de minérios, assim também seria o rompimento O rompimento da barragem do Fundão marca, das barragens. Dessa forma, os diversos episódios MARCIO ZONTA no Brasil, o fi m do megaciclo das commoditi es que de rompimento das barragens de rejeitos lista- ocorreu durante a primeira década dos anos 2000. CHARLES TROCATE dos neste relatório não deveriam ser vistos como Tal questão torna-se ainda mais relevante, se for levada em Este megaciclo pode ser associado ao período en- eventos fortuitos, mas como elementos inerentes (ORG�.) tre 2003 e 2013, quando as importações globais de consideração a análise proposta por Bowker e Chambers à dinâmica econômica do setor mineral. minérios saltaram de US$ 38 bilhões para US$ 277 A análise da consti tuição da Samarco Minera- (2015). Ao analisar rompimentos de barragens ocorridos A A QUESTÃO bilhões (um aumento de 630%). O atendimento a Q ção S.A. (1973) revela uma estratégia de ingresso entre 1910 e 2010, eles notam o aumento da ocorrência de U essa demanda por minérios recaiu, porém, sobre MINERAL no Brasil defi nida pelo grupo BHP Billiton, com a E poucos. Em 2013, apenas cinco países foram res- rompimentos sérios e muito sérios, identifi cando mais de 30 S criação de sua subsidiária, BHP Billiton Brasil Ltda. T NO BRASIL ponsáveis por dois terços das exportações globais (1972). Desde o início, esta estratégia objeti vou a rompimentos após a década de 1990 no mundo. Os autores à de minérios, tendo o Brasil se destacado com um O ‘desresponsabilização operacional’ do grupo, se argumentam que tal tendência é um refl exo das tecnologias M VOL. 2 ‘orgulhoso’ segundo lugar, e respondendo por revelando plenamente a parti r do ingresso da Vale modernas de mineração, que permitem a implantação de IN 14,3% das exportações de minério no mundo. S.A. (2000) e de sua reestruturação societária como E Ao longo desses anos, aprofundou-se a depen- megaminas, construídas para extrair minérios a partir de res- R um modelo de non operated joint venture, no qual dência econômica do Brasil com relação ao setor A a responsabilidade jurídica sobre as operações da ervas caracterizadas por concentrações cada vez menores. L mínero-exportador. No mesmo período, a parti ci- Samarco recai exclusivamente sobre a Vale. N pação dos minérios na exportação do país passou À medida que a qualidade dos minérios diminui, aumenta a O Além disso, os arranjos de propriedade e con- quantidade de rejeitos e, consequentemente, o tamanho das B de 5,0% para 14,5%, tendo o minério de ferro cor- trole de ambos os grupos apresentam estruturas R respondido a 92,6% desse total. A Samarco pode acionárias pulverizadas e fi nanceirizadas, revelan- barragens. Os autores preveem, ainda, para o período 2010- A ser identi fi cada como um ícone desse modelo de S do uma rede ampla de responsabilidade sobre o 2019 custos totais para a sociedade de US$ 6 bilhões devido IL inserção subordinada. Consisti ndo em um comple- desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton. A cadeia - xo mina-mineroduto-peloti zadora-porto, a empre- ao rompimento de grandes barragens e alertam para a neces- V de controle operacional da Vale, que se estende O sa tem como principal função abastecer o mercado à Valepar S.A. e a Litel Parti cipações S.A., explicita sidade de mudanças nos sistemas regulatórios para se ade- L global com bens naturais semitransformados ex- . ANTES FOSSE estes elos de responsabilidade, abrangendo grupos quar a essa projeção. 2 - traídos no Brasil. fi nanceiros nacionais (Bradesco), intermediários A Entretanto, o mercado de minério em geral, e Esse cenário indica, portanto, que falhas de barragens contin- comerciais internacionais (Mitsui), o Estado brasi- N MAIS LEVE A do minério de ferro em parti cular, é caracterizado T uarão a acontecer, porém com impactos em escala ampliada. leiro (BNDESPar e Tesouro Nacional) e fundos de E por um caráter cíclico. Saindo de um patamar de S pensão de trabalhadores (Previ, Petros e Funcef). Muitos destes elementos aparecem de modo específi co no F CARGA US$ 32 (jan./2003), o preço do minério de ferro Já a BHP Billiton possui consti tuição acionária ain- O chegou ao um pico de US$ 196 (abr./2008) e, a par- desastre em questão e nas formas de operação das empresas S da mais pulverizada, contando com acionistas de S ti r de 2011, iniciou uma tendência de queda, che- diversas empresas, fundos e bancos internacionais. envolvidas diretamente. E gando a US$ 53 (out./2015) A discussão acerca das estratégias de investi - M REFLEXÕES SOBRE O Dados indicam que existe uma relação estru- A mento e fi nanciamento da Samarco nos últi mos DESASTRE DA SAMARCO/ tural entre eventos de rompimento de barragens I S anos explicita também, a centralidade da dimen- L i V A uaLnEa / BHP BILLITON de rejeitos e os ciclos econômicos da mineração. são fi nanceira e dos acionistas na confi guração E editorial Há indícios de que existe um aumento do risco de V das decisões sobre operações da empresa. A mu- E rompimento de barragens no novo ciclo pós-boom dança no macrocenário econômico da mineração, A do preço dos minérios. Na análise dos últi mos 45 BRUNO MILANEZ • LUIZ WANDERLEY de uma fase de boom para uma de pós-boom das C anos (1965-2009), observa-se forte correlação en- A • MAÍRA MANSUR • RAQUEL PINTO commoditi es, induziu uma ‘aposta’ por parte das R tre o ciclo de pós-boom (fase de desvalorização dos principais empresas do setor na criação e amplia- G i • R uIaCAnRaDO GONÇALVES • RODRIGO preços dos minérios após ciclo de valorização) e o A editorial ção de economias de escala, o que na Samarco SANTOS • TÁDZIO COELHO aumento do número de rompimento de barragem. teve como eixo o Projeto Quarta Peloti zação. O Entender essa dinâmica é importante para com- P4P representou uma expansão signifi cati va da preender o caráter estrutural do rompimento da capacidade instalada da empresa (37%), assim barragem do Fundão. como a redução de desconti nuidades no processo Assumindo a plausibilidade de tais análises, de produção, diminuindo os custos operacionais deve-se considerar que, se a volati lidade dos pre- em relação às demais empresas do setor”. ços é uma característi ca intrínseca ao mercado capa_questao mineral vol2.indd 1 24/10/16 20:30 MARCIO ZONTA CHARLES TROCATE (Orgs.) A questão mineral no Brasil - Vol.2 ANTES FOSSE MAIS LEVE A CARGA: Reflexões sobre o desastre da Samarco/ Vale / BHP Billiton Bruno Milanez Luiz Wanderley Maíra Mansur Raquel Pinto Ricardo Gonçalves Rodrigo Santos Tádzio Coelho A questao mineral-vol2-out.indd 1 24/10/16 14:20 A questao mineral-vol2-out.indd 2 24/10/16 14:20 MARCIO ZONTA CHARLES TROCATE (Orgs.) A questão mineral no Brasil - Vol.2 ANTES FOSSE MAIS LEVE A CARGA: Reflexões sobre o desastre da Samarco/ Vale / BHP Billiton Bruno Milanez Luiz Wanderley Maíra Mansur Raquel Pinto Ricardo Gonçalves Rodrigo Santos Tádzio Coelho Editorial iGuana Outubro de 2016 A questao mineral-vol2-out.indd 3 24/10/16 14:20 Copyleft © 2016, by Editorial iGuana Título original: A questão mineral no Brasil - vol. 2: Antes fosse mais leve a carga: reflexões sobre o desastre da Samarco/ Vale / BHP Billiton - Maíra Sertã Mansur, Luiz Jardim Wanderley, Bruno Milanez, Rodrigo Salles Pereira dos Santos, Raquel Giffoni Pinto, Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves, Tádzio Peters Coelho. Coordenação Editorial: Charles Trocate Revisão: Julia Dias e Marcela Ferreira Zacarri Capa, projeto gráfico e diagramação: ZAP Design/Mariana V. de Andrade Fotos da capa: Marcelo Valle Impressão e acabamento: Cromosete Conselho Editorial: Ademir Braz, Raimundo Gomes Cruz Neto, Ayala Lindabeth Dias Ferreira, Idelma Santiago da Silva, Marcio Zonta, Fer- nando Michelotti, Rogerio Paulo Hohn, Elder Andrade de Paula, Jorge Luiz Rodrigues Neri, Jonas Borges, Maria Gorete Souza, Charles Trocate, Haroldo de Souza, Simone Silva, Antônio Marcos, Mayka Danielle Brito Amaral, Rosemayre Bezerra, Alexandre Junior da Silva. É permitida a reprodução total ou Editorial iGuana parcial dos textos aqui reunidos, Sociedade Editorial Iguana desde que seja citado(a) o(a) Folha 27, Quadra 05, Lote 27 autor(a) e que se inclua a referência Cep: 68.507-570 - Nova Marabá ao artigo original. Marabá-Pará- Amazônia- Brasil 1ª edição: outubro de 2016 [email protected] A questao mineral-vol2-out.indd 4 24/10/16 14:20 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .....................................................................7 CAPÍTULO 1. ........................................................................17 ANTES FOSSE MAIS LEVE A CARGA: INTRODUÇÃO AOS ARGUMENTOS E RECOMENDAÇÕES REFERENTE AO DESASTRE DA SAMARCO/VALE/BHP BILLITON Maíra Sertã Mansur, Luiz Jardim Wanderley, Bruno Milanez, Rodrigo Salles Pereira dos Santos, Raquel Giffoni Pinto, Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves, Tádzio Peters Coelho CAPÍTULO 2. ........................................................................51 A FIRMA E SUAS ESTRATÉGIAS CORPORATIVAS NO PÓS-BOOM DAS COMMODITIES Bruno Milanez, Rodrigo Salles Pereira dos Santos, Maíra Sertã Mansur CAPÍTULO 3. ........................................................................87 DEPENDÊNCIA DE BARRAGEM, ALTERNATIVAS TECNOLÓGICAS E A INAÇÃO DO ESTADO: REPERCUSSÕES SOBRE O MONITORAMENTO DE BARRAGENS E O LICENCIAMENTO DO FUNDÃO Rodrigo Salles Pereira dos Santos, Luiz Jardim Wanderley CAPÍTULO 4. ......................................................................139 CONFLITOS AMBIENTAIS E PILHAGEM DOS TERRITÓRIOS NA BACIA DO RIO DOCE Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves, Raquel Giffoni Pinto, Luiz Jardim Wanderley A questao mineral-vol2-out.indd 5 24/10/16 14:20 CAPÍTULO 5. ......................................................................183 A EMPRESA, O ESTADO E AS COMUNIDADES Tádzio Peters Coelho, Bruno Milanez, Raquel Giffoni Pinto PoEMAS - Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade ........................................229 A questao mineral-vol2-out.indd 6 24/10/16 14:20 APRESENTAÇÃO Com o rompimento da Barragem do Fundão no município de Mariana no estado de Minas Gerais, em novembro de 2015, quebrou-se o elo convencional e o estigma que ainda se resguar- dava de uma contínua contradição, de não nos percebermos como um país minerador. As mais de 80 milhões de toneladas de lama que eclodiram sobre a bacia do rio Doce expuseram uma dialé- tica da repetição à sofisticada e destrutiva indústria de extração mineral do país. Caso fosse dividido, cada brasileiro, receberia do trio Samarco/ Vale/BHP Billiton, responsável pela tragédia, aproximadamente 450 quilos de rejeitos da mineração, que ficaram apenas nas costas da população de Bento Rodrigues e várias comunidades e cidades entre Minas Gerais e Espirito Santo que viraram, da noite para o dia, uma extensão do complexo minerador de Mariana. Parte da população brasileira viveu e a outra viu pela primeira vez os efeitos da indústria da mineração para além dos lacônicos bordões “superávit primário” ou “equilíbrio da balança comercial”. A tragédia de Mariana é inesgotável em exemplos, do mito da bo- nança ao progresso inevitável, numa desmensurada relatividade de que tudo pode ser recompensado. A mineração é destruição e desperdício, seja da forma que for, tudo é sucumbido pela lógica da “produção em ro- 7 A questao mineral-vol2-out.indd 7 24/10/16 14:20 A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2 dagem perpétua”1, ou seja, minas sendo exauridas 24 horas diariamente, determinando uma crise entre o trabalho e a máquina - que o substitui crescentemente para aumentar o volume de produção -; a natureza como fonte de acumulação primitiva sendo moída por sistemas mecanizados tendo o lucro máximo como alvo e uma população ao redor refém de promessas, subjugada por uma riqueza apenas imaginável, não tangível. Essas características estão no cerne da destruição ecológica provocada pela Samarco/Vale/BHP Billiton em Mariana, que tanto foi vítima da ganância das transnacionais do setor, como do alto rendimento financeiro dos investidores e do Boom das commodities minerais iniciado em meados de 2002, como foi, ao mesmo tempo, afetada pelo seu declínio em 2012, com a intensificação da produção para a manutenção da taxa de lucro empresarial, perante a desvalori- zação das commodities minerais. Em ambos os momentos, a máquina mineradora nunca parou, pelo contrário, aumentou ainda mais a retirada de minérios em Mariana e muitos outros lugares do país, como veremos nos capítulos subsequentes deste livro. Tudo é uma consequência sistêmica: “por isso, é assumido que justamente para resolver o problema (...), é necessário intervir para abrandar, para inverter, e finalmente, desmantelar o sistema de ro- dagem perpétua, especialmente no centro do sistema. No entanto, a perspectiva padrão da rodagem perpétua, se tomada por si só, tende a resumir o problema ecológico a uma questão quantitativa, desen- fatizando os aspectos mais qualitativos da dialética, representadas hoje pela promoção de valores de uso especificamente capitalistas e, assim, do desperdício econômico”. (FOSTER, 2010, p.247). 1 Ao se basear na Economia Política marxista e radical, Allan Schnaiberg chamou a produção em rodagem perpétua do problema fundamental do meio ambiente, pois o aparelho produtivo capitalista influencia a população, o consumo e a tecnologia, repercutindo num capital monopolista de rodagem perpétua, que tanto o volume como a fonte da produção em rodagem perpétua são a indústria capitalista de alta energia. 88 A questao mineral-vol2-out.indd 8 24/10/16 14:20 Apresentação Normalizar em planos quantitativos, como é o caso brasileiro no Plano Nacional de Mineração 2030 (PNM), os bens naturais para especular e lucrar é uma premissa do mundo mineral atual. Se em outros momentos as crises econômicas freavam determinados ímpe- tos capitalistas de acumulação, nessa fase atual do sistema acontece justamente o contrário com a mineração. Isso se justifica, em parte, tanto pelo volume quanto pela fonte de produção mineral, que de- vem ser colocadas constantemente em movimento para promover a satisfação econômica de um dos seus fatores, os acionistas, que permeiam todas as relações de exploração da mineração no Brasil e no mundo capitaneadas pelo capital financeirizado. Pior ainda, estamos minerando para elaboração de uma coleção de produtos para serem consumidos pela sociedade de maneira supérflua. O mercado não só criou a obsolescência programada para duração por tempo determinado de seus produtos, como já aciona a “obsolescência psicológica”, onde o indivíduo sente a necessidade da compra de outro produto, mesmo que o seu ainda esteja em plenas condições de uso, pelo fetiche da mercadoria mais “moderna”. Assim, as cidades se enchem de minerais, como as barragens se inundam de rejeitos. Da construção civil à invasão automobilística, passando pelo computador, pela televisão e pela expressão máxima da mercadoria interativa atual, o celular. No entanto, essa não é apenas a única face da acumulação ca- pitalista através da natureza. Existem outras e talvez de ordem mais perversa, materializadas na super preponderância do valor de troca sobre o valor de uso. E os minerais são, possivelmente, a versão mais exata dessa constatação demarcada (e muito) pela construção das cidades chinesas vazias e inabitáveis, sem necessidade alguma, foram criadas para a circulação e realização do capital através da exploração de minerais. Diga-se de passagem, em parte, os minérios consumidos pelos chineses do complexo minerador de Mariana, que, como vê-se nas exportações, chegaram a 16,5% bem antes da catástrofe. 99 A questao mineral-vol2-out.indd 9 24/10/16 14:20
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