IMPORTANTE! Este material foi disponibilizado EXCLUSIVAMENTE para uso pessoal e não comercial. Caso seja utilizado parte dele cite a fonte com a sua devida referência. Veja outras publicações em: http://geografiaacademicadownload.blogspot.com.br/ Curta nossa página no Facebook para receber as atualizações https://www.facebook.com/geografiaacademica Siga-nos no Twitter https://twitter.com/GeoAcademica SSuummáárriioo A autora no Contesto ............................................................................ 9 1. A Urbanização Pré-Capitalista ........................................................... 11 2. A Urbanização Sob o Capitalismo ...................................................... 30 3. Industrialização e Urbanização .......................................................... 42 4. Urbanização e Capitalismo Monopolista ........................................... 61 Sugestões de Leitura ............................................................................. 76 O Leitor no Contexto ............................................................................. 78 AA AAUUTTOORRAA NNOO CCOONNTTEEXXTTOO Maria Encarnação Beltrão Sposito nasceu em São Paulo, formou-se em Geografia pela UNESP (Presidente Prudente), concluiu doutorado na USP e pós-doutorado na Sorbonne. Trabalhou como professora de 1º e 2º graus em escolas de periferia de São Paulo, experiência que lhe valeu muito amadurecimento. Casada e mãe de Caio e Ítalo, arrola como fontes de lazer fuçar histórias de família e fotografias antigas, receber muitas visitas e cozinhar. É fã de Caetano Veloso e leitora apaixonada de Fernando Pessoa. A seguir, Maria Encarnação responde a três perguntas: 1. Qual a importância do estudo histórico das cidades para a Geografia? R. Parece-me fundamental recuperar a História não apenas para a reflexão sobre o urbano, mas para se fazer uma Geografia para além da paisagem, para além do que os nossos sentidos podem perceber. O corte no tempo, sem a recuperação histórica, conduz ao estudo de um espaço estático, de uma cidade apenas formal. É preciso considerar todas as determinantes econômicas, sociais, políticas e culturais, que no correr do tempo, constroem, transformam e reconstroem a cidade, se queremos entendê-la na dinâmica de um espaço que está em constante estruturação, respondendo e ao mesmo tempo dando sustentação às transformações engendradas pelo fluir das relações sociais. 2. Qual o significado da industrialização para a urbanização? R. A industrialização dá o "tom" da urbanização contemporânea. Embora historicamente tenha resultado dos avanços técnicos necessários ao desenvolvimento do capitalismo, a industrialização marca predominantemente as relações entre a sociedade e a natureza e é a forma dominante de produção até mesmo nos países socialistas. A cidade é o território-suporte para a atividade industrial, por se constituir num espaço de concentração e por reunir as condições necessárias a esta forma de produção. Contudo, o desenvolvimento da urbanização não é apenas condição para o desenvolvimento industrial, mas também este mudou o caráter da cidade, ao lhe dar, de forma definitiva, um traço produtivo e transformá-la no "centro" de gestão e controle da economia capitalista, subordinando até mesmo a produção agrícola que se dá no campo. 3. Qual a relação entre o crescimento das cidades dos países subdesenvolvidos com a industrialização? R. Há relação entre estes dois processos, embora não haja correspondência em seus ritmos e não se possa dizer que o primeiro decorra do segundo. De fato, os países ditos subdesenvolvidos passam, ainda que em níveis diferentes, por processos de industrialização, que dão sustentação ao próprio desenvolvimento do capitalismo monopolista. O que não se pode afirmar é que esta industrialização responda pelos ritmos acentuados de urbanização dos países "subdesenvolvidos", sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial. A nossa urbanização resulta das formas tomadas pelo desenvolvimento do capitalismo, que se traduz na articulação das relações econômicas, sociais e políticas existentes entre os países "desenvolvidos" e "subdesenvolvidos". Poderíamos dizer, em outras palavras, que a nossa urbanização resulta do processo de transnacionalização da indústria ocidental (a do "centro"), abarcando os espaços periféricos e desorganizando e/ou se apropriando das formas de produção tradicionais destes países. 11 AA UURRBBAANNIIZZAACCÃÃOO PPRRÉÉ--CCAAPPIITTAALLIISSTTAA A urbanização como processo, e a cidade, forma concretizada deste processo, marcam tão profundamente a civilização contemporânea, que é muitas vezes difícil pensar que em algum período da História as cidades não existiram, ou tiveram um papel insignificante. Entender a cidade de hoje, apreender quais processos dão conformação à complexidade de sua organização e explicam a extensão da urbanização neste século, exige uma volta às suas origens e a tentativa de reconstruir, ainda que de forma sintética, a sua trajetória. Dessa forma, entendemos que o espaço é história e nesta perspectiva, a cidade de hoje, é o resultado cumulativo de todas as outras cidades de antes, transformadas, destruídas, reconstruídas, enfim produzidas pelas transformações sociais ocorridas através dos tempos, engendradas pelas relações que promovem estas transformações. Lewis Mumford em seu livro A cidade na História chama atenção para esta necessidade de se voltar ao passado, ao ressaltar o seguinte: "Se quisermos identificar a cidade, devemos seguir a trilha para trás, partindo das mais completas estruturas e funções urbanas conhecidas, para os seus componentes originários, por mais remotos que se apresentem no tempo, no espaço e na cultura..." Se as cidades nem sempre tiveram o tamanho e a importância que têm hoje, se os primeiros aglomerados humanos nem sequer podem ser considerados urbanos, e se em algum período da História os homens nem sequer viviam aglomerados ou tinham moradia fixa, como terão surgido as cidades? [pág. 11] AANNTTEESS DDAASS CCIIDDAADDEESS...... O período paleolítico é marcado pela não fixação do homem, pelo nomadismo enfim. Contudo, as suas primeiras manifestações de interesse em se relacionar com algum lugar são deste período, e podemos reconhecê-las por dois fatos. Primeiro, pela respeitosa atenção que o homem paleolítico dispensava a seus mortos, preocupando-se com que eles tivessem um lugar, uma "moradia", apesar do caráter itinerante e inquieto dos vivos. Mumford chama atenção para este aspecto, ao dizer que: "… os mortos foram os primeiros a ter uma moradia permanente: uma caverna, uma cova assinalada por um monte de pedras, um túmulo coletivo. (...) A cidade dos mortos antecede a cidade dos vivos". É este mesmo autor quem aponta o segundo fato: a relação do homem paleolítico com a caverna, embora não se constituísse uma moradia fixa para ele, era um abrigo e tinha um significado muito grande. Era o lugar de segurança, para onde ia quando estava com fome, para o acasalamento, ou para a guarda de seus instrumentos. Mais do que isso, a caverna foi o primeiro lugar onde praticavam seus rituais e suas artes, impulsos estes que depois também serão motivo de fixação nas cidades. A partir destes fatos, podemos entender que já durante o paleolítico a primeira "semente" para o surgimento das cidades havia sido lançada, pois os homens, embora não tivessem ainda moradia fixa, já se relacionavam com um lugar, um ponto do espaço que era ao mesmo tempo de encontro e de prática cerimonial. Se a "semente" fora lançada durante o paleolítico, é efetivamente no período seguinte, mesolítico, que se realiza a primeira condição necessária para o surgimento das cidades: a existência de um melhor suprimento de alimentos através da domesticação dos animais, e da prática de se reproduzirem os vegetais comestíveis por meio de mudas. Isto se deu há cerca de 15 mil anos e todo esse processo foi muito lento, porque somente três ou quatro mil anos mais tarde essas práticas se sistematizaram, através do plantio e da domesticação de outras plantas com sementes, e da criação de animais em rebanhos. Segundo Mumford essa revolução agrícola não poderia ter ocorrido sem a domesticação do próprio homem, que passou a ter que se ocupar permanentemente de uma área, e acompanhar todo o ciclo de desenvolvimento natural de animais e produtos agrícolas. Um aspecto muito interessante foi o das mudanças culturais que precederam e [pág. 12] acompanharam o início do processo de fixação do homem ao lugar. Ele destaca: "Aquilo a que chamamos revolução agrícola foi, muito possivelmente, antecedido por uma revolução sexual, mudança que deu predomínio não ao macho caçador, ágil, de pés velozes, pronto a matar, impiedoso por necessidade vocacional, porém, à fêmea, mais passiva, presa aos filhos, reduzida nos seus movimentos ao ritmo de uma criança, guardando e alimentando toda sorte de rebentos, inclusive, ocasionalmente, pequenos mamíferos lactantes, se a mãe destes morria, plantando sementes e vigiando as mudas, talvez primeiro num rito de fertilidade, antes que o crescimento e multiplicação das sementes sugerisse uma nova possibilidade de se aumentar a safra de alimentos. (...) Com a grande ampliação dos suprimentos alimentares, que resultou da domesticação cumulativa de plantas e animais, ficou determinado o lugar central da mulher na nova economia. (...) A casa e a aldeia, e com o tempo a própria cidade, são obras da mulher". O neolítico foi, assim, marcado pela vida estável das aldeias, que se caracterizava por proporcionar condições melhores — se comparadas às da vida itinerante de antes —, para a fecundidade (a fixação permitiu mais tempo e energia para a sexualidade), a nutrição (a alimentação não dependia mais exclusivamente das atividades predatórias, mas estava garantida pela agricultura e criação) e a proteção (dando então segurança ao sustento e reprodução da vida).. Na sua configuração, a aldeia já possuía muitas das características que depois iriam marcar as cidades, pois não é o tamanho do aglomerado ou o número de casas que permite distinguir a cidade da aldeia. Estruturalmente, a aldeia tem um nível de complexidade ainda elementar, uma vez que nela não há quase divisão de trabalho, a não ser entre o trabalho feminino e masculino, ou determinado pelas possibilidades e limites da idade e da força. A aldeia é, apenas, um aglomerado de agricultores. Paul Singer em Economia Política da Urbanização destaca que: "Uma comunidade de agricultores, por mais densamente aglomerados que vivam seus habitantes e por maior que ela seja (de fato, ela não pode ser muito grande, devido ao caráter extensivo das atividades primárias) não pode ser considerada uma cidade". Queremos destacar, pois, que no neolítico já havia se realizado a primeira condição para o surgimento das cidades, qual seja a fixação do homem à terra através do desenvolvimento da agricultura e da criação de animais, mas faltava a concretização da segunda condição, que é uma organização social mais complexa. [pág. 13] PPAARRAA EEXXIISSTTIIRREEMM AASS CCIIDDAADDEESS...... Pelo que já tratamos até aqui, sabemos que a cidade é mais que o aglomerado humano que se formou historicamente num ponto do território, cuja razão de ser era o desenvolvimento da agricultura. Mas, sabemos também, que o sedentarismo e o próprio desenvolvimento da agricultura, traços da aldeia, são pré-condições indispensáveis, mas não suficientes, para as origens das cidades. O que mais foi necessário acontecer para que as cidades existissem? A aldeia, enquanto aglomerado humano, precede a cidade e não pode ser considerada como urbana, porque a sua existência está relacionada diretamente com o que se entende hoje como atividades primárias (agricultura e criação), atividades estas que pela sua própria natureza exigem territórios extensivos. Ora, se estamos identificando a aldeia, enquanto aglomerado, com as atividades do campo, estamos, por outro lado, contrapondo a cidade ao campo, admitindo a diferenciação urbano x rural. E também a necessidade de "acontecer" o urbano, para que esta diferenciação ecológica apareça. O que há por trás desta diferenciação? Embutida na origem da cidade há uma outra diferenciação, a social: ela exige uma complexidade de organização social só possível com a divisão do trabalho. Isto ocorreu da seguinte maneira: em primeiro lugar, o desenvolvimento na seleção de sementes e no cultivo agrícola foi, com o correr do tempo, permitindo que o agricultor produzisse mais que o necessário para sua manutenção. Começou a haver um excedente alimentar. Isto permitiu a alguns homens livrarem-se das atividades primárias que garantiam a subsistência, passando a se dedicar a outras atividades. A produção do excedente alimentar é, portanto, condição necessária — embora não seja a única — para que efetivamente se dê uma divisão social do trabalho, que por sua vez abre a possibilidade de se originarem cidades. Singer é quem levanta esta questão, e acrescenta uma segunda condição necessária para a constituição da cidade: "É preciso ainda que se criem instituições sociais, uma relação de dominação e de exploração enfim, que assegure a transferência do mais-produto do campo à cidade. Isto significa que a existência da cidade pressupõe uma participação diferenciada dos homens no processo de produção e de distribuição, ou seja, uma sociedade de classes. Pois, de outro modo, a transferência de mais produto não seria possível. Uma sociedade igualitária, em que todos participam do mesmo modo na produção e na [pág. 14] apropriação do produto, pode, na verdade, produzir um excedente, mas não haveria como fazer com que uma parte da sociedade apenas se dedicasse à sua produção, para que outra parte dele se apropriasse". Assim, podemos dizer que a diferenciação ecológica rural x urbano, nada mais é