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BEBÊS QUE SE RELACIONAM COM CRIANÇAS MAIS VELHAS PDF

18 Pages·2015·0.35 MB·Portuguese
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BEBÊS QUE SE RELACIONAM COM CRIANÇAS MAIS VELHAS: CUIDADOS E CONFLITOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL Carolina Machado Castelli – UFPel Ana Cristina Coll Delgado – UFPel Agência Financiadora: FAPERGS Resumo O texto discute parte dos resultados de uma pesquisa sobre as relações entre bebês e crianças mais velhas em uma escola infantil. O foco, aqui, é dado às relações de cuidado, preocupação e carinho e às resoluções de conflitos. Buscamos inspiração nos preceitos e instrumentos da etnografia com crianças (GRAUE; WALSH, 2003) e nos Estudos da Criança, em especial pelas contribuições da Sociologia da Infância, da Antropologia da Criança, da Psicologia Cultural e da História da Infância. A partir de Gonzaga e Arruda (1998), pensamos o cuidado na educação infantil como dotado de três significados conectados: o profissional, o materno-paterno e o amigo. Presenciamos diferentes relações de cuidado amigo, analisadas com o respaldo de Montagu (1988) e Boff (1999). Os dados provocam-nos, mostrando que as crianças são capazes de cuidar umas das outras e que os conflitos que surgem entre elas são parte das suas culturas de pares (CORSARO, 2011). A pesquisa ajuda a tensionar a ideia de separação das crianças por faixas etárias e aposta que elas (incluindo os bebês), quando têm oportunidade, são capazes de se relacionar com diferentes (sub)gerações. Palavras-chave: cuidado; conflito; relações multietárias BEBÊS QUE SE RELACIONAM COM CRIANÇAS MAIS VELHAS: CUIDADOS E CONFLITOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL Dos bebês, das crianças mais velhas e das idades Este texto discute os resultados de uma pesquisa realizada em uma escola de educação infantil filantrópica gaúcha, no ano de 2014. Seu objetivo central foi investigar as relações estabelecidas entre bebês de uma turma de Berçário 2 e crianças 37ª Reunião Nacional da ANPEd – 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC – Florianópolis 2 mais velhas. Compreendemos que as relações sociais ocorrem quando as pessoas ajustam suas ações com relação umas às outras de acordo com os significados que dão a essas ações (WEBER, 1978 apud ERICKSON, 1986; PINO, 2005). Das várias e significativas relações que emergiram a partir dos encontros entre eles, elencamos duas dimensões de análise: as relações de cuidado, preocupação e carinho e as relações de conflito e suas resoluções entre bebês e crianças mais velhas. Considerando que, no Brasil, a taxa de natalidade vem decrescendo (IBGE, 2013); que hoje encontramos um número menor de crianças brincando na rua e menos interações entre crianças da vizinhança ou entre famílias extensas; que a educação infantil tem sido necessidade ou opção de muitas famílias (IBGE, 2011), o que acontece desde cedo na vida das crianças ocidentais (CORSARO, 2011); e que muitos bebês e crianças passam até cerca de 10 horas nessas instituições (COUTINHO, 2010), se faz necessário refletir sobre as relações, cada vez menos presentes, entre crianças de diferentes idades, especialmente na escola infantil1, incluindo os bebês, visto que, a partir das perspectivas trabalhadas neste estudo, eles e as demais crianças, fazem parte da infância. A infância, ou melhor, as infâncias, são aqui compreendidas como: a) uma construção social (PROUT; JAMES, 1997); b) uma variável social, não podendo ser pensada isolada de outras variáveis, como classe, sexo e etnia (PROUT; JAMES, 1997); cujas variáveis podem ser percebidas tanto individual, quanto coletivamente, pois a infância precisa ser pensada também como c) uma forma estrutural (CORSARO, 2011), ou seja, apesar de ser passageira para cada um de nós, para a sociedade como um todo ela é uma categoria que não desaparece, isto é, sempre há infância, pois sempre há crianças; e, ainda, como d) uma categoria geracional (SARMENTO, 2005), aspecto central nesta investigação. Para Forquin (2003), a geração pode ser: 1) genealógica, focando no indivíduo e na sua filiação; 2) de classe etária, correspondendo às diversas categorizações sociais dos períodos da vida; e 3) histórico-sociológica, incorporando as pessoas que nasceram em uma mesma época e/ou que são afetadas por uma mesma influência cultural. Debruçamo-nos sobre a segunda concepção apresentada por Forquin (2003), ainda que não possamos desconsiderar a família de cada criança ou as questões histórico-culturais em seus contextos de vida. 1 O termo escola infantil é utilizado para nos referirmos a uma escola de educação infantil, que engloba creche e pré-escola. 37ª Reunião Nacional da ANPEd – 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC – Florianópolis 3 Dentro da própria infância, ainda há subgrupos geracionais (SCHMITT, 2008), subgrupos etários (SARMENTO, 2005), diferentes grupos etários ou subgerações (FERNANDES, 2008) – grupos, estes, marcados pelas especificidades que as crianças adquirem ao longo de suas infâncias. As crianças têm direito a essas diversidades relacionais, em que aprendem, ensinam, constituem suas culturas, perpetuam-nas e modificam-nas, assim como apresentam elementos para que as outras subgerações e gerações, concomitantemente, se constituam e modifiquem suas próprias culturas. Todavia, por mais que bebês e demais crianças sejam capazes de se relacionarem entre si e/ou com quaisquer outras pessoas, muitas vezes a instituição escolar acaba por privá- los e por definir com quem podem interagir, especialmente no que se refere à faixa etária. Ariès (1981) e Rogoff (2005) demonstram como a ideia de idade é uma construção social, que foi se modificando através do tempo e ganhando sentido na instituição escolar2. Varela (1999) argumenta que a separação por faixas etárias na escola vai ocorrendo lentamente até se tornar o critério fundamental de distribuição, o que está relacionado com uma organização por séries múltiplas, progressivas e com uma complexidade crescente, correspondentes a supostas etapas de aprendizagem. Para Varela (1999), essa nova organização do espaço e do tempo permite maior correção e normalização das crianças. Trata-se de uma forma de controle e disciplinamento que se solidificou na Modernidade, justificada pela Psicologia do Desenvolvimento, e até hoje é pouco questionada, porque parece naturalizada. Contudo, é uma forma de padronização, pois são estabelecidos e esperados, para cada idade, e consequentemente, para cada série, determinados comportamentos e saberes. Mozère (2012) assevera que a avaliação dos especialistas significa um julgamento, que não abre espaço para a heterogeneidade: eles decidem o que é bom, certo e errado, enfim, o que é estabelecido como esperado. E nessas lógicas binárias a opinião dos especialistas adquire força, pois, segundo a autora, quando as ações, as situações e os comportamentos são julgados como apropriados, entende-se que as pessoas podem confiar neles (MOZÈRE, 2012), como se fossem verdades inquestionáveis em vez de construções que estabelecem determinados padrões e comportamentos esperados. 2 Embora prefiramos trabalhar com o termo relações intersubgeracionais em vez de multietárias, por sua maior abrangência, utilizamos este último nas palavras-chave por ser o mais conhecido até então. 37ª Reunião Nacional da ANPEd – 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC – Florianópolis 4 Porém, para as crianças (e, muitas vezes, também para os adultos), ainda que saibam sua idade e conheçam os números, não são estes que determinam, por exemplo, o que é ser um bebê, ou quem é mais velho ou mais novo. Fernandes (2008), Prado (2006) e Coutinho (2010) encontraram em suas pesquisas situações que demonstram o quanto o corpo é uma forte característica na identificação das idades e etapas da vida por parte das crianças. Ser maior, menor, mais alto, mais baixo, saber andar, engatinhar ou falar são alguns dos diferenciadores que as crianças utilizam e, a partir deles, relacionam-se de formas distintas umas com as outras. Na escola investigada, os integrantes do Berçário 2, que possuíam, em média, um ano e oito meses de idade, eram vistos como bebês – ainda que, sob outros olhares, possam denominados de outras formas. Eram considerados bebês por apresentarem ações comumente identificadas a essa denominação (estar aprendendo a andar, aprendendo a falar, usar fraldas, etc.) e por pertencerem à única turma de berçário da instituição (até agosto). Dentro desse grupo heterogêneo, as ações, as formas corporais e as linguagens eram as mais variadas, permitindo-nos reconhecer que algumas já se aproximavam das crianças do Maternal 1. Isso parece demarcar uma diferença entre os bebês, o que nos leva a supor que há uma subgeração entre eles, da qual fazem parte os bebês mais novos, que possuem outras particularidades. Isso também é perceptível no tratamento dos adultos, que demonstram muito mais atenção e preocupação com esses bebês mais novos – e cada vez mais os segregam das outras crianças. A separação tão rígida de idades na escola induz as relações que as crianças podem ou devem estabelecer, causando um distanciamento entre as crianças de diferentes turmas (FERNANDES, 2008) e a preferência por interações com as crianças da mesma turma (FERNANDES, 2008; SCHMITT, 2008), pois é com elas que convivem a maior parte do dia e realizam a maioria das atividades. E, além de naturalizarmos a divisão por faixa etária, ainda há a crença dos adultos de que as menores não sabem brincar, ou atrapalham as brincadeiras das mais velhas (e vice- versa), ou, ainda, de que as crianças maiores machucam as menores (PRADO, 2006). Sob tais motivações, esta pesquisa procurou indagar e tensionar a separação de crianças de diferentes subgerações, apostando que são capazes de cuidar umas das outras e que os conflitos que surgem entre elas são parte das relações humanas. Na continuidade, apresentamos a metodologia utilizada na investigação e, posteriormente, as análises concernentes a relações de cuidado que bebês e crianças mais velhas 37ª Reunião Nacional da ANPEd – 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC – Florianópolis 5 estabelecem entre si e aos modos como eles resolvem seus conflitos considerando suas diferenças subgeracionais. Da metodologia, do contexto de investigação e de seus atores Uma única disciplina não conseguiria abranger a complexidade de bebês e demais crianças. Portanto, buscamos respaldo nos Estudos da Criança, em especial pelas contribuições da Sociologia da Infância, da Antropologia da Criança, da Psicologia Cultural e da História da Infância, além das áreas da Filosofia e da Educação. Quanto à metodologia, pelas contribuições que tem trazido às pesquisas com bebês e crianças mais velhas, e por buscar captar, interpretativamente, o ponto de vista “de dentro”, ou seja, a perspectiva dos sujeitos (PFAFF, 2010), nos dedicamos com mais profundidade à realização de uma pesquisa identificada como uma etnografia com crianças (GRAUE; WALSH, 2003). Dentro desse paradigma, as crianças são entendidas como sujeitos – e não objetos – que podem participar das pesquisas e o fazem. No entanto, pressupõem métodos particulares de investigação (CHRISTENSEN; JAMES, 2005). Para ser possível compreender seus saberes e fazeres, preceitos e instrumentos da etnografia foram centrais na geração e na análise dos dados, pois apenas entrevistas e questionários não dariam conta das interações e culturas que as crianças produzem e compartilham no presente (CORSARO, 2011). Optamos pelo termo “geração” de dados (em vez de “coleta”) em coerência com a proposta de Graue e Walsh (2003), pois, para os autores, trata-se tanto de um processo que implica interações entre pesquisadores, teorias, crianças e interpretações em dado contexto local, quanto de um processo ativo, criativo e de improvisação, aspectos que dão centralidade à participação das crianças e às ações dos pesquisadores. A pesquisa, que teve como objetivo central investigar as relações estabelecidas entre bebês de uma turma de Berçário 2 e crianças mais velhas em uma escola de educação infantil, teve seus dados gerados a partir da articulação entre observação participante, registro (escrito, fotográfico e audiovisual) e conversas com crianças e adultos, além do acesso às fichas de bebês e demais crianças, de brincadeiras junto a eles e elas, da leitura do caderno da professora do Pré 1 (cedido por ela) e da participação em roda de conversa desta turma. 37ª Reunião Nacional da ANPEd – 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC – Florianópolis 6 Estas duas últimas ações junto ao Pré 1 se fizeram importantes porque, durante boa parte da investigação, bebês e crianças desta turma se encontravam duas vezes por semana em razão de um projeto proposto pela coordenadora da escola juntamente à professora do Pré 1, o qual pretendia trabalhar com a ideia de identidade grupal e melhorar a convivência das crianças desta turma na instituição. Um dos grupos que lhes despertou maior interesse foi o dos bebês, o que levou à realização de uma articulação com o Berçário 2. Assim, as relações dos bebês e crianças mais velhas tiveram maior espaço dentro desse projeto, mas também ocorreram com essas crianças e com as crianças das turmas dos Maternais 1 e 2 em ocasiões variadas (como no pátio e no refeitório). Das 70 crianças matriculadas na escola investigada, 54 bebês e crianças maiores das turmas de Berçário 2 (B2), Maternais 1 e 2 (M1 e M2) e Pré 1 (P1) participaram da pesquisa3. Foram obtidos termos de consentimento por parte de familiares e profissionais. Conforme Barros Filho e Pompeu, “falar de ética é tratar essencialmente da reflexão que se faz toda vez que é preciso identificar a melhor maneira de viver e de conviver” (2013, p. 18). Por isso, por participarem crianças de diferentes subgerações, optamos por obter o assentimento de todas as crianças da mesma forma: observando suas expressões e atitudes, dando, assim, confiabilidade às suas ações. Ao longo da pesquisa, foram realizadas 31 idas à escola durante o processo mais intenso de geração de dados. Essas idas ocorreram do início de junho ao fim de setembro de 2014. Em outubro foi realizado um encontro junto às crianças do P1 para conversar sobre o projeto que ocorrera na turma. Após esses 31 encontros, foram feitas outras visitas para manter o contato com a escola, esclarecer dúvidas, visitar bebês e crianças mais velhas e fazer a devolução da pesquisa. Nestas últimas visitas, não realizamos registro com fotografias ou vídeos, somente tomamos notas e interagimos. A escola onde foi realizada a pesquisa está localizada em um bairro típico de trabalhadores, apresentando uma elevada parcela de famílias com renda de um a três salários mínimos (ESCOLA, 2011). A instituição, filantrópica, presta atendimento a 70 crianças pertencentes a famílias em situação de vulnerabilidade social e/ou que sejam filhos de funcionários da Universidade cuja mantenedora, desde 1982, assumiu e 3 A escola não possui Pré 2. O Berçário 1 não foi convidado a participar da pesquisa porque foi aberto em agosto, e durante a investigação, além de interagirem praticamente só entre eles e com suas profissionais, a turma estava em constante adaptação. 37ª Reunião Nacional da ANPEd – 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC – Florianópolis 7 mantém seu setor burocrático, os serviços médico, odontológico, psicológico, nutricional e de assistência social. Dos 16 integrantes do B2, 8 eram meninos e 8 meninas, 7 eram pretos, 1 era pardo, 7 eram brancos e sobre 1 bebê não havia informação, tendo em vista que, no início da pesquisa, em 10 de junho de 2014, possuíam uma média de idade de 1 ano e 8 meses, tendo o mais novo 1 ano e 1 mês de idade e a mais velha 2 anos e 2 meses de idade. Quanto às outras crianças que participaram da pesquisa, do M1, M2 e P1, 22 eram meninas e 16 eram meninos, 22 brancas, 4 pardas, 9 pretas e sobre 3 não havia informação4. Do cuidado amigo, dos conflitos e das resoluções na escola infantil Não são raros os trabalhos que se dedicam à importante desnaturalização da polarização creche-cuidado versus pré-escola-educação. Tais estudos demonstram o quanto a creche também educa e o quanto a pré-escola também cuida, isto é, o quanto, ao cuidar do outro, o estamos educando, e o quanto educar o outro é uma forma de cuidá-lo. Porém, apesar da relevância dessa discussão, o que a vivência no campo apresentou se centrava em outra questão: o cuidado nas relações entre crianças e bebês, ainda pouco discutido, tendo em vista a dificuldade de encontrar literatura a seu respeito, o que também pode ser justificado pelo fato de que bebês e crianças mais velhas não encontram muitas oportunidades para interagirem entre si, sobretudo na escola infantil. A ideia de cuidado é ampla: pode envolver solicitude, dedicação, atenção, responsabilização, envolvimento afetivo, ocupação e preocupação para com outrem. E isso se dá por meio de relações, através das quais aprendemos modos de ser, de agir e de pensar. Tais relações de cuidado são essenciais na existência humana e apresentam concepções e configurações a partir da variação de elementos que as constituem, como os culturais, os regionais, os religiosos, os laborais, os étnicos e os geracionais. O cuidar também é discutido na área da saúde, que, assim como a educação, se ocupa das pessoas. Gonzaga e Arruda (1998) investigaram, junto a 10 crianças e adolescentes internados em um hospital pediátrico, os significados e as fontes do cuidar e do não cuidar, identificando três significados conectados: o cuidar profissional, o 4 Os dados sobre cor e idade das crianças foram obtidos a partir das fichas organizadas pela instituição, onde consta o que os seus responsáveis informaram. 37ª Reunião Nacional da ANPEd – 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC – Florianópolis 8 materno-paterno e o amigo, os quais também, com algumas particularidades, podem ser pensados no âmbito educacional. Organizamos, então, o seguinte quadro, que inclui algumas ações exercidas em âmbito educacional referentes àquilo que podemos chamar de esferas do cuidar profissional, do cuidar familiar e do cuidar amigo, as quais, por sua vez, não podem ser compreendidas de forma desconectada: Figura 1 – Representação das ideias de cuidar profissional, cuidar familiar e cuidar amigo vivenciadas em âmbito educacional. Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de Gonzaga e Arruda (1998). Com essa organização, pretendemos afirmar o quanto o cuidar, que não se restringe às ações supracitadas, é uma ação complexa, é trabalho da creche, sim, e também das outras esferas educativas. Também acreditamos que a ideia de cuidar amigo, mesmo não se restringindo às ações infantis, pode dar maior visibilidade às crianças e às suas ações, demonstrando o quanto elas se cuidam, independente de suas idades. Na pesquisa presenciamos, com mais força, as seguintes ações de cuidado amigo entre bebês e crianças de outras subgerações: a palavra preocupada com o outro, o toque carinhoso, a colaboração espontânea e a aproximação que leva conforto. Enquanto as crianças do P1 já manifestavam as mesmas expressões faladas pelos adultos (“olha os bebês”, “cuidado com os nenês”, “deixa, ela é nenê”, etc.), essas 37ª Reunião Nacional da ANPEd – 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC – Florianópolis 9 mesmas crianças, e também os bebês, avisavam aos adultos sobre situações que exigiam sua atenção. A palavra preocupada com o outro, em parte, se tratava de uma ação em que as crianças reproduziam interpretativamente (CORSARO, 2011) aquilo que ouviram os adultos dizerem em determinadas situações. Em outra parte, essas ações verbais também se deram por este outro ser um bebê, o que sensibilizaria as crianças ao ponto de se permitirem dizer, por exemplo, “deixa ela, ela é bebê” – o que também podem ter ouvido os adultos dizerem. Todavia, pelo fato de que muitos bebês do B2 ainda não utilizavam a fala como linguagem central, a palavra não era a forma de cuidado amigo mais presente entre bebês e crianças mais velhas. O toque, que perpassa os quatro sentidos do cuidado amigo aqui identificados, ganhou centralidade e merece ser pensado também como um desses sentidos, quando a sua ideia se articula à do carinho. Para Montagu (1988), o termo operacional do tocar é sentir e, embora o tato não seja em si uma emoção, ele provoca sensações e emoções, sendo provável que os bebês sejam capazes de perceber quem se importa com eles ou não ao serem levados ao colo. Boff (1999) explica que a carícia, isto é, o toque carinhoso, constitui uma das expressões máximas do cuidado, tendo a mão um papel fundamental para que a carícia possa ocorrer. Um toque de outra criança pode demonstrar ao bebê o que esta pensa e sente a seu respeito. Durante a pesquisa, vimos abraços e beijos, especialmente entre os bebês e entre eles e crianças das duas turmas de maternal, além de toques, por parte das crianças dos maternais, nas bochechas e nos braços dos bebês. O toque mais presente entre os bebês e as crianças do P1, além do desejo destas em estar com os aqueles no seu colo, foi a ação de passar a mão na cabeça dos bebês. Esses toques eram acompanhados de olhares – as linguagens não são excludentes: enquanto estamos utilizando uma majoritariamente, outras também estão em movimento, complementando-se. Já o cuidar amigo percebido na forma de colaboração espontânea se deu através da atenção dada pelas crianças maiores aos bebês, junto a um sentimento de ajudá-los sem que algum adulto lhes pedisse, como no dia em que algumas meninas da turma do P1 arrumaram as roupas e os calçados de algumas bebês da turma do B2. As crianças mais velhas, neste caso, meninas, prestavam atenção nas bebês, também meninas, 37ª Reunião Nacional da ANPEd – 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC – Florianópolis 10 cuidavam-nas e dedicavam-se a elas, dispondo-se a participar de suas vidas, conforme o pensamento de Boff (1999)5. O cuidado em todas as suas formas, segundo o autor, somente se materializa quando a existência do outro tem importância para mim. O mais interessante foi perceber que isso se deu pela sensibilização das crianças mais velhas com relação a algo que estava incomodando ou deixando triste o bebê: Episódio n.º 1: A solução para o impasse Antônia (B2) não quer sair da sala do P1, porque quer continuar brincando com a massinha de modelar. As professoras vão descendo com os bebês e com as crianças mais velhas, mas Antônia está ficando, intencionalmente, para trás. Ela começa a chorar por ter que sair, e eu, por estar mais próxima, começo a conversar com ela, mas Antônia continua chorando. Nesse momento, Douglas (P1) volta para a sala, se aproxima, eu explico para ele a situação e ele, prontamente, empresta um pote de massinha que acordamos em devolver depois. Antônia vai contente, comigo e com Douglas, até a sala do B2 (Diário de campo, 10/06/2014). Douglas não pensou duas vezes: para ver Antônia feliz, emprestou-lhe um pote de massa de modelar de sua turma, mostrando que interagir com bebês é também abrir mão de algo seu para que eles possam usufruí-lo. Por fim, a aproximação que leva conforto emergiu das ações de bebês e crianças mais velhas que, ao se depararem com um outro tristonho ou doente, demonstravam compaixão para com ele. Trata-se, de acordo com Boff (1999), de relações que não buscam vantagens ou dominação, mas que são tomadas pela compaixão de dispor-se a compartir com o outro de suas angústias, alegrias e tristezas. E os bebês também tomavam iniciativas nesse sentido para com outros bebês e também para com crianças mais velhas, como fez Thaísa: Episódio n.º 2: Fazendo e recebendo carinho Estou sentada na mesa do P1 no refeitório e Thaísa (B2) vai até Noah (P1), que está com a cabeça deitada na mesa, e faz carinho em seu rosto: bebês também tomam a iniciativa de fazer carinho nos mais velhos! Com o carinho de Thaísa, Noah sorri. Na sequência, Manuela e Douglas (ambos do P1) fazem carinho em Thaísa, que é uma das bebês com quem mais brincavam durante os encontros entre suas turmas (Diário de campo, 02/09/2014). 5 O fato de serem todas meninas não exclui a possibilidade de que meninos possam estabelecer essas relações. Contudo, por ter visto tais relações somente quando havia meninas envolvidas, é possível supor que elas sejam mais incentivadas a cuidar dos bebês da família, e/ou que suas experiências de brincar com bonecas, as quais geralmente são do sexo feminino, as fazem ser mais sensíveis para perceber algumas necessidades das bebês e se motivarem a ajudá-las. 37ª Reunião Nacional da ANPEd – 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC – Florianópolis

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crianças por faixas etárias e aposta que elas (incluindo os bebês), quando têm conflito e suas resoluções entre bebês e crianças mais velhas filhos de funcionários da Universidade cuja mantenedora, desde 1982, assumiu e.
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