ebook img

BADIOU, Alain. Pequeno Manual de Inestética PDF

94 Pages·2011·9.15 MB·Spanish
by  
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview BADIOU, Alain. Pequeno Manual de Inestética

Alain Badiou Pequeno manual de inestética Tradução Marina Appenzeller Sistema Alexandria AL: 1099120 Tombo: 1737497 11111111111111I1111111111111111111111 1111111I r--":'<t~"'''Ql •• _~~.~~ ,; v ...,.. ..",. ••••• f""!, ••••• I'I,t:,.I..._.l'•I,.'.'\•,I..'.'.I''~,ao"'d."~.e'•C~•C1"U•l•''.:,!•.l.P:h..i:l_il'vr,."v•p;V~~iC'.'l,1.;.:,>t,7'''" J'. Título original: Petit manuel d'inesthétique Copyright © Éditions du Seuil, Paris, outubro de 1998 © Estação Liberdade, 2002, para esta tradução SUMÁRIO Revisão Marcelo Rondinelli e Tereza Lourenço I Composição Pedro Barros Estação Liberdade Assistência editorial Flávia Moino Capa Isabel Carballo Ilustração da capa Fernand Léger. LesDisquesdans Iaville. Óleo si tela, 130 x 160 em, 1920. Centre Pompidou-MNAM-CCI, Paris. © Documentação fotográfica do MNAM/CCI Tradução complementar Angel Bojadsen 1 Arte e filosofia 11 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro,SP,Brasil) 2 O que é um poema, e o que pensa dele a filosofia 29 3 Um filósofo francês responde a um poeta polonês 43 Badiou, Alain, 1937- Pequeno manual de inestética / AlainBadiou ; 4 Uma tarefa filosófica: ser contemporâneo de Pessoa 53 tradução MarinaAppenzeller. - SãoPaulo: Estação Liberdade, 2002. 5 Uma dialética poética: Labid ben Rabi'a e Mallarmé 65 Titulo original: Petit manuel d'inesthétique 6 Adança como metáfora do pensamento 79 Bibliografia. ISBN85-7448-069-X 7 Teses sobre o teatro 97 8 Os falsos movimentos do cinema 103 1.Arte- Filosofia 2.Críticaliterária 3.Estética I.Título. 9 Ser,existência, pensamento: prosa e conceito 117 02-6136 CDD-701 10 Filosofia do fauno 163 Índices para catálogo sistemático: Anexo 189 1.Artee filosofia 701 2.Filosofia earte 701 ESTE LIVRO, PUBLICADO NO ÂMBITO DO PROGRAMA DE PARTICIPAÇÂO À PUBLICAÇÃO, o CONTOU COM APOIO DO MINISTÉIUO fRANCÊS DAS RELAç6ES EXTERIORES. S J Todososdireitos reservados à AÃ.g Editora Estação Liberdade Ltela. Rua Dona Elisa, 116 • 01155-030· São Paulo-SP Te!.:(11) 3661 2881 Fax: (11) 38254239 e-mail: [email protected] http://www.estacaoliberelade.com.br )C~ Por "inestética" entendo uma relação da filosofia com a arte, que, colocando que a arte é, por si mesma, produtora de verdades, não pretende de maneira alguma torná-Ia, para a filosofia, um objeto seu. Contra a especulação esté tica, a inestética descreve os efeitos estritamente intrafilo sóficos produzidos pela existência independente de algumas obras de arte. Alain Eadiou, abril de 1998 1 ARTE E FILOSOFIA Laço que desde sempre é alterado por um sintoma, o de uma oscilação, de um batimento. Nas origens, existe o repúdio sustentado por Platão acerca do poema, do teatro, da música. De tudo isso, deve-se dizer que o fundador da filosofia, evidentemente refinado conhecedor de to das as artes de seu tempo, só dá importância, na República, à música militar e ao canto patriótico. Na outra extremidade, encontra-se uma devoção piedosa em relação à arte, um ajoelhar-se contrito do conceito, pensado como niilismo técnico, diante da palavra poética que oferece sozinha o mundo ao Aberto latente de seu próprio desamparo. Mas o sofista Protágoras já designava, afinal, o aprendizado artístico como a chave da educação. Havia uma aliança de Protá goras e de Simônides, o poeta cuja impostura o Sócrates de Platão tenta frustrar e sujeitar aseus próprios fins aintensidade pensável. Vem-me à mente uma imagem, uma matriz analógica do sen tido: filosofia e arte são historicamente acopladas tal qual são, segundo Lacan, o Mestre e aHistérica. Sabe-se que ahistérica vem dizer ao mestre: "Averdade fala por minha boca, estou aqui, e tu, que sabes, diga-me quem sou." Eadivinha-se que, por maior que seja a sutileza douta da resposta do mestre, a histérica lhe dará a entender que ainda não é isso, que seu aqui escapa à apreensão, 11 PEQUENO MANUAL DEINESTÉTICA ARTEEFILOSOFIA que se deve retomar tudo e redobrar esforços para lhe agradar. oretorno ao Princípio. Exige-se,portanto, que sedenuncie apretensa Nesse momento, ela ruma para o mestre etoma-se sua cortesã. E,da verdade imediata da arte como uma falsa verdade, como a aparên mesma maneira, a arte já está sempre aqui, dirigindo ao pensador cia própria do efeito de verdade. E é esta a definição da arte e só a questão muda e cintilante de sua identidade, enquanto, por sua dela: ser o encanto de uma aparência de verdade. constante invenção, por sua metamorfose, ela declara-se decepcio Disso resulta que a arte deve ser condenada ou tratada de ma nada com tudo o que o filósofo enuncia a seu respeito. neira puramente instrumental. Estritamente vigiada, a arte pode O mestre da histérica praticamente não tem outra escolha, caso ser o que proporciona a uma verdade prescrita defora a força demonstre má vontade à servidão amorosa, à idolatria que deve transitória da aparência, ou do encanto. A arte aceitável deve ser pagar com uma produção de saber estafante e sempre decepcio submetida àvigilância filosófica das verdades. Éuma didática sen nante, anão ser lhe passar o cetro. E,da mesma maneira, o mestre sível cujo propósito não poderia ser abandonado à imanência. filósofo permanece dividido, no que diz respeito à arte, entre ido A norma da arte deve ser a educação. Ea norma da educação é a latria e censura. Ou dirá aos jovens, seus discípulos, que o cerne filosofia. É o primeiro entrelaçamento de nossos três termos. de qualquer educação viril da razão é manter-se afastado da Cria Nessa perspectiva, o essencial é o controle da arte. Ora, esse tura, ou acabará por conceder que só ela, esse brilho opaco do controle é possível. Por quê? Porque, se a verdade de que a arte é qual só podemos ser cativos, nos ensine sobre o viés por onde a capaz lhe é exterior, se a arte éuma didática sensível, o resultado, e verdade comanda que o saber seja produzido. este é um ponto capital, é que a essência "boa" da arte virá não na E, como o que nos solicita é o entrelaçamento da arte e da obra de arte, mas em seus efeitos públicos. Rousseau escreve: "Os filosofia, parece que, formalmente, esse entrelaçamento é pensado espetáculos são feitos para opovo, esomente por seus efeitos sobre sob dois esquemas. ele é que será possível determinar suas qualidades absolutas." Chamarei ao primeiro de esquema didático. Sua tese é que a No esquema didático, o absoluto da arte está, portanto, sob o arte é incapaz de verdade ou que toda verdade lhe é exterior. controle dos efeitos públicos da aparência, eles próprios norma Decerto reconhecer-se-á que a arte apresenta-se (como a histérica) tizados por uma verdade extrínseca. sob a aparência da verdade efetiva, da verdade imediata, ou nua. A essa injunção educativa opõe-se absolutamente o que cha Eque essa nudez expõe aarte como puro encanto do verdadeiro. marei de esquema romântico. Sua tese é de que unicamente a Maisprecisamente: que aarte éaaparência de uma verdade infun arte está apta à verdade. E que, nesse sentido, ela realiza o que dada, não argumentada, de uma verdade esgotada em seu estar-aí. a filosofia pode apenas indicar. Ou ainda o que Lacoue-Labarthe Porém - e esse é todo o sentido do processo platõnico - rejeitar e Nancy chamaram de absoluto literário. É patente que esse corpo se-á essa pretensão, essa sedução. O cerne da polêmica platônica real é um corpo glorioso. A filosofia pode muito bem ser o Pai relativa à mímesis designa a arte não tanto como imitação das afastado e impenetrável. A arte é o Filho sofredor que salva e coisas, mas como imitação do efeito de verdade. E essa imitação reergue. O gênio é crucificação e ressurreição. Nesse sentido, é a extrai seu poder de seu caráter imediato. Platão sustentará então própria arte que educa, porque ensina o poder de infinidade que ser cativo de uma imagem imediata da verdade desvia do contido na coesão supliciada de uma forma. Aarte entrega-nos a desvio. Se a verdade pode existir como encanto, então perdere esterilidade subjetiva do conceito. Aarte é o absoluto como sujeito, é a encarnação. mos aforça do labor dialético, da lenta argumentação que prepara 12 13 / PEQUENO MANUAL DEINESTÉTICA ARTEEFILOSOFIA Entre o banimento didático e aglorificação romântica (um "en retém a disposição de LImaidentificação. A "semelhança" com o tre" que não é essencialmente temporal), existe, no entanto, real só é exigida na medida em que envolve o espectador da arte ao que parece, uma era de paz relativa entre a arte e a filosofia. no "agradar", ou seja, em uma identificação, a qual organiza uma Aquestão da arte não atormenta Descartes, ou Leibniz,ou Espinosa. transferência e, portanto, uma deposição das paixões. Esse farra Aparentemente, esses grandes clássicos não tiveram de optar entre po de verdade é bem mais oque uma verdade coage no imaginá a rudeza de um controle e o êxtase de uma fidelidade. rio. Essa"imaginarização" de uma verdade, deslastreada de qualquer Aristóteles jánão tinha assinado uma espécie de tratado de paz realidade, é chamada pelos clássicos de "verossimilhança". entre a arte e a filosofia? Sim, é mais do que evidente que existe Finalmente, a paz entre arte e filosofia repousa por inteiro na um terceiro esquema, o esquema clássico, do qual diremos, antes delimitação entre verdade e verossimilhança. E é por isso que a de mais nada, que ele des-histeriza a arte. máxima clássica por excelência é: "o verdadeiro pode às vezes O dispositivo clássico, como construído por Aristóteles, cabe não ser verossímil", a qual enuncia a delimitação, reservando, ao em duas teses: lado da arte, os direitos da filosofia. Filosofia que, como se vê, a) Aarte - como sustenta o esquema didático - é incapaz da outorga-se a possibilidade de não ser verossímil. Definição clássica verdade, sua essência é mimética, sua ordem, a da aparência. da filosofia: a inverossímil verdade. b) Isso não é grave (ao contrário do que acredita Platão). Não Qual o preço pago por essa paz? A arte é decerto inocente, é grave, porque o destino da arte não é nem de longe a verdade. mas por ser inocente de toda verdade. Ou seja, ela é registrada É bem certo que a arte não é verdade, mas também não preten no imaginário. Com todo rigor, no esquema clássico, a arte não é de ser, sendo, portanto, inocente. Aristóteles classifica a arte como um pensamento. Está inteira em seu ato, ou em sua operação algo muito diferente do conhecimento, libertando-a, assim, da sus pública. O "agradar" dispõe a arte como um serviço. Poder-se-ia peita platônica. Esse algo diferente, que ele às vezes chama de dizer o seguinte: na visão clássica, a arte é serviço público. É de catharsis, refere-se à deposição das paixões numa transferência fato assim, aliás, que o Estado a entende, tanto no avassalamento sobre a aparência. A arte tem uma função terapêutica, e de ma da arte e dos artistas pelo absolutismo quanto na chicana moderna neira alguma cognitiva ou reveladora. Elanão depende do teóri dos créditos. O Estado (salvo talvez o Estado socialista, mais didá co, mas do ético (no sentido mais amplo do termo). Disso resulta tico) é, quanto ao entrelaçamento que nos importa, essencial que a norma da arte é sua utilidade no tratamento das afecções mente clássico. da alma. Recapitulemos. Das duas teses do esquema clássico, inferem-se de imediato as Didatismo, romantismo, classicismo são os esquemas possíveis principais regras relacionadas à arte. do entrelaçamento entre arte efilosofia, oterceiro termo correspon Emprimeiro lugar, o critério da arte é agradar. O "agradar" não dendo à educação dos sujeitos, particularmente da juventude. No é de forma alguma uma regra de opinião, uma regra da maioria. didatismo, a filosofia entrelaça-se com a arte na modalidade de A arte deve agradar, porque o "agradar" assinala a efetividade da lima vigilância educativa de seu destino extrínseco ao verdadeiro. catharsis, a embreagem real da terapêutica artística das paixões. No romantismo, a arte realiza na finitude toda a educação subjeti Em seguida, o nome daquilo a que o "agradar" remete não é a da qual a infinidade filosófica da Idéia é capaz. No classicismo, V:l verdade. O "agradar" prende-se apenas àquilo que, de uma verdade, arte capta o desejo e educa sua transferência pela proposta de :1 14 15 PEQUENO MANUAL DEINESTÉTICA ARTEEFILOSOFIA uma aparência de seu objeto. Aqui, a filosofia só é convocada No fundo, a grandeza de Brecht é ter buscado com obstinação enquanto estética - dá sua opinião sobre as regras do "agradar". as regras imanentes de uma arte platônica (didática), em vez de se contentar, como faz Platão, em classificar as artes existentes em boas e ruins. Seu teatro "não aristotélico" (o que quer dizer não Ameu ver, o que caracteriza o final do século xxéque ele não clássico e, finalmente, platônico) é uma invenção artística de pri introduziu um novo esquema em larga escala. Embora se afirme meira grandeza no elemento reflexivo de uma subordinação da que é o século dos "fins", das rupturas, das catástrofes, para o arte. Brecht tornou teatralmente ativas as disposições antiteatrais entrelaçamento que nos diz respeito, vejo-o antes como um século de Platão. Fez isso centrando a arte nas formas de subjetivação conservador e eclético. possíveis da verdade exterior. Quais são, no século xx,as disposições plenas do pensamento? Daí, aliás, a importància da dimensão épica, pois o épico é o As singularidades solidamente destacáveis? Vejo apenas três: o que exibe, no intervalo da representação, a coragem da verdade. marxismo, a psicanálise e a hermenêutica alemã. Para Brecht, a arte não produz nenhuma verdade, mas é uma Ora, é claro que, em matéria de pensamento da arte, o mar elucidação, supostamente verdadeira, das condições de sua cora xismo é didático; a psicanálise, clássica; e a hermenêutica hei gem. Aarte é, sob vigilância, uma terapêutica da covardia. Não da deggeriana, romântica. covardia em geral, mas da covardia diante da verdade. É eviden Que o marxismo seja didaticista não deve ser provado em pri temente por isso que a figura de Galileu é central e também por meiro lugar pela evidência dos ucasses edas perseguições dos Esta isso que essa peça é a obra-prima atormentada de Brecht, peça na dos socialistas. A prova mais segura encontra-se no pensamento qual gira sobre si mesmo o paradoxo de uma epopéia interior da exterioridade do verdadeiro. original e criativo de Brecht. Para ele, existe uma verdade geral e extrínseca, uma verdade de caráter científico. Essa verdade é o Que a hermenêutica heideggeriana ainda seja romàntica é, a materialismo dialético, e Brecht jamais duvidou de que ele consti meu ver, evidente. Aparentemente, ela expõe um entrelaçamento tuía o alicerce da nova racionalidade. Essa verdade, em sua essên indiscernível do dizer do poeta e do pensar do pensador. Avanta cia, é filosófica, e o "filósofo" é o personagem-guia dos diálogos gem cabe contudo ao poeta, pois o pensador não é outra coisa didáticos de Brecht; é ele que é encarregado da vigilância da arte senão o anúncio da reviravolta, a promessa do advento inespe pela suposição latente daverdade dialética. Noque por sinal, Brecht rado dos deuses no auge da aflição, a elucidação retroativa da é stalinista, se compreendermos por stalinismo, como se deve, a dimensão histórica do ser.Já o poeta desempenha, no que lhe diz fusão da política e da filosofia materialista dialética sob a jurisdição respeito, no cerne da língua, a função de guardião obliterado do Aberto. da última. Ou digamos que ele pratica um platonismo stalinizado. O objetivo supremo de Brecht era criar uma "sociedade dos amigos Pode-se dizer que, no reverso do filósofo-artista de Nietzsche, da dialética", e oteatro era, sob muitos aspectos, o caminho para tal Heidegger exibe a figura do poeta-pensador. Mas o que nos im sociedade. O distanciamento éum protocolo de vigilância filosófica porta, e caracteriza o esquema romântico, é que éa mesma verda "em ato" dos fins educativos do teatro. Aaparência deve ser colo deque circula. O retraimento do servem à mente no conjuntamente cada à distância de simesma, a fim de que seja mostrada, no pró do poema e de sua interpretação. Ainterpretação só faz entregar prio distanciamento, a objetividade extrínseca do verdadeiro. ()poema ao tremor da finitude, em que o pensamento se exercita 16 17 ARTEEFILOSOFIA PEQUENO MANUAL DEINESTÉTICA não adesignação adequada das operações dessa arte.Tiveram mais em suportar O retraimento do ser como esclarecido. Pensador e um papel de representação do que de entrelaçamento. É que as poeta, em seu apoio recíproco, encarnam na palavra aabertura de vanguardas foram apenas a busca desesperada e instável de um sua clausura. Nisso o poema permanece de fato inigualável. esquema mediador, de um esquema didático-romântico. Foram didá A psicanálise é aristotélica, absolutamente clássica. Para se ticas por seu desejo de dar um fim à arte, pela denúncia de seu convencer disso, basta reler tanto os ensaios de Freud sobre a caráter alienado e inautêntico. Românticas também, pela convicção pintura quanto os de Lacan sobre o teatro ou a poesia. Neles, a de que a arte deveria renascer de imediato como absolutez, como arte é pensada como aquilo que organiza apenas o objeto do consciência integral de suas próprias operações, como verdade ime desejo, o qual é insimbolizável, seja ele subtraído do próprio diatamente legível de si mesma. Consideradas como proposta de auge de uma simbolização. A obra faz desvanecer, em seu apa um esquema didático-romântico, ou como absolutez da destruição rato formal, a cintilação indizível do objeto perdido, pelo que ela criadora, as vanguardas eram, antes de mais nada, anticlássicas. prende a si, irresistivelmente, o olhar ou o ouvido daquele que a Seu limite foi que não puderam selar aliança, em caráter dura ela se expõe. A obra de arte encadeia uma transferência, porque douro, nem com as formas contemporâneas do esquema didático exibe, em uma configuração singular e tortuosa, o encetamento nem com as do esquema romântico. Empiricamente, o comunismo do simbólico pelo real, a extimidade do objeto, causa do desejo, de Breton e dos surrealistas permaneceu alegórico, assim como o ao Outro, tesouro do simbólico. Daí seu efeito último perma fascismo de Marinetti e dos futuristas. As vanguardas não conse necer imaginário. guiram ser, como era seu destino consciente, a direção de uma Eu diria então: o século xx, que essencialmente não modificou frente unida anticlássica. A didática revolucionária condenou-as as doutrinas do entrelaçamento entre arte e filosofia, nem por isso pelo que tinham de romântico: o esquerdismo da destruição total deixou de sentir a saturação dessas doutrinas. O didatismo está e da consciência de si moldada ex nihilo, a incapacidade para a saturado pelo exercício histórico e estatal da arte a serviço do ação ampla, adivisão em grupúsculos. O romantismo hermenêutico povo. O romantismo está saturado pelo que há de pura promessa, condenou-as pelo que tinham de didático: aafinidade revolucioná sempre ligada à suposição do retorno dos deuses no aparato ria, o intelectualismo, o desprezo pelo Estado. E sobretudo por heideggeriano. E o classicismo está saturado pela consciência de que o didatismo das vanguardas se assinalava por um voluntarismo si que a demonstração completa de uma teoria do desejo lhe estético. Ora, sabe-se que, para Heidegger, avontade éaderradeira proporciona: daí, caso não se ceda às miragens de uma "psicaná representação subjetiva do niilismo contemporâneo. lise aplicada", a convicção ruinosa de que a relação da psicanálise Hoje, as vanguardas desapareceram. A situação global é final com a arte é sempre apenas um serviço prestado à própria psica mente aseguinte: saturação dos três esquemas herdados, encerra nálise. Um serviço gratuito da arte. mento de qualquer efeito do único esquema tentado nesse século, Que os três esquemas estejam saturados tende a produzir hoje que era de fato um esquema sintético, o didático-romantismo. uma espécie de desenlaçamento dos termos, um desrelaciona mento desesperado entre a arte e a filosofia, bem como a queda pura e simples do que circulava entre elas: o tema educativo. Atese em torno da qual este pequeno livro não passa de uma As vanguardas do século, do dadaísmo ao situacionismo, não sC~riede variações será então: diante de uma situação de saturação passaram de experiências de escolta da arte contemporânea, e 19 18 PEQUENO MANUAL DEINESTÉTICA ARTEEFILOSOFIA e isolamento, deve-se tentar propor um novo esquema, um quarto Imanência: aarte é rigorosamente coextensiva àsverdades que modo de entrelaçamento entre filosofia e arte. prodigaliza. O método de investigação será de início negativo: o que os Singularidade: essas verdades não são dadas em nenhum outro três esquemas herdados, didático, romântico e clássico, têm em lugar a não ser na arte. comum, e que seria o caso hoje de se desfazer? Esse "comum" Nessa visão das coisas, o que ocorre com o terceiro termo do dos três esquemas diz respeito, creio, à relação da arte com a entrelaçamento, a função educativa da arte?Aarte educa simples verdade. mente porque produz verdades e porque "educação" jamais quis Ascategorias dessa relação são a imanência e a singularidade. dizer nada além (a não ser nas montagens opressivas ou perverti "Imanência" remete àseguinte questão: será que averdade é real das) do seguinte: dispor os conhecimentos de tal maneira que mente interior ao efeito artístico das obras? Ou a obra de arte não alguma verdade possa se estabelecer. passa do instrumento de uma verdade exterior? "Singularidade" Acoisa pela qual a arte educa é simplesmente asua existência. remete a uma outra questão: a verdade testemunhada pela arte é Trata-se apenas de encontrar essa existência, o que quer dizer: absolutamente própria a ela?Ou pode circular em outros registros pensar um pensamento. do pensamento operante? Afilosofia deve, a partir de então, no que diz respeito à arte e Ora, o que se constata? Que, no esquema romântico, a relação a todo procedimento de verdade, mostrá-Ia como tal.Afilosofia é da verdade com a arte é de fato imanente (a arte expõe a descida de fato a intermediária dos encontros com as verdades, a alcovi finita da Idéia), mas não singular (pois se trata daverdade, e o pen teira do verdadeiro. Eda mesma maneira que a beleza deve estar samento do pensador não se coaduna com nada que difere do na mulher encontrada, mas não é absolutamente exigida da alco que o dizer do poeta desvela). Que, no didatismo, a relação é cer viteira, as verdades são artísticas, científicas, amorosas ou políti tamente sirtgular (só a arte pode expor uma verdade sob aforma cas, e não filosóficas. de aparência), mas de modo algum imanente, pois em definitivo O problema concentra-se, então, na singularidade do pro aposição da verdade éextrínseca. Eque, finalmente, no classicismo, cedimento artístico, no que autoriza sua diferenciação irredutível trata-se apenas do que uma verdade coage no imaginário, sob a por exemplo com relação à ciência, ou com à política. forma do verossímil. Deve-se ver que, sob sua simplicidade manifesta, eu diria quase Nos esquemas herdados, a relação das obras artísticas com a sob sua ingenuidade, atese segundo aqual aarte seria um procedi verdade jamais consegue ser ao mesmo tempo singular eimanente. mento de verdade sui generis, imanente e singular, é na realidade Afirmar-se-á, portanto, essa simultaneidade. O que também se uma proposta filosófica absolutamente inovadora. A maioria das diz: a própria arte é um procedimento de verdade. Ou ainda: a conseqüências dessa tese ainda está velada, e ela obriga a um identificação filosófica da arte depende da categoria de verdade. considerável trabalho de reformulação. Vê-se um sintoma quando Aarte éum pensamento cujasobras são oreal(enão oefeito). Eesse se constata que Deleuze, por exemplo, continua a conduzir a arte pensamento, ou as verdades que ele ativa, são irredutíveis às ou para o lado do sensível como tal (afeto e objeto de percepção), tras verdades, sejam elas científicas, políticas ou amorosas. O que em continuidade paradoxal com o motivo hegeliano da arte como também quer dizer que a arte, como pensamento singular, é "forma sensível da Idéia". Elesepara assim a arte da filosofia (desti irredutível à filosofia. nada apenas à invenção dos conceitos), segundo uma modalidade 20 21

Description:
BADIOU,_Alain__Pequeno_Manual_de_Inestética.pdf
See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.