Copyright © 1999, 2016 por Divulgadora Bueno & Bueno, S.S Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos editores. A primeira edição desta obra teve consultoria técnica de Ronaldo Vainfas, professor titular de História Moderna da UFF (Universidade Federal Fluminense). revisão: Cristhiane Ruiz e Luis Américo Costa projeto gráfico: Ana Adams diagramação: Raquel Alberti mapas: Adams Design capa: Ana Paula Daudt Brandão imagens de capa: ilustração: “Fundação de São Vicente”, quadro de Benedito Calixto. Acervo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro/ Salão Nobre do Palácio São Joaquim. Fundo: Triff/ Shutterstock. Papel: MaxyM/ Shutterstock adaptação para e- book: Marcelo Morais CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B941c Bueno, Eduardo, 1958— Capitães do Brasil [recurso eletrônico] / Eduardo Bueno. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2016. recurso digital (Brasilis; 3) Sequência de: Náufragos, traficantes e degredados Continua com: A coroa, a cruz e a espada Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia ISBN 978-85-5608-007-3 (recurso eletrônico) 1. Brasil - História - Capitanias hereditárias, 1534-1762. 2. Brasil - História - Período colonial, 1500-1822. 3. Livros eletrônicos. I. Título. II. Série. CDD: 981.032 CDU: 94(81).025 16- 32269 Todos os direitos reservados, no Brasil, por GMT Editores Ltda. Rua Voluntários da Pátria, 45 – Gr. 1.404 – Botafogo 22270-000 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 2538-4100 – Fax: (21) 2286-9244 E-mail: [email protected] www.sextante.com.br Nota do autor As palavras grafadas em itálico ao longo do texto remetem o leitor às informações contidas nos boxes laterais. OS NOVOS DONOS DO BRASIL E ra o prenúncio de tempos sombrios. No dia 15 de junho de 1532, uma frota portuguesa constituida por dez caravelas e outros navios partiu de Lisboa com destino a Roma. Sua missão era conduzir o bispo D. Martinho para a Itália, onde ele seria embaixador de Portugal junto à cúria romana. Em sua gestão, D. Martinho iria tratar da instalação da Inquisição em Portugal – um clamor do clero e da nobreza, que pressionava o rei D. João III. Circunstâncias inesperadas fariam com que aquela poderosa armada não só viesse a desempenhar um papel muito diferente daquele ao qual fora destinada como a vinculariam decisivamente aos destinos do Brasil. Na primeira semana de agosto, em meio à sua jornada para Roma, a frota ancorou em Málaga, porto espanhol no Mediterrâneo. Após se reabastecer, a esquadra se preparava para seguir viagem quando uma nau de bandeira francesa aportou no mesmo ancoradouro. Os portugueses desconfiaram que o navio estivesse chegando do Brasil, onde, há mais de duas décadas, os franceses se dedicavam ao rendoso tráfico de pau-brasil – uma atividade que os lusos consideravam ilegal e que, de fato, constituia um flagrante desrespeito ao Tratado de Tordesilhas. Em 1494, castelhanos e portugueses tinham dividido o mundo entre si. Alijados daquela partilha, os franceses não aceitavam a validade jurídica dos acordos firmados na pequena cidade de Tordesilhas. O principal alvo de seu assédio ao Novo Mundo era justamente o desguarnecido litoral do Brasil. Portanto, assim que viram a embarcação ancorar em Málaga, os portugueses armaram um estratagema para capturá-la. A nau se chamava A Peregrina e pertencia ao nobre francês Bertrand d’Ornesan, barão de Saint Blanchard – almirante que chefiava a esquadra francesa do Mediterrâneo. O comandante do navio era Jean Duperet, um comerciante de Lyon. Ao saber que a tripulação de A Peregrina precisava de víveres, o capitão da frota portuguesa, Antônio Correia (filho do navegador Aires Correia, que fora companheiro de Cabral no descobrimento do Brasil) forneceu-lhes trinta quintais (cerca de 1.800 quilos) de biscoitos salgados e se ofereceu para escoltar a nau até Marselha. Os franceses aceitaram ambas as propostas. No dia 15 de agosto, quando os navios estavam em alto-mar, nas alturas da costa da Andaluzia, na Espanha, Correia – sob o pretexto de estudar a melhor rota – chamou a seu navio os pilotos e mestres de todas as embarcações da frota, incluindo o capitão e os oficiais de A Peregrina. Ao chegarem a bordo da nau capitânia, os franceses foram imediatamente presos. Os portugueses, então, espantaram-se com o que viram nos porões de A Peregrina. O navio estava atulhado com 15 mil toras de pau-brasil, três mil peles de onça, 600 papagaios e 1,8 tonelada de algodão, além de óleos medicinais, pimenta, sementes de algodão e amostras minerais. Mas os lusos ficariam ainda mais perturbados ao descobrirem os feitos que a tripulação de A Peregrina havia realizado durante sua estada de quatro meses no Brasil. Com 18 canhões e 120 homens a bordo, entre marinheiros e soldados, A Peregrina havia partido de Marselha em dezembro de 1531. Em março do ano seguinte, a nau aportara diante de uma feitoria portuguesa instalada em Igaraçu, no litoral de Pernambuco, quase em frente à ilha de Itamaracá. Como aquele entreposto estava guarnecido por apenas seis soldados, os franceses não tiveram dificuldades para tomá-lo e instalar-se nele. Após fortificar a antiga feitoria com vários canhões, o capitão Duperet partiu do Brasil, em junho de 1532, deixando no forte 70 soldados, sob o comando de um certo senhor de La Motte. Embora essas notícias ainda não tivessem chegado à Europa, no exato instante em que A Peregrina era apreendida no Meditarrâneo, o capitão português Pero Lopes de Sousa já estava combatendo os franceses em Pernambuco e logo iria retomar a feitoria de Igaraçu, prender os soldados franceses e enforcar La Motte. A espetacular captura de A Peregrina foi a gota d’água nas relações entre Portugal e França no que concerne ao Brasil. Ao serem informados da missão que A Peregrina realizara em Pernambuco, o rei D. João III e seus assessores concluíram que todas as ações repressivas e os vários tratados que tinham firmado com os franceses não haviam sido suficientes para impedir o assédio dos traficantes de pau-brasil ao litoral brasileiro. Como todos os acordos e ameaças tinham redundado em fracasso, o rei e seus conselheiros perceberam que só lhes restava uma solução: colonizar o Brasil. Iria se iniciar o período das capitanias hereditárias. O Empório dos Escravos A divisão do Brasil em capitanias hereditárias O Castelo de São Jorge da Mina foi construído por 600 soldados, não seria apenas a primeira tentativa oficial de nos primeiros meses de 1482. Ali, colonização portuguesa na América. Aquela estava de início, os portugueses destinada a ser também a primeira vez que os trocavam tecidos, conchas e cavalos pelo ouro que vinha de europeus iriam se lançar no ousado projeto de Mali, no interior. Durante transplantar seu modelo civilizatório para as décadas, cerca de 400 quilos de vastidões continentais do Novo Mundo. ouro saíam todos os anos direto da fortaleza para Lisboa. Em Um século antes, os próprios portugueses já príncipios do século XVI, os lusos haviam transformado as ilhas do Atlântico (os começaram a obter o ouro em Açores e a Madeira) em protótipos de sua troca de escravos, trazidos de Benin e usados no próprio experiência colonial. A partir de 1470, o mesmo transporte do metal, do interior processo se repetiu nas ilhas de São Tomé, Príncipe da África até o litoral. Logo o e Fernando Pó, localizadas diante da costa da Guiné, tráfico de escravos se mostrou a atividade mais lucrativa dos lusos na África equatorial. na costa da Guiné e se estendeu Enquanto a experiência nas ilhas florescia, os por todo o litoral ocidental da lusos fundaram o Castelo de São Jorge da Mina, seu África. Os primeiros escravos negros trazidos para o Brasil primero grande estabelecimento colonial no vieram do Castelo da Mina. Um continente africano. A chamada “Casa da Mina”, dos governadores da fortaleza foi erguida em 1482, em Gana, nas proximidades da Duarte Pacheco Pereira, que alguns historiadores consideram atual cidade de Acra, logo se transformou em um o verdadeiro descobridor do poderoso entreposto comercial fortificado. A partir Brasil. do Castelo da Mina e da ilha de São Tomé os portugueses lançaram as bases de um rendoso tráfico escravagista que iria se prolongar por três séculos. Mas o clima insalubre jamais permitiu que os lusos se estabelecessem plenamente tanto na Mina quanto em São Tomé – pelo menos não como colonos. De fato, foi somente com a partilha do Brasil, feita entre março de 1534 e fevereiro de 1536, que a implantação do modelo português de colonização ultramarina se iniciou nos trópicos. Mais de trinta anos já se haviam passado desde que Pedro Álvares Cabral tomara oficialmente posse do Brasil em nome da Coroa lusa. Mas, até então, o vasto território localizado na margem ocidental do Atlântico estivera virtualmente abandonado, entregue quase que exclusivamente nas mãos de náufragos e degredados portugueses e espanhóis, e intensamente percorrido por traficantes franceses de pau-brasil. O modelo de colonização utilizado no Brasil já era bem conhecido pelos portugueses e fora testado anteriormente: não só nas ilhas do Atlântico, mas, quase dois séculos antes, no próprio território luso, especificamente no Alentejo e no Algarve, após essas regiões do sul de Portugal terem sido tomadas aos mouros durante a Reconquista cristã. Como aconteceu nos dois casos anteriores, o Brasil foi dividido em vastas áreas chamadas de “donatarias”, ou “capitanias hereditárias”. Na América, esses lotes eram enormes: tinham cerca de 350 quilômetros de largura cada, prolongando-se, em extensão, até a linha estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, em algum lugar no interior ainda desconhecido do continente. As capitanias brasileiras possuiam, dessa forma, dimensões similares ou mesmo superiores às das maiores nações europeias. Ao contrário do que ocorrera no reino e nas ilhas do Atlântico, dessa vez não houve interesse da alta nobreza lusitana em se associar ao projeto. No Brasil, não foram infantes, duques ou condes que receberam as imensas e selvagens extensões que deveriam ser colonizadas com recursos próprios. Os quinze lotes, perfazendo doze capitanias, acabaram nas mãos de membros da pequena nobreza: militares ligados à conquista da Índia e da África e altos burocratas da corte, até então vinculados à adminstração dos longínquos territórios do Oriente. Dos doze capitães-donatários agraciados com terras no Brasil, sete eram conquistadores que haviam lutado na Índia (e, em alguns casos, na África). Outros quatro, como os chamou o historiador norte-americano Alexander Marchand, eram “criaturas do rei”:1 funcionários graduados – tesoureiros ou fiscais – responsáveis pela administração dos negócios ultramarinos. A exceção era Pero de Góis, que não lutara na Índia nem na África mas que podia ser enquadrado no grupo dos militares, já que chegou ao Brasil em 1531 como um dos capitães da expedição de Martim Afonso de Sousa. Dos doze donatários, somente quatro já haviam estado no Brasil anteriormente e, ao todo, apenas oito iriam tomar contato pessoal com as terras que receberam. Isso significa dizer que quatro capitães-donatários jamais puseram os pés na colônia e sequer conheceram suas imensas propriedades. De qualquer forma, postos em prática pessoalmente ou a distância, os projetos de colonização resultaram, quase sem exceção, em retumbante fracasso. Os donatários que não pagaram por seus erros com a própria vida perderam (e jamais recuperaram) as fortunas que foram adquiridas no reino ou na Índia. Do rei, os donatários não recebiam mais do que a própria terra e os poderes para colonizá-las. Embora tais poderes fossem “majestáticos” – como definiu o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen –, a tarefa se revelaria demasiadamente pesada. Ninguém resumiria melhor as aflições dos donatários do que o mais bem-sucedido deles: em carta ao rei D. João III, enviada de Pernambuco em dezembro de 1546, Duarte Coelho escreveu: “Somos obrigados a conquistar por polegadas a terra que Vossa Alteza nos fez mercê por léguas.” Não é de se estranhar, portanto, que apenas duas das doze capitanias tenham florescido. Foram elas Pernambuco e São Vicente. São Vicente, porém, conseguiu se desenvolver sem a presença ou o estímulo de seu donatário, Martim Afonso de Sousa – mais interessado em fazer carreira na Índia. O crescimento dessa capitania foi fruto quase exclusivo da ação de homens que se viram abandonados no longínquo litoral sul do Brasil. Praticamente todos eles se transformaram em grandes traficantes de escravos indígenas, e foi dessa forma que não só obtiveram seu sustento como construíram suas fortunas. O fracasso do projeto como um todo não impediu que o legado das capitanias hereditárias fosse duradouro. A estrutura fundiária do futuro país, a expansão da grande lavoura canavieira, a estrutura social excludente, o tráfico de escravos em larga escala, o massacre dos indígenas: tudo isso se incorporou à história do Brasil após o desembarque dos donatários. Alguns dos grandes latifúndios brasileiros de As Sesmarias fato tiveram origem nas vastas sesmarias concedidas Chamavam-se sesmarias os lotes aos colonos de estirpe mais nobre. A monocultura da de terra virgem distribuídos pelos donatários a seus colonos. A cana de açúcar também se mantém em muitas áreas palavra, de origem latina, era usada desde a Idade Média para
Description: