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Cadernos de Literatura Brasileira - Clarice Lispector PDF

358 Pages·2004·15.41 MB·Portuguese
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C A D E R N O S D E LITERATURA B R A S I L E I R A Clarice Lispector INSTITUTO MORE IRA SALLE S M a dn au obscr raito –d qe uA e sh eo era n cd oa ne tramstrela sob,rom aa gn uc ae rdla an dç oad IM o S em – 1 d9 ife77 re, mp o eu mc o aa lgn untes sd tra ecm ho or ste d ad e v eC rsãolaric pe u; bo licso ar da.igin a is X 2 5 6 3- 1 4 1 N S S I C A D E R N O S D E LITERATURA B R A S I L E I R A CADERNOS DE LITERATURA B R A S I L E I R A Diretor Editorial Antonio Fernando De Franceschi Editor Executivo Rinaldo Gama Editora Assistente AnaWeiss Editora Contribuinte Francesca Angiolillo Ensaio Fotográfico Edu Simões Edição de Arte e Finalização Bei Comunicação Assistentes da Redação Acássia Correia da Silva Denise Pádua Circulação Edson Micael de Souza Santos Colaboraram nesta edição: Alberto Dines, Berta Waldman, Claudia Emi Izumi, Denise Mota, Eduardo Gonzaga, Leonilda Pereira Simões, Juan Esteves, Márcia Villaça da Rosa, Maria Eugênia, Vilma Arêas, Volnei ValentimdaSilva,YudithRosenbaum(SãoPaulo);BrunaRobertaMachadoStamatodosSantos, Ferreira Gullar, Francisca Moreyra de Figueiredo, Lêdo Ivo, Manoela Purcell Daudt d’Oliveira, Paulo Gurgel Valente, Rogério Reis, Silviano Santiago (Rio de Janeiro); Aparecida Maria Nunes (Varginha-MG); Benedito Nunes (Belém); Nádia Battella Gotlib (Ribeirão Preto-SP); Olga de Sá (Lorena-SP); Carlos Mendes de Sousa (Braga, Portugal). Foto da capa: Alair Gomes (1969) Edição especial, números 17 e 18 – Dezembro de 2004 CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA Uma publicação semestral do Instituto Moreira Salles. FOLHA DE ROSTO, 4 MEMÓRIA SELETIVA, 8 CONFLUÊNCIAS, 44 CLARICE POR ELA MESMA, 56 GEOGRAFIA PESSOAL, 96 MANUSCRITOS, 132 ENSAIOS, 140 GUIA, 302 es Sall a oreir M o ut nstit artz/I w h c S a n e al d Ma FOLHA DE ROSTO Água viva OU A hora da estrela O MAR VASTO, LUMINOSO E INESGOTÁVEL DE APRENDIZAGENS QUE REPRESENTA A OBRA DE CLARICE LISPECTOR, SITUADA NA FRONTEIRA ENTRE O REAL IMEDIATO, EXPLÍCITO, E UMA PROFUNDIDADE ÍNTIMA, SECRETA, DE QUE SÓ É CAPAZ A ESCRITA SEM QUALQUER CONCESSÃO Ali estava ele, o livro, a mais extraordinária das existências não humanas. E ali esta- va ela, a menina, o mais admirável dos seres vivos, promessa de felicidade. Ela e o livro. Só poderia haver um encontro de seus mistérios – existir e ser feliz – se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos complementares, a matéria com alma, a alma que habita a matéria (sob o horizonte futuro de reproduzi-la, carne e espírito). Sim. Tudo no mundo começou com um sim. Sim, o coração dela batia como lou- co ao ver aquele livro grosso, um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o e dormin- do-o: As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Sim, disse ela, eu quero sim. A dona do volume era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meioarruivados.Ameninaqueodesejava,aocontrário;esguia,cabeloslisos–tãolisosque a incomodavam (sorte que ao menos no Carnaval podia ondulá-los) –, possuía ainda o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: o dom para criá-las (já tentara, em vão, publicar algumas no caderno infantil do Diário de Pernambuco). Bem que a proprietária do livro – mera casualidade: seu pai era dono de uma livra- ria – buscou torturar a outra, mentindo, com sua boca cheia de balas (como os bolsos da blusa), gordura e maldade, que As reinações de Narizinho estava com alguém que não o de- volvera. Até que a mulher do livreiro pôs um basta naquilo, obrigando a filha – que então lhe causava horror, diante da garota loura, olhos claros, exausta, ao vento das ruas de Reci- fe, naquele início dos anos 30 – a ceder. Agora, ali estava ele, o livro, a mais extraordinária das existências não humanas. E aliestavaela,amenina,omaisadmiráveldosseresvivos,promessadefelicidade.Fingiaque não o tinha, só para depois levar o susto de o ter. Fingia que esquecera onde o guardara, 5 achava-o, lia por alguns instantes. Às vezes sentava-se na rede, balançando-se com o volu- me aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Um dia, os livros deixariam de ser emprestados, ou mesmo adquiridos – e, sobretu- do, deixariam de ser de outros autores. E a felicidade clandestina que assaltara aquela meni- na de origem humilde e estrangeira ao voltar para casa, andando não mais aos saltos, como decostume,porémdevagar,comprimindocontraopeitoaobradeLobato,iriasedefinirso- bre o branco da página. E a vida, dura e linda como um diamante, se tornaria sinônimo de escrever para ela, Clarice Lispector – a mais notável das ficcionistas do idioma, uma espécie de milagre, uma tal aleluia da literatura brasileira –, tema da presente edição dos CADERNOS. O retrato de corpo inteiro da autora começa a se desenhar em “Memória seletiva”, na qual Nádia Battella Gotlib, sua biógrafa, livre-docente pela Universidade São Paulo, traça, ao lado da equipe do Instituto Moreira Salles, a trajetória de Clarice: o mundo des- coberto, a descoberta do mundo. A seguir, em “Confluências”, ela ressurge nas lembran- ças atadas por laços de família e outros laços: os depoimentos do filho mais novo, o eco- nomista Paulo Gurgel Valente, e dos amigos Lêdo Ivo, escritor; Alberto Dines, jornalista; e Ferreira Gullar, poeta e crítico de arte. Embora não quisesse, Clarice Lispector sempre foi um mito. Um halo de inatingível acercava,apesardesepretenderapenasumadonadecasafascinadapelapalavraescrita.Aves- sa a entrevistas, ela reflete-se no espelho de suas próprias palavras – colhidas nas declarações que deu principalmente à imprensa e nos textos que redigiu sob a pele de cronista – em “Clarice por ela mesma”, seção a cargo da editora contribuinte dos CADERNOS, Francesca Angiolillo. As influências, a linguagem, o método (ou antimétodo) de criar, o viver e a mor- te são alguns dos assuntos que vêm à tona no esforço feito para se captar a dimensão daque- les instantes-já da autora, de modo a que deixassem de parecer fugidios, não secassem como as folhas dos periódicos, não murchassem como rosas – de verdade ou de fantasia. O contraponto a essa seção é o encarte “Clarice jornalista: ofício paralelo”. Prepara- do também pela editora contribuinte da publicação do IMS, ele se vale parcialmente dos es- tudos sobre a atividade da ficcionista na imprensa desenvolvidos por Aparecida Maria Nu- nes, doutorada em literatura brasileira pela USP com tese a respeito do trabalho de Clarice Lispector,realizadoentreosanos50e60,comocolunistafemininadosjornaisComício(sob o pseudônimodeTeresaQuadros),CorreiodaManhã(emqueassinavaHelenPalmer)eDiá- rio da Noite (onde foi ghost-writer da atriz Ilka Soares). O encarte aborda ainda sua atuação como repórter – na Agência Nacional e em A Noite, na década dos 40 –, cronista (do Jornal do Brasil, de 1967 a 1973) – e entrevistadora (das revistas Manchete e Fatos e Fotos Gente, nos respectivos períodos de 1968-1969 e 1976-1977). DamesmaformaqueaClaricerepórterdeixavaqueoliterárioseinfiltrassenostex- tos jornalísticos, suas obras de ficção sempre se situaram na fronteira entre o real imediato, 6 explícito, e uma profundidade íntima, secreta, de que só é capaz a escritura sem qualquer concessão. Era de se esperar, portanto, que o ensaio fotográfico que compõe a “Geografia pessoal”, de autoria de Edu Simões, registrasse, a um só tempo, paisagens e pessoas, o ex- terior e o interior, a vastidão e o detalhe. Centrada em Recife e no Rio de Janeiro, cida- des nas quais a ficcionista passou a infância e a fase madura, a seção está longe de querer apenas identificar cenários e personagens. Nela tentou-se “fotografar o perfume” – como Clarice Lispector chegou a se referir ao ato de escrever. ONordeste–representadonãopelacapitaldePernambuco,masporMaceió,opri- meiro porto, no Brasil, da escritora nascida na Ucrânia – e o Rio de Janeiro estão presen- tes, como se sabe, em A hora da estrela, o último livro seu que Clarice viu chegar ao públi- co. Em “Manuscritos”, os CADERNOS mostram pela primeira vez algumas passagens dos originais das desventuras de Macabéa – confiados à guarda do Instituto Moreira Salles por Paulo Gurgel Valente. No mais brasileiro de seus trabalhos, que comporta, como todas as obras-primas, uma variada gama de interpretações, Clarice Lispector estabelece um diálo- go com ninguém menos do que o maior dos autores nacionais: Machado de Assis. É algo machadianoodesfechodanovela,emqueaficcionista,inicialmentemotivadaporsuapró- pria experiência com a quiromancia, entrega a vida de sua personagem – ela morrerá – nas mãos de uma cartomante, sucessora da que nomeia o conto do escritor carioca, um clássi- co do gênero. Todo o universo ficcional de Clarice, também ele repleto de clássicos, está contempla- do em “Ensaios”. Nos sete artigos aqui apresentados, os CADERNOS procuram oferecer uma aprendizagemdoslivrosdaautora.OprofessorportuguêsCarlosMendesdeSousa,daUniver- sidade do Minho, faz um painel original e completo da produção clariciana; o ficcionista e crí- tico literário Silviano Santiago se detém nos textos curtos; Vilma Arêas, da Universidade Esta- dualdeCampinas,dedica-seàliteraturainfantil;BertaWaldman,igualmentedaUnicampeda Universidade de São Paulo, investiga a presença judaica na obra de Clarice Lispector; Yudith Rosenbaum, da USP, debruça-se sobre o problema das pulsões na sua ficção; Olga de Sá, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, analisa o corpo nas narrativas de Clarice, e Benedito Nunes, da Universidade Federal do Pará, um pioneiro na abordagem filosófica do trabalho da escritora, empreende como que uma síntese exegética, que fecha a seção. O número se encerra com o “Guia”, roteiro de referências bibliográficas. É Clarice Lispector, de novo, confundida com os livros. Ela e os livros. Só poderia haver um encon- tro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos complemen- tares, a matéria com alma, a alma que habita a matéria (sob o horizonte futuro de repro- duzi-la, carne e espírito). Ela e os livros. O que escreveu é vasto, vai durar. Ela e os livros. O que escreveu continua. Ela e os livros. Um brilho próprio, água viva, estrela. A hora da estrela. Mas qual terá sido o peso da luz? 7 MEMÓRIA SELETIVA A descoberta do mundo Nádia Battella Gotlib e Equipe IMS 1920Nasce,a10dedezembro, dos com sucessivas guerras in- mênia, Pinkouss consegue um em Tchetchelnik, uma aldeia ternas e constante perseguição passaporte–noqualsãoincluí- da Ucrânia, então pertencente anti-semita, gerando fome e das a mulher e as filhas – emi- àRússia,HaiaLispector,tercei- miséria. Na viagem enfrentam tido pelo consulado da Rússia. ra filha do comerciante Pin- assaltos e epidemias. A mãe re- DaRomênia,osLispectorspar- kouss e de Mania Lispector. O quer cuidados especiais porque tem para a Alemanha, onde, no casaljátinhaduasoutrasmeni- sofre de paralisia progressiva. porto de Hamburgo, embar- nas:Leia,de9anos,eTania,de Durante o trajeto, a caçula dos cam no navio Cuyabá, que os 5. O nascimento ocorre duran- Lispectors ouve os sons de di- levaria ao Brasil. te viagem de emigração da fa- versos idiomas: iídiche e russo, A família chega a Maceió em míliaemdireçãoàAmérica–os línguas faladas pelos pais, além março desse ano – embora Cla- pais, judeus, que moraram em daquelas dos países por onde ricetenhadeclaradoemalgumas Savran, onde nasceu a primeira passam e tomam residência ocasiões que os Lispectors ha- filha,eemTeplik,ondetiveram temporária. viam desembarcado na capital a segunda, decidem emigrar alagoana quando ela contava trêsanosapósaRevoluçãoBol- 1922 No mês de fevereiro, de dois meses de idade. São recebi- chevique de 1917, desanima- passagemporBucareste,naRo- dos por Zina, irmã de Mania, e seu marido e primo, José Rabin – comerciante próspero da cida- al n o de, que enviara a “carta de cha- ci Na mada”, viabilizando o ingresso o v ui de Pinkouss, Mania e as meni- q Ar nas no Brasil. Aqui eles adotariam novos no- mes. À exceção deTania, todos, por iniciativa de Pinkouss, mu- dariam de “identidade”: o pai se tornaria Pedro; Mania, Marieta; LeiasetransformariaemElisa;e Haia–quesignificavida,oucla- ra –, em Clarice. PedroLispectorpassaatrabalhar com Rabin: primeiro, como mascate, vendendo mercadorias Clarice(àfrente),entãochamadaHaia,ospais,PinkousseMania,easirmãs,Leia e Tania, em foto do passaporte tirado para a viagem rumo ao Brasil (1922) queoconcunhadofinanciava,e, 8

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