José de Macedo MINISTERIO DA EDUCAÇAO INSTITUTO DE INVESTIGAÇAO CIENTIFICA TROPICAL Conz ateizciosos cumpr~??zentos ' J w . 1 ~ PREFÁCIO DE JORGE BORGES DE MACEDO CENTRO DE SOCIO-ECONOMIA INSTITUTO DE INVESTIGAÇÃO CIENTTIRFOIPCICAAL em que participaram virios eleinentos do CISE Coor- denlmus assim um estiido rraiii->ido prlo Dr Jns.4 Gonçalves. do Ministério de Transportes da RepU- bhca Popular de Angola c invesligadnr v~sitanten o CSE, e um Anexo estatístico elaborado pela Dra Ana Neto, estagiária de ~nveqtigação no CSE Para cssa coordenação, ale mo-nos de uin trabalho apresentadri em Maio de 1978 na cadeira do Professor Carlos T)la~-A1cjdiidiu, da Uritveisidade de Yale, tiaballici esse inspirado no livro que aqui sc reedita Em vez de bcneficiai- da estabilidade monetária e cambial que urn 0~çamedtriç cntral~zadcip ressupõe, o desenvcilvimrnto econAmico de Angola f o ~tra vada por um ient~alisnioa drninislrati%oe financeiro - que havia de perdurar ate íi indcpendêricia Ao mostrar que já em 1910 existlam alternat~rasv dveis ao modelo colonial centralista, cont~ibui-sep ara explicar o apa- Nota Prévia rentemente i~iexplicívela traso da autonomia de Ango- la Atraso culas conçequencras de politlca econbmicn Nos últimos anos, o Centro de Socio-Economia vêrn ate aos nossos dias (CSE) tem privilegiado, na sua investigação, o ajusta- Dessa actualidade surge precisaniente a relevância mento macroeconómico de pequenos países tropicais, de Angola para o segundo projecto De facto, foi em especial os de língua portuguesa Ocorre portanto totalmerite esquecida esta alternativa autonoiil~staq ue explicar a escolha de Angola, uma economia tida por tinha o inéntu tão actual de não gerar dependência grande, e da administração colonial, cuja política orçamental, visto assentar na ideia de que as receitas macroeconómica se presumia ajustada, para tema da fiscais de Angola. autonomamente administradas, erani nossa primeira publicação A explicação é clara. a suficientes para financiar o esforço de desenvolvimentr, Angola do príncrpio do século sofreu os choques de Mais, a política posterior de Norton de Matos, cor- um pequeno país tropical sujelto a uma política rentemente associada à ideia da autotiomia colonial rnacroeconÓmica desajustada. Esta visão, que ressalta nngolana, envolieu uma dependêricla do orçamcrito do trabalho coevo ora reapresentado, tem também metrnpolitano clue a tornou rnstavel 0 esquecimento sido revelada por investigações do CSE. dc iinia altcrnnttva, clara~nentcp refcrívrl tanio para .São dois os projectos envolvendo Angola. Pri- Portugal corno para Angola, mostra berii a inipossibi- meiro, o Banco Mundial, enquanto agente do Pro- Lidade de nos mantermos competitivos se n.30 sou- grama das Nações Unidas para o Desenvolvimento, bermos aproveitar as lições da nossa história encomendou ao CSE um relatório sobre a economia A autonomia pirinara ajuda, pou. um sécirlo mais colonial, para esclarecimento da situação económica tarde. à formiilação de uin "niodelo da coopera~ão actual, tal como ~esultad os trabalhos de uma missão pnrtuguesa" adequado a uma cconomia mundial etn em que participaram vinos eleinentos cio CSE Coor- constante mutação Assrm, do programa de investiga- denáii-ios assim um estudo realizado pelo Dr José ç5o que a EJ,O - Assoc~n~ãuI' ortrtgtre,~~p~a ra o Gonçalves, do Ministério de Transportes da Repi1- Deseni~oli~lrnentoE, conhrco e a CnoperaqRn enco- blica Popiilar de Angola e irives~igadorv tsltante iio mendou ao CSE; consta um projecto histórico,sohre CSE, e um Anexo estatístico elaborado pela L3ra Ana sucessos e insucessos da presença portugiiesa ein Afnca, Neto, estagiária de investigação no CSE Para essa dirigido pelo autor do prefáclo desta ediç8o O pri- coordenação. valenio -nos de um traballio apresentado mciro caso escolhido para reflectir sobre o rnodelo foi, em Maio de I978 na cadcira do Professor Carloç como se carnprcenderh, a Angola do principio do Diaz- Aiejarid r-o, da Llriiversrdade de Yale, trabalho çiculo esse inspirado no livro quc aqui sc reedita l'or terem logo aceite as razões desta primeira Em veL de bcnehciar da estabilidade monetária e publicação do CSE, é devida uma palavra de agrade- cambial que Lirn orçamento ccntral~zadop ressupõe, o cimento As instâticias envol~~ddaos Instituto de Inves- desenvolvimento econbmicu de Angola foi travado t~gaçãoC ientífica Trop~cal,n omeadanicnte ao Eng por um centralismo administrativo e firianceiro que Fcrnando Almeida Ribeiro, ao Prof Doutor Liiís de - havid de perdurar até h independkncia Ao mostrar L41buquerque e Inst bzrt rrof least ao presidente, Pruf que JA em 1910 existlam alternat~vasv iáveis ao modelo Doutor CSULe Silva. colonial centralista, cont~ibiii~spea ra explicar o apa- .Jorge Braga de Macedo rentemente i~~explicávaetlr aso da aiitonomia de Ango- Director do CSE la Atraso culas consequêncras de política económica vêm até aos nossos dias Dessa actualldadc surge precisaniente a relevância de Angola para o segundo projecto De facto, foi totalmente esqiiec~dae sta altcr~iativaa utorioliiista quc tinha o mérito t5o actual de não gciar dependência orçailiental, visto assentar na ideia de que as recatas fiscais de Angola, autotioliiamente admiiiistradas, erani suficientes para financiar o csforço de deserivolvimento Mais, a política posterior de Noiton de Matos, cor- rentemente associada i deia da autorioniia colonial angolana, erivolveu Llnia dependi-ncia do orçanicnto metropolitano que a tornou instável O esquecimento dc urtia alternativa. clararneritc prefcrivel ta1110 para Portugal coiiio para Angola, mostra berri a inipossibi- Lidade de nos manternios competitivos se na* o sou- berntos aproveitar as lições da nossa hiatórla A autonomia pioneira quda. pois. um séciilo mais tarde. a forrniilação de um "modelo da cooperaqão portugucsa" adequado a lima economia mundial em O livro Autonomia de Angola('),d e José de Macedo, publicado em 1910 e cuja reediçáo, agora, se apresenta, oferece múliiplos motivos de interesse para dever ser lido e pensado, como um texto lúcido e pre- cursor Reflete este livro, um momento importante na consciência de Angola Aí a vemos assumir-se, nas suas forças vivas, como região politicamente definida e, como tal, capaz de formular, a respeito do seu modo de viver e das eventualidades que se lhe ofere- ciam, ou onde está inserida, reivindicações ou projec- tos de futuro Revelava, por um lado, a consciência de um possível caminho próprio Por outro, apontava objectivos formulados, não no vazio do desejável, mas já com a marca concreta de uma meta a atlngu. Manifestava-se, ao mesmo tempo, a partir de uma efectiva experiência de vida pública, em que já se res- ponsabilizava O autor recolhe, para a posição que assumiu, os dados da realidade angolana e da-lhe uma finalidade que coincide com a do seu corpo social constituído, tanto em força de projecto, como na debi- lidade in~ciadl a esperança Havia, com efeito, em Angola, uma experiência diversificada e própria, tanto para o que se refere aos comportamentos das potências europeias, nas suas relações coloniais (as "rivalidades" congolesas tinham- -se passado a seu lado e tinham tido uma forte parti- cipação de quadros médios portugueses que, depois foram fixar-se em Angola) Conheciam-nas como pressões irremediáveis para a delimitação da íront eira, como não ignoravam as relações e os conflitos entre as diferentes etnias de Angola e destas com os portu- gueses, a que, de um modo muito especial, estavam, (I) - Jose de Macedo, Aulonomia Lie Angola, estudo de adrninistra- ção colonial Edição do autor, Lisboa, 1910 própria e o facto Cristianismo (na altura, por virtude na generalidade. ligadas Sem que isso quizesse dizer do espírito anti-clerical, bastante mal avaliado), que submissão, em qualquer momento da história ango- fomentava, como sempre fez, pontos comuns, superio- lana Vindo de um fundo passado comum que tivera res as etnias e susceptíveis de preparar a unidade de suportar um longo precurso esclavagista, com um Angola para formular uma área coerente e firme, na tráfego dirigido para o Brasil, América do Norte e sua conveniente fronteira, tinha conseguido fazê-lo, América Central (que de modo algum era da exclusiva captando, nas suas populações locais, as exigências de responsabilidade de po~tugueses)~a~ )p, ersonalidade unidade representadas pelos portugueses, na sua orgâ- dos seus elementos componentes vivia diferenciada, nica administrativa e presença humana O papel de mas coincidente num processo de ajustamento variável Portugal f o ~de cisivo, uma vez que tomara o encargo Com a abolição do tráfego negreiro (cuja difícil do factor que Ango1.a mais dificilmente podia adminis- realização está arnda por estudar), retomou a habilita- trar - as relações externas. Servia de potência tutora ção para novas possibilidades que soube criar,(3),c on- e os seus direitos históricos conseguiram excluir, nos seguiu adquirir meios de obter recursos que garantis- confrontos internacionais, a presença de qualquer outra sem, de novo e melhor, a base económica que antes potência estrangelta, necessariamente fomentadora de fora levada a constituir com a venda de escravos No divisões século XIX, recorrendo a diferentes produtos, sucessi- No plano interno, a estabilidade de fronteira a que vos ou simultâneos, em que se destacam o marfim, o se chegou, foi, no final do século XIX, o mais iriipor- café e já chegando ao fim do século XIX, a borraclia, tante sinal para a expressão de Angola como realidade Angola manteve-se como realidade social e política, num extraordinário esforço de sobrevivência Este polítlca própria E assim se manteve Com a Confe- rência de Berl~m'~ti)n,h a-se chegado a um ponto fun- enunciado de artigos exportáveis faz, muitas vezes, de damental dessa estabilização que foi ver delimitada o certo modo, esquecer outros elementos essenciais de seu mais controverso limite (no Norte), fixado na coesão interna, onde Pinheiro Chagas, com grande margem sul da foz do Zaire e no domínio do enclave lucidez, salientou o comércio inter-regional Deverão de Cabinda De 1885, data do estabelecimento dessa acrescentar-lhe outros factores para essa unidade dese- fronteira, com aceitação internacional, a 1890, veri- jada Assim, muito tiveram a dizer o relato histórico ficou-se uma extraordinária e empolgante deslocação tendente à determinação de Angola como entidade dos seus territórios para leste(5),e m direcção a regiões de domínio controverso, dando lugar, naquela data, a (7) - Cf Philip D Curtin, The Arlanlic Slave Trade a Census - um grave confl~toc om a Grã-Bretanha, acabando por Mddison, Milwaukee, Londres, 19b9 I se estabili~ar a área definitiva para uma fronteira (3) - Cf Vrngetis e apontutirenios de um yortctenre em Ájrica Diario de Antonio Francisco Ferreira da Silva Porto, Leitura com introdução e notas por Maria Emília Madeira Santos, vol 1, Coimbra, 1986, (4) - Cf lorge Boiges de Macedo, A conlerência de Berlim. cem anos Nessa introdução, onde é relevddo, de um modo indiscutível, o papel depois. sep do vol "Pensar África", D~nrocraoae I.rhei~luclr,,n 35 dos sertanejos na formação de Angola "Uma coisa ficava provada o Outubro-Dezembro, 1985, Lisboa comér~iose rtanelo não servia para enriquecer os srrtanejos em termos europeus" O seu aproveitamento angolano É um ponto de extraordi- (5) - Charles E Nowell. rhe Kose-toloretl Mar) - Portrigaf's naria impoitância parri n dcfiniçâo de "Angola", assim o releva este attempt to build an African Empire froni the Atlantic to the Indian notavel estiido Ocean, I.isboa, 1987 segundo, um quadro de comunicações Acrescente-se, negociada Quase ao mesmo tempo, confirmava-se ou sem perda da percepção dos interesses próprios, a preparava-se a definição dos limites para o sul e definição política no quadro internacional, realizada sudeste, Moçârnedes e o rio Cubango A enorme área através da Iigação com Portugal, como potência tute- angolana ultrapassou assim, rapidamente, o período lar, indispensável, como disse, para enfrentar a con- de incerteza, na sua definição política contemporânea corrência entre estados, assim como para o fomento e inseriu-se rapidamente nas duas expressões práticas da soldagem de regiões, antes voltadas para outras da Iradição portuguesa para a unidade interna regiões convergências e agora inseridas numa polarização diversas, confluência de destino E dentro dessa matriz, complexa a voIta de Porlugal e de Luanda Importava no imenso conjunto de uma unidade possível, a man- aprofundar todos esses elementos, nas suas evidentes ter, depressa captou para o seu patrimórtio, na mescla vantagens Não havia: em Angola, projectos ou con- das suas populações, a determinação indiscutível da vicção de independência imed~ata Havia muito mais a unidade e o debate para uma organização administra- conscrência da evolução positiva de uma superfície tiva que reunisse as diferentes regiões e os diversos cuja linha de fronteira se estendia, na foz do Zaire, até povos Matadi, seguindo para Maquela do Zombo, ao Norte, O aproveitamento de Angola, em unidade, era enquanto ao Sul estava no Cunene e no Cubango possível e necessário Mas certo era que tinha de ser Para leste ia até ao Cabengo e aos rios Cassai, áreas cerzida e experimentada, como nação potencial, den- de Dilolo e Cuando, Lunda, Moxico e Cubango tro da problemática que nascia naquela grande pos- A condiqão, no principio do século XX, para asse- sessão portuguesa da Africa Austral, unificada com o gurar o percurso dessa unidade recente, com uma nome oresti~iosoe remoto de Angola Começava esta .. . v Europa cujos estados também Iutavam pelo aumento a aperceber-se, na fronteira que os portugueses cria- dos seus poderes em África, assentava na sua Iigação a ram, das suas forças, tanto reais como potenciais que Portugal. Por outro lado, a melhor garantia para o se adivinhavam dentro de tão extensa superfície No seu pleno aproveitamento era que Angola se adminis- plano social, assim como no político e no económico, trasse em regime de autonomia Este princípio estava de diferentes proveniências, as perspectivas de pro- bem dentro da tradição mais remota da vida pública gresso só podiam tornar-se efectivas, desde que se portuguesa, os erros e lutas recentes tinham tornado mantivessem e diversificassem os instrumentos de ainda mais viva a esperança nas suas possibilidades convergência interna Em primeiro plano, estava a imediatas. Assim, a autonomia tinha inúmeros apoios manutenção, para esse efeito decisiva, do que pode- em todas as camadas que constituiam a sociedade mos chamar a "capital indiscutível" em L~anda'~E)m angolana E esta problemát~ca e a analise da sua interpretação que se encontra bem claramente estabe- lecida e concretizada no livro de José de Macedo E (h) - Cf Ilidio do Amaral. Luanl - Estudo de Geografia Humana, eis porque ele constitui um inestimável iestemunho Coimbra 1968, "Subsídios para o estudo da evolução da população de sobre o estado de espírito angolano, como relato I,udndaW, in Gaicia da Orta. Lisboa, 1959, "Entre o Cunene e o Cubango, ou a propósito de uma fronteira africana", in Garcia do importantíssimo e contemporâneo, assim como sobre Orro. Lisboa 1980-198 I, Fronteiras, Estado e Ndção em África (apon- os debates internos e metropolitanos nas viabilidades tamentos de geografia política), in iiietnoi~o</ LI Acadrniia dac Clênciar percebidas pela população. de L.irhoa (Classe de Lisboa). tomo XXIV, 1985 tanto uma débil intervenção dos eventuais mecanis- A proposta de autonomia, a sua argumentação e mos metropolitanos de defesa, como uma carência de os fundamentos concretos e bem presentes de que par- meios eficazes para que tal intervenção fosse levada a tia, não são evidentemente o fruto de perspectivas teó- efeito, na própria colónia Em especial, os seus comer- ricas, nem derivam só do modo como as convicções ciantes e agricultores, pela voz das suas associações de de José de Macedo se ordenaram para interpretar a classe pouco, ou nada, podiam fazer Pertencia ao dia situação angolana No entender do autor, ia buscar à a dia público a perturbacão desencadeada pelos cons- sua formulação mais próxima "h geração que assistiu tantes conflitos nas atribuições oficiars ou os equívo- h campanha contra Gungunhana / em Moçambique / cos das decisões a distância Tudo isto é corajosa- e lutou contra o potentado negro". "Foi ela que mente anal~sadoe exemplificado no livro. Neste con- desencadeou a campanha contra a centralização feroz texto concreto da vida angolana, já em condições de do Terreiro do Paço"(7) E cita, para a sua apresenta- "pensar propostas", dotadas portanto de audiência ção pública figuras como a de Mouzinho, Eduardo receptiva e ercperiência interna, é que José de Macedo Costa, Aires Ornelas. Paiva Couceiro, Freire de fazia surgir a sua solução de autonomia e no decurso Andrade, Soveral Martins e outros, destacando a sua da sua longa estadia em Luanda, empreendeu uma condensação, simultaneamente, doutrinária e execu- campanha nesse sentido Fazia-o, certo da sua audiên- tiva, na obra de Eduardo Costa@) cia e viabilidade Angola amadurecera, ao longo de A receptividade em Angola deste ponto de vista da inúmeras dificuldades que se acumulavam, na indife- autonomia não pode desligar-se da longa crise de que rença ciosa do governo central As formas de inter- sofria aquela possessão ultramarina, ao lado da passi- venção deste último eram vastissimas, mas escassos os vidade ou inoperância do aparelho adrhinistrativo do meios para as concretizar poder central, no que se refere a medidas para o seu A ambiguidade flagrante entre os meios legais e as desenvolvimento e em face do que se passava noutros capacidades efectivas tornava a centralização metro- territórios africanos administrados por outras potên- pohtana ainda mais sujeita a ataques, a queixas e a cias europeias, apesar de se não ignorarem a extraor- desconfianças, m~stop aradoxal de revolta e de con- dinária diferença em custos humanos José de Macedo fiança no futuro De modo algum, se punha em vai estabelecer uma evolução económica de Angola dúvida a vantagem do o poder central português de entregue aos seus próprios recursos e a violentas osci- lutela Só que era indispensável que os interesses lações do sucesso e insucesso Por ela se verificava angolanos fossem considerados na sua dimensão indissolúvel, em relação a quaisquer outros E não havia dúvida para José de Macedo que esses interesses se integravam num condicionamento nacional, consi- derado numa estratégia de conjunto Era este também o estado de espírito, o ambiente político de Angola, nas vésperas da proclamação da Repúbhca, período que, hoje, nos parece extraordina- (7) - Jose de Macedo, Autn?iu~?iidae Angola. pags 170- 17 1 riamente remoto Contudo, ao enunciá-lo, estamos no (8) - Eduardo Augusto Ferreira da Costa, Esirrdu cobre a admrnis- ponto de partida para a consciência de Angola, como itn( ão cr\,rl tluv irolsus po\se\ rões u/t r~anusL, isboa, 190 I Albuquerque, Aires Ornelas, Marnoco e Sousa, Paiva força bem definida, na dimensão que lhe tinha sido Couceiro, Júlio de Vilhena, Eduardo Costa, de quem, dada pela diplomacia, assim como pelas forças políti- aliás, era amigo pessoal Referem-se estes nomes de cas e militares portuguesas, sem esquecer o papel não "africanistas", pois, tendo quase todos eles, idêntica pequeno desempenhado pela personalidade local dos experiência de governo "em estadia", era esta reali- povos que José de Macedo em diversos momentos, dade que lhes orientava as opiniões Viam, assim os salienta, como força polarizadora indispensável Pon- problemas da África Portuguesa com mais indepen- tos de partida apa~entemented ébeis se os quisermos déncia e profundidade, no sentido de que fosse dada ver em diagnósticos de confronto Mas já perfeita- audiência A voz local, mais interessada, sem prejuízo mente capazes de se apresentarem como objectivos do cálculo global dos interesses em jogo. Assim se próprios e de não se desistir deles. A análise deste poderia ter estabelecido um debate de onde, sem período inicial, numa confluência económica e admi- dúvida alguma, sairiam soluções válidas, para a dificí- nistrativa, foi o objecto da Autonomia de Angola. lima situação que se vivia nas possessões portuguesas, Constitue, por isso, um marco bem definido na cons- nomeadamente em Angola Era preciso analisar, con- ciéncia colectiva angolana fiadamente, soluções com futuro, para além dos inte- Não é decerto o seu autor, tão hábil no diagnós- resses imediatos que tanto tolhiam a consideração, em tico prudente e na apresentação franca e bem argu- profundidade, do problema ultramarino José de mentada de um tema de tanta urgência e interesse, um Macedo sabia-o e quiz que nascesse, entre os pottu- exaltado ou um teórico, saturado de abstracções gueses, esse ambiente de debate criador O seu livro deduzidas das suas exigências doutrinarias Pelo con- assim o prova. trário Era um observador insistente, um estudioso e José de Macedo revelara, desde muito cedo, inte- crítico da realidade portuguesa metropolitana e coio- resse pelo ultramar português Amigo e convivente, no mal, habituado a debates e a confrontos de ideias De Porto, como se disse atrás, com Basílio Teles, Sam- opiniões claras, mas tolerante, para com os pontos de paio Bruno (cujo pai fora seu padrinho), veio a cola- vista que divergiam dos seus, preocupava-se, sobre- borar no jornal A Vanguarda, tratando aí temas tudo, com o "lado humano" das ideias, numa expres- ultramarinos. Concluido o seu Curso Superior de sâo que é sua Com6rci0, concorreu, em 1897, a carreira diplomática José Pinto de Macedo nascera em Vila Nova de e consular Aprovado em segundo lugar na lista dos Gaia, na freguesia de Santa Marinha, em I3 de Janeiro classificados, com altissimas classificações, não veio, de 1876. ~6olvid0m, uito novo na crise nacional que no entanto, a ser nomeado Publicara, em 1898, um decorreu do Ultimatum, conviveu, no Porto e em Vila estudo sobre cooperat~vismo~a~ )q,u e se seguiu um Nova de Gaia, com as figuras mals destacadas que outro sobre a "socialização do ensino"(f0),s aindo, no orientavam parte da opinião pública daquele tempo ano seguinte, um ensaio sobre o poderio da Ingla- (Heliodoro Salgado, Alves da Veiga, Alexandre Braga, Rodrigues de Freitas, Basílio Teles, Sampaio Bruno a quem ficou profundamente ligado). Republicano, por- tanto, não hesitava, contudo, elogiar, sem rodeios, (9) - O cooperurivismo, Biblioteca do Ideal Moderno, Lisboa, 1898 quando lhe parecia justo, responsáveis monárquicos (10) - A sociulrzuçâo do emino, Biblioteca O Ideal Moderno. Lisboa, tão significativos como, entre outros, Mouzinho de I898 te~ra(")n,a altura e a propósito da guerra anglo-boer, como as autóctones, cuja participação social e humana, e que Delfim Guimarães lhe encomendara Além de defende corajosamente e sem hesitações. De tudo isto, , repubbcano, José de Macedo ~ n h aum a formação lhe ficava uma certeza. a colónia mergulhava numa politica autonomlsta que mergulhava na tradição crise económica proiunda e que não merecia. José de do regionalrsmo, muito vigorosa no norte do Pais e Macedo interpretou-a como provindo, em grande que se manifestava, em Portugal, em correntes politi- parte, da má gestão dos recursos da província, depen- cas e de pensamento, inteiramente diversas A que dente em todas as decisões do "Terreiro do Paço" Iis- adoptara, estava próxima de Sampaio Bruno. Nestes boeta, a imagem do centralismo. Mas, noutro aspecto, termos, o seu pensamento regionalista polarizava-se levava de Lisboa uma imagem da crise metropolitana numa formação republicana federalista, defendendo que não coincidia com esta - política, de mentali- além disso, uma aliança permanente, mas sempre dade, de confiança nacional, agravada em constantes negociada, entre socialistas e republicanos, dentro da conflitos e confrontos A metropolitana, mais do que corrente politica do socialismo possibilista e proudho- económica, era, sobretudo, uma crise moral. A colo- nlano que defendia nial angolana mais lhe parecia uma crise de gestão, A Para além destas atitudes insoflsmáveis na vida Perspectiva dramática dessas duas crises vividas pela pública metropolitana, o seu dominante interesse pelos mesma Pessoa, de manifestações e efeitos tão diversos, temas ultramarinos levou-o a apresentar à comissão embora pertencessem ao mesmo espaço político, de leitura da Sociedade de Geografia de Lisboa, uma deram-lhe multo que pensar. Percebia bem as suas memória sobre as riquezas ~010nlaisp ortuguesas, consequênclas políticas as duas regiões só podiam tpndo-se imediatamente, a proposta da sua coincidir respeitando-se, nas essência das suas diver- publicação, como veio a suceder em 1901 (li' Pouco gências e no valor da sua unidade depois, um grupo de angolanos decidiu levar a efeito a Na sua atitude pública José de Macedo não era só em Luanda, de um jornal a 4Ue tinham um observador Era também um activisla pensara dado O nome ~ignlficallvod e Defesa de e 'On- nos quadros médios da colónia e organizara um curso "idaram José de Macedo para o dirigir Aceite o con- comercial, sob a égide da Associação Comercial de vite, partiu para aquela cidade Luanda e onde foi professor Toma posição, no Jor- nal A Defesa de Angola, quanto aos principais pro- blemas com que a colónia se debate e lança, em 1903, É com esta formação geral e especial que chega a um manifesto intitulado "Em defesa de Angolaw que Angola Ai, viaja por todo o território, apesar da entusiasma a opinião pública"3i, Para do seu enorme dificuldade nas deslocaçÕes e toma conheci- interesse, para O estudo da problemática social ango- mente das suas populações e dos Seus problemas, cOn- Iana, 0 manifesto termina lemb~ando," em último tacta com as ruas elites, tanto as da Europa recurso", O "remédio eficaz e valioso A descen/rallza- fão e autonornra adrnrnrsiratlva de Angola". A so]u- tarde ção apresentada sete anos mais em Lisboa, í I I) O Poderro da Inglarerrn, Gulmaiães Editores, Lisboa, 1900 - (12) -- ncI iarraT riqueza7 culon~ais Cal Congresso Colonial Nacio- (13) - Em defesa de Angola, manifesto dos negoaantes e agricultores naI, memoria aprcsçntada por Lisboa, 1901 angolanos reclamando auxilio e protecçâo para Angola Porto, 1904 cita, como tais), na primeira parte do Iivro, ~a impresso, tinha, assim, sido ventilada perante a opinião publica de Angola, em 1903 Depois, logo a seguir. mobiliza, ao mesmo tempo que fana justiça a lúcida YIF~Op es- soal de muitos resporisáveis monárquicos, exautclrava, de novo, as forgas vivas angolanas. para a luta contra coni dureza e ironia, as jncocrências do chefe do a realização de contratos de srrvipts em Angola. se governo, Teixeira de Sousa, assim como o escasso não estivessem gariintidas todas as condii;ões de alcance das medidas que propunha, face à gravidade remunera~iioe dc regresso para os trabalhadores con- dos problemas colon~ais.n omeadamente os angola- tratados Prncurava combater todas as pusslbilidades nos Mais do que a limitação flagrante dri miiiistro, de tais contratos podetcm ter consequtncias de tipo salienta-se a indiscutivel falta de visâo em que se vivia esclavagista O manifesto qiie redigrii sobre essa ques- no "Terreiro do Paço" Ao mesmo tempo, não dei- tãoc14),e m 1904, foi asçlriado pela maior parte das for- xava de chamar a atenção para a exigu~daded e recur- ças vivas de Luanda Iinporta referir estes factos para sos que endurecia a tacanhez obstinada dos oblectivos salieritar a audiência que tlnha em Luanda o autor da Com isso, sofria a metrópole e sobretudo Angola, Arrfo~zrr>n?zdae Angola e salientar assiq o signiflcadn uma vez que as Iigações directas desta colónia com o hrst8rico que nGo pode deixar de se atribuir a este mundo eram multo limitadas Iivro Por outro lado, dá igualniente a medida da sua Numa primeira parte do livro, as opiniocs quc forma de abordagem dos problemas de Angola, onde emitiu, os arguineritos que desenvolveu, o relato de julgava vir a passar o resto da sua vidal15) aco~itecimentos do dra a dia que niencinria dão a Professor e jornalrsta, tinha-se tornado uma figura medida da situação colonial nas vésperas da re~olução representativa da opinião pública angolana Quaiido republicana Segue-se, agora, na segunda parte, a veio para Portugal, em 1909, p o ~m otnro de doença abordagem dos meses imediatos a mudança do regime grave de sua mulher e qrre viria a ser fatal, continou a É, a esse respeito, numa nova perspectiva, um teste- irivcr, com intensidade, os problemas de Angola O livro de José de Macedo torna-se, assim, o ponto em munho não menos preckosu, digamos. 6nico Nele ecoam as vozes vivas da gente que se dedicou ao que culmina a posição dc um Iiomem público portu- desenvolviniento de um novo espaço e dão conta da guês, integrado nu mundo angolano, corn a referência Le xigente à conclusán que, ein seu entender, era indis- sua situação ou, em imuitos casos, do desamparo que continuava A segunda parte do Iivro começa no capí- pensável tirar para a "realização" de Angola. Quem o tulo V A anterior terminara com um pequeno comen- poderia ouvir7 tário, em corpo menor, onde se diz que se tinha verifi- Importa salientar um outro aspecto significatitivo cado a proclamação da República A partir da página que valoriza a importância do tesiemunho Escrito no 122, enquanto o texto, antes tedigido, se mantém, as decurso na segunda metade de 1909, princípio de 1910 notas acrescentadas, assirn como o capítulo fina1 (ccirno se pode ver pelo nome de rnililstros que a texto "Angola e a Republica" são a revelação dramitica de um repi~blicanoc onhecedor do que dilem as progra- -- - mas governativos e a expressão da sua amargura, ao (14) - C)$ coiirratos r{(?~Je lrfr(oij c~ A~rgulo- Ao pa17 e à Sociedade compará-los com a irreversívcl realidade angolana c de Gcogralia -- Mariilesto da Grande Comissão dr Lriaridn Lisboa, que ele tão bem conhecia no seu espírito perplexo, I904 surge o imenso receio, que, para além de uma 11ngua- (15) - Aiitononiia de Angula. pag 21 7
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