UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM EDUCAÇÃO, ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA AS PORTAS DA MÚSICA: relações com o saber a partir das músicas de alunos de 8º e 9º anos do Ensino Fundamental II CARLOS EDUARDO AMARAL BARBOSA São Paulo 2014 2 UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM EDUCAÇÃO, ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA AS PORTAS DA MÚSICA: relações com o saber a partir das músicas de alunos de 8º e 9º anos do Ensino Fundamental II CARLOS EDUARDO AMARAL BARBOSA Dissertação de Mestrado submetida como requisito parcial para a obtenção de título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Orientadora: Profª Drª Ingrid Hötte Ambrogi São Paulo 2014 3 B196p Barbosa, Carlos Eduardo Amaral. As portas da música : relações com o saber a partir de músicas de alunos de 8º e 9º anos do Ensino Fundamental II / Carlos Eduardo Amaral Barbosa. – 2014. 115 f. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014. Referências bibliográficas: f. 97-101. 1. Educação mediadora. 2. Educação musical escolar. 3. Música. 4. Ensino Fundamental II. 5. Adolescentes e música. I. Título. CDD 780.7 4 Aos professores Andrea T. Tammaro Costa e Nivaldo Canova, amigos- parceiros na construção de um mundo melhor, que muito me inspiraram e me apoiaram em minha trajetória docente, compartilhando as maravilhas e os intensos desafios de uma educação criativa, inovadora e libertária. 5 AGRADECIMENTOS Aos meus pais, tios e primos, pelo apoio espiritual. Aos meus sogros, Luis Augusto e Renata, pelo apoio material. À minha esposa Carla e ao meu filho Jorge, pelo apoio incondicional. Ao professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), David Barbosa Oliveira, amigo de longos tempos, por toda a ajuda concedida durante a escrita deste trabalho. À minha orientadora Ingrid Hötte Ambrogi, pelo carinho e atenção incomensuráveis. Aos funcionários e professores do Colégio Giordano Bruno, pela história que construímos juntos. Aos meus alunos, em especial àqueles que participaram desta pesquisa, pela oportunidade que me proporcionaram de aprender mais sobre Educação Musical, sobre o mundo e sobre mim mesmo. 6 RESUMO A presente pesquisa consiste em um estudo de caso sobre a prática do ensino de música com alunos de 8º e 9º anos do Ensino Fundamental II, a partir de músicas de seus respectivos cotidianos, em uma escola particular da cidade de São Paulo, revelando uma proposta embasada em um projeto denominado Portas da Música. Os objetivos específicos consistem em analisar as contribuições da Música enquanto prática pedagógica para a formação geral do indivíduo em ambiente escolar, e também em refletir sobre o papel docente e seus objetivos de ensino, enquanto mediador da aprendizagem e da construção do saber. Os fundamentos teóricos buscaram autores como Paulo Freire, Antônio Severino, Arminda Aberastury, Michael Young, Keith Swanwick, Teca Alencar de Brito, Sérgio Figueiredo, Maura Penna e Maria de Lourdes Sekeff, entre outros, assim como, para analisar o material escrito produzido pelos alunos no decorrer do ano letivo, utilizamos a “teoria da relação com o saber”, de Bernard Charlot, que diz respeito às relações epistêmicas, sociais e de identidade. Concluímos que, das relações estabelecidas pelos alunos com o saber e o aprender a partir de canções de seus cotidianos, construiu-se saberes de naturezas disciplinar, musical, que ampliaram as possibilidades de interação com o saber humano Música; e não disciplinares, de caráter filosófico-epistêmico-existencial, que possibilitaram aos educandos novas visões de mundo e de si mesmos, contribuindo direta e dignamente para o processo de humanização de cada indivíduo, para a realização digna do ser cultural sobre o ser puramente biológico, fim último da educação mediadora. Palavras chave: educação mediadora; educação musical escolar; música e ensino fundamental II; adolescentes e música; música como objeto-saber. 7 ABSTRACT This dissertation is a case study about the practice of music teaching with students of 8th and 9th years of Brazilian Ensino Fundamental II (the final years of Elementary Education), with songs from their own everyday life, at a private school in São Paulo, revealing an approach based in a project named Portas da Música (Doors to Music). Its specific purposes were to analyze contributions of Music as pedagogical practice to the general education of individuals in school environment, and also to debate the teacher’s role and teaching objectives, regarding the teacher as a mediator for learning and knowledge building. The theoretical foundation comprises authors such as Paulo Freire, Antônio Severino, Arminda Aberastury, Michael Young, Keith Swanwick, Teca Alencar de Brito, Sérgio Figueiredo, Maura Penna e Maria de Lourdes Sekeff, among others. For the specific purpose of the analysis of the written production by students throughout the year, we used Bernard Charlot’s “Theory of Relation to Knowledge”, with its approach to identity, social and epistemic relations. We concluded that the relations the students established with knowledge and learning through songs from their own everyday life have enabled not only the construction of disciplinary, musical knowledge which, in its turn, expanded the possibilities of interaction with human knowledge, but also non-disciplinary philosophical-epistemic- existential knowledge, which granted the students with new world views and self-images, contributing directly and with dignity to the process of individual humanization, for the realization of the cultural being over the purely biological being, ultimate purpose of mediatory education. Key-words: Mediatory education; school musical education; music and Brazilian Ensino Fundamental II; teenagers and music; music of knowledge object. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10 CAPÍTULO I – EDUCAÇÃO E O ENSINO DE MÚSICA ............................................... 15 1.1 A Escola como mediadora do processo de humanização e do conhecimento poderoso ................... 15 1.2 A ideia de Música para a Educação mediadora ....................................................................................................... 19 1.3 O fazer musical no contexto escolar: Música, C(L)A(S)P e os PCNs ............................................................... 24 1.4 A questão da docência: o renascimento da Música nas escolas e a qualificação do educador musical no Brasil ................................................................................................................................................................................ 30 CAPÍTULO II – ABREM-SE AS PORTAS DA MÚSICA ................................................ 37 2.1 Uma proposta sistematizada de construção de conhecimento (musical) poderoso .......................... 41 2.1.1 A construção coletiva do percurso de aprendizagem e o blogue como ferramenta de apoio ...... 43 2.1.2 Desenvolvimento: o passo a passo de uma interação entre alunos, professor e realidade ........... 45 2.1.2.1 Etapa I -‐ Escolha do grupo/músico e construção do texto (fevereiro e março de 2013). .... 46 2.1.2.2 Etapa II – Indústria cultural, mercado fonográfico e sociedade (abril e maio de 2013) ....... 49 2.1.2.3 Etapa III – Montagem de repertório musical e apresentação na Mostra Cultural (agosto, setembro e outubro de 2013) ........................................................................................................................................ 53 CAPÍTULO III – AS RELAÇÕES COM O SABER E COM O APRENDER ................ 60 3.1 Da relação com o saber: conceitos e definições ........................................................................................................ 61 3.2 As relações com as músicas e com a Música enquanto objetos saber ......................................................... 69 3.3 O saber e as figuras do aprender ...................................................................................................................................... 76 3.3.1 A relação epistêmica com o saber ........................................................................................................................... 78 3.3.2 A relação de identidade com o saber ..................................................................................................................... 80 3.3.3 Da relação social com o saber ................................................................................................................................... 86 CAPÍTULO IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES .................................. 90 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 97 ANEXO A .............................................................................................................................. 102 Dados brutos dos questionários: “O que aprendeu?” ....................................................... 102 ANEXO B .............................................................................................................................. 105 Dados brutos dos questionários: “De que forma esse conhecimento interfere em você?” ............................................................................................................................... 105 ANEXO C .............................................................................................................................. 108 Dados brutos dos questionários Comentários sobre a relação com o saber/conhecimento .............................................................................................................. 108 ANEXO D .............................................................................................................................. 112 Entrevista com a professora Dra. Márcia Tosta Dias ao Prof. Carlos Amaral em 11/03/2013 .............................................................................................................................. 112 9 ANEXO E .............................................................................................................................. 114 Entrevista com o músico Marcelo Vogelaar (Banda Holger) concedida a este trabalho em 22/03/2014 ........................................................................................................................ 114 10 INTRODUÇÃO Que tipo de música devemos ensinar na escola? O que o aluno deve aprender nas aulas de Música? Muitos são os autores que dedicam seus trabalhos na investigação dessas questões e, como músico, compositor, arranjador e educador musical, mobilizei-me a buscar respostas além dos limites musicais, pesquisando em áreas como a sociologia, a psicologia, a filosofia, a política, até mesmo a economia e, obviamente, a educação. Tal questionamento se dá devido aos diversos “valores” atribuídos à Música, à maneira como cada aluno (e sua família) vê e se relaciona com essa forma de expressão humana que se vale do som como matéria-prima, grafada por mim propositalmente com letra maiúscula, representando o saber existente nesse legado da humanidade, de caráter artístico- cultural, fruto da inventividade e da razão, em que estão incorporados outros muitos saberes humanos (histórias, aspectos culturais, estética, ética, aspectos artísticos, relações sociais, econômicas e políticas, etc.)1. Na prática educacional, chocam-se valores docentes e discentes, chocam-se valores dos alunos entre si... Mas a complexidade ainda é maior, porque, assim como existem embates, encontramos no cotidiano escolar valores que se harmonizam e se afinam; há visões da Música como elemento importante para a formação humana e, concomitantemente, há outros pontos de vista que discordam completamente dessa perspectiva. Nesses 18 anos dedicados à docência musical, observei que os alunos, por meio das músicas, podiam ou não se relacionar com a Música. A maneira como os jovens se relacionavam com as peças musicais dos mais variados estilos e gêneros, seja no fazer, no apreciar, no compor ou no estudar sobre, parecia ter relação direta com a construção dos aprendizados durante a interação com as músicas, no que diz respeito ao aspectos quantitativos e qualitativo dos saberes construídos em tal relação. Dependendo do grau e da qualidade em que as relações com as músicas foram estabelecidas, os alunos podiam ou não chegar à Música. Como ampliar as possibilidades dos alunos de estabelecerem conexões com as músicas de modo a chegar à Música, ultrapassando a relação primária de puro 1 Aspectos estes, abordados em estudos de História da Música cujo foco não se encontra apenas na evolução estética do som enquanto fazer artístico, mas que se vale desses aspectos para uma compreensão das relações humanas como é o caso, por exemplo, da obra O Som e o Sentido de José Miguel Wisnik.
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