Balas de Estalo Texto-fonte: Obra Completa de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, Vol. III, 1994. Publicado originalmente na Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, de 02/07/1883 a 04/01/1886. 1883 2 de julho Sabe-se que a Sociedade Portuguesa de Beneficência acaba de abrir uma enfermaria à medicina dosimétrica. Este é o nome, creio eu; e não há por onde trocar os nomes às coisas, que já os trazem de nascença. Mas não basta abrir enfermarias; é útil explicá-las. Se a dosimetria quer dizer que os remédios dados em doses exatas e puras curam melhor ou mais radicalmente, ou mais depressa, é, na verdade, grande crueza privar os restantes enfermos de tão excelso benefício. Uns ficarão meio curados, ou mal curados, outros sairão dali lestos e pimpões; e isto não parece justo. Note-se bem que eu não ignoro que os doentes, por estarem doentes, não perdem o direito à liberdade; mas, entendamo-nos: é a liberdade do voto, a liberdade de consciência, a liberdade de testar, a liberdade do ventre, (teoria Lulu Sênior); por um sentimento de compaixão, a liberdade de descompor. Mas, no que toca aos medicamentos, não! Concedo que o doente possa escolher entre a alopatia e a homeopatia, porque são dois sistemas, — ou duas escolas, — a escola cadavérica (versão Maximiano) e a escola aquática. Mas não tratando a dosimetria senão da perfeita composição dos remédios, não há para o doente, a liberdade de medicar- se mal. Ao contrário, este era o caso de aplicar o velho grito muçulmano: — crê ou morre. Se, ao menos, a própria dosimetria permitisse o uso de ambos os modos, as doses bem medidas, e as doses mal medidas, tinha a enfermaria uma explicação. E não seria absurdo. Conheci um médico, que dava alopatia aos adultos, e homeopatia às crianças, e explicava esta aparente contradição com uma resposta épica de ingenuidade: — para que hei de martirizar uma pobre criança? A própria homeopatia, quando estreou no Brasil, teve seus ecléticos; entre eles, o Dr. R. Torres e o Dr. Tloesquelec, segundo afirmou em tempo (há quarenta anos) o Dr. João V. Martins, que era dos puros. Os ecléticos tratavam os doentes, "como a eles aprouvesse". É o que imprimia então o chefe dos propagandistas. Mas a dosimetria é contrária a esses tristes recursos. Parece mesmo que esta nova religião ainda não passou do vers. 18, cap. IV, de São Mateus, que é o lugar em que Jesus chama os primeiros apóstolos, Pedro e André: "Vinde após mim, e farei que sejais pescadores de homens". Não há ainda tempo de ter hereges nem cismáticos: está nas primeiras pescas de doentes. O único ponto em que a escola dosimétrica se parece com a homeopática é na facilidade que dá ao doente de tratar-se a si mesmo; mas isto não quer dizer que tenha de cair no mesmo abuso do ecletismo. Quer dizer que a ciência, como todas as moedas, tem seus trocos miúdos. Dois amigos meus andam munidos de caixas dosimétricas; ingerem isto ou aquilo, conforme um papelinho impresso, que trazem consigo. Levam a saúde nas algibeiras, chegam mesmo a distribuí-la aos amigos. Lá que isto seja novo, é o que nego redondamente. O autor destas vulgarizações parece ser um certo Asclepíades, contemporâneo de Pompeu. Esse cavalheiro era mestre de eloqüência; mas sentindo em si outros talentos, estudou a medicina, criou uma arte nova, e anunciou cinco modos de cura aplicáveis a todas as enfermidades. Estão ouvindo? Cinco, nem mais uma pílula para remédio. Essas drogas eram: dieta, abstinência de vinho, fricções, exercício a pé e passeios de liteira. Cada um sentia que podia medicar-se a si próprio, escreve Plínio, — e o entusiasmo foi geral. Tal qual a homeopatia e a dosimetria. Nem uma nem outra tocou ao sublime daquele Asclepíades, que, segundo o mesmo autor, encontrando o saimento de um desconhecido, fez com que o inculcado morto não fosse deitado à fogueira, levou-o consigo e curou-o; mas, em suma, aguardemos o primeiro freguês que a escola cadavérica remeter para a Jurujuba. Voltando ao ponto, espero que a direção da Beneficência atenda aos meus conselhos. Não negue a cem doentes o que tão liberalmente distribui a sete ou quinze. Que o semelhante cure ao semelhante, ou o contrário ao contrário, são afirmações que se excluem; mas, contrário ou semelhante, é de rigor que as doses sejam as mesmas. 4 de julho Ocorreu-me compor umas certas regras para uso dos que freqüentam bondes. O desenvolvimento que tem tido entre nós esse meio de locomoção, essencialmente democrático, exige que ele não seja deixado ao puro capricho dos passageiros. Não posso dar aqui mais do que alguns extratos do meu trabalho; basta saber que tem nada menos de setenta artigos. Vão apenas dez. ART. I Dos encatarroados Os encatarroados podem entrar nos bondes com a condição de não tossirem mais de três vezes dentro de uma hora, e no caso de pigarro, quatro. Quando a tosse for tão teimosa, que não permita esta limitação, os encatarroados têm dois alvitres: — ou irem a pé, que é bom exercício, ou meterem-se na cama. Também podem ir tossir para o diabo que os carregue. Os encatarroados que estiverem nas extremidades dos bancos, devem escarrar para o lado da rua, em vez de o fazerem no próprio bonde, salvo caso de aposta, preceito religioso ou maçônico, vocação, etc., etc. ART. II Da posição das pernas As pernas devem trazer-se de modo que não constranjam os passageiros do mesmo banco. Não se proíbem formalmente as pernas abertas, mas com a condição de pagar os outros lugares, e fazê-los ocupar por meninas pobres ou viúvas desvalidas, mediante uma pequena gratificação. ART. III Da leitura dos jornais Cada vez que um passageiro abrir a folha que estiver lendo, terá o cuidado de não roçar as ventas dos vizinhos, nem levar-lhes os chapéus. Também não é bonito encostá-los no passageiro da frente. ART. IV Dos quebra-queixos É permitido o uso dos quebra-queixos em duas circunstâncias: — a primeira quando não for ninguém no bonde, e a segunda ao descer. ART. V Dos amoladores Toda a pessoa que sentir necessidade de contar os seus negócios íntimos, sem interesse para ninguém, deve primeiro indagar do passageiro escolhido para uma tal confidência, se ele é assaz cristão e resignado. No caso afirmativo, perguntar- lhe-á se prefere a narração ou uma descarga de pontapés. Sendo provável que ele prefira os pontapés, a pessoa deve imediatamente pespegá-los. No caso, aliás extraordinário e quase absurdo, de que o passageiro prefira a narração, o proponente deve fazê-lo minuciosamente, carregando muito nas circunstâncias mais triviais, repetindo os ditos, pisando e repisando as coisas, de modo que o paciente jure aos seus deuses não cair em outra. ART. VI Dos perdigotos Reserva-se o banco da frente para a emissão dos perdigotos, salvo nas ocasiões em que a chuva obriga a mudar a posição do banco. Também podem emitir-se na plataforma de trás, indo o passageiro ao pé do condutor, e a cara para a rua. ART. VII Das conversas Quando duas pessoas, sentadas a distância, quiserem dizer alguma coisa em voz alta, terão cuidado de não gastar mais de quinze ou vinte palavras, e, em todo caso, sem alusões maliciosas, principalmente se houver senhoras. ART. VIII Das pessoas com morrinha As pessoas que tiverem morrinha, podem participar dos bondes indiretamente: ficando na calçada, e vendo-os passar de um lado para outro. Será melhor que morem em rua por onde eles passem, porque então podem vê-los mesmo da janela. ART. IX Da passagem às senhoras Quando alguma senhora entrar, o passageiro da ponta deve levantar-se e dar passagem, não só porque é incômodo para ele ficar sentado, apertando as pernas, como porque é uma grande má-criação. ART. X Do pagamento Quando o passageiro estiver ao pé de um conhecido, e, ao vir o condutor receber as passagens, notar que o conhecido procura o dinheiro com certa vagareza ou dificuldade, deve imediatamente pagar por ele: é evidente que, se ele quisesse pagar, teria tirado o dinheiro mais depressa. 22 de julho O Sr. Deputado Penido censurou a Câmara por lhe ter rejeitado duas emendas: — uma que mandava fazer desconto aos deputados que não comparecessem às sessões; outra que reduzia a importância do subsídio. Respeito as cãs do distinto mineiro; mas permita-me que lhe diga: a censura recai sobre S. Exa., não só uma, como duas censuras. A primeira emenda é descabida. S. Exa. naturalmente ouviu dizer que aos deputados franceses são descontados os dias em que não comparecem; e, precipitadamente, pelo vezo de tudo copiarmos do estrangeiro, quis logo introduzir no regimento da nossa Câmara esta cláusula exótica. Não advertiu S. Exa., que esse desconto é lógico e possível num país, onde os jantares para cinco pessoas contam cinco croquetes, cinco figos e cinco fatias de queijo. A França, com todas as suas magnificências, é um país sórdido. A economia ali é mais do que sentimento ou um costume, mais que um vício, é uma espécie de pé torto, que as crianças trazem do útero de suas mães. A livre, jovem e rica América não deve empregar tais processos, que estariam em desacordo com um certo sentimento estético e político. Cá, quando há alguém para jantar, mata-se um porco; e se há intimidade, as pessoas da vizinhança, que não compareceram, recebem no dia seguinte um pedaço de lombo, uma costeleta, etc. Ora, isso que se faz no dia seguinte, nas casas particulares, sem censura nem emenda, porque é que merecerá emenda e censura na Câmara, onde aliás o lombo e as costeletas são remetidos só no fim do mês? Nem remetidos são: os próprios obsequiados é que hão de ir buscá-los. Demais, subsídio não é vencimento no sentido ordinário: pro labore. É um modo de suprir às necessidades do representante, para que ele, durante o tempo em que trata dos negócios públicos, tenha a subsistência afiançada. O fato de não ir à Câmara não quer dizer que não trata dos negócios públicos; em casa, pode fazer longos trabalhos e investigações. Será por andar algumas vezes na Rua do Ouvidor, ou algures? Mas quem ignora que o pensamento, obra secreta do cérebro, pode estar em ação em qualquer que seja o lugar do homem? A mais bela freguesa dos nossos armarinhos não pode impedir que eu, olhando para ela, resolva um problema de matemáticas. Arquimedes fez uma descoberta estando no banho. Mas, concedamos tudo; concedamos que a mais bela freguesa dos nossos armarinhos me leva os olhos, as pernas e o coração. Ainda assim estou cumprindo os deveres do cargo. Em primeiro lugar, jurei manter as instituições do país, e o armarinho, por ser a mais recente, não é a menos sólida das nossas instituições. Em segundo lugar, defendo a bolsa do contribuinte, pois, enquanto a acompanho com os olhos, as pernas e o coração, impeço que o contribuinte o faça, e é claro que este não o pode fazer, sem emprego de veículo, luvas, gravatas, molhaduras, cheiros, etc. * * * Não é menos curiosa a segunda emenda do Sr. Penido: a redução do subsídio. Ninguém ignora que a Câmara só pode tratar dessa matéria no último ano de legislatura. Daí a rejeição da emenda. O Sr. Penido não nega a inconstitucionalidade desta, mas argumenta de um modo singularíssimo. O aumento de subsídio fez-se inconstitucionalmente; logo, a redução pode ser feita pela mesma forma inconstitucional. Perdoe-me S. Exa.; este seu raciocínio não é sério; lembra o aforismo popular — mordedura de cão cura-se com o pêlo do mesmo cão. O ato da Câmara, aumentando o subsídio, foi inconstitucional? Suponhamos que sim. Por isso mesmo que o foi, a Câmara obrigou-se a não repeti-lo, imitando assim de um modo moderno a palavra daquele general romano, que bradava aos soldados ao iniciar uma empresa difícil: — é preciso ir até ali, não é necessário voltar! 15 de agosto Nota-se há algum tempo certa tristeza nos generais da Armada. Há em todos uma invencível melancolia, um abatimento misterioso. A expressão jovial do Sr. Silveira da Mota acabou. O Sr. De Lamare, conquanto tivesse sempre os mesmos modos pacatos, mostra na fisionomia alguma coisa nova e diferente, uma espécie de aflição concentrada. Não falo do Sr. Barão da Passagem, nem do Sr. Lomba; todos sabem que esses jazem no leito da dor com a mais impenetrável das moléstias humanas. Não atinando com a causa do fenômeno, os médicos resolveram fazer uma conferência, e todos foram de opinião que a moléstia tinha uma origem puramente moral. Os generais sentem necessidade de alguma coisa. Não pode ser aumento dos vencimentos; eles contentam-se com o soldo. Nem honras, eles as têm bastantes, e não querem mais. Nisto interveio o Sr. Meira de Vasconcelos. S. Exa. conversou com os enfermos, e descobriu que eles padeciam de uma necessidade de denominação nova. Fácil era o remédio; eis a receita que S. Exa. lavrou ontem, no Senado, em forma de aditivo ao orçamento da Marinha: “Os postos de generais do corpo da Armada passarão a ter as seguintes denominações, sem alteração dos vencimentos nem das honras militares: — Almirante (passa a ser) almirante da armada; vice-almirante (idem) almirante; chefe da esquadra (idem) vice- almirante; chefe de divisão (idem) contra-almirante”. Não é de supor que o Senado rejeite uma coisa tão simples; podemos felicitar desde já os ilustres enfermos. Não terá escapado ao leitor, que, por este artigo passamos a ter quatro categorias de almirantes, em vez de duas; e ninguém imagina como isto faz crescer os pepinos. Outra coisa também não terá escapado ao leitor, é o dom prolífico deste aditivo, porquanto ele ainda pode dar de si, quando a moléstia atacar os outros oficiais, uma boa dúzia de almirantes: — um quase-almirante, um almirante adjunto, um almirante suplente, etc., até chegar ao atual aspirante de Marinha, que será aspirante a almirante. Não há que dizer nada contra a medicação. A Câmara Municipal aplica-a todos os dias às ruas. Quando alguma destas padece de falta de iluminação ou sobra de atoleiros, a Câmara muda-lhe o nome. Rua de D. Zeferina, Rua de D. Amália, Rua do Comendador Alves, Rua do Brigadeiro José Anastácio da Cunha Souto; c'est pas plus malin que çà. Foi assim que duas velhas ruas, a da Carioca e a do Rio Comprido, cansadas de trazer um nome que as prendia demasiadamente à história da cidade, pelo que padeciam de enxaquecas, foram crismadas pela ilustre corporação: — uma passou a chamar-se São Francisco de Assis, outra Malvino Reis. *** Creio que o leitor sabe de um banquete que as sumidades inglesas deram agora ao célebre ator Irving. O presidente da festa foi o lord chief justice. Levantando o brinde à rainha, disse, entre outras, estas palavras: “Usarei de uma metáfora apropriada à ocasião; direi que Sua Majestade, durante muitos anos, tem desempenhado um grande papel no tablado dos negócios humanos, representando com graça, com dignidade, com honra e com uma nobre simpleza. (Apoiados). Os seus súditos sabem como ela amava o drama na mocidade... Agora, nos últimos tempos, sob a influência de uma grande tristeza, tem se retirado do teatro público”. Ah! Se o Sr. Lafayette caísse em usar cá uma tal metáfora! Se Sganarello lhe deu tantas amarguras, que diríamos desta comparação da rainha com uma atriz, e do governo com um tablado? Não sei se já disse que o discurso foi do lord chief justice. Já o fato de ir este homem jantar com um ator é extraordinário; mas o que dirá o leitor de um bilhete com que Gladstone, que atualmente governa a Inglaterra, pede desculpa a Irving de não poder comparecer, acrescentando que há dois anos para cá, só tem ido aos jantares de lord mayor, que são jantares de rigor? E a ênfase com que o bispo de York escreve, dizendo que os que se interessam pela moralidade pública, devem simpatizar com as honras feitas a Irving, que tão nobremente tem levantado a arte dramática na Inglaterra? Não quero citar mais nada; bastam-se estas palavras do lindo brinde do lord chief justice ao artista festejado: “Em conclusão: assim como a América nos mandou Booth, assim mandamos Irving à América, e assim como Irving e a Inglaterra receberam Booth de braços abertos, assim também, estou certo, aquele grande e generoso país receberá o nosso primeiro e admirável ator”. *** À vista destes deploráveis exemplos quer-me parecer que Sganarello e Molière não fariam tão má figura na Câmara dos Comuns... *** Não vamos agora dar um banquete ao Sr. Pedrosa só para imitar os ingleses. *** Um articulista anônimo, tratando há dias do uso da folga acadêmica nas quintas- feiras, escreveu que Moisés e Cristo só recomendaram um dia de descanso na semana, e acrescenta que nem Spencer nem Comte indicaram dois. Nada direi de Spencer; mas pelo que respeita a Comte, nosso imortal mestre, declaro que a afirmação é falsa. Comte permite (excepcionalmente, é verdade) a observância de dois dias de repouso. Eis o que se lê no Catecismo do grande filósofo: “O dia de descanso deve ser um e o mesmo para todas as classes de homens. Segundo o judaísmo, esse dia é o sábado; — e segundo o cristianismo, é o domingo. O positivismo pode admitir, em certos casos, a guarda do sábado e do domingo, ao mesmo tempo. Tal é, por exemplo, o daquelas instituições criadas para a contemplação dos filhos da Grã-Bretanha, como sejam, entre outras, os parlamentos de alguns países, etc. E a razão é esta. Sendo os ingleses, em geral, muito ocupados, pouco tempo lhes resta para ver as coisas alheias. Daí a necessidade de limitar os dias de trabalho parlamentar dos ditos países, a fim de que aqueles insulares possam gozar da vista recreativa das mencionadas instituições”. (Cat. Posit., página 302). Rio de Janeiro, 3 do Brigadeiro José Anastácio da Cunha Souto de 94 (14 de agosto de 1883). 16 de outubro No momento em que me sentava a escrever, recebi uma carta de um nosso hóspede ilustre. As-tu vu le mandarin? Pois foi ele mesmo, o mandarim, que me escreveu, pedindo a fineza de inserir nas "Balas de Estalo'' uma exposição modesta das impressões que até agora tem recebido do nosso país. Não traduzi a carta, para lhe não tirar o valor. Além disso, há dela alguns juízos demasiado crus, que melhor é fiquem conhecidos tão-somente dos que sabem a língua chinesa. Em alguns lugares, o meu ilustre correspondente inseriu expressões nossas; ou por não achar equivalente na língua dele ou (como me parece) para mostrar que já está um pouco familiar com o idioma do país. Eis a carta: Vu pan Lélio, Lamakatu apá ling-ling "Balas de Estalo", mapapi tung? Keré siri mamma, ulama'i tiká. Ton-ton pacamaré Rua do Ouvidor nappi Botafogo, nappi Laranjeiras nappi Petrópolis gogô. China cava miraka Rua do Ouvidor! Naka ling! tica milung! Ita marica armarinho, gavamacu moça bonita, vala ravala balvão; caixeiro sika maripu derretido. Moçanigu vaia peça fita, agulha, veludo, colchete, iva curva trapalhada. Moço lingu istu passa na rua, che-beru pitigaia entra, namora, rini mamma. Viliki xaxi xali xaliman. Acalag ting-ting valixu. Upa Costa Braga relá minag katu Integridade abaxung kapi a ver navios. Lamarika ana bapa bung? Gogô xupitô? Nepa in pavé. Brasil desfalques latecatu. Inglese poeta, Shakespeare, kará: make money; upa lamaré in língua Brasil: — mete dinheiro no bolso. Vaia, Vaia, gapaling capita passa a unha simá teka laparika. Eting põe-se a panos; etang merú xilindró. ltá poxta, China kiva Li-vai-pé, abá naná Otaviano Hudson, naka panaka, neka paneca, mingu. Musa vira kassete. — Mira lung Minas Gerais longu senado. Vetá miná Lima Duarte passi Cesário Alvim; mará kari Evaristo da Veiga seba Inácio Martins. Rebagú sara Coromandel? Teca laia Coromandel? Aba lili tramway Copacabana. Vasi lang? Tacatu, pacatu, pacatu. Hu-huchi edital Wagner, limaraia Duvivier. Toca xuxu Figueiredo de Magalhães, upa, upa upa. Baba China páriú. Héh... Siba-ú lami assembléia provincial nanakaté. Mirô bobó xalu Galvão Peixoto: ridin teca maneca cabelinho na venta. Pantutu? Hermann limpatuba Arang chikang Companhia Telefônica ruru mamma, ipi, xuchi paripangatu; Caminha, Magalhães Castro, xela kapa, xela kipa, xela kopa. Neka siri lipa Câmara dos Deputados abaling. China seca pareka amolador empala. Laka pitak? Nana pariú. Faro e Lino papyros, biblos, makó gogó. Lino abatukamu, Faro abatiki. Eba ú laté! Castelões zuru! Club Beethoven paka xali! Tarinanga axá acaritunga. Harritoff dansa mari xali! Xulica Brasil pará; aba lingu retórica, palração, tempo perdido, pari mamma; xulica Kurimantu. Iva nenê, iva tatá. Brasil gamela tika moka, inglês ver. Veriman? Calunga, mussanga, monau denguê. Valavala. Dara dara bastonara. Malan drice paku. Ocuoco; momeréo-diarê. Ite, issa est. Mandarim de 1ª classe. TONG KONG SING Como se terá visto, no meio de alguns reparos crus, há muita simpatia e viva observação. Quanto ao estilo, é do mais puro, é da escola de Macau, às doutrinas do século XII antes da Criação. A nossa crítica terá notado a linda imagem com que o ilustre escritor define o progresso, chegando à praia da Copacabana: pacatu, pacatu, pacatu. Em suma, é um documento honroso para o autor e para nós. 23 de outubro A Gazeta de Londres publicou, em seu número de 8 do mês passado, um ofício do vice-rei da Índia ao Conde Granville, contendo informações interessantíssimas para a questão dos trabalhadores asiáticos. Visto que há tanto horror aos chins, pareceu-me interessante transcrever esse documento: À S. Exa. o Sr. Conde Granville, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros. Calcutá, 13 de agosto de 1883. Senhor Conde. Noutro ofício que ora dirijo ao Honrado Secretário de Estado das Colônias, dou conta de alguns fatos relativos ao trabalho agrícola na Índia. Peço licença a V. Exa. para resumi-los aqui, no caso de que o governo de Sua Majestade tenha de intervir naqueles países da América, onde o trabalho chim é usado, ou vai sê-lo. Em primeiro lugar, devo lembrar a V. Exa. que é preciso distinguir o chim do chim. O chim comum está de há muito abandonado em toda a Ásia, onde foi suplantado por uma variedade de chim muito superior à outra. Essa variedade, como já tive ocasião de dizer ao governo de Sua Majestade, é o chimpanzé. O deplorável equívoco que, durante dilatados anos, classificou o chimpanzé entre os macacos, estava já há muito abandonado. Mas persistia a convicção de que, embora pertencente à família humana, o chimpanzé fosse refratário ao trabalho. Esta mesma convicção vai desaparecer, depois das brilhantes experiências feitas nos domínios de Sua Majestade, e até na China e no Japão. O primeiro súdito de Sua Majestade que empregou o chimpanzé, foi Sir John Sterling, que reside na Índia há trinta anos. Desde 1864 o seu trabalhador era o chim comum. Ultimamente, porém, deu-se uma desordem, verdadeira rebelião, e a maior parte dos trabalhadores retiraram-se. Sir John Sterling resolveu liquidar e voltar pare a Europa; mas tendo notícia de que o chimpanzé era moralmente superior ao chim comum, mandou contratar uns trinta para ensaio, e deu-se muito bem com eles. Daí a seis meses a plantação tinha cerca de cem indivíduos: hoje conta setecentos e trinta. Dois parentes seus lançaram mão do mesmo instrumento de trabalho; hoje há muitíssimas plantações que não têm outro. Foram os parentes de Sir John Sterling, que me deram as notícias que nesta data transmito a V. Exa. o Sr. Secretário das Colônias, e que vou resumir para uso de V. Exa.. A primeira vantagem do chimpanzé é que é muito mais sóbrio que o chim comum. As aves domésticas, geralmente apreciadas por este, (galinhas, patos, gansos, etc.), não o são pelo outro, que se sustenta de cocos e nozes. O chimpanzé não usa roupa, calçado ou chapéu. Não vive com os olhos na pátria; ao contrário, Sir John Sterling e seus parentes afirmam que têm conseguido fazer com que os chimpanzés mortos sejam comidos pelos sobreviventes, e a economia resultante deste meio de sepultura pode subir, numa plantação de dois mil trabalhadores, a duzentas libras por ano. Não tendo os chimpanzés nenhuma espécie de sociedade, nem instituições, não há em parte alguma embaixadas nem consulados; o que quer dizer que não há nenhuma espécie de reclamação diplomática, e pode V. Exa. calcular o sossego que este fato traz ao trabalho e aos trabalhadores. Está provado que toda a rebelião do chim comum provém da imagem, que eles têm presente, de um governo nacional, um imperador e inúmeros mandarins. Por outro lado, a imprensa não poderá tomar as dores por ele, para não confessar uma solidariedade da espécie, que ainda repugna a alguns. Quanto aos lucros, dizem-me que são de vinte e cinco a vinte e oito por cento. Sir John Sterling fez no ano de 1881, com o chim comum, vinte mil libras; em 1882, tendo introduzido em março os primeiros chimpanzés, apurou quinze mil libras; e nos primeiros seis meses deste ano vai em onze mil e quinhentas. A perfeição do trabalho é, ou a mesma, ou maior. A celeridade é dobrada, e a limpeza é tão superior, que Sir John não viu nada melhor na Inglaterra. No ofício ao Secretário das Colônias, mando alguns dados estatísticos, desenvolvidos, que não reproduzo para não alongar este. A princípio houve relutância em admitir o chimpanzé pelo fato de andar muita vez a quatro pés; mas Sir John Sterling, que é naturalista e antropologista emérito, fez observar aos parentes e amigos, que a atitude do chimpanzé é uma questão de costumes. Na Europa e outras partes, há muitos bípedes por simples hábito, educação, uso de família, imitação e outras causas, que não implicam com as faculdades intelectuais. Mas tal é a força do preconceito que, assim como no caso daqueles bípedes se conclui da posição das pernas para a qualidade da pessoa, assim também se faz com o chimpanzé; sendo ambos o mesmíssimo caso: — uma questão de aparência e preconceito. Felizmente, a propaganda vai fazendo desaparecer esse erro funesto, e o chimpanzé começa a ser julgado de um modo eqüitativo, científico e prático. Rogo a V. Exa. se digne submeter estes fatos ao conhecimento do Sr. Gladstone. Sou, etc. WEBSTER. Esta carta é realmente importante, e espero sejam devidamente apreciadas e não fiquem perdidas as lições que contém. O nosso defeito é não dar atenção a coisas sérias! Esta é das mais sérias. As pessoas que preferem os chins, não podem deixar de aceitar este substituto. Segundo a carta transcrita, o chimpanzé tendo as mesmas aptidões do outro chim, é muito mais econômico. Por outro lado, os adversários, os que receiam o abastardamento da raça, não terão esse argumento, porque o chimpanzé não se cruzará com as raças do país. 7 de novembro Nascer rico é uma grande vantagem que nem todos sabem apreciar. Qual não será a de nascer rei? Essa é ainda mais preciosa, não só por ser mais rara, como porque não se pode lá chegar por esforço próprio, salvo alguns desses lances tão extraordinários, que a história toda se desloca. Sobe-se de carteiro a milionário; não se sobe de milionário a príncipe. Entretanto, dado o caso de vocação (porque a natureza diverte-se às vezes em andar ao invés da sociedade), como há de um homem que sente ímpetos régios, combinar o sentimento pessoal com a paz pública? Aí está o caso em que nem o mais fino Escobar era capaz de resolver; aí está o que resolveram alguns cidadãos de Guaratinguetá. Reuniram-se e organizaram uma irmandade de Nossa Senhora do Rosário, que é irmandade só no nome; na realidade, é um reino; e tudo indica que é o reino dos Céus. Os referidos cidadãos acharam o meio de cingir a coroa sem vir buscá-la a São Cristóvão: elegem anualmente um rei, e a coroa passa de uma testa a outra, pacificamente, alegremente, como no jogo do papelão. Aqui vai o papelão. O que traz o papelão? No presente ano (1883-1884), o Rei da irmandade é o Sr. Martins de Abreu, nome pouco sonoro, mas não é de sonoridade que vivem as boas instituições. A Rainha é a Sra. D. Clara Maria de Jesus. Há um Juiz do Ramalhete, que é o Sr. Francisco Ferreira, e uma juíza do mesmo Ramalhete que é a Sra. D. Zelina Rosa do Amor Divino. Não há a menor explicação do que seja este ramalhete. É realmente um ramalhete ou é nome simbólico do principado ministerial? Segue-se o Capitão do Mastro. Este cargo coube ao Sr. Antônio Gonçalvez Bruno, e não tem funções definidas. Capitão do Mastro faz cismar. Que mastro, e por que capitão? Compreendo o Juiz da Vara; compreendo mesmo o Alferes da Bandeira. Este é provavelmente o que leva a bandeira, e, para supor que o capitão tem a seu cargo carregar um mastro, é preciso demonstrar primeiramente a necessidade do mastro. Já não digo a mesma coisa do Tenente da Coroa, cargo desempenhado pelo Sr. João Marcelino Gonçalves. Pode-se notar somente a singularidade de ser a