Carlos Castaneda A ARTE DO SONHAR Tradução de ALVES CALADO 2ª EDIÇÃO Castaneda, Carlos, 1925- C341a A arte do sonhar / Carlos Castaneda; tradução de Alves Calado. — 2ª ed. — Rio de Janeiro : Record, 1994. (Nova Era) Tradução de: The art of dreaming 1. Juan, Dom, 1891-1975. 2. Índios Yaqui — Religião e mitologia. 3. Sonhos. 4. Magia. 5. Feitiçaria. I. Título. CDD — 299.792 93-1173 CDU — 299.77 Título original norte-americano THE ART OF DREAMING Agradecemos a permissão para reproduzir o seguinte material: “I Have Longed to Move Away”, de Dylan Thomas, extraído de Paems of Dylan Thomas. Copyright © 1939 by New Directions Publishing Corp. Reprodução autorizada por New Directions Publishing Corp. Ilustração de capa ISABELA HARTZ Copyright © 1993 by Carlos Castaneda Publicado mediante acordo com Harper Collins Publishers, Inc. Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina 171 — 20921-380 Rio de Janeiro, RJ — Tel.: 585-2000 que se reserva a propriedade literária desta tradução Impresso no Brasil ISBN 85-01-04109-2 PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052 — Rio de Janeiro, RJ — 20922-970 hhttttpp::////ggrroouuppss..ggooooggllee..ccoomm//ggrroouupp//ddiiggiittaallssoouurrccee CC CC OONNTTRRAA AAPPAA A ARTE DO SONHAR Depois de seis anos de silêncio, Carlos Castaneda retorna com um livro fascinante que revela o mistério mundo dos espíritos na dimensão do sonhar. “Somos incrivelmente afortunados por termos os livros de Carlos Castaneda... formam uma obra que se situa entre as melhores já produzidas pela ciência e pela antropologia...” NEW YORK TIMES “Castaneda se tornou um dos padrinhos da Nova Era... Ele revela as principais questões do nosso tempo.” LOS ANGELES TIMES “Castaneda nos obriga a acreditar que Dom Juan é uma das mais extraordinárias figuras da literatura antropológica, um sábio neolítico.” LIFE “E impossível ver o mundo da mesma maneira após lê-lo... Se Castaneda está certo, existe outro mundo, um mundo às vezes lindo e às vezes assustador.” CHICAGO TRIBUNE Sumário Nota do Autor 1. Feiticeiros da Antigüidade: Uma Introdução 2. O Primeiro Portão do Sonhar 3. O Segundo Portão do Sonhar 4. Fixando o Ponto de Aglutinação 5. O Mundo dos Seres Inorgânicos 6. O Mundo das Sombras 7. O Batedor Azul 8. O Terceiro Portão do Sonhar 9. A Nova Área de Exploração 10. Espreitando os Espreitadores 11. O Inquilino 12. A Mulher na Igreja 13. Voando nas Asas do Intento Nota do Autor Nos últimos vinte anos escrevi uma série de livros sobre meu aprendizado com o feiticeiro mexicano Dom Juan Matus, um índio yaqui. Contei nesses livros que ele me ensinou feitiçaria, mas não feitiçaria como a entendemos a partir do contexto de nosso mundo cotidiano: usar poderes sobrenaturais sobre os outros, ou atrair espíritos através de encantamentos, rituais ou feitiços visando a produzir efeitos sobrenaturais. Para Dom Juan, feitiçaria era o ato de incorporar alguns princípios especializados, teóricos e práticos, sobre a natureza e o papel que a percepção representa em moldar o universo ao nosso redor. Seguindo a sugestão de Dom Juan evitei usar uma categoria própria da antropologia, o xamanismo, para classificar esse conhecimento. Durante todo o tempo usei o mesmo termo que ele empregava: feitiçaria. Pensando bem, entretanto, percebi que chamá- lo de feitiçaria obscurece ainda mais o fenômeno já obscuro que ele me apresentou em seus ensinamentos. Em obras de antropologia, o xamanismo é descrito como um sistema de crenças de alguns povos nativos do norte da Ásia — predominando também entre certas tribos de índios da América do Norte — que afirma a existência de um mundo invisível de antigas forças espirituais, boas e más, ao nosso redor; forças espirituais que podem ser invocadas ou controladas através de atos dos praticantes, que são os intermediários entre os reinos natural e sobrenatural. Dom Juan era de fato um intermediário entre o mundo natural da vida cotidiana e um mundo invisível, que ele não chamava de sobrenatural, e sim de segunda atenção. Seu papel como professor era tornar acessível a mim essa configuração que os feiticeiros chamam de segunda atenção. Em meus trabalhos anteriores descrevi seus métodos de ensino com relação a ela, bem como as artes de feitiçaria que ele me fez praticar. A mais importante chamava-se a arte do sonhar. Dom Juan afirmava que nosso mundo, que acreditamos ser único e absoluto, é apenas um em meio a um conjunto de mundos consecutivos, arrumados como as camadas de uma cebola. Dizia que, apesar de sermos energeticamente condicionados a perceber apenas nosso mundo, ainda temos a capacidade de entrar nessas outras regiões — que são tão reais, únicas, absolutas e envolventes como o nosso mundo. Dom Juan explicou que, para percebermos essas outras regiões, precisamos não apenas desejá-las. Precisamos de energia suficiente para agarrá-las. Ele dizia que sua existência é constante e independe de nosso conhecimento, mas sua inacessibilidade é totalmente conseqüência de nosso condicionamento energético. Em outras palavras: apenas por causa de nosso condicionamento somos compelidos a presumir que o mundo de nossa vida cotidiana é o único mundo possível. Acreditando que somente nosso condicionamento energético nos impede de entrar nessas outras regiões, Dom Juan afirmava que os feiticeiros da antigüidade desenvolveram um conjunto de práticas destinadas a recondicionar nossas capacidades energéticas de perceber. Chamavam esse conjunto de práticas de a arte do sonhar. Com a perspectiva proporcionada pelo tempo, percebo agora que a afirmação mais adequada que Dom Juan fez sobre o sonho foi chamá-lo de “portão para o infinito”. Observei, no momento em que ele disse, que a metáfora não tinha qualquer significado para mim. — Então vamos deixar as metáforas de lado — ele admitiu. — Digamos que sonhar é o meio prático dos feiticeiros utilizarem os sonhos comuns. — Mas como os sonhos comuns podem ser utilizados? — perguntei. — As palavras estão sempre pregando peças — disse ele. — No meu caso, meu professor tentou descrever o que era o sonhar dizendo que era o modo dos feiticeiros dizerem boa-noite ao mundo. É claro que ele estava amoldando sua descrição para que ela se adaptasse mentalmente a mim. Estou fazendo o mesmo com você. Em outra ocasião Dom Juan me disse: — Sonhar só pode ser experimentado. Sonhar não é apenas ter sonhos; nem devaneios ou desejos ou imaginação. Sonhando podemos perceber outros mundos, que certamente podemos descrever; mas não podemos descrever o que nos faz percebê-los. No entanto podemos sentir de que modo o sonhar abre essas outras regiões. Sonhar parece uma sensação; um processo em nossos corpos, uma percepção em nossas mentes. No decorrer de seus ensinamentos gerais, Dom Juan me explicou por completo os princípios, os fundamentos e as práticas da arte do sonhar. Sua instrução foi dividida em duas partes. Uma era sobre os procedimentos de sonhar; a outra sobre as explicações puramente abstratas desses procedimentos. Seu método de ensino era uma interação entre estimular minha curiosidade intelectual com relação aos princípios abstratos de sonhar e guiar-me para que eu buscasse um escoadouro em suas práticas. Já descrevi tudo isso, com máximo de detalhes de que fui capaz. E também descrevi o ambiente dos feiticeiros, onde Dom Juan me colocou com o objetivo de me ensinar suas artes. Eu tinha um interesse especial pela interação nesse ambiente de feiticeiros, porque ela ocorria totalmente na segunda atenção. Ali eu interagia com as dez mulheres e os cinco homens que eram os companheiros de feitiçaria de Dom Juan; e com os quatro homens jovens e as quatro mulheres jovens que eram seus aprendizes. Dom Juan reuniu-os imediatamente depois de eu ter entrado em seu mundo. Deixou claro para mim que eles formavam um grupo tradicional de feiticeiros — uma réplica do grupo do qual ele fizera parte — e que eu deveria liderá-los. Entretanto, trabalhando comigo, Dom Juan percebeu que eu era diferente do que ele esperava. Explicou essa diferença em termos de uma configuração vista apenas pelos feiticeiros: em vez de ter quatro compartimentos de energia, como ele, eu possuía apenas três. Essa configuração, que ele equivocadamente esperava ser uma falha corrigível, tornava-me tão inadequado para liderar ou interagir com aqueles oito aprendizes que se tornou imperativo para Dom Juan reunir outro grupo de pessoas diferentes, mais de acordo com minha estrutura energética. Já escrevi muito sobre esses eventos. Entretanto nunca mencionei o segundo grupo de aprendizes; Dom Juan não me permitiu. Argumentava que eles estavam exclusivamente no meu campo, e que o acordo que eu tinha com ele era de escrever sobre o seu campo, e não sobre o meu. O segundo grupo de aprendizes era extremamente compacto. Tinha apenas três membros: uma sonhadora, Florinda Donner; uma espreitadora, Taisha Abelar; e uma mulher nagual, Carol Tiggs. Interagíamos apenas na segunda atenção. No mundo da vida cotidiana nem mesmo tínhamos uma vaga noção uns dos outros. No relacionamento com Dom Juan, entretanto, nada havia de vago; ele punha um enorme empenho em treinar igualmente todos nós. Mas como o tempo dele estava perto de acabar, a pressão psicológica de sua partida começou a desmoronar as fronteiras rígidas da segunda atenção. O resultado foi que nossa interação começou a escorregar para o mundo das questões cotidianas. E nos encontramos, parece, pela primeira vez. Nenhum de nós sabia conscientemente de nossa interação árdua e profunda na segunda atenção. Como todos estávamos envolvidos em estudos acadêmicos, terminamos mais do que chocados ao descobrir que já nos havíamos encontrado antes. Claro que, intelectualmente, isso era e ainda é inadmissível para nós; e ainda assim, sabíamos, estava dentro de nossa experiência. Ficamos portanto com o conhecimento inquietante de que a psique humana é infinitamente mais complexa do que nosso raciocínio mundano ou acadêmico nos levara a acreditar. Uma vez pedimos a Dom Juan, em uníssono, que esclarecesse nossa situação. Ele disse que tinha duas opções para explicar. Uma era remendar nossa racionalidade ferida, dizendo que a segunda atenção era um estado perceptivo tão ilusório quanto elefantes voando no céu, e que tudo que achávamos ter experimentado naquele estado era simplesmente produto de sugestões hipnóticas. A outra opção era explicá-la de acordo com a compreensão dos feiticeiros sonhadores: como uma configuração energética da consciência. Durante a realização de minhas tarefas de sonho, entretanto, a barreira da segunda atenção permanecia imutável. Todas as vezes em que eu entrava no sonho também entrava na segunda atenção, e acordar do sonho não significava necessariamente deixar a segunda atenção. Durante anos só podia recordar pequenos pedaços de minhas experiências nos sonhos. O cerne principal do que eu fazia não me estava disponível energeticamente. Demorei quinze anos de trabalho ininterrupto, de 1973 a 1988, até acumular energia bastante para reordenar tudo na minha mente. Então recordei seqüências e mais seqüências de acontecimentos sonhados, e pude preencher enfim alguns aparentes lapsos de memória. Desse modo capturei a continuidade intrínseca das lições de Dom Juan sobre a arte de sonhar; uma continuidade que eu havia perdido porque ele me fazia oscilar entre a consciência de nossa vida cotidiana e a consciência da segunda atenção. Este trabalho é o resultado desse reordenamento. Tudo isso me traz de volta ao final de minha declaração: o motivo de escrever este livro. Estando de posse da maioria das lições de Dom Juan sobre a arte de sonhar, gostaria de explicar, num trabalho futuro, a posição e o interesse atual de seus quatro últimos alunos: Florinda Donner, Taisha Abelar, Carol Tiggs e eu. Mas antes de descrever e explicar o resultado da liderança e da influência de
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