretamente para a igreja ou para o quarto mais próximo, embora ele mesmo evitasse essa escolha estranha, e explicando que aproveitaria aquela última oportunidade para escalar uma montanha a fim de admirar a beleza da paisagem e da flora alpina. Outra celebridade parisiense, uma talentosa atriz chamada Berthe Bovy, não propôs uma recreação para si mesma, mas partilhou com os leitores uma discreta preocupação com a possibilidade de que os homens se desvencilhassem de todas as inibições, uma vez que suas ações deixariam de ter consequências a longo prazo. Esse prognóstico lúgubre se equiparava àquele de Madame Fraya, famosa quiromante parisiense, que achava que as pessoas se absteriam de passar suas últimas horas contemplando o futuro extraterreno, ocupadas demais em desfrutar dos prazeres mundanos para pensarem em preparar a alma para a vida após a morte — uma suspeita confirmada quando outro escritor, Henri Robert, declarou alegremente sua intenção de se dedicar a uma última partida de bridge, de tênis e de golfe. A última celebridade a ser consultada sobre seus planos pré-apocalipse foi um romancista recluso e bigodudo, que não era conhecido por seu interesse por golfe, tênis ou bridge (embora houvesse tentado jogar damas uma vez e soltar pipa em duas ocasiões), um homem que havia passado os últimos catorze anos deitado em uma cama estreita, sob uma pilha de finos cobertores de lã, escrevendo um romance inusitadamente longo, sem um abajur adequado em sua cabeceira. Desde a publicação de seu primeiro volume, em 1913, Em busca do tempo perdido foi aclamado como uma obra-prima; um resenhista francês comparou o autor a Shakespeare, um crítico italiano o equiparou a Stendhal e uma princesa austríaca ofereceu-lhe sua mão em casamento. Embora não tivesse grande estima por si mesmo (“Se eu apenas pudesse me dar mais valor! Infelizmente, é impossível”) e certa vez houvesse se referido a si próprio como uma pulga e à sua literatura como um pedaço de nougat indigesto, Marcel Proust tinha motivos para se sentir satisfeito. Até mesmo o embaixador britânico na França, um homem muito bem-relacionado e cauteloso em seus julgamentos, considerara apropriado conferir-lhe uma grande honra, embora não de cunho literário, descrevendo-o como “o homem mais notável que já conheci — pois não tira o sobretudo durante o jantar”. Entusiasta em relação a colaborações com jornais e sempre afável, Proust enviou a seguinte resposta a L’Intransigeant e a seu catastrófico cientista americano: Acho que, de repente, a vida nos pareceria maravilhosa se estivéssemos ameaçados de morte como o senhor diz. Pense em quantos projetos, viagens, casos de amor e estudos a vida oculta de nós, tornando-os invisíveis por causa da nossa preguiça, que, certa de um futuro, adia-os incessantemente. Mas, sob a ameaça da impossibilidade eterna, tudo isso voltaria a ser lindo! Ah! Se o cataclismo não acontecer desta vez, não deixemos de visitar as novas galerias do Louvre, de nos jogar aos pés da Srta. X, de fazer uma viagem à Índia. O cataclismo não acontece e deixamos de fazer tudo isso porque voltamos ao âmago da nossa vida normal, no qual a negligência arrefece o desejo. Mas não deveríamos precisar do cataclismo para amar a vida hoje. Seria suficiente pensar que somos humanos e que a morte pode acontecer esta noite. O fato de nos sentirmos repentinamente apegados à vida quando percebemos a iminência da morte sugere que talvez não tenha sido o gosto pela vida, mas sim aquele pela nossa versão cotidiana dela, que perdemos enquanto não havia um fim à vista; nossas insatisfações eram causadas mais por determinado estilo de vida do que por qualquer outra coisa irrevogavelmente sombria a respeito da experiência humana. Abrindo mão da costumeira crença em nossa própria imortalidade, nos lembraríamos de várias possibilidades não exploradas, à espreita sob a superfície de uma existência aparentemente indesejável e eterna. No entanto, se o devido reconhecimento da mortalidade nos estimula a reavaliar nossas prioridades, podemos nos perguntar quais elas devem ser. Talvez só tenhamos vivido pela metade antes de enfrentar as implicações da morte, mas no que exatamente consiste uma vida plena? O simples reconhecimento do nosso fim inevitável não garante que nos prenderemos a respostas sensatas quando chegar a hora de preencher os dias que nos restam. Em pânico devido ao passar do tempo, talvez até recorramos a algumas loucuras espetaculares. As sugestões enviadas pelas celebridades parisienses a L’Intransigeant foram bastante contraditórias: admiração da paisagem alpina, contemplação do futuro extraterreno, tênis, golfe. Mas será que alguma dessas atividades seria uma maneira proveitosa de passar o tempo antes da desintegração do continente? As próprias sugestões de Proust (Louvre, amor, Índia) não foram mais úteis. Para começo de conversa, não combinavam com o que sabemos sobre sua personalidade. Ele nunca foi um ávido visitante de museus, não pisava no Louvre havia mais de uma década e preferia ver reproduções a encarar o burburinho da multidão em um museu (“As pessoas acham que o amor pela literatura, pela pintura e pela música se tornou extremamente difundido, ao passo que não há uma única pessoa que saiba alguma coisa a respeito desses assuntos”). Tampouco era conhecido por seu interesse pelo subcontinente indiano, de difícil acesso, exigindo uma viagem de trem até Marselha, uma travessia em um navio postal até Port Said e dez dias em um vapor de carreira da p&o para atravessar o mar da Arábia, dificilmente um itinerário ideal para um homem que mal saía da cama. Quanto à Srta. X, para desespero de sua mãe, Marcel nunca se mostrou receptivo a seus encantos, nem mesmo aos de qualquer senhorita, de A a Z, e fazia muito tempo que ele sequer se dava o trabalho de perguntar se a jovem tinha um irmão mais novo disponível, tendo concluído que um copo de cerveja bem gelada era uma fonte de prazer mais confiável que os embates amorosos. Ainda que desejasse agir de acordo com suas propostas, Proust teria poucas chances. Quatro meses após enviar sua resposta a L’Intransigeant, após anos prevendo que algo do gênero aconteceria, ele pegou um resfriado e morreu. Proust tinha cinquenta e um anos. Havia sido convidado para uma festa e, apesar dos sintomas de uma gripe leve, enrolou-se em três casacos e em dois cobertores e saiu. A fim de voltar para casa, teve de esperar um táxi em um pátio gelado e, ali, pegou uma friagem. Ela provocou uma febre alta, que poderia ter sido contida se Proust não tivesse se negado a seguir o conselho dos médicos convocados à sua cabeceira. Temendo que seu trabalho fosse prejudicado, ele recusou a oferta de injeções de óleo canforado e continuou a escrever, alimentando-se apenas de leite quente, café e frutas cozidas. O resfriado se transformou em bronquite, que se agravou, tornando-se uma pneumonia. As esperanças de restabelecimento aumentaram brevemente quando ele se sentou na cama e pediu um linguado grelhado, mas, depois de o peixe ter sido comprado e preparado, Proust foi tomado por um acesso de náusea e não conseguiu sequer tocar no prato. Ele morreu algumas horas mais tarde, devido à ruptura de um abscesso no pulmão. Felizmente, as reflexões de Proust sobre como viver não se limitaram a uma resposta demasiadamente curta e de certa forma confusa à pergunta fantasiosa de um jornal — até o momento de sua morte, ele trabalhou em um livro que se propunha a responder, ainda que de forma bastante extensa e narrativamente complexa, uma pergunta não muito diferente da suscitada pelas previsões do

Description:
O escritor Marcel Proust (1871-1922), autor do monumental Em busca do tempo perdido, não parece o melhor conselheiro sobre a arte do bem viver. Asmático, dominado pela mãe, incapaz de manter um emprego, com frequência preso à cama graças às mais variadas moléstias, rejeitado pelos editores,
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