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Anderson Bastos Martins PDF

274 Pages·2010·1.61 MB·Portuguese
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Anderson Bastos Martins ONDE FICA O MEU PAÍS? O exílio e a migração na ficção pós-apartheid de Nadine Gordimer Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Letras – Estudos Literários, área de concentração em Literatura Comparada, elaborada sob a orientação da Profa. Eliana Lourenço de Lima Reis. Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2010 AGRADECIMENTOS Agradeço a minha família, especialmente meus pais, Arthur e Anna, e minhas irmãs, Aline e Anne, pelo amor e pelo apoio, e também por compreenderem a necessidade de horas e horas diante de livros e do computador. Agradeço aos meus amigos que entenderam quando eu recusei certos convites e perdi alguns compromissos. Agradeço também aos que não entenderam e me convenceram a acompanhá- los. Agradeço a Eliana, cujo jeito de orientar instrui e tranquiliza ao mesmo tempo. Agradeço aos demais professores do Programa de cujas disciplinas participei. Agradeço ao CNPq, pela concessão da bolsa de estudos que me permitiu trabalhar em um ritmo agradável. 2 RESUMO Esta tese analisa dois dos mais recentes romances de Nadine Gordimer, Ninguém para me acompanhar (1994) e O engate (2001), que pertencem à categoria de literatura sul-africana pós-apartheid. Apesar de ambos fazerem parte da ficção sul-africana, a abordagem analítica empregada nesta tese expande seu alcance a fim de enxergá-los como literatura transnacional, particularmente no caso de O engate. O estudo de Ninguém para me acompanhar segue em duas direções principais. Em primeiro lugar, o objetivo é compreender alguns temas e técnicas narrativas selecionados por Nadine Gordimer a fim de ficcionalizar o período de transição, entre 1990 e 1994, em que uma nova elite negra, que havia retornado do exílio recentemente ou sido libertada da prisão, passou a ocupar os principais cargos políticos do país. Em segundo lugar, o foco do estudo volta-se para a presença de elementos autobiográficos na narrativa, numa tentativa de explicar a decisão tomada por Gordimer de recorrer à autoficção, uma vez que ela é conhecida por ter recusado diversas propostas para escrever suas memórias ou sua autobiografia. Simultaneamente, é possível discutir o pensamento abstrato de Gordimer em relação aos temas da lei e da verdade. A análise de O engate é também dividida em duas partes. A primeira delas é situada na África do Sul e narra o envolvimento sexual de uma jovem branca e rica e um imigrante ilegal vindo de um país muçulmano não identificado. Isto dá ao leitor e ao crítico acesso ao posicionamento de Nadine Gordimer em torno da chamada nova África do Sul e suas novas formas de segregação. A segunda metade do romance é situada na vila às margens do deserto onde o imigrante e a jovem vão viver temporariamente com a família do rapaz. Nesta parte da tese, o foco da análise recai sobre a visão crítica de Nadine Gordimer no tocante à exploração da força de trabalho do migrante nas grandes cidades ocidentais. Paralelamente, a autora convida o leitor a considerar formas alternativas de viver e partilhar experiências transnacionais no século vinte e um. PALAVRAS-CHAVE: pós-apartheid; exílio; migração; verdade; lei; autobiografia; globalização; nação 3 ABSTRACT This thesis analyzes two of Nadine Gordimer’s latest novels, None to accompany me (1994) and The pickup (2001), which fall under the category of South African post-apartheid literature. Despite the fact that both belong to South African fiction, the analytical approach employed in this thesis opens their scope towards the concept of transnational literature, particularly in the case of The pickup. The study of None to accompany me takes two major directions. Firstly, the objective is to understand some narrative techniques and themes selected by Nadine Gordimer in order to fictionalize the transitional period, between 1990 and 1994, which saw the rise of a black elite, recently returned from exile or freed from imprisonment, to the major political ranks in the country. Secondly, the focus of the study shifts towards the presence of autobiographical elements in the narrative, in an attempt to explain Gordimer’s decision to resort to autofiction, as she has famously refused several invitations to write her memoirs or autobiography. In the process, it is possible to discuss Gordimer’s abstract thinking on the topics of truth and the law. The analysis of The pickup is equally divided into two sections. The first part of the novel is set in South Africa and narrates the sexual involvement of a rich white young woman and an illegal immigrant from an unnamed Muslim country. This gives the reader and the critic access to Nadine Gordimer’s standpoint regarding the so-called new South Africa and its new forms of segregation. The second half of the novel takes place in the desert village where the immigrant and the young woman come to live temporarily with his family. In this part of the thesis, the focus of the analysis falls on Nadine Gordimer’s critical stance on the exploitation of migrant labour in large western cities. Concomitantly, the author invites the reader to contemplate alternative ways of living and sharing transnational experiences in the twenty-first century. KEYWORDS: post-apartheid; exile; migration; truth; law; autobiography; globalization; nation 4 SUMÁRIO INTRODUÇÃO No princípio 6 CAPÍTULO 1 Aquele precário reino do exílio 12 CAPÍTULO 2 A vitória do regresso 44 CAPÍTULO 3 Em algum lugar, à espera 94 CAPÍTULO 4 A verdade. No fim. Só isso 130 CAPÍTULO 5 Estar aberta a encontros 177 CAPÍTULO 6 A coexistência de maravilhas 210 CONCLUSÃO Vivendo na esperança e na história 254 BIBLIOGRAFIA 265 5 INTRODUÇÃO “No princípio” 1 Em uma entrevista concedida em 1969, Nadine Gordimer defende uma tese a respeito de sua obra que, segundo ela, é também válida para o trabalho de diversos outros escritores. Em linhas gerais, sua ideia revela a existência de uma continuidade, ou de uma relação de complementaridade, entre as diversas produções individuais de um autor. Ao tentar explicar melhor esta noção, Gordimer afirma que “nós todos escrevemos um só livro, mas o fazemos em partes e frequentemente a partir de pontos de vista muito diferentes durante todo o decorrer de nossas vidas” (BAZIN; SEYMOUR, 1990, p. 44). Em seguida, a autora admite que uma carreira literária é feita também de descontinuidades, que ela prefere imaginar em termos de “avanços” ou “regressões” causados pelas mudanças sofridas pelo artista, mas esta admissão não lhe parece uma contradição, e ela reitera seu pensamento afirmando que “no final das contas, para um escritor, sua obra é sua vida e é uma totalidade”. (BAZIN; SEYMOUR, 1990, p. 44) No interior da crítica e da teoria literária, esta noção pode ser recebida com mais simpatia por alguns estudiosos do que por outros. O que não se pode negar, conforme procurarei demonstrar, é que Nadine Gordimer foi fiel a sua proposta e criou uma obra em que romances e contos, ensaios críticos e entrevistas dialogam permanentemente e procuram manter visíveis os sinais desta continuidade. De minha parte, a ideia de tratar a obra de Nadine Gordimer em seus aspectos que reforçam a continuidade por meio da qual um romance ou conto reelabora ou complementa outro texto que o precedeu faz parte de um projeto pessoal que também é fruto de um desejo de continuidade. Em 2002, apresentei uma dissertação de mestrado ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora sob o título “Uma nova velha história: a literatura política de Nadine Gordimer”. O tema central da dissertação foram os aspectos políticos identificados no romance My son’s story (A história de meu filho, Siciliano, 1992), publicado em 1990, quando a África do Sul dava os primeiros passos que culminariam na 1 Título do conto que encerra a primeira coletânea de ficção curta de Nadine Gordimer, The soft voice of the serpent, de 1950. 6 libertação irrestrita de todos os presos políticos, na anistia aos exilados e refugiados, na descriminalização das atividades dos partidos de oposição e na preparação das primeiras eleições gerais em que a maioria negra teria o direito ao voto. Como texto individual da longa lista de romances da autora, A história de meu filho figura como a narrativa de um momento em que Gordimer pôde trabalhar com o fim do apartheid sobre bases mais sólidas e palpáveis, deixando para trás a necessidade de tratá-lo como um fato permanentemente postergado e apenas imaginado, como foi o caso em alguns dos romances publicados anteriormente, com destaque para July’s people (O pessoal de July, Rocco, 1988), publicado em 1981, e A sport of nature (Uma mulher sem igual, Rocco, 1989), com data original de 1987. O fato de A história de meu filho ser o último romance de Nadine Gordimer situado ainda na vigência do apartheid deixou, em minha pesquisa, as marcas inevitáveis de uma história escrita e lida de maneira insuficiente. Por esta razão, o desejo de dar continuidade à análise a fim de compreender como a nova África do Sul seria traduzida literariamente por Nadine Gordimer surgiu de modo imediato e irresistível. Esta tese, portanto, apresenta os resultados do período de pesquisa e de reflexões a respeito do esforço de escrita de uma autora que se tornou conhecida internacionalmente não apenas pelo escopo de sua obra, como também pela fidelidade com que se opôs, desde o primeiro momento, à retórica perversa de um regime político que tentou disfarçar sua paranóia xenófoba e seu oportunismo econômico por trás de um anticonceito de “liberdade através da separação”, a base ideológica do apartheid. Além disto, minha tese foi também motivada por uma falácia crítica bastante difundida no meio especializado quando o apartheid foi finalmente revogado na África do Sul. Refiro- me à expectativa de que a obra de Nadine Gordimer perderia seu sopro de vida com a derrocada do regime que ela se ocupou de criticar e de tentar desmascarar. Abordarei a questão oportunamente em meu trabalho, mas, por ora, é importante adiantar que este pensamento resulta de uma percepção extremamente limitada da escrita literária, pois restringe o “assunto” de um escritor a um universo específico de temas e condições históricas. Esta visão desinformada trata o apartheid como um bloco monolítico que se interpôs ao fluxo normal da história sul-africana, sem perceber que o regime teve suas origens em práticas e discursos que, não apenas são anteriores a 1948, mas mantêm certo vigor após 1994, anos que demarcam o intervalo de sua vigência oficial. 7 A partir do momento em que Nadine Gordimer tomou a decisão de escrever contra o apartheid, assumiu um compromisso, mesmo que sem total consciência disto, com alguma forma de projeto nacional sul-africano. Isto não equivale a dizer que a obra da autora é nacionalista, uma vez que escrever contra o apartheid foi o mesmo que escrever contra a nação realmente existente. Talvez por esta razão, a aproximação entre o trabalho de escrita de Nadine Gordimer e a história sul-africana ocasionou a necessidade de analisar criticamente o presente mantendo os olhos voltados para o futuro, o qual deveria ser localizado em algum ponto no tempo em que o ideal de um país multirracial se fizesse possível. O fato de que este ideal foi, em grande parte, elaborado por homens e mulheres exilados faz do exílio uma base interessante para se adentrar a obra de Nadine Gordimer produzida durante o período da transição democrática, compreendido entre o ano de 1989, quando muitos dos líderes revolucionários, incluindo Nelson Mandela, começaram a deixar a prisão, e as eleições gerais de 1994. Para que este processo histórico pudesse ocorrer, foi necessário que os ativistas políticos banidos do país pudessem retornar à África do Sul. Tal regresso, seguido da formação do primeiro governo democrático pós-apartheid, constitui o foco de None to accompany me (Ninguém para me acompanhar, Companhia das Letras, 1996), romance publicado justamente em 1994 e cuja produção coincidiu com o período em que se desenrolaram as negociações da transição entre os regimes. Em 2001, poucos meses antes do dia 11 de setembro, Nadine Gordimer publicou The pickup (O engate, Companhia das Letras, 2004). A referência ao ataque às Torres Gêmeas começou a ser feita quando, passados os efeitos imediatos do evento, artistas e intelectuais procuraram identificar obras de arte que, de certa maneira, “citavam” este inesperado cartão de visitas do novo século antes que ele tivesse ocorrido. Por ter como um de seus protagonistas um imigrante ilegal de origem muçulmana, O engate contém elementos comuns a muitas das coletividades de estrangeiros que se formam nas grandes cidades ocidentais e, frequentemente, fornecem o material humano para organizações fundamentalistas como a Al Qaida. Na realidade, porém, o romance de Nadine Gordimer toca apenas indiretamente neste estado de coisas, uma vez que seu viés crítico é voltado para a exploração dos trabalhadores migrantes que deixam a pobreza e a falta de perspectivas para sustentarem a máquina do capitalismo global, o qual, normalmente, não os tira da pobreza ou lhes oferece horizontes mais promissores do que aqueles dos quais eles fogem. Para Nadine Gordimer em O engate, o principal problema não é o ódio nutrido pelos radicais em relação aos valores ocidentais, mas 8 a idolatria destes mesmos valores, que muitos daqueles homens e mulheres desiludidos acreditam configurar sua última esperança. Antes de dar início a uma análise mais cuidadosa das mudanças bruscas experimentadas pela África do Sul com a derrocada do apartheid e posterior retorno dos exilados e refugiados, além da problemática da migração nos dias atuais, parece importante identificar, na bibliografia teórica referente a estes deslocamentos espaciais e suas conotações literárias, alguns dos conceitos mais destacados, com o intuito de estabelecer possíveis distinções entre, por exemplo, a literatura do exílio e a literatura migrante. A primeira parte do Capítulo 1, cujo título – “Aquele precário reino do exílio” – foi tomado de empréstimo a Edward Said,2 é voltada para esta revisão bibliográfica, seguida de algumas reflexões que buscam situar a obra e a vida de Nadine Gordimer diante da experiência e da possibilidade de exílio. Como se sabe, um contingente significativo de artistas e intelectuais sul-africanos optou por deixar o país e aguardar pelo fim do regime com o qual discordavam, embora não desejassem colocar em risco sua produção criativa. A possibilidade do exílio configurou um grande peso para a vida e para a obra de Nadine Gordimer, a qual, como veremos, procurou, em sua escrita ficcional, equacionar este dilema e, simultaneamente, estabelecer para si uma identidade literária. Os três capítulos seguintes, intitulados, respectivamente, “A vitória do regresso”, “Em algum lugar, à espera” e “A verdade. No fim. Só isso” – todos são expressões pinçadas no texto de Ninguém para me acompanhar –, voltam-se para o estudo detalhado deste romance. Os capítulos 2 e 3 concentram-se sobre o retorno dos exilados e a complexidade da situação política que os aguardava, especialmente em relação àqueles cujo envolvimento na resistência política e militar ao apartheid alçava-os automaticamente à condição de futuros líderes da nova nação. A presença destes personagens “reais” no romance, bem como o interesse em retratar a atmosfera reinante à época, que criava a sensação de que a África do Sul como unidade nacional estava ressurgindo, permite aproximar a narrativa de Gordimer de algumas das teses estabelecidas pelos estudiosos dos chamados romances de fundação, levando-se em conta, porém, que, no caso da África do Sul, a consolidação da nação democrática se deu em um contexto amplo que começava a colocar em questão a própria viabilidade de todo projeto nacional. Por intermédio dos personagens Sibongile e Didymus Maqoma, ex-militantes 2 SAID, E. Humanism and democratic criticism. 2004, p. 144. 9 exilados em outros países da África e na Europa e que retornam a seu país natal, Nadine Gordimer considera as consequências da chegada ao poder por uma geração nascida e criada em meio à opressão e ao racismo. Na tradução literária do período elaborada por Nadine Gordimer, a transição democrática teve início em meio a uma grande euforia nacionalista e foi seguida imediatamente pelo processo político de escolha das lideranças partidárias, entre as quais se encontravam antigos idealistas dispostos a dar continuidade aos sacrifícios aceitos durante a luta de resistência em prol do bem comum ao lado de indivíduos que se revelaram interessados em um revanchismo utilitarista claramente voltado para a política fisiologista. Neste ponto, a tese de que Ninguém para me acompanhar assemelha-se a um romance de fundação cobre-se de ironia, uma vez que o objetivo da autora passa a ser não mais apontar para a força da união nacional, mas para os elementos responsáveis por uma nova forma de desagregação social. No Capítulo 4, a personagem Vera Stark ocupa a posição central, oferecendo a oportunidade de abordar o romance de Gordimer a partir de um critério bastante polêmico quando se trata desta autora em particular: a escrita autobiográfica, ou a autoficção. Avessa à proposta de escrever uma autobiografia, Nadine Gordimer reitera que a realidade de sua vida se encontra em sua escrita, mais em sua obra ficcional do que em seus escritos ensaísticos ou jornalísticos. Como procurarei demonstrar, Vera Stark configura a ocasião mais apropriada para aproximar de sua obra algumas hipóteses da crítica autobiográfica. Além disto, Vera – a Verdadeira – enseja ao leitor crítico a chance de abordar alguns conceitos de destaque entre as preocupações teóricas da autora, em especial as relações entre o indivíduo e a lei, além da questão da verdade, tanto em sua vertente filosófica mais ampla quanto em sua manifestação mais específica nas páginas da literatura. Os capítulos 5 e 6, que contêm a análise de O engate, têm por título “Estar aberta a encontros” e “A coexistência de maravilhas”, expressões também retiradas do romance em questão e que, de certa maneira, resumem a situação de Julie Summers, a protagonista da narrativa, nas duas fases do texto. Neste estudo crítico de O engate, a descoberta, por parte de Julie, de formas de vida alternativas à sua e que ela desconhecia por completo é o fio condutor não apenas do romance em si, mas também do estudo do texto contido nesta tese, que engloba tanto a exploração econômica da mão-de-obra barata vendida por homens e mulheres situados à margem do espaço governado pelo capital global quanto a possibilidade de se pensar em formas de vida que ofereçam resistência a este sistema. Na realidade, esta segunda metade de minha tese avalia alguns dos efeitos desta exploração sobre individualidades diferentes, com a intenção de questionar os valores 10

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critérios étnicos postulados pelos ideólogos do regime anterior. Para muitos críticos e dela, no céu que os vigia lá de cima. “Decidi adiar nosso
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