JARED DIAMOND COLAPSO COMO AS SOCIEDADES ESCOLHEM O FRACASSO OU O SUCESSO TRADUÇÃO Alexandre Raposo REVISÃO TÉCNICA Waldeck Dié Maia 5ª. EDIÇÃO EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO - SÃO PAULO 2007 Para Jack e Ann Hirschy, Jill Hirschy Eliel e John Eliel, Joyce Hirschy McDowell, Dick (1929-2003) e Margy Hirschy, e seus pares de Montana: guardiões do grande céu daquele estado. Conheci um viajante de uma terra antiga Que disse: "Duas imensas pernas de pedra, sem tronco, Jazem no deserto. Junto a elas, Parcialmente afundado na areia, um rosto despedaçado, com o lábio Franzido e enrugado em um sorriso escarnecedor de frio poder, Demonstra que o escultor bem intuiu tais paixões, Que ainda sobrevivem, estampadas naquelas coisas sem vida, A mão que as forjou e o coração que as alimentou; No pedestal há a seguinte inscrição: 'Meu nome é Ozimandias, rei dos reis: Olhem para os meus feitos pujantes e desesperem-se!' Nada resta, além disso. Ao redor daquela ruína Colossal, ilimitada e desnuda As areias solitárias e planas espalham-se ao longe. "Ozimandias”: por Percy Bysshe ShelIey (1817) Sumário PRÓLOGO PARTE 1 CAPÍTULO 1 PARTE 2 CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 6 CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 8 CAPÍTULO 9 PARTE 3 CAPÍTULO 10 CAPÍTULO 11 CAPÍTULO 12 CAPÍTULO 13 PARTE 4 CAPÍTULO 14 CAPÍTULO 15 CAPÍTULO 16 PRÓLOGO UMA HISTÓRIA DE DUAS FAZENDAS Duas fazendas. Colapsos, passado e presente. Edens desaparecidos? Uma estrutura de cinco pontos. Empresas e meio ambiente. O método comparativo. Plano do livro Há alguns verões visitei duas fazendas de laticínios: a fazenda Huls e a fazenda Gardar, que apesar de estarem a milhares de quilômetros uma da outra ainda assim são muito similares em suas virtudes e vulnerabilidades. Ambas as fazendas eram, de longe, as maiores, mais prósperas e tecnologicamente mais desenvolvidas de suas respectivas regiões. Em particular, as duas giravam em torno de um magnífico e moderníssimo estábulo para abrigar e ordenhar suas vacas. Tais estruturas, divididas em fileiras opostas de cocheiras, superavam todos os outros estábulos de suas respectivas regiões. Em ambas as fazendas, as vacas pastavam ao ar livre em pastos viçosos durante o verão. Do mesmo modo, as duas fazendas produziam sua própria forragem, armazenada no fim do verão para alimentar o rebanho durante o inverno. A produção de pastagens de verão e forragens de inverno era garantida pela irrigação dos campos. As duas fazendas eram semelhantes em área (alguns quilômetros quadrados) e em tamanho de estábulo, sendo que o estábulo da fazenda Huls abrigava mais vacas do que o da fazenda Gardar (200 e 165 vacas, respectivamente). Os proprietários das duas fazendas eram líderes de suas respectivas comunidades. Eles eram profundamente religiosos. As duas fazendas localizavam-se em encantadores cenários naturais que atraíam turistas de lugares distantes, com montanhas cobertas de neve ao fundo, cortadas por rios repletos de peixes que corriam em direção a um famoso rio (no caso da fazenda Huls) ou fiorde (no caso da fazenda Gardar). Estas eram as virtudes destas fazendas. Quanto às vulnerabilidades que compartilhavam, as duas estavam localizadas em regiões economicamente inapropriadas para a produção de laticínios, devido ao fato de se localizarem muito ao norte, o que significava verões menores para produzir pastagens e forragem. Pelo fato de, mesmo em anos bons, o clima não ser ideal se comparado ao de fazendas de laticínios localizadas em latitudes mais baixas, as duas fazendas podiam ser afetadas por mudanças climáticas - secas, no caso da fazenda Huls, e frio, no caso da fazenda Gardar. As duas regiões ficavam longe de centros consumidores onde comercializar os seus produtos, de forma que os custos com transporte e perdas impunham desvantagens competitivas em relação a regiões localizadas próximas dos grandes centros. As economias das fazendas eram reféns de forças fora do controle de seus proprietários, como a prosperidade e os gostos sazonais de seus clientes e vizinhos. Em uma escala maior, os países em que as duas fazendas estavam localizadas sofriam altos e baixos em suas economias devido ao alívio ou ao recrudescimento de ameaças de distantes sociedades inimigas. A maior diferença entre as fazendas Huls e Gardar está em sua situação atual. A fazenda Huls, localizada no vale Bitterroot, no estado de Montana, oeste dos EUA, um empreendimento familiar de propriedade de cinco irmãos e de suas respectivas esposas, é próspera, e o condado de Ravalli, no qual a fazenda Huls está instalada, orgulha-se de possuir o maior crescimento populacional entre os condados dos EUA. Tim, Trudy e Dan Huls, três dos proprietários da fazenda Huls, levaram-me em um passeio por seu estábulo high-tech, e pacientemente explicaram os prós e os contras da produção de laticínios em Montana. É inconcebível que os EUA em geral, e a fazenda Huls em particular, venham a entrar em colapso em um futuro previsível. Mas a fazenda Gardar, uma antiga fazenda arrendada pelo bispo nórdico no sudoeste da Groenlândia, foi abandonada há mais de 500 anos. A sociedade nórdica na Groenlândia ruiu completamente: seus milhares de habitantes morreram de fome, em guerras civis ou contra inimigos, ou emigraram, até não sobrar ninguém. Apesar de as sólidas paredes de pedra do estábulo e da catedral da fazenda Gardar ainda estarem de pé - de modo que me foi possível contar quantas cocheiras individuais possuía -, não havia qualquer proprietário ali para me falar dos prós e contras de Gardar. Contudo, quando a fazenda Gardar e a Groenlândia Nórdica estavam no auge, seu declínio parecia tão inconcebível quanto o declínio da fazenda Huls e dos EUA hoje. Deixe-me esclarecer uma coisa: ao traçar tais paralelos entre as fazendas Huls e Gardar, não pretendo dizer que a fazenda Huls e a sociedade americana estejam fadadas ao declínio. No momento, a verdade é bem diferente: a fazenda Huls está em processo de expansão, sua nova e avançada tecnologia vem sendo estudada para ser implantada em fazendas vizinhas, e os EUA são o país mais poderoso do mundo. Também não estou dizendo que fazendas ou sociedades em geral tendam ao colapso. Embora algumas fazendas tenham de fato entrado em colapso, como a Gardar, outras sobreviveram ininterruptamente durante milhares de anos. Em vez disso, minhas viagens para as fazendas Huls e Gardar, localizadas a milhares de quilômetros uma da outra, mas visitadas no mesmo verão, fizeram-me chegar à conclusão de que até mesmo as sociedades mais ricas e tecnologicamente mais avançadas de hoje em dia enfrentam problemas ambientais e econômicos crescentes que não devem ser subestimados. Muitos de nossos problemas são similares àqueles que minaram a fazenda Gardar e a Groenlândia Nórdica e que muitas outras sociedades do passado lutaram para resolver. Algumas dessas sociedades do passado falharam (como a Groenlândia Nórdica), e outras foram bem- sucedidas (como os japoneses e os insulares de Tikopia). O passado nos oferece um rico banco de dados com o qual podemos aprender, e continuar a ser bem-sucedidos. A Groenlândia Nórdica é apenas uma de muitas sociedades do passado que entraram em colapso ou desapareceram, deixando para trás ruínas monumentais como as imaginadas por Shelley em seu poema "Ozimandias". Como colapso, refiro-me a uma drástica redução da população e/ou complexidade política, econômica e social, numa área considerável, durante um longo tempo. O fenômeno do colapso é, portanto, uma forma extrema de diversos tipos mais brandos de declínio, e torna-se arbitrário decidir quão drástico deve ser o declínio de uma sociedade antes que se possa qualificá-lo como colapso. Alguns desses tipos mais brandos de declínio incluem pequenos altos e baixos normais do acaso; pequenas reestruturações políticas, econômicas e sociais características de qualquer sociedade; a conquista de uma sociedade por um vizinho ou o seu declínio ligado à ascensão de um vizinho, sem mudança no tamanho total da população ou na complexidade de toda a região; e a queda ou substituição de uma elite de governo por outra. De acordo com tais padrões, a maioria das pessoas concorda que as seguintes sociedades do passado foram vítimas ilustres de verdadeiros colapsos, mais do que de pequenos declínios: as sociedades anasazi e cahokia, dentro das fronteiras dos EUA contemporâneos; as cidades maias na América Central; as sociedades mochica e Tiahuanaco, na América do Sul; a Grécia Miceniana e Creta Minóica, na Europa; o Grande Zimbábue, na África; as cidades asiáticas de Angkor Wat, da cultura harapa, no vale do Indo; e a ilha de Páscoa no oceano Pacífico (mapa, p. 20-21). As ruínas monumentais deixadas por tais sociedades do passado inspiram um fascínio romântico em todos nós. Quando crianças, nos maravilhamos ao ver as primeiras fotografias de tais ruínas. Ao crescermos, planejamos viagens de férias para conhecê-las como turistas. Sentimo-nos atraídos por sua beleza espetacular e perturbadora, e também pelos mistérios que propõem. A dimensão das ruínas fala em favor da antiga prosperidade e do poder de seus construtores - como se gritassem: "Olhem para os meus feitos pujantes e desesperem-se!”, nas palavras de Shelley. Contudo, os construtores desapareceram, abandonando as grandes estruturas que criaram com tanto esforço. Como pode uma sociedade outrora tão pujante acabar entrando em colapso? Qual foi o destino de seus indivíduos? Foram embora, e (neste caso) por quê? Ou será que morreram ali mesmo, de modo miserável? Por trás deste mistério romântico oculta-se um pensamento perturbador: será que nossa próspera sociedade acabará tendo o mesmo destino? Será que, algum dia, os turistas olharão fascinados para as torres enferrujadas dos arranha-céus de Nova York do mesmo modo que hoje olhamos para as ruínas das cidades maias cobertas pela vegetação? Há muito se suspeita que a maior parte desses misteriosos abandonos tenha sido provocada por problemas ecológicos, pelo fato de as pessoas terem destruído inadvertidamente os recursos ambientais dos quais as suas sociedades dependiam. A suspeita de suicídio ecológico não intencional ecocídio - vem sendo confirmada por descobertas em décadas recentes feitas por arqueólogos, climatologistas, historiadores, paleontólogos e palinologistas (cientistas especialistas em pólen). Os processos através dos quais as sociedades do passado minaram a si mesmas danificando o meio ambiente dividem-se em oito categorias, cuja importância relativa difere de caso para caso: desmatamento e destruição do hábitat, problemas com o solo (erosão, salinização e perda de fertilidade), problemas com o controle da água, sobrecaça, sobrepesca, efeitos da introdução de outras espécies sobre as espécies nativas e aumento per capita do impacto do crescimento demográfico. Tais colapsos do passado tendem a seguir cursos similares, verdadeiras variações sobre um mesmo tema. O crescimento populacional força as
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