FICHA TÉCNICA Título Revista Desafios – Cátedra Amílcar Cabral – Nº 3, Novembro de 2016 Edição Temática O Lugar da Memória e a Reinvenção das Origens Directora Eurídice Furtado Monteiro Conselho Editorial Abel Djassi Amado (Simmons College, EUA) Amália Lopes (Universidade de Cabo Verde, Uni-CV) Aminah Pilgrim (University of Massachusetts, EUA) Ângela Coutinho (Universidade Nova de Lisboa, Portugal) António Tomás (University of Cape Town, África do Sul) António Correia e Silva, (Universidade de Cabo Verde, Uni-CV) Carlos Cardoso (Conselho Africano para o Desenvolvimento das Ciências Sociais em África, CODESRIA, Senegal) Cláudio Furtado (Universidade Federal da Bahia, Brasil) Eurídice Furtado Monteiro (Universidade de Cabo Verde, Uni-CV) Isabel Casimiro (Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique) João Vasconcelos (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, ICS, Portugal) Julião Soares Sousa (Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XXI da Universidade de Coimbra, CEIS20, Portugal) Maria-Benedita Bastos (Sorbonne-Paris IV, França) Odair B. Varela (Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais, ISCJS, Cabo Verde) Teresa Cunha (Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Portugal) Wladimir Brito (Escola de Direito da Universidade do Minho, Portugal) Revisão Jeff Hessney Manuel Brito-Semedo Manuel Veiga Concepção Gráfica Ricardo Mendes (GCI - Gabinete de Comunicação e Imagem da Uni-CV) Impressão Tipografia Santos Tiragem 300 Exemplares Coordenação Editorial DSDE – Elizabeth Coutinho Edições Uni-CV Praça Dr. António Lereno, Caixa Postal 379-C, Praia - Santiago, Cabo Verde Tel (+238) 334 0441 - Fax (+238) 261 2660 Email: [email protected] Copyright Cátedra Amílcar Cabral | Universidade de Cabo Verde ISBN 2310 - 2616 Praia 2016 Îndice Da Publicação das Cartas de Amílcar Cabral à Sociologia do Relacionamento Amoroso Inter-racial no Contexto Imperial Português António Correia e Silva .................................................................................................9 Adicionar sem Agitar: Narrativas sobre as Lutas de Libertação Nacional Africanas em Portugal nos 40 Anos das Independências Marta Araújo ..............................................................................................................33 Harlem Renaissance e Negritude nas Poéticas de Éle Semog e José Luis Hopffer C. Almada Ricardo Silva Ramos de Souza ....................................................................................57 Do ‘Nascimento’ ao ‘Regresso às Origens’: Narrativas e Representações sobre a(s) Música(s) Cabo-verdiana(s) até aos Anos de 1970 Carmem l. Teixeira Barros Furtado .............................................................................79 Música e Poder em Cabo Verde: Das Práticas Contestatárias dos Jovens Rappers à Potencialidade ‘Castradora’ do Estado Alexssandro Robalo ..................................................................................................103 Rap e Pesquisa Etnográfica Redy Wilson Lima ....................................................................................................131 Cabral como Património Histórico para o Curriculum ou a Pertinência da Inclusão no Curriculum Carlos Jorge Rodrigues Spínola .................................................................................151 A Cultura Cabo-verdiana como Factor de Desenvolvimento Socioeconómico: Projectar Amílcar Cabral Cláudia Sofia Beato & Nataniel Andrade Monteiro ..................................................165 cccaaarrrtttaaasssss cartassssssDDa publicaçããoo ddaass dde Amílll- DDa publicação das ssocioollogggggggggggiaa sooo- car CCaabrraall àà do relaaa- dddeee AAAmmmííílllcccaaarrr CCCaaabral à aaaaaammmmmoorrooosssoooooo ciologgggggiaa cionammeennttooo iinnterr--rrrraaaccciiiiaalll nnnoo do relacionaaa- iimmmppppeerrriiiaaaalllll amoroso ccoonntteexto ppoorttuugguuuêêêss AAAAAAAAAAAdddiicccciiioooonnnnaaaarrr mentoo lllluuuutttaaasssss sseemm aaggiittaarr:: NNNaarrrraaattttiiiivvvvaaaasss ssoobbrre aasss dddeee imppeeee---- inter-racial no contexto aaaaaaaafffffffffrrrrrriiiiiiccccccaaaaaannnnnnnaaaaaaasssssssss libertaççção nnaaaacccciiioonnnnnaaaaalllllllll eeeemmmmmm rial português Adicionar semmm 4444440000aannoossssss Portugggal nosss dddaass agggitar: Narrativas sobre as rreeennnaaiissssaanncceeeee independências HHHHarrlleemmm ee lutass de libertaççção nacionalll pppoéticaaasssssss negritude nass dddee ÉÉÉlleee SSSeemmoogg eeeee africccaaannnaaasssss PPPooorrrtttuuugggaaalll eemm 40anossss DDDo ‘nascimento’ ao ‘rreegggrreeesssssssoo ààsss ooorriiggeennss’: nos das Narrativas e RRRepreesseeennnttaaççççõõõõeesss ssoobbrree aa((ss))) reee- indepppendências Harlem músssiiicccaaa(((sss))) cccaaabbbooo---vvvvveerrddddiiaaannnaa(((((ssss)))) aattéé ooss aannooss ddee naissancee e neggritude nasss 19770000 MMMMMMMMMúússiiccaa ee PPooddeerr eemm ppoéticaassss dddee ÉÉllee SSeemmooggg e CCCCCCaaaaaaabbbbbboooooooo VVVVVVVVVVVVVVVeeeeeeeeerrrrrrrrrrrdddddddddddddd eee::: DDDDDaaasss ppprrrááátttiiicccaas DDo ‘nascimmmeennttoo’’ aaaooo ‘‘‘rreeggrrreeessssoo àààsssssss ccoonntteessttaatttáááárrrriiiiaaaasss rraaappppp- dddooss jjoovveennss origens’: NNaaarrrrraattiivvaaaasssss eeee RRRReepppprrreeeeee-- ppperss sentações sobrrreee aa((ss)) mmúússiiccaa((ss)) RRRRaaapppppppppppppp EEEtttt- Estado e PPPeessqqquuiissaa cccaaabbbooo---vvveeerrrdddiiiaaannnaaa((ss) até os aannoooss dde 1970 nnooogggggggggrráffficaa MMMMMúsica e PPooderr Caaabbbooo VVVVVVeeeeerrrrrdddddddddd em eeeeee::::: DDDDDaaaaassss contessttaattááriaassss ccuuurrrrrrrriiiccuullum práticas ccccuuuuuullllllttttttttuuuuurrrraaa AAA cccaabbbooo--vveeerrrdddiiaannaaa cccoomo fator de rapppppppeerrrsssssss dos jovens àààà ppootteeennnnnnnn---- dddeeesssseeeennnnnnvvvooollllvviimmeennttoo ssoocciiooeeccoonnóómmiico: Projetar Rappppp Amílcar CCaabbral EEtttttt- e PPesqqquisa noggráfficaa pppara o curriculumm culturaa A cabo-verdiana ADICIONAcRom So EfaMtor AdeG dIeTseAnvRol:v iNmeAntRo RATIVAS SOBRE AS LUTAS DE soLcIioBeEcoRnóTmAicÇo: ÃPOro jNetaAr CAImOílllN- AL AFRICANAS EM car Cabral PORTUGAL NOS 40 ANOS DAS INDEPENDÊNCIAS Marta Araújo ADICIONAR SEM AGITAR: NARRATIVAS SOBRE AS LUTAS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL AFRICANAS EM PORTUGAL NOS 40 ANOS DAS INDEPENDÊNCIA Resumo Adicionar sem Agitar: Narrativas sobre as Lutas de Libertação Nacional Africanas em Portugal nos 40 Anos das Independências Este artigo aborda como o paradigma eurocêntrico de produção e dissemina- ção do conhecimento define os contornos da discussão sobre a história do (anti-) colonialismo em Portugal e, mais particularmente, sobre as lutas de libertação nacional africanas – atentando mais de perto ao PAIGC e à figura de Amílcar Cabral. Focando na educação, o artigo analisa debates sobre o ensino da história e os manuais escolares após às independências, muitos deles usados também em Cabo Verde. Conclui-se que, apesar das variações detectadas e dos esforços de adicionar a perspectiva do “outro”, a centralidade e superioridade dos esforços “europeus” é perpetuada através de fórmulas narrativas permeadas por raça que apagam e banalizam a relevância política, científica e pedagógica dos movimen- tos de libertação na construção de um Portugal democrático. Adding without Agitation: Narratives on the African National Liberation struggles in Portugal in the 40 Years of Independence This article discusses how the Eurocentric paradigm of knowledge produc- tion and dissemination defines the contours of the discussion on the history of (anti) colonialism in Portugal and, more particularly, on African national libe- ration struggles - paying closer attention to PAIGC and the figure of Amilcar Cabral. Focusing on education, the article analyzes debates on the teaching of history and school textbooks after independence, many of them also used in Cape Verde. despite the variations detected and the efforts to add the perspective of the "other,", the articles concludes that the centrality and superiority of the “European” efforts is perpetuated through narrative formulas permeated by race that erase and trivialize the political, scientific and pedagogical relevance of libe- ration movements in the construction of a democratic Portugal. 35 MARTA ARAÚJO Introdução um esboço geral da produção histórica mundial ao longo do tempo sugere que os historiadores profissionais, por si só, não definem a estrutura narrativa na qual as suas histórias se encaixam. Na maioria das vezes, alguém já entrou em cena e definiu os ciclos de silêncios (Trouillot, 1995: 26). Na cidade de Coimbra, em Portugal, foi inaugurada pela Câmara Municipal a 10 de Junho de 1971 – Dia da Raça, no então Estado Novo – a Praça Heróis do Ultramar (designação que ainda retém), a qual inclui uma estátua de bronze que homenageia os soldados que lutavam então na “Guerra do Ultramar”. Da autoria de Cabral Antunes, e segundo a descrição oficial, “A estátua, de grande expres- sividade, representa um soldado com a indumentária da época, numa posição que denuncia estar a caminhar, segura na mão direita uma arma, enquanto com a esquerda ampara uma criança de origem africana que tem sobre os ombros” (Nunes, 2005, apud DRCC, 2011). Com a construção de um centro comercial, do estádio de futebol para o Euro 2004 e de um complexo desportivo camarário, a Praça viu-se reduzida no tamanho, mas a estátua foi mantida e reinaugurada oficialmente em 2005. Nessa altura, quando acabava de celebrar-se o 31º ani- versário do 25 de Abril, circularam críticas ao monumento, nomeadamente pelo historiador Fernando Rosas no jornal Público, um diário nacional de grande relevo. Rosas, um conhecido especialista na história do Estado Novo, denunciou o “revivalismo colonialista” da iniciativa – auto-apresentada como “Uma estátua contra o esquecimento”. No seu entender, o monumento constituía um “gesto de legitimação e apologia da guerra colonial”, promovido por um “triénio de governos de direita”: A heroicidade da guerra e dos combatentes, a recuperação do colonialismo e da guerra colonial como momentos altos de continuidade histórica com o passado das descobertas e da “expansão” portuguesa, a desculpabilização do salazarismo como fautor de uma “guerra de defesa de pátria”, a glorificação indisfarçada do “império”, tudo foram temas exaltantemente recorrentes da passagem da extrema-direita pelo poder, com o apoio activo, saliente-se, dos comandos das Forças Armadas, que sempre se associaram activamente a este tipo de discurso e às suas manifestações conexas (Rosas, Público, 27 Abril 2005). Apesar de colocar questões pertinentes para o debate sobre a história e me- mória do colonialismo português, e particularmente do Estado Novo, é de notar como Rosas (com um percurso político importante na esquerda) apresenta um enquadramento do debate como estando vinculado a forças políticas da direita 36 ADICIONAR SEM AGITAR: NARRATIVAS SOBRE AS LUTAS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL AFRICANAS EM PORTUGAL NOS 40 ANOS DAS INDEPENDÊNCIA do espectro político-partidário – obstando a uma leitura que evidencie as com- plexidades das lutas contra o Estado Novo, e designadamente a importância de raça como factor de mobilização política, tanto nessa altura como na actualidade. Como denunciava Amílcar Cabral, no seu “apelo aos portugueses”, em 1970: 107 Aos ambientes cultos de Portugal, especialmente aos democratas progressistas, incumbe a tarefa de ajudar o povo português a destruir os vestígios virulentos da ideologia esclavagista e colonialista, os quais determinam duma maneira geral o seu comportamento negativo perante as justas lutas dos povos africanos. Por isso mes- mo, os meios intelectuais deveriam também vencer a sua mentalidade imperial, feita de preconceitos e desdém sem fundamento pelo valor e capacidade reais dos povos africanos. Os democratas portugueses serão efectivamente incapazes de compreen- der as justas reivindicações dos nossos povos enquanto não estiverem convencidos de que a tese da “imaturidade para a autodeterminação” é falsa, e enquanto não se convencerem de que a opressão nunca foi nem será uma escola de virtudes e aptidões (Cabral, 1974[1970]: 47). Significativamente, o debate actual continua mais centrado nas “questões metropolitanas” – sobre se e como se devem lembrar os soldados portugueses [brancos] “mobilizados injustamente” para a “guerra colonial”, isto é, as vítimas de uma “guerra sem heróis” (Rosas, Público, 27 Abril 2005) – do que na pro- blematização da abordagem oficial para a memorialização do colonialismo e do anti-colonialismo (tanto em governos social-democratas como socialistas). Como procuro mostrar neste artigo, estas iniciativas continuam a consagrar a centrali- dade dos esforços “europeus” através de fórmulas narrativas (Trouillot, 1995) e argumentos prescritivos (Wynter, 1992) eurocêntricos, permeados por raça. Tal resulta no desconhecimento geral da população portuguesa sobre o pensamento e a actividade política de figuras-chave das lutas contra o colonialismo português e pela libertação nacional em África, como Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Samora Machel, entre outros. É de notar que, na altura em que se comemoraram os 40 anos das independências, foi mesmo identificado um retrocesso no período contemporâneo face às narrativas das lutas de meados dos anos 70, tanto em Portugal, como em Cabo Verde.108 Este artigo propõe então questionar a forma como se narra esta história nos manuais escolares do 3º Ciclo do Ensino Básico (12-15 anos) em Portugal – 107. Em linha com outros intelectuais da época, como Aimé Césaire (1956) e Frantz Fanon (1968[1961]), que defendiam a autonomia das lutas anti-coloniais. 108. A este respeito, ver a peça jornalística com entrevistas a Corsino Tolentino e Iva Cabral, 3 de Julho de 2015, em: http://www.independenciaslusa.info/ensino-da-historia-recente-nas-escolas-limita-se-quase- -as-datas/ (consultado: 26 Outubro 2015). 37 MARTA ARAÚJO muitos dos quais são utilizados nas escolas cabo-verdianas atuais – legitimando certos silêncios e ausências. Toma como premissa que a ignorância é produzida ativamente, através da articulação entre raça, poder e conhecimento (Henriques, 1998[1984]; Lesko e Bloom, 1998; Quijano, 2000). Nesse sentido, proponho uma análise das evasões e banalizações que considera as suas consequências em termos do entendimento destas lutas políticas, do (anti-)colonialismo e dos ima- ginários nacionais contemporâneos. Em particular, a análise das narrativas so- bre os movimentos de libertação atenta mais de perto ao PAIGC e à figura de Amílcar Cabral, em 40 manuais escolares de história publicados desde o fim do Estado Novo em 1974 em Portugal pelas cinco editoras com maiores vendas. As narrativas sobre a história são permeadas por lutas pelo poder; porém, a sua análise requer não somente um estudo dos recursos pedagógicos usados na disseminação do conhecimento, mas também da própria produção do conhecimen- to. Como argumentou Michel-Rolph Trouillot em Silencing the Past: Power and The Production of History – uma fascinante análise sobre como a Revolução do Haiti (1791-1804) se tornou num evento silenciado e, assim, impensável na história e historiografia ocidentais: O poder não entra na história de forma definitiva, mas em momentos diferentes e a partir de ângulos diferentes. Precede a própria narrativa, contribui para a sua cria- ção e para a sua interpretação. Assim, continua a ser pertinente mesmo se pudermos imaginar uma história totalmente científica, mesmo se relegarmos as preferências e interesses dos historiadores para uma fase separada, pós-descritiva. Na história, o poder começa na fonte. (Trouillot, 1995: 28-29). Ao examinar os diferentes momentos que contribuem para a produção sele- tiva de silêncios (a criação de fontes, a produção de arquivos, o trabalho do nar- rador e processos de canonização), Trouillot chama-nos a atenção para o debate poder/conhecimento como resultando de mais do que a interferência da ideologia dos historiadores na produção de conhecimento. Fulcral para o autor, e para a análise que se segue, é a forma como as narrativas historiográficas dominantes se inserem em ciclos de silêncios mais extensos e bem-estabelecidos (Trouillot, 1995: 26). É nesse sentido que os manuais escolares de história são aqui abor- dados como textos políticos e raciais (Pinar, 1993) capazes de oferecer uma lei- tura dos debates mais amplos e de questionar como se produzem esquecimentos e encobrimentos a partir de processos de selectividade e electividade. À luz de uma abordagem descolonial, sigo o desafio de Gurminder K. Bhambra sobre a urgência de uma sociologia das conexões (Bhambra, 2014) que, efectivamente, 38 ADICIONAR SEM AGITAR: NARRATIVAS SOBRE AS LUTAS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL AFRICANAS EM PORTUGAL NOS 40 ANOS DAS INDEPENDÊNCIA não aponte apenas as limitações do pensamento eurocêntrico, mas para além de incluir outros contributos no cânone oficial consiga transformar as narrativas hegemónicas existentes, questionando as suas categorias analíticas e fórmulas interpretativas e assim vislumbre outras possibilidades narrativas. 1. Não entra o Samora Machel para sair o Luís de Camões! Debates sobre Educação, História e a “Viragem para a Europa” Com o fim do Estado Novo e com os processos de democratização e desco- lonização formal que lhe seguiram, esperava-se que houvesse uma maior aber- tura à multiplicidade de perspetivas sobre a história, a refletir-se nos curricula e manuais escolares. De facto, imediatamente após o 25 de Abril decorreu um período de intenso debate político em Portugal: no Período Revolucionário Em Cur- so (PREC, 1974-1975), e pela mão do historiador e então Ministro da Educação Vitorino Magalhães Godinho, abandonaram-se as “figuras míticas” e “peque- nas histórias” da nação de Salazar. A nova abordagem estruturalista, influen- ciada pela corrente marxista-leninista e pela École des Annales, incidia agora sobre processos económicos e sociais amplos (Torgal, 1989; Henriques, 2001). Foram propostas mudanças profundas à educação com vista à formação de uma sociedade com “novos valores”:109 a democracia proletária, relações sociais de igualdade, solidariedade social e a luta de classe internacional, num contexto de democratização do acesso à educação para as classes trabalhadoras (Stoer, 1986: 181). Apesar de ter sido um contexto de maior abertura ao ensino da História de África, os “novos valores” da sociedade portuguesa não eram consensuais e foram considerados anti-nacionais, isto é, a imposição de um “modelo estran- geiro” de socialismo (Grácio, 1981: 45) no contexto de descolonização formal, que poderia abrir caminho, nas palavras do antigo Ministro do Ultramar Adria- no Moreira, à “africanização do povo português” (apud Stoer, 1986: 182). Os manuais escolares foram cruciais nestes debates, como ilustrado pelas reações 109. Enquanto isso, em contextos como a Guiné-Bissau, o PAIGC estava a construir a sua pró- pria “nova sociedade”, institucionalizando as iniciativas de educação desenvolvidas desde a década de 60 nas zonas libertadas. 39
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