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Comida, memória e patrimônio cultural PDF

175 Pages·2014·31.93 MB·Portuguese
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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Instituto de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Antropologia DISSERTAÇÃO Comida, memória e patrimônio cultural: a construção da pomeraneidade no extremo sul do Brasil Evander Eloí Krone Pelotas, 2014. 2 EVANDER ELOÍ KRONE COMIDA, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL: A CONSTRUÇÃO DA POMERANEIDADE NO EXTREMO SUL DO BRASIL Orientadora: Profª Drª Renata Menasche Pelotas, 2014. 3 Banca examinadora: _________________________________ Profª Drª Renata Menasche _________________________________ Profª Drª Maria Catarina Chitolina Zanini _________________________________ Prof. Dr. Carmo Thum _________________________________ Profª Drª Flávia Maria Silva Rieth 4 AGRADECIMENTOS Um estudo como este é fruto de um trabalho árduo e muitas vezes solitário, no entanto uma produção intelectual é o resultado de várias interações que realizamos a partir de nossos interlocutores, referências, professores, família, colegas e amigos. Assim, um trabalho por mais solitário que seja, nunca é resultado de apenas uma mente, mas de um conjunto de pessoas e instituições que viabilizam a sua realização. Desta forma, venho aqui manifestar a minha eterna gratidão às pessoas e instituições que viabilizaram a realização deste mestrado. Ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pelotas, pela oportunidade e confiança cedida, e aos professores, colegas de turma e funcionários pela acolhida e apoio na realização deste trabalho. Aos membros das equipes de pesquisa Educamemória e GEPAC (Grupo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura), bem como os colegas e professores do LEAA (Laboratório de Estudos Agrários e Ambientais), pelos importantes momentos de reflexão e de contribuição. À colega Losane Hartwig Schwartz, que me inseriu na área de estudo a partir de sua própria família, e a seus pais e avós, meus sinceros agradecimentos pela agradável acolhida. Agradeço em especial também Diego da Luz, Lillian Bastian, Mauricio Schneider, Carmen Janaina Machado, Juan Camilo de Los Rios Cardona, Lina Maria Mazo Henao e Juan Miguel de Los Rios Cardona, por compartilhar comigo os momentos de alegria e apreensão que sempre marcam o processo de realização de um mestrado. A Deus e à minha família, Maria, Renato, Evanir, Laura e Lucas – mãe, pai, irmão, cunhada e sobrinho – que mesmo à distância sempre souberam valorar a mim e ao meu trabalho. Agradeço também a minha orientadora pelo imenso incentivo e apoio dado na realização deste mestrado, tenho certeza que sem esse apoio a minha caminhada teria sido muito mais árdua. Agradeço ainda a todas as famílias rurais e pessoas que colaboraram direta ou indiretamente para a realização desse projeto de mestrado. 5 RESUMO No campo das políticas públicas de patrimonialização no Brasil, pode ser identificada, desde a década de 1990, a emergência de novos sujeitos de direito. Grupos sociais historicamente marginalizados têm se apropriado da categoria patrimônio, colocando seus saberes, fazeres, tradições e manifestações culturais como meio para obter conquistas sociais. Nesse quadro, tomando a observação da alimentação como abordagem, procura-se, neste trabalho, analisar de que forma ações de cunho patrimonial desenvolvidas no município gaúcho de São Lourenço do Sul têm sido apreendidas por atores sociais envolvidos em processos que buscam o reconhecimento e valorização da cultura e identidade de camponeses de origem pomerana. Os pomeranos, apesar de presentes na Serra dos Tapes desde meados do século XIX, durante muito tempo permaneceram à margem da sociedade local. Mas, a partir dos anos 2000, o poder público municipal de São Lourenço do Sul passou a estabelecer políticas associadas à valorização do passado, da memória e do patrimônio cultural das famílias rurais de origem pomerana. Ao analisar algumas das ações de valorização do patrimônio cultural pomerano, este estudo destaca a rota turística rural Caminho Pomerano e a Südoktoberfest, maior festa germânica do sul do estado. Procura-se mostrar que as políticas locais de patrimonialização estão baseadas, em boa medida, na tentativa de recuperar formas tradicionais do “ser pomerano”, em que o modo de vida desses camponeses torna-se atrativo turístico, ao mesmo tempo em que saberes e práticas associadas a sua cultura alimentar são agenciados pelo turismo e manipulados pelo mercado como forma de promoção de uma espécie de turismo cultural, pautado pelo clima de nostalgia. No campo de produção da memória pomerana, observam-se ações e discursos que procuram afirmar a autenticidade das manifestações culturais, na medida em que as tradições e identidade pomeranas são comumente apresentadas como elementos invariáveis. O estudo mostra, ainda, que boa parte das ações e políticas de valorização do patrimônio cultural pomerano não encontra correspondência no modo de vida das comunidades rurais pomeranas contemporâneas, na medida em que estão baseadas em uma visão preservacionista do passado. A análise de festas locais de uma comunidade rural pomerana permite evidenciar que os modos como os colonos pomeranos vivem, celebram e comem se realizam em diálogo constante entre passado e presente, preservação e inovação, mundo rural e urbano, tradição e modernidade. Assim, o trabalho aponta que conhecimentos tradicionais e manifestações culturais pomeranas são parte de um sistema de valores em constante movimento, a cada momento reinventados. Enquanto procedimento metodológico, a pesquisa valeu-se do método etnográfico, com observação participante e elaboração de diário de campo. Os dados foram também construídos a partir de entrevistas, realizadas junto a famílias rurais pomeranas, bem como a atores sociais diretamente envolvidos em ações locais de valorização do patrimônio cultural pomerano. Palavras-chave: campesinato, imigração, teuto-brasileiros, identidade, cultura alimentar, conhecimentos tradicionais. 6 RESUMEN En el campo de las políticas públicas de patrimonialización, en Brasil se puede identificar desde la década de 1990 el surgimiento de nuevos sujetos de derecho. Grupo sociales históricamente marginalizados se han apropiado de la categoría patrimonio, colocando sus saberes, haceres, tradiciones y manifestaciones culturales como una forma de obtener conquistas sociales. En este sentido, tomando la observación de la alimentación como enfoque, este trabajo se propone analizar de qué forma acciones de tipo patrimonial desarrolladas en el municipio gaucho de São Lourenço do Sul, estado de Rio Grande do Sul, han sido aprehendidas por actores sociales involucrados en procesos que buscan el reconocimiento y valorización de la cultura e identidad de campesinos de origen pomerano. A pesar de que los pomeranos han estado presentes en la Serra dos Tapes desde mediados del siglo XIX, durante mucho tiempo permanecieron al margen de la sociedad local. Sin embargo, a partir de los años 2000, el poder público municipal de São Lourenço do Sul estableció políticas asociadas a la valorización del pasado, de la memoria y del patrimonio cultural de las familias rurales de origen pomerana. Tras analizar algunas de las acciones de valorización del patrimonio cultural pomerano, este estudio destaca la ruta turística rural Camino Pomerano y la Südoktoberfest, esta última es la mayor fiesta germánica del sur del estado. En el estudio se muestra que las políticas de patrimonialización están basadas, en gran medida, en el interés de recuperar formas tradicionales del “ser pomerano” en el que el modo de vida de esos campesinos se vuelve un atractivo turístico, al mismo tiempo en que los saberes y prácticas asociadas a su cultura alimentar son agenciados por el turismo y manipulados por el mercado como forma de promoción de una especie de turismo cultural, pautado por el clima de la nostalgia. En el campo de la producción de la memoria pomerana, se observan acciones y discursos que buscan afirmar la autenticidad de las manifestaciones culturales, donde las tradiciones e identidades pomeranas son comúnmente presentadas como elementos invariables. No obstante, el estudio muestra que buena parte de las acciones y políticas de valorización del patrimonio cultural pomerano no encuentra correspondencia en el modo de vida de las comunidades rurales pomeranas contemporáneas, mientras estén basadas en una visión preservacionista del pasado. El análisis de las fiestas locales de una comunidad rural pomerana permite evidenciar que los modos como los campesinos pomeranos viven, celebran y comen se realizan en diálogo constante entre pasado y presente, preservación e innovación, mundo rural y urbano, tradición y modernidad. Así, el trabajo discute que los conocimientos tradicionales y manifestaciones culturales pomeranas son parte de un sistema de valores en constante movimiento, en cada momento reinventados. Con relación al proceso metodológico, en la investigación se utilizó el método etnográfico, con observación participante y diario de campo. Los datos también fueron construidos a partir de entrevistas realizadas a las familias rurales pomeranas, así como a actores sociales relacionados directamente con las acciones locales de valorización del patrimonio cultural pomerano. Palabras clave: campesinado, inmigración, teuto-brasileros, identidad, cultura alimenticia, conocimientos tradicionales. 7 Lista de Figuras Figura 1: Filmagem da preparação do peito de ganso defumado..............................24 Figura 2: Localidades pesquisadas............................................................................26 Figura 3: Poeira na estrada........................................................................................32 Figura 4: A cozinha como espaço de sociabilidade da família...................................36 Figura 5: Imagens religiosas, no interior da casa.......................................................40 Figura 6: Agricultor realizando a seleção e classificação das folhas de fumo...........43 Figura 7: Estacionamento de veículos ao lado do Salão Marcos – Harmonia...........47 Figura 8: Monumento do Semeador...........................................................................86 Figura 9: Encenação da chegada dos primeiros imigrantes......................................89 Figura 10: Convite para festa dos 155 anos da imigração.........................................91 Figura 11: Mapa ilustrativo do roteiro Caminho Pomerano........................................95 Figura 12: Casa de Jacob Rheingantz......................................................................99 Figura 13: Folder do Caminho Pomerano................................................................102 Figura 14: Print screen da página oficial da Prefeitura de São Lourenço do Sul.....103 Figura 15: Figura ilustrativa de material promocional do Caminho Pomerano........104 Figura 16: Café colonial servido no Frischtich Haus................................................105 Figura 17: Folder de divulgação da 24ª Südoktoberfest..........................................111 Figura 18: Tema da 24ª Südoktoberfest – Pomerânia: terra perto do mar...............112 Figura 19: Desfile de rua da Südoktoberfest, em 2012............................................113 Figura 20: Walter, uma das mascotes da Südoktoberfest........................................115 Figura 21: Preparação de mocotó e sopa de galinha..............................................124 Figura 22: Público acompanhado as apresentações dos grupos de canto e coral..140 Figura 23: Casal de noivos se servindo sopa e mocotó...........................................149 Figura 24: Noivos, padrinhos e parentes ao redor da comida da festa....................154 Figura 25: Fotografia dos noivos com as cozinheiras..............................................155 Figura 26: Fotografia dos noivos com os churrasqueiros........................................155 Figura 27: Fotografia dos noivos com os responsáveis pelo preparo do mocotó......................................................................................................................156 8 Sumário 1 Introdução..............................................................................................................10 2 Procedimentos metodológicos e contexto empírico pesquisado....................22 2.1 Da pesquisa........................................................................................................22 2.1.1 Primeira fase: campo exploratório................................................................22 2.1.2 Segunda fase: entrevistas com interlocutores-chave.................................27 2.1.3 Terceira etapa: imersão a campo...................................................................28 2.2 O contexto empírico...........................................................................................35 2.2.1 A localidade de Harmonia e seus moradores...............................................35 2.2.2 Religiosidade...................................................................................................37 2.2.3 A produção agrícola........................................................................................41 2.2.4 Serviços e equipamentos sociais na localidade..........................................45 2.2.5 A vida na localidade........................................................................................48 3 Conflitos e tensões na constituição de uma colônia compartilhada e de um modo de ser pomerano............................................................................................50 3.1 A colonização portuguesa.................................................................................51 3.2 A chegada dos imigrantes e o projeto da colônia São Lourenço..................52 3.3 Jacob Rheingantz: o colonizador imigrante....................................................54 3.4 A revolta dos colonos........................................................................................56 3.5 Alemães e pomeranos: colônia compartilhada...............................................61 3.6 O uso assimétrico da língua alemã e pomerana.............................................63 3.7 Tensões entre campo e cidade: a estigmatização dos colonos....................65 3.8 A germanização dos colonos pomeranos.......................................................70 3.9 Um modo de ser pomerano...............................................................................72 4 A construção da pomeraneidade.........................................................................82 4.1 Da invisibilidade à superexposição: as tensões no campo local do patrimônio cultural...................................................................................................83 9 4.2 A emergência dos pomeranos no campo local do patrimônio......................87 4.3 O Caminho Pomerano........................................................................................93 4.4 Coxilha do Barão e a Casa de Jacob Rheingantz...........................................97 4.5 Turismo e patrimônio: a busca do consumo dos sabores rurais perdidos..................................................................................................................100 5 Südoktoberfest: a construção da ideia do típico e tradicional.......................109 5.1 A Südoktoberfest..............................................................................................110 5.2 Quando os temperos se misturam: cultura camponesa compartilhada.....121 5.3 Sopa, mocotó e caldo: o lugar da mistura.....................................................123 5.4 Fronteiras fluídas.............................................................................................127 6 Comida, festa, tradição e modernidade em uma comunidade rural pomerana: a vida em movimento.............................................................................................132 6.1 Uma visão destradicionalizada da tradição...................................................133 6.2 Festa da Comunidade Livre e Independente de Harmonia..........................138 6.3 O casamento pomerano: atualização de laços de pertencimento...............147 6.4 Identidade ressignificada................................................................................158 7 Considerações Finais.........................................................................................161 Referências.............................................................................................................166 10 1 Introdução Tomando a observação da alimentação como abordagem, procura-se, neste estudo, compreender de que forma ações de cunho patrimonial desenvolvidas no município gaúcho de São Lourenço do Sul têm sido apreendidas por atores sociais envolvidos em processos que buscam a identificação, reconhecimento e valorização da etnia, cultura e identidade de descendentes de imigrantes de origem pomerana. Como resultado de um empreendimento privado de colonização, na segunda metade do século XIX chegou à Serra dos Tapes1 – região que compreende os municípios de Canguçu, Pelotas e São Lourenço do Sul, localizados no extremo sul do Rio Grande do Sul – um grande contingente de imigrantes oriundos da Pomerânia2. Aqui se estabeleceu, em 1858, um dos principais núcleos de colonização pomerana do Brasil, o que se deu posteriormente à ocupação luso- portuguesa de São Lourenço do Sul, que mais tarde, em 1938, seria elevado à condição de município. Vale destacar que os pomeranos estiveram presentes no processo de colonização da região juntamente com outros grupos étnicos, a saber: alemães, franceses, italianos, luso-brasileiros e afrodescendentes. A principal atividade econômica do município de São Lourenço do Sul é a agropecuária, com destaque para a produção de suínos, bovinos, laticínios, milho, feijão, soja, arroz, batata, cebola, aspargo, pimenta, alho, amendoim (IBGE, 2010). No entanto, além dos cultivos citados, nas últimas décadas, o fumo, plantado principalmente por agricultores familiares, tem se destacado como uma das principais atividades econômicas. Entre 2009 e 2011, São Lourenço do Sul esteve entre os três municípios maiores produtores de fumo do Rio Grande do Sul 1 Salamoni e Waskievicz (2013, p. 74) mostram que, segundo classificação das unidades geomorfológicas, “a Serra dos Tapes está inserida no Planalto Uruguaio Sul-riograndense ou Escudo Cristalino Sul-riograndense, compreendendo o compartimento de relevo ao sul do rio Camaquã e, ainda, como escreve Grando (1989) é parte do sistema formado pela Serra do Sudeste”. 2 A Pomerânia, situada às margens do Mar Báltico, permaneceu como província do antigo império da Prússia até a instituição do Estado Alemão. Posteriormente, o território seria repartido entre os domínios da Polônia e da Alemanha.

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DISSERTAÇÃO. Comida, memória e patrimônio cultural: a construção da pomeraneidade no extremo sul do Brasil. Evander Eloí Krone. Pelotas, 2014
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