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Avaliação das ciências sociais PDF

21 Pages·1996·1.4 MB·Portuguese
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Ciência e Tecnologia no Brasil: a Capacitação Brasileira para a Pesquisa Científica e Tecnológica Volume 3 Simon Schwartzman (coord.) Antônio Paes de Carvalho Antonio C. Paiva Carlos J. P. de Lueena Eduardo Krieger Fábio Wanderley Reis Fernando Galembeck Geraldo L. Cavagnari Filho João Lúcio Azevedo José M. Rivéros Oswaldo Luiz Ramos Sandoval Carneiro Jr. Sérgio M. Rezende Sônia M. C. Dietrich Umberto G. Cordani Walzi C. Sampaio da Silva FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS EDITORA I ISBN 85-225-0206.4 Sumário Direitos desta edição reservados à Fundação Getulio Vargas Praia de Botufogo, 190-_ 22253~900 CP 62.591 --CEP 22252-970 Rio de Janeiro, RJ - Brasil Apresentação VII Documentos elaborados para o estudo de ciência política realizado pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, para o :Ministério de Ciência e Tecnologia, no A capacitação braslleira para a pesquisa, âmbito do Programa de Apoio ao Desenvoh.'imento Científico e Ta:nológico (PADCr 11). As opi niões expressas nestes artigos são de exclur.iva responsabilidade dos autores. Eduardo M. Krieger e Fernando Galembeck 1 É vedada a reprodução total ou parcial desta obra. Biotecnologia, Antônio Paes de Carvalbo 19 Copyrighr © Fundação Getulio Vargus Botânica, ecologia, genética e zoologia, 1~ edição _ 1996 Sônia M. C. Dietricb 73 C()ort!eiUldor dti projelO: Simon Schwartzman Avaliação das ciências sociais, Fábio Wanderley Reis 93 Ediç{j() dQ texto: Lucia Klein Copidesque: Maria Isabel Penna Buarque de Almeida Computação, Carlos l. P. de Lucena 123 Editoraçiio eletriJnica: Denilza da Silva Oliveira, Blinne da Silva TOrfes, layr Peneira Vaz e Marilza Azevedo Barboza Engenharia, Revisão; Aleidis de Beltran, Marco Antonio Corrêa e FCttima Cwuni Sandoval Carneiro Jr. 149 Produção gr4fica: Helio Lourenço Netto Física, Sérgio M. Rezende 177 Phvsiolocical sciences (fisiologia), 'Antonio C. Paiva 215 Geociências, Umberto G. Cordani 239 Ciênciae tecnologia 00 Brasil: a capacitação brasiieim para a pesqUIsa lntcliqência artificial) científica e tecnológica, v. 3 I Simon Schwartzman (coord.). _ Rio de W:lzi c. Sampaio da Silva 263 Janeiro: Editora Fundação Getulio \4lrgus, 1996, 420p. Pesquisa agropecuári~ João Lúcio Azevedo 287 V, I publícado em inglês sobo título: Science alld technology in BmziJ: a new palie)' for a global world, I Pesquisa e tecnologia militar, I. Ciência e tecnologia_ Brasil. 2, Ciência e estado _ Brasil. 3. Tec Geraldo L Cavagnari Filho 321 nologia e estado - Brasil. I. Schwartzman, Símon, 1939- L Fundação Getulio Vargas. Química, José M. Rivera. 359 CDD-607.281 Saúde, Oswaldo Luiz Ramos 389 Apresentação Com este terceiro volume a Fundação Getulio Vargas completa a publicação dos trabalhos preparados para o estudo sobre a política de ciência c' tccnologia no Brasil, realizado entrc 1992 e 1993 pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. I Os dois primeiros volumes incluíram, como capítulo inicial, um documento síntese com as principais recomendações e conClusões derivadas deste estudo, além de uma série de trabalhos sobre o con texto mais amplo, nacional e internacional, no qual a atividade de pesquisa cien~ tífica e tecnológica se desenvolve. Este volume reúne uma série de trabalhos sobre áreas específicas do conhecimento - escritos por autores de destaque nas respectivas áreas de pesquisa - que são precedidos por um documento síntese preparado por Eduardo Krieger e Fernando Galembeck. Ainda que realizados com o apoio do Ministério de Ciência c Tecnologia, no âmbito das atividades do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT II), desenvolvido em colaboração com Banco Mundial, estes trabalhos foram escri Q tos com toda independência por seus autores e não refletem necessariamente as opiniões do governo brasileiro, do Banco Mundial ou do responsável pela coor denação do estudo.2 Em seu conjunto, e cada qual a seu modo, todos estes traba1hos contam uma história semelhante e têm uma origem comum. A ciência brasileira deu seus pri meiros passos mais significativos no início do século XX e vem desde então ten tando encontrar seu lugar na sociedade brasileira.3 Nos anos 30, mm a criação da Universidade de São Paulo, e depois da Universidade do Brasil, a pesquisa cien tífica encontra um nicho no nascente sistema universitário. Os anos do pós guerra são um período de grande otimismo quanto aos beneficias que a ciência e a tecnologia poderiam proporcionar ao desenvolvimento económico e social do país, e o intercâmbio científico e técnico com os países desenvolvidos se intensi fica, enquanto são criadas as primeiras instituições nacionais de fomento à pes~ quisa, dentre as quais a Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo e o Conse lho Nacional de Pesquisas (CNPq). Os anos de regime militar se iniciam com I Os volumes anteriores· são: Schwartzman. S. (coord,), Sciel1ce and techn%gy in Brozil: c new policyfor a global ward, Rio de Janeiro. Fundação Getulio VargllS. 1995; e Schwartzman, S. (cQQrd.), Ciência e tecnnlügia no BrasíJ: poilÍica indu,ftríal, mercado de trabalho e instituiçiies de apoio, Rio de Janeiro. Fundação Getulio Vargas. 1995. 2 Ainda que escritos entre .1992 e 1993. todos os trabalhos foram revistos em 1995 para esta edição. Na maioria dos casos não houve, no entanto, atualização dos dados, que têm corno referência o ano de t993. l Para uma visão em conjunto dessa história, ver Schwartzman, S, A space for sâence; lhe deveIop· .1 menJ 01 lhe scientific comnumiiy ln Brozil. Universit)' Park:. PennsyJvania. State University Press. 1991. VII conflitos intensos entre o governo e muitas das principais instituições científicas do país, mas, a partir sobretudo de meados da década de 70, os investimentos tar ainda insiste no papel do Estado como grande investidor em ambiciosos pro governamentais na área científica e tecnológica se íntensíficam~ e o governo jetos de alta tecnologia, enquanto Pac, de Carvalho, no outro, trata de identificar federal se reorganiza para apoiar a pesquisa de fonna mais consistente e com os mecanismos de ativação da iniciativa privada na área da biotecnologia. Entre maiores recursos. São os anos de criação do sistema nacional de pós-graduação, Os ~O!s, o trabalho de Lucena, sobre computação, testemunha a passagem de uma da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), da reformulação do CNPq e do pollúca de fechamento e auto-suficiência, que caracterizou o início dos anos 80 início da política nacional de informática, assim como da implantação do pro para uma política de muito mais abertura ao setor privado e ii tecnologia intema~ grama nuclear e de outros projetos de grande porte, sobretudo militares. A polí ClOnai, na qual o Estado continua a ter um papel central. Não se trata, somente, de tica do "Brasil Potência", que teve seu auge no governo de Ernesto Geisel, não d~er~nças entre autores, mas sobretudo de diferenças entre áreas, mostrando que tem continuidade no governo João Batista Figueiredo! nem é retomada tampouco nao e possível tratar todos os campos da pesquisa científica e tecnológica em um pelos governos civis que se sucederam desde 1985. O Brasil que emerge de 20 mesmo modelo de ação pública governamental. Apesar das diferenças, todos anos de regime militar é um país com graves desequilfbrios econômieos, sociais e estes trabalhos coincidem na noção de que não basta investir na pesquisa tecnoló gICa, nem na pesquisa acadêmica, para que bons resultados comecem a aparecer, institucionais, que precisam ser administrados em um ambiente de intensa com petição político-partidária, e neste quadro o setor de ciência e tecnologia não COn s~ os mecanismos de articulação e passagem entre os centros geradores de conhe-" segue ser mais do que um entre tantos na disputa por recursOS públicos cada vez CImentos e os usuários de seus produtos não estiverem adequadamente identifica dos e azeitados. mais escassos. O curto período, de menos de 10 anos, em que o setor de ciência e tecnologia . .~ ois trabalhos deste conjunto, sobre as ciências sociais e sobre a inteligêncía no Brasil pôde contar com recursos relativamente abundantes não foi suficiente artIfICial, foram escritos com um espírito diferente e chamam a atenção para outros para que cientistas e tecnólogos demonstrassem os eventuais benefícios que seus problemas, não contemplados nos demais, As ciências sociais e humanas nunca trabalhos poderiam trazer ao país, mas bastou para criar um conjunto muito signi c?nvi,,~eram de forma confortável com as ciências físicas e biológicas. e seu status ficativo de instituições e grupos especializados, que ficaram depois com a frustra CIentífICO tende a ser continuamente contestado. tanto por cientistas naturais ção do trabalho interrompido. Em maior ou menor grau, todos os trabalhos incluí quanto por seus próprios especialistas. No Brasil! as ciências sociais e as humani dos neste volume espelham a visão de que a pesquisa brasileira cresceu, mas não o dades não eram reconhecidas pelo CNPq até os anos 70. e ainda hoje não têm suficiente, e nem sempre com a qualidade que seria desejável. Existem centros e entrada na Academia Brasileira de Ciências e não recebem apoio do PADCT. O grupos de pesquisa de excelente nível, mas outros nem tanto. A falta de recursos é trabalho de Wanderley Reis sobre as ciências sociais é o único que coloca em um problema grave, mas mais séria ainda é a instabílidade institucional. a imprevi questão o conteúdo dos conhecimentos produzidos pela área qne analisa, e sua sibilidade e a falta de políticas bem definidas. As agências de fomento à pesquisa conclusão é bastante ~ontundente; as ciências sociais são, em princípio, tão cientí precisariam ser aperfeiçoadas, trabalhar melhor. O governo deveria ter políticas ficas. qnanto as demais áreas do conhecimento, mas, quando avaliadas deste ponto que estimulassem um interesse maior do setor produtivo pela ativídade de pes de VIsta, o que se produz no Brasil está muito longe dos padrões internacional quisa e desenvolvimento tecnológico. Todas essas considerações são de extrema mente aceítos. Esta conclusão. fadada a levantar controvérsias nos meios acadêmi importância, sobretudo quando vistas no contexto de cada área do conhecimento. cos, abre duas questões que nâo reríamos como desenvolver aqui, mas que devem É relativamente escassa, no entanto, a discussão sobre se a estratégia de desenvol ser assinaladas. A primeira é se problemas de conteúdo semelhantes aos identifica vimento científico e tecnológico que começou a se armar na década de 70 tinha dos por Wanderley Reis nas ciências sociais não surgiriam também nas ciências realmente um futuro promissor, e sobretudo se seria realista tentar voltar às condi naturais, ~e estas fossem submetidas a escrutíoios equivalentes. No Brasiljá se uti ções daqueles ànos, dadas as profundas modificações havidas desde então, tanto lIzam mdlcadores de produtividade, como publicações, citações, teses aprovadas nO país quanto no mundo. É esta preocupação que preside, por outro lado, a etc., como próxis de qualidade dos trabalhos cíentiticos, mas não existe, nas ciên cias naturais, a tradição de examinar de maneira crítica e aberta o trabalho reali maioria dos trabalhos publicados nos dois volumes anteriores deste projeto. zado pelos colegas, como é usual na área das ciências humanas e sociais. Vários destes trabalhos, sobretudo os relacionados com áreas mais aplicadas como a pesquisa agropecuária, a pesquisa militar, a computação, a biotecnología A segunda questão, mais complexa, é se o padrão de "científicidade" seria o e a qufmica, colocam o dedo em duas questões centrais, que são o relaciona melhor critério para avaliar todo o trabalho que Se realiza no país não só na área mento difícil e complexo entre as atividades de pesquisa e suas aplicações, e o das ciências sociais e humanas, mas também em todo o conjunto de atividades papel do Estado e do setor privado. A leitura conjunta destes trabalhos é extrema ~ue aparecem usualmente sob o nome genérico de 4'ciência e tecnologiaU, Uma mente ilustrativa. Em um extremo, o texto de Cavagnari sobre a tecnologia mili- literatura crescente questiona a existência de uma demarcação clara entre a Hciên_ da" e outras atividades relacionadas com o conhecimento, tanto nas ciências .11 VIII IX naturais quanto nas ciências sociais, em atividades como a educação, a inovação A capacitação brasileira para a pesquisa tecnológica, a difusão de conhecimentos e a elaboração de conceitos e interpreta ções simbólicas, que seriam mais típicas da política, da literatura e da história. Nesta visão, as ciências naturais estariam muito mais próximas das ciências sociais e das humanidades do que normalmente os cientistas estão dispostos a Eduardo M. Krieger* admitié Uma conclusão extrema, e certamente inadequada, desta visão seria Femando Galembeck** desqualificar todo trabalho que se procure fazer em nome da ciência e, dessa maneira, o pr6prío esforço de dar ao pais uma base científica e tecnológica moderna digna deste nome. A outra conclusão, muito mais difícil. mas cada vez 1. Introdução mais inevitável, é começar a distinguir com mais clareza o que é a atividade cien tífica propriamente dita, segundo o consenso das comunidades especializadas, e o Os estudos reunidos neste livro tratam da capacitação brasileira para as ati que são outras atividades eventualmente tão meritórias como esta, mas que preci vidades de pesquisa e desenvolvimento em diferentes disciplinas científicas e sariam ser conhecidas e avaliadas em seus próprios tenuos. profissjonais: computação; física; química; geociências; engenharias; ciências O texto de Sampaio da Silva coloca o dedo na questão da interdisciplinari biol6gicas, fisiológicas, da saúde e agrárias; biotecnologia; pesquisa militar; inte dade em Uma área particularmente diffcil, a da inteligência artificial, que requer á ligência artificia) e ciêncÍas sociais. que compõem parte significativa do conheci convergência das ciências ffsicas, biológicas, sociais e da filosofia. Aqui, como mento científico e tecnológico contemporâneos, com grande impacto sobre a cul em outras áreas, existem pessoas e grupos bem qualificados, mas ela sofre de um tura. as atividades econômicas e o desenvolvimento social. F...ste texto tem por problema especial-a falta de espaços institucionais adequados para seu cresci objetivo oferecer uma interpretação global dos resultados desses estudos e apre mento e desenvolvimento." A pesquisa científica e tecnológica no Brasil, organi sentar algumas propostas e sugestões para o encaminhamento da área de ciência e zada sobretudo em departamentos universitários, se estrutura em função de facul tecnologia no BrasiL dades profissionais, das disciplinas acadêmicas clássicas ou, no máximo, de algu O impacto das ciências da matéria sobre as ciências biológicas, da saúde e mas áreas aplicadas tradicionais, como a engenharia e a pesquisa agropecuária, e agrárias é muito grande e tem aumentado nas últimas décadas. Desde a emergên tem pouqufssimas condições de se organizar de forma semelhante àquela em qu~ cia da biologia molecular, que tornou possível a engenharia genética, muitos dos aS alividades de pesquisa vêm se estruturando em todo o mundo desenvolvido.' cientistas e tecnólogos da."í áreas Hexatas" passaram a incorporar as implicações A discussão sobre o caso da inteligência artificial sugere que não basta insistir n. biológicas do seu trabalho como um fator que pesa na decisão sobre a escolha e necessidade do trabalho interdisciplinar, nem na necessidade de outras caracterís definição de seus projetas. Por sua vez, os progressos nas áreas biológicas cria ticas que seriam típicas e essenciais para a pesquisa científica e tecnológica ram desafios, oportunidades e instrumentos para a pesquisa matemática e físico modernas, se não tivennos condições de entender e trabalhar também as estrutu química. o mesmo ocorrendo, embora em menor escala, entre as ciências da ras institucionais e culturais mais profundas sobre as quais nossa pesquisa cientí matéria e as ciências humanas. fica e tecnológica ainda se equilibra com tanta precariedade" O desenvolvimento e a produção de muitos setores econômicos dependem das ciências da matéria e das engenharias, como é o caso da indústria extrativa Simon Schwartzman mineral e suas correlatas, de grande parte da indústria de transformação, de bens de capital e de bens de consumo duráveis, das empresas de utilidades (telecomu nicações, energia, água e esgotos), dos serviços bancários e da indústria de anna- mentos e defesa. " As ciências da vida, por outro lado, têm um grande impacto sobre a saúde humana e animal, e sobre a agricultura e a prodUÇão de alimentos" O prolonga mento e a melhoria de qualidade da vida humana, o combate à fome, a manuten 4 Uma das referencias mais conhecidas e p<llêmicas é Latour. Bruno. Science iII m:tion; Jww to follow ção de ecossistemas ricos e da biodiversidade e uma importante fração das ati vi- scientists and engineers through society, Milton Keynes, Open Universitj' Press. 19&7. 5 Ver, a respeito, Gibbons, Michael; Limoges, Camille; Nowotny, Helga; Schwartzman. Simon; Scott, Peter & Trow, Martin. The mm' prnduction of knowledge - the dynamics of scíence and research in * Instítuto do Coração, São Paulo. contempurary societies. London, Sage. 1994. ** Instituto de Química da UuiveíStdade Estadual de Campinas. x Avaliação das ciências sociais Fábio Wanderley Reis* 1. Introdução Este ensaio se compõe de três partes principais. A primeira procurará ava liar os méritos científicos da área das ciências sociais na atualidade brasileira. Na segunda se fará uma breve "sociologia das ciências sociais brasileiras", atenta para as condições do contexto social e institucional em que elas se desenvolvem e para o condicionamento que o contexto exerce sobre os aspec tos positivos e negativos revelados pela avaliação. Da combinação das observa ções das duas primeiras partes se extrairão as recomendações a serem feitas na terceira. 2. Méritos científicos das ciências sociais A área de ciências sociais no país é heterogênea. Ela não apenas inclui disciplinas diferentes e caracterizadas às vezes por perspectivas contrastantes, mas há nela também, mesmo dentro de detenninada disciplina, centros e pro gramas de ensino e pesquisa - sem falar de profissionais ou pesquisadores individuais - de qualidade desigual. A avaliação que se segue é um depoi mento baseado na experiência e no ponto de vista pessoais do autor. Ela des taca sobretudo certos grandes traços que parecem importantes na caracteriza ção do estado-da-arte na área, sem procurar mapear com precisão os matizes na ocorrência de tais traços. Duas outras observações preliminares. A primeira é a de que, não obstante as diferenças na qualidade do trabalho desenvolvido em centros e programas diversos, as críticas que se fazem abaixo se aplicam também aos melhores cen tros e programas, que constituem mesmo a principal referência na avaliação dos problemas e carências da área. A outra observação é a de que o foco principal é aqui inequivocamente o da avaliação da qualidade da ciência social produzida. Esse foco contrasta não apenas com certas fonnas usuais em procedimentos estabelecidos de avaliação, nas quais o espinhoso problema da qualidade é esca moteado numa profusão de índices e relações quantitativas cuja ligação com aquele problema freqüentemente está longe de ser clara; ele contrasta também com certa maneira de entender mesmo o exame "qualitativo" de diferentes áreas, no qual, por exemplo, se descreve a estrutura dos programas de ensino ou * Diretor do Instituto Brasileiro d~ Estudos Contemporâneos, de Belo Horizonte. II 93 se lisillm disciplinas obrigatórias e optativas, sem que se a dizer se o tra balho execuilldo li bom ou ruim - e evitando-se especialmente a necessidade fica e jurídica se viam vigorosamente desafiadas pelo movimento Que se tornou de dizer que () que quer que é ruim. Um exemplo Se tem em relot6rios pro conhecido como behavioralism, no qual se incorporam à dis.cip1in~ muitos dos duzidos recememente pela Comissão de Pós-graduação da Associação Nacional mesmos traços apontados na socio1ogia. No BrasiJ. inaugura-se t"'ntão. l:,;(,mo de Pós-graduação e Pesqui .. em Ciêndas Sociais (Anlloc,): lendo essa com is pane.?a movimentação que re~ull1l na implantação da pós-graduação brasileira silo se prop(}Slo explícitamenle realizar um exame da área que rosse além dos cm CIenclas SOClalS, uma fase de intercâmbío internacional mais intenso. envol indkad'lfes quanUtativos usados nas avaliações da Capes, o texto produzido vendo o afluxo de numerosos estudantes fi programas p6s~graduados, primeiro e",ta cuidadosamente qualquer avaliaç.o real (Allpocs, s.d.:28). Devido ao na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flaeso), mantido pela "corporativismo~' ou a outras razões, críticas autênticas não são bem-vindas na Unesco em Santiago do Chile desde a década de 50, e posterlom1elltc em uni cultura dominante das ciências sociais brasileiras da atuaHdade. versidades européias e, especialmente, norte-americanas. A COIlStrução da pós graduação brasileira incorpora inicialmente, assim O ínlpulso renovador e o t empenho de apuro teórico e metodológico que se davam nos centros mais íwan çados. o objelivo de avaliação nos coloca fatalmente diante de questões relativas É possível destacar dois Centros brasileiros qUe melhor exemplificam essa a concepçoos de teoria e método, indispensáveis para a estipulação dos padrões tendência: o Departamento de Ciência Política da UFMG e o Instituto Universi que guiarão a avaliação. As dificuldades que brofam daí têm ii ver com o fato tária de P~squisas do Rio de Janeiro (Iuperj), nos quais têm início, no período de que as ciências sodais tendem a caracterizar-se por intennjnáveis querelas a fl.nal da decada de 60, programas de mestrado em ciência política e em sociolo este respeito, nas quais se confrontam propostas te6rico-metodol6gicas que se gIa que contaram com imporl1lnte apoio da Fundação Ford, O perfil do trelna percebem como alternativas e mesmo como a!!tugôniaa •. Seja quul for a inten m;"'.to neles dado aos estudantes destacava a familizarização com a produção sidade do debate teórico-metodológico, porém, é claro que ele pode ser tam teonca malS avançada desenvolvida nos Estados Unidos e, especial mente~ a bém mais ou menos sofisticado ou pobre, e " ponto crucial de uma adequada preocupação COm a adequada exposição dos estudantes ii metodologia analitiea avalíação das ciências SOcilÔS brasileiras da atualidade consisre no reconheci e quantitativa, com ênfase na colela~ tratamento e anáHse de dados de surl.:ey, O mento d" pobreza d,\ fonnação teórico-metodológica que recebem corrente modelo de ciência sociai que aí se procurava colocar em prática era não apenas mente nossos cientistas soci.uis. Certamente se observa no momento" entre n6s, o de uma ciência camcterizada pelo rigor analítico e pela propensão ii quantil1- o arrefecimento do debate metodológico, e parte das razões se encontra no arre cação e talvez à fonnalizaçiio, mas também o de uma ciência de vocação decidi fecimento de certo tipo de luta político-ideol6gica que o alimentava tempos damente teórica e nomológica, empenhado na obtenção de um conhecimento atrás; mas outra parte se deve ao fato de que nossos pl'Ofissionais não chegam p.S5 íve! de ser fonnu!ado em lernlOs genélicos e articulado em sistemas abstra sequer a ser expostos de maneira apropriada a certos fundamentos teórico tos, No que se refere à maneira de conceber as relações entre as dêndas sociaIS metodológicos que em determinado momento puderam surgir como "ortodo e as ciências exatas ou naturais; essa perspectiva Sllslenta que o método clenti xia" sujeita a contestações. E a relativa serenidade atual é antes expressão da . fico é inequivocamente apHcável ao campo dos fenômenos humanos e s.ocíais. indigência associada fi um amorfismo metodologicamente desatento e desinfor Ela se opõe claramente, assim, ã idéiâ da contraposição inevHável entre l';duas madQ, cultu~'a~I', uma human,ista e outra cientffica. e se coloca em favor da suposição Um ponto importante de inflexão no processo de desenvolvimento das de afmldade entre as CIências naturais e sociais quanto aos pmbkmas básicos do I ciências sociais no país foi a implantação da pós-graduação, Ela se deu num método, tomada a expressão como dizendo respeito aos fundamentos 16gicos da '. momento em que o panorama internacional das ciências sociais (especialmente aceitação ou rejeição de hipóteses ou teorias. A contraposição entre as duas a ciência política e a sociologia) se achava marcado pela anrmação recente, par perspectivas ou "culturas" encontra celta correspondência com a contraposição I ticularmente nos Estados Unidos, de certa perspectiva mais comprometida com entre tipos de disciplinas no interior da própria área das ciências sociais, o que o objelivo de constituir uma ciência, propriamente, da sociedade. No campo da tem conseqüências imporillntes para cerlos aspectos do diagnóstico do estado sociologia, havia o recurso crescente a métodos quantitativos c rigorosos, o aluaI das ciências sociais brasileiras. Enquanto a sociologia e a ciência politica, desenvolvimento das técnicas de survey, o empenho de estabelecer correspon em correspondência com os mO'vimentos de renovação assinalados. se encün dênda entre a reflexão teórica e o trabalho de pesquisa empírica e de buscar que t~am ma.is.pr6xin:as do pa~rão <'científjco", caracterizado pelo apego ao rigor, à I ambos se fizessem de maneira tanto quanto possível sistemática e cumulativa. slstematlCldade. a generalização e pelo menos à busca de cumuIatividade, a No campo da ciência política, as tradicionais abordagens de orientação filo só- antropologia e a história estariam em geral mais próximas do padrão "huma nista" e Hídiográfico" de trabalho, CQm a ênfase no qua1itarivQ e no dCNcrilívo. a r ( valorização da dimensão temporal ou histórica dos fenôm~nos e d~ su~s _conse qüentes "peculiaridades". o relativismo, a confian.ça deposltada na tntUlçao e na (Anpocs, s.d.). Quanto ao Iupetj, a situação é mais confusa e oscilante, com "compreens ã o " e t c. 1 momentos de ênfase no treinamento metodológico e outros em que, por exemplo, talvez exista a exigêncía de metodologia em um dos programas (Ciência política), *** mas não no outro (sociologia). É certo, contudo, que a ênfase em metodologia foi pequena. no Iupelj, no período recente. e a disciplina não vinha sendo oferecida A e,ar da dinâmica inicial da implantação da pós-graduação, que se ilu8tr~ com regularidade como obrigatória (Anpocs, s,d,:21). Se este é o quadro no que com osP c asos d o DCP/UFMG e do lupel]'' dificihn.ente se po dena pretender1 q'tu e' fa se refere aos dois programas que tendem a aparecer como mais ~'consolidados" rs ectiva 'tcientífica" tenha chegado a amadurecer efettvamente e a cons 1 Ul ~ nas avaliações internas da área (Anpocs, s.d., anexo 6), parece natural que, nos e~ po~e : real ortodoxia no Brasil. Ao contrário, ela sofreu prontamente, umãa demais., o ensino e a aprendizagem de metodologia, mesmo se fmmalmente se r, osa reaça'" o provem' ente de pe1 o me nOS .d uas fontes. Um'a. di.Z. .r ens pífeiIctao' l as ruersclcSe~ trata de disciplina "obrigatória"'. sejam geralmente conduzidos de maneira ritua~ tências político-ideológicas indicadas aCIma. A perspectiva cle t p, _ lística e estéril. lÍ .. rr q e se expressarta em seus vm ~()~;;Z;;:~~e~~O:a~:~::a l~~d:S ~nidos O resultado geral é que a situação atuaI se caracteriza por deficiências aq'l como ::8 (com a ciência social cu os com e . ' recebido no Brasil, da importantes - avaliação esta que obviamente se faz com base na adesão aos "acadêmíca'\ em contraposição à ma~lsta), e ,no apOIO america'no A segunda supostos fundamentais da perspectiva aqui caracterizada como "científica", Entre ;o~~a~~~ ~:d~I~~S:a c~:;;:::t~~~t:::fn"d~;~~~:n~eo~~-enfrentam~: tais deficiências ressalta a feição ~'histolicízante" ou mesmo 'jornalística" que pOlít;co tende a exibir o trabalho executado por nossos cientistas sociais (refiro-me a entre 'esquerda e direita, tem a ver com .o apeg~ de parcela imp~rtante s Clen IS sociólogos e cientistas políticos; o problema do status da antropologia será consi tas sociais brasileiros à tradição humamsta recem-mencIOnada, . d d d t a derado adiante),3 Com efeito, o trabalho empírico dos cientistas sociais brasilei Um dos traços pelos quais a situação atual revela a precane a e a pos ur ros dificilmente se pode distinguir, com freqüência, do trabalho que se suporia "cientifica" como suposta ortodoXI. a tem-se nO que se pode observ'ard quan to _a o fosse pr6prio do historiador - exccto talvez pela precária qualidade (com as ensino de metodologia e técnicas de pesquisa nOS p~ogr~mas de ~~~gr~t:~:~~ exceções que sempre existem) da historiografia produzida, já que falta aos nossos Em bora as listas de disciplinas ministradas como obngatonas nos . re profissionais das ciências sociais o treinamento específico. Afora os trabalhos I 'ncluam alguma disciplina de metodologia, os düls programas gmmas em gera 1 , , d olítlca que se ocupam em narrar e reconstituir, em perspectiva diretamente historiográ_ - "b'I',dade e prestígio nos campos da soc!Ologta e a cl'Ae ne•, " p , de maIor V1Sl 1 ( , _ "- . I ~d essa fica, fatos do passado-mais ou menos remoto, torna-se freqfiente uma espécie de isto é o da Universidade de São Paulo (USP) c o do !uperJ, MO tem me UI Os a "historiografia do presente", ou uma postura orientada pelo empenho de registro disci~:ina, :~:;~~::~:~~~:a~::~aN: ~;:r~ad~:g~~~;~;:e~ad~lo:ia jornalístico dos eventos, A perspectiva generalizante, ou a preocupação de apre no currículo a ensao sistemática de regularidades que sejam capazes propriamente de explicar sltuaçao e meqUídvoc , l' a fundamental e obrigatória (dá-se, aliás, a curiosidade entendida como lSCtp ma mas como Os da Universi- algum evento ou conjunto de eventos a qualquer título problemático, intrigante ontrário do que ocorre em outros progra ~ ou instigante (a definição dos problemas em tennos analíticos), se vê aí substi de que, ao c C' d Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dade Federal de Santa atarlna e a ., o o caso do tuída por uma orientação de pesquisa onde se define um "tema" recortado em ter "métodos" não constitui uma disciplina obngat6na na US?, tampouc _ n . 1) mos concretos (como que Um "pedaço" da realidade: o PSD, os militares no põs- programa de antropologia, onde supostamente ela teria uma felçao especla 64, a política social da Nova República ... ) e se procura levantar "tudo" o que diga respeito a tal tema, As perguntas que normalmente orientam tais trabalhos são do ---------.--,,-,- , -áf-:' tipo "o quê?" ou "como?" C'o que aconteceu?" ou "como aconteceuT'), nunca do --'o or onlfastc com o nomotético ou nornol6gico, é feita I A caracterização do metado lrllogr lCI), P ç 'ia e u história são justamente as disciplinas tipo "por quê?", e o papel do pesquisador consiste em contar O que lhe contaram, em Przeworski e Teune (1970). Note~~e qU~"a an~~~r~O~~~critivo dos fatos; não há equivalente desta ou o que leu em jornais velhos ou documentos de qualquer natureza, A freqüên ceo,n'iad.dpoee, d tnaeoímss dmçen~ aLmt"irtlo"a'\"rOb aeSls hdpoaa çosouo co"i potrolaosbgtuaialrh ae'o . " dd ae C.l:c:nnCCf1•U proe lI~ rl ea, p~ a a etnografia e a hiswriogrqfia como tipos pceiars dpee cttriavbaa: lheloess csuej orse fetírteumlo ss ecjoan taê mev ednattoass eosup encoímficeoss p Sróitpuraidooss én oe xtpermespsoiv ea ndoa 2 É imeresSaIHe reg.i strar que o Iupei]., um do s d0·1s centro, s destacamd ovso pluomr seu dae slitginauçdãoo CaO rmea ag ipre fcSopnetcr~a espaço, seja meSmo a entidades particulares (este ou aquele partido, por exem tiva "científica", já em meados da 1t~;~~ ~ 70 da~: ~~:'~~~e~te equivocado em seus postulados, pio), Pretende-se que a apreensão da "especificidade" dos eventos ou das entida- importantes aspectos dela: Nunes _' pe~~r de vários nomes que pareceriam filiados àquela esse volume veio a contar com a adesao recep tva perspectiva. :3 Alguns dos parágrafos seguIntes se varem, com várias reformulações, de Reis (1991). des em questão é um componente importante ou mesmo decisivo do esforço que vilegiar os atares de elite - é a elite que conspira e age como sinistra mão oculta se desenvolve - mas não se tem em conta que o específico não é senão a contra -, a vertente "antropológica" valoriza antes o plano do popular, e certa sensibili face do genérico e que, portanto, apreender apropriadamente o específico supõe dade para a "sabedoria popular" é um traço freqüentemente revelado (e reivindi comparação e teoria. cada) pelos trabalhos desse tipo. Daí o recurso às longas transcrições de depoi mentos em estado bruto de mulheres da periferia urbana ou seja qual for a cate Nos casos em que se trata de temas da atualidade ou do passado recente (de goria que se esteja estudando ... 6 certa forma mais "jornalísticos" na inspiração, portanto), tal perspectiva tende a exi bir a lógica da investigação detetivesca, onde se trata de desvendar o "oculto". Dois aspectos se podem assinalar em conexão com isso. Por um lado, especialmente no *** que diz respeito aos trabalhos de ciência política ou de sociologia política, tal lógica tende a associar-se, do ponto de vista substantivo, com uma visão conspiratória dos Naturalmente, os rótulos utilizados (feição "historicizante" ou 'jornalística", eventos e processos relevantes, e alguns dos casos de estudos de maior ressonância vertente "antropológica") para caracterizar a prática de muito da sociologia e da nessa ótica consistem em desvendar conspirações. Por outro lado, como a perspec ciência política brasileiras suscitam a questão de como a avaliação das ciências tiva geral em questão é analiticamente pobre, não é de admirar que a investigação jornalística ou detetivesca surja como o modelo a ser seguido: nele, o fundamental não é o enquadramento analítico adequado de determinado fenômeno ou o esclareci 6 Indic~d~res bastan~e expressivos da situação descrita nos últimos parágrafos se têm com os projetas mento de seu caráter de caso ou instância de uma regularidade que pode ser apreen que sohcltam finanCiamentos aos comitês especiais mantidos pela Anpocs e com os trabalhos apresen dida como tal, mas antes o acesso à fonte privilegiada (o informante bem situado, tados aos concursos, também patrocinados pela Anpocs, que visam escolher e premiar anualmente as muitas vezes secreto, que "conta tudo" ... ). A contrapartida é que, dada a pobreza melhores obras científicas e teses universitárias na área de ciências sociais. Quanto ao financiamento de projetos, a Anpocs mantém dois comitês, cujos recursos provêm da Fundação Ford, num caso, e da analítica, o interesse da investigação desenvolvida depende inteiramente do inte Fundação Inter-Americana, no outro. Este último comitê se destina explicitamente a financiar pesqui resse jornalístico ou detetivesco da "informação de cocheira" trazida.4 Daí decorre ~as sobre "processos de participação popular" no Nordeste e Norte do país, o que provavelmente tem que este modelo de pesquisa, quando executado por cientistas sociais, produza resul mfluência importante sobre o fato de que a enorme maioria dos estudos financiados ou é diretamente tados menos interessantes do que os da investigação propriamente jornalística: constituída de projetos antropológicos, ou compartilha certa perspectiva etnológica ou etnográfica (ver, enquanto o jornalista se dedica profissionalmente a cultivar as suas fontes e usual por ex:mpl?, Anpo~s, s.d., anexo 6). Mas se tomamos os projetos submetidos ao Comitê FordJAnpocs, onde nao ha tal restnção, a situação não se mostra diferente senão no sentido de que os projetos especi mente tem acesso a fontes privilegiadas de informação, o cientista social raramente ficamente antropológicos se vêem complementados por projetas !'historiográficos" destinados a levan conta com esse recurso. Claro, às vezes é possível utilizar arquivos ou materiais até tar e explorar temas definidos "concretamente" e às vezes situados por datas precisas, No concurso então desconhecidos ou inacessíveis, e, naturalmente, há conspirações efetivas cuja Ford/Anpocs de 1991, por exemplo, não menos de 70% dos projetos aprovados se caracterizrun, a jul explicação adequada interessa a uma ciência social genuína. gar por seus títulos, como antropológicos ou "historiográficos" no sentido indicado, ostentando títulos c~mo A campanha das Diretas-Já, O Departamento Nacional da Criança no Estado Novo, O papel das Problemas semelhantes surgem em certa vertente mais "antropológica" do ehtes,políticas na cO,nstrução dos projetas políticos uruguaio e rio-grandense, 1890-1930, Cosmologia que propriamente historiográfica ou jornalística na inspiração. Trata-se aqui não e SOCiedade Mura-P~rahã na Amazônia meridional, Um estudo sobre trabalhadores têxteis de Belém, de desvendar a "mão oculta", como no caso mais exemplar da vertente anterior, Um caso de lingüístlca missionária, Uma interpretação simbólica do espaço funerário de São Paulo, mas antes de registrar "os fatos mesmos" em toda a sua riqueza imediata: em par Um estudo sobre a etno-história Matsés (1870-1990), Avá-Canoeiro: a história de um povo invisível, ~s filhos do Araguaia: uma proposta de estudo etnográfico marajá, Retomo às práticas terapêuticas ticular, de recolher a riqueza do "cotidiano", tal como ele se apresenta à observa Simbólico-religiosas: o caso de Lumiar, RJ etc. (idem). ção desarmada e acrítica do participante. Em vez da "mão oculta", seria possível Quanto às teses premiadas, se tomamos os resultados correspondentes aos anos de 1990 e 1991 dizer que, em muitos casos, aqui se trata de apontar a "mão invisível", havendo a (sexto ~ sétimo concursos), que constam do úhimo relatório de gestão disponível (período 1990- 92),venficam~s ,que nada m:nos de cinco _de um .total de sete teses de doutorado ou mestrado que inclinação a avaliar positivamente o jogo cego e "dado" dos mecanismos 5 receberam premlOs ou mençoes honrosas saO ou dlretamente teses de antropologia ou teses que cor sociais. Um aspecto correlato é que, enquanto a vertente jornalística tende a pri- res~on~em c1ara~ente ao modelo "antropológico". Seus títulos: Comendo como gente: formas de cafllbahsmo wan (pakka nova), Fairness and communication in small claim courts (doutorado em antro'pol~gia), A... representaçãO, camponesa sobre a fonnação do lago do Sobradinho, Uma etnografia ?a pnmelra gesta? do PT em Dmdema, O que faz ser nordestino: a questão das identidades sociais e o 4 Como comentou Luiz FeBpe de Alencastro em debate sobre o assunto ocorrido no 14º Encontro Jogo de reconheCimento no caso Erundina. Anual da Anpocs (Caxambu, MG, 22-26 out. 1990), o estudioso tende a deixar-se "engolir" pela Merece menção, COmo contra-exemplo, a jóia rara representada pela tese de doutorado de Ricardo fonte, abdicando em favor dela Abrrunovay, De campOneses a agricultores: paradigmas do capitalismo agrário em questão, um trabalho 5 A distinção entre modelos explicativos de tipo "mão invisível" e "mão oculta" é elaborada em intelectualmente atrevido, analiticamente tenso e ambicioso, que se coloca perguntas importantes e trata Nozick (1974). de respondê-Ias envolvendo-se em debate real com vasta literatura e em perspectiva transnacional. OQ 99 sociais no Brasil da atualidade deve lidar com a história e a antropologia como disciplinas. Em alguma medida, tal questão se aplica a várias outras áreas adja Nesse sentido, a prática antropológica brasileira mais corrente deixa de ajustar-se centes que têm composto, por exemplo, os heterogêneos comitês assessores do ao modelo de trabalho que aqui se propõe como referência _ e deve, portanto, CNPq: o próprio jornalismo, direito, serviço social etc, No caso dessas áreas ser VIsta. COmo ap,:esentando as deficiências correspondentes. Isso nâo significa adjacentes, porém, não existe o reclamo de pertencerem de fato ao quadro das necessanamente, e claro, que o padrão de trabalho antropológico (em partícular o ciências sociais propriamente, ou a tradição de serem vistas como integrantes que se encontra no Brasil) seja o produto de especialistas individuais menos com reais desse quadro. o que se dá no caso da antropologia e, talvez mais equivoca petentes do que os de outros campos, Mas, sim, parece possível dizer que, na damente, no da história. Já se assinalou anteriormente que essas duas disciplinas empreItada coJetiva ~as ciê~cias sociais, os recursos exigidos para a realização podem ser vistas como estando mais próximas da tradição ou Hcultura" humanís~ plena, do modelo maIs estntamente "científico" de trabalho são, tudo somado, tica, por contraste com a "cultura'! científica. Na qualidade de cientista político s~penores. ~os que se fazem necessários para a realização do padrão \;compreen~ (ou de sociólogo da política, pois entendo que as afinidades entre sociologia e slvo-descfltIvoH da etnografia e historiografia. que entendo ser analiticamente menos exigente. ciência política são de molde a fazer desta um ramo daquela), não me sinto intei ramente à vontade para examinar cm profundidade a questão, sobretudo tendo Ar~mas conseq~ências decorrem dessa perspectiva. Uma delas é que a em conta que ocorrem divergências importantes a respeito mesmo entre os pro penetraçao e a expansao recentes da antropologia no país - com O resultado de fissionais da antropologia e da história. No caso da história, é conhecido o con que essa dis.eiplína tenha se transfOlmado provavelmente na mais "popular" das traste enlre a inclinação mais extremadamente historiográfica da histoire événe clênClas SO~1UIS e tenda a estar super-representada nas arenas diversas em que se mentielle, por um lado, que buscaria despojadamente o registro dos acontecimen tomam decl.sões sobre as ciências sociais - são possivelmente a conseqüência de tos históricos, e, por outro, a posição que busca uma explicação histórica certa banalização e deterioração do campo geral das ciências sociais (que se entendida como devendo ser necessariamente generalizante c. portanto, SOCIoló express~ também n~ ten.dência à "historicização" ou "antropologização" da pró. gica 7 No caso da antropologia. as discordâncías internas a respeito se ilustram prla socIol~g,", ~u CIênCIa política, a ser retomada em seguida)9 Daí que aparen com as posições divergentes manifestadas por diferentes antropólogos brasileiros temente se Justiftque supor que cursos de graduação mais bem montados e execu em reuniões científicas recentes no pafs.8 tados, er:r que estudantes de boa qualidade intelectual reeebessem adequada Não tentarei dizer o que a antropologia ou a história deveria ser ou fazer, Na tntroduçao aos fundamentos tt;;6rícos e metodológicos das ciências sociais em ótie. de uma necessária divisão do trabalho no esforço de produção de conheci geral,.viriam a,e,xibir maiores fluxos de estudantes qualificados para a sociologia mento sobre os fenômenos sociais e históricos, há lugar, sern dúvida, para o tra e ~ ClenC1U poü~caj como áre,a~ inequivocamente voltadas para a pesquisa gene balho de levantamento mais descritivo da <lmatéria-prima", por assim dizer. tra rahzante e teorIcamente amblCIOsa, e a restringir correspondentemente o "mer cado" antropológico, balho este que poderia ser visto como competíndo a uma historiografia Ou etno .*. grafia c, eventualmente, a ramos correspondentes da sociologia ou de outras ciências sociais consagradas, como a própria economia, Contudo, sejam quais forem as prescrições adequadas a respaito, parece-me claro que, de longe, a maior parte do trabalho que se executa no país sob o rótulo de antropologia está Um a'pacto especial da perspectiva esboçada a respaito da posição relativa decididamente orientada por um modeLo "idiográfico't, e não generalizante, de das ~iscipHnas "descritivo-compreensívas" mereCe destaque. Essa perspectiva atí'vidade científíca, preocupando-se os autores em obter uma espécie de "imer pan11lte sustentar com clareza que a tendência do trabalho executado na sociolo são compreensiva" nas "peculiaridades" de cada objeto de estudo antes do que gia e na ciência política brasileiras a derivar na direção de um arremedo dos em apreendê-lo propriamente como caso ou instância de alguma regularidade padrões de atividade próprios de outros campos (historiografia, jornalismo, mais ampla com a qual se imporia articulá·lo para dar conta adequadamente dele. antropolo~ia) não tem condições de defender·se como opção metodológica deli berada e Iuclda, mas se deve antes a carências do treinamento na pesquisa siste- 1 Para. um exemplo dessa posição sociologizante, ver Veyne (1976). BU m exemplo são as discussões oconldas na mesa-redonda Teoria e método e as dências sociais bra~ 9 Taly~z seja uma r:l~festação adicional dessa.banalízüyão ~rta tendência francamente autocongra sileiras da atualirlade, no 142. Encontro Anual da Anpo-cs (Caxambu, ~G, 22·26 out. 1990), onde tulatóna que substltUl, no caso da antropologla. a reSIStênCIa a ser mais abertamente crítico que MuriZà Pelrano e alguns de seus colegas antropólogos Sl1stentanun posições antagónicas quanto à encontr~os nos outros campos, Tal tendência é famosa no âmbito da Anpocs, dada a freqUência do questão do caráter generalizante ou nomoJ6gico da discípllna. Para as idéias de Matiza Peirano a res aut~elo~.lO dos antropólO?(l: e:n SU~ reuniões, e t~m um exemplo recente em Sigaud (Anpocs, peito. ver Peirano (1990. s.d .. 31). ( ...) aantropologta val bem e apresenta multas potencialidades e condições de desenvolvi nlento". 100 101

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