BALDUINIA. n.24, p. 16-21, 30-IX-201O ANATOMIA DAMADEIRA DE CAMPOMANESIA RHOMBEA O. BERG (MYRTACEAE)] SIDINEI RODRIGUES DOS SANTOS2 JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORP RESUMO Nopresente estudo sãodescritos, ilustrados ediscutidos oscaracteres anatômicos dolenho de Campomanesia rhombea O. Berg, com base em material procedente do Rio Grande do Sul. Dos caracteres anatômicos observados, salientam-se paraaidentificação daespécie: raios heterogêneos relativamente largos (1-4 células), com margens unisseriadas geralmente mais curtas do que o corpo central; parênquima axial difuso-em- agregados, tendente aescalariforme; séries parenquimáticas com 2-4 células dealtura; vasos com freqüência de 17/mm2 ediâmetro médio de 70 11m. Palavras-chave: Campomanesia rhombea, anatomia da madeira, Myrtaceae. ABSTRACT [Wood anatomy of Campomanesia rhombea O. Berg (Myrtaceae)]. The anatomical features ofthe wood of Campomanesia rhombea O. Berg are presently described, based on material from Rio Grande do Sul state - Brazil. The most important features to the species recognition include: heterogeneous, relatively wide rays (1-4 cells), with uniseriate margins commonly shorter than the central body; axial parenchyma diffuse-in-aggregates, tending to scalariform pattern; parenchyma strands with 2-4 cells; and pores with 70 11mwidth, infrequency of 17/mm2. Key words: Campomanesia rhombea, wood anatomy, Myrtaceae. INTRODUÇÃO mensões geralmente reduzidas dos troncos, fa- Com cerca de 150gêneros e 3600 espécies, tor que desestimula a utilização dos mesmos afaffil1iaMyrtaceae é uma das mais importan- para fins mais nobres, bem como pelo uso tra- tes em diversidade nos trópicos, inclusive no dicional de outras madeiras (Ovando et al., Brasil, onde são encontradas aproximadamente 2010). 1200espécies, todas datribo Myrteae (Govaerts Pertencente a tribo Myrteae (ou subfaffil1ia et al., 2008). Apesar da importância, são escas- Myrtoideae), o gênero Campomanesia está re- sos os estudos sobre a anatomia de madeiras presentado no Rio Grande do Sul por seis espé- nativas da faffil1ia,fato que pode ser explicado, cies de árvores earbustos (Sobral, 2003), todas emparte, pelo elevado número deespécies, pela de escassa importância sob o ponto de vista da complexidade taxonômica do grupo, pelas di- utilização, com exceção de Campomanesia xanthocarpa, frutífera bastante conhecida. Campomanesia rhombea, objeto do presen- te estudo anatômico, é arvoreta de 3-8 m de al- Recebido para publicação em 19/10/2010 eaceito para 1 publicação em 05/11/2010. tura, decasca exfoliante efolhas membranáceas, 2 Biólogo, bolsista (CNPq - Brasil), doutorando do elípticas ou obovadas, de bordo ondulado elar- Programa de Pós-Graduação em Engenharia Florestal, gura geralmente inferior a 15 mm (Sobral, Departamento de Ciências Florestais, Universidade Federal de Santa Maria, CEP 97105-900, Santa Maria, 2003). RS, Brasil. [email protected] Popularmente conhecida por guabiroba-mi- 3 Engenheiro Florestal, Dr.Bolsista deProdutividade em úda, a espécie ocorre naturalmente de Minas Pesquisa (CNPq - Brasil). Professor Titular do Depar- Gerais aoRio Grande doSul,participando, neste tamento de Ciências Florestais, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil. Estado, da Floresta Ombrófila Mista doPlanal- 16 toeCampos deCima daSerra, daFloresta Atlân- botânicas foram incorporados à Xiloteca e tica e, especialmente, da Floresta EstacionaI da Herbário do Departamento de Ciências Flores- Depressão Central (Sobral, 2003). tais da Universidade Federal de Santa Maria Opresente estudo tempor objetivo adescri- (HDCF), sob onúmero 6148. çãomicroscópica damadeira de Campomanesia Do material lenhoso foram extraídos três rhombea, com vistas a contribuir para o maior corpos de prova (1x2x3 cm) da parte mais ex- conhecimento estrutural dasMyrtaceae nativas. terna do lenho, próxima ao câmbio, orientados para obtenção de cortes nos planos transversal, REVISÃO DE LITERATURA longitudinal radial e longitudinal tangencial. A literatura dispõe de escassas referências Outro bloquinho foi também retirado, com vis- anatômicas sobre os representantes do gênero tas àmaceração. Campomanesia. Aconfecção daslâminas histológicas seguiu Das espécies nativas noEstado, constam re- a metodologia descrita em Burger & Richter ferências sobre a anatomia da madeira de (1991). As lâminas de macerado foram obtidas Campomanesia guazumifolia (Marchiori, 1998), de acordo com ométodo deFranklin, modifica- Campomanesia xanthocarpa (Santos & do (Kraus & Arduin, 1997). Os cortes Marchiori, 2009) e Campomanesia aurea anatômicos foram tingidos com safra-blau; o (Marchiori &Santos, 2010). Entre asprincipais macerado, apenas com safranina (1%).Amon- características observadas, citam-se: poros ex- tagem das lâminas permanentes foi feita com clusivamente solitários; elementos vasculares de Entellan. comprimento médio, com placas de perfuração A descrição baseou-se nas recomendações simples; parênquima predominantemente do IAWA Committee (1989). No caso da per- apotraqueal difuso-em-agregados; raios hetero- centagem dos tecidos, foram realizadas 600 de- gêneos com 3ou mais células de largura emar- terminações ao acaso, com auxílio de contador gens relativamente curtas; fibras com delaboratório, conforme proposto porMarchiori pontoações areoladas; e ausência de cristais. (1980). Afreqüência de poros foi obtida de for- Salientam-se, além disso, a baixa freqüência e ma indireta, a partir de um quadrado de área o grande diâmetro de poros, bem como abaixa conhecida superposto afotomicrografias de se- freqüência deraios, aspectos, todavia, nem sem- ções transversais da madeira. pre presentes. Para Campomanesia xantho- As medições foram realizadas em microscó- carpa, Rodrigues (2005) fornece uma descri- pio Carl Zeiss, no Laboratório de Anatomia da ção microscópica de, mas com base em amos- Madeira da Universidade Federal de Santa Ma- tras de lenho juvenil, proveniente do Estado do ria. Nas características quantitativas, os núme- Paraná. ros entre parênteses equivalem aos valores mí- Para ogênero em estudo, Metcalfe &Chalk nimos emáximos observados; ovalor queacom- (1972) relacionam: poros em número de 5- 20/ panha a média é o desvio padrão. As foto- mm2; vasos solitários, de diâmetro médio e em micrografias foram tomadas em microscópio linhas oblíquas frouxas; e raios heterogêneos Olympus CX40, equipado com câmera digital com 4 -6células de largura e 1-3fileiras mar- Olympus Camedia c3000, no Laboratório de ginais de células quadradas eeretas. Anatomia da Madeira da Universidade Federal do Paraná, aquem os autores agradecem. MATERIAL E MÉTODOS A descrição anatômica baseou-se em uma DESCRIÇÃO ANATÔMICA amostra de madeira, coletada na Floresta Naci- Anéis decrescimento: distintos, delimitados onal (FLONA) de São Francisco de Paula, Rio por fina camada de fibras radialmente estreitas Grande doSul.Aamostra erespectivas exsicatas no lenho tardio, bem como pela presença de 17 zonas fibrosas no limite do anel de crescimento altas do que asdo corpo central (Figura 1e). As (Figura 1A,B). margens unisseriadas são geralmente mais cur- Vasos: pouco numerosos anumerosos (17 ± tas do que o corpo central (Figura 1E,F). Os 5,2 (12 - 25) poros/mm2), ocupando 5 ± 1,4 % unisseriados medem 103 ± 44,1 (30 - 210) 11m do volume da madeira. Porosidade difusa. Po- e 1 - 6 células de altura. Raios axialmente rosexclusivamente solitários, circulares aovais, fusionados, escassos. Células radiais de pare- pequenos (70 ± 15,5 (35 - 92,5) 11m),de pare- des disjuntas, presentes. Células envolventes, des espessas (4,1 ± 0,77 (2,5 - 5) 11m)e sem células perfuradas e conteúdos, ausentes. padrão definido de organização (Figura 1A,B). Fibras: representando 62±5,8 %do volume Elementos vasculares de comprimento médio da madeira, com pontoações areoladas e aber- (392 ± 82,5 (180 - 500 11m),com placas deper- turas cruzadas, presentes nas faces radiais e furação simples, ligeiramente oblíquas (Figura tangenciais da parede (Figura 1F); de compri- 1D), e apêndices presentes, em uma ou em mento médio (1140 ± 91,5 (1000 - 1380) 11m), ambas as extremidades, ou então, menos com 15,8 ± 1,3 (13,7 - 18,7) 11mde largura e comumente, ausentes. Pontoações intervas- paredes finas aespessas (5,2 ±0,57 (4,4 - 6,2) culares alternas, circulares (5,9 ± 0,36 (5,1 - 11m)(Figura 1B).Fibras septadas, fibras gelati- 6,2) 11m),com abertura em fenda inclusa, orna- nosas e espessamentos espiralados, ausentes. mentada. Pontoações raio-vasculares com Traqueídeos vasicêntricos, presentes. aréolas distintas, semelhantes àsintervasculares, Outros caracteres: variantes cambiais, tubos porém menores (2,8 ± 0,27 (2,6 - 3,1) 11m)e laticíferos e taniníferos, canais intercelulares, restritas às margens de raios. Espessamentos máculas, células oleíferas ou mucilaginosas, espiralados, ausentes. Conteúdo avermelhado, estratificação e cristais, ausentes. escasso. Parênquima axial: muito distinto das fibras ANÁLISE DA ESTRUTURA ANATÔMICA em corte transversal, representando 19±4,8 % As principais características anatômicas ob- do volume da madeira; em arranjo apotraqueal servadas na madeira de Campomanesia difuso e, principalmente difuso-em-agregados, rhombea são compatíveis com aspossibilidade além de paratraqueal escasso. As células de estruturais referidas para afarru1iaMyrtaceae e parênquima formam linhas tangenciais ondula- gênero Campomanesia, por Record & Hess das emais oumenos regularmente distribuídas, (1949) eMetcalfe &Chalk (1972). Entre os as- compondo um padrão quase escalariforme (Fi- pectos mais importantes, destacam-se: poros gura lA,B). Séries parenquimáticas com (2) 4 exclusivamente solitários, de diâmetro grande células, medindo 404 ±62,8 (200 - 510) 11mde epouco frequentes; parênquima predominante- altura (Figura 1E). mente apotraqueal, em linhas distribuídas mais Raios: ocupando 14 ± 2,7 % do volume da ou menos regularmente, lembrando o padrão madeira, numerosos a muito numerosos (13 ± escalariforme; séries parenquimáticas com 2-4 1,2 (10 - 14)raios/mm), com 1- 3 (raro 4) cé- células de altura; e raios relativamente largos lulas de largura e tendendo a organizar-se em (até 4células), de corpo multisseriado mais alto dois tamanhos distintos, devido à escassez dos do que as margens unisseriadas, tendendo a bisseriados (Figura lE). Raios multisseriados organizar-se em dois tamanhos distintos. com 244 ±41,6 (170 - 330) 11me 10- 20, mais Embora não exclusiva de Campomanesia, a comumente 11- 17células de altura; heterogê- presença de raios relativamente largos (3 ou neos, reúnem células procumbentes na parte mais células) é a única característica de valor multisseriada e (1) 2 - 5 fileiras marginais de diagnóstico compartilhada pelas demais espé- células quadradas, eretas eprocumbentes mais cies do gênero referidas na literatura. Metcalfe 18 FIGURA I- Fotomicrografias da madeira de Campomanesia rhombea. A- Seção transversal, mostrando limite deanel de crescimento com zonas fibrosas conspícuas (AC), porosidade difusa eporos exclusivamente solitários, sem padrão definido deorganização. B- Mesma seção, com maior aumento, mostrando poros circulares eparênquima apotraqueal, em linhas regularmente distribuídas, tendentes ao padrão escalariforme (seta). C - Raio heterogêneo, com células procumbentes (no corpo) emargens de células quadradas, eretas eprocumbentes (seção longitudinal radial). D- Vasos com placas de perfuração simples ligeiramente oblíquas, em seção radial. E- Seção longitudinal tangencial, mostrando raios com 1-3 células de largura e série de parênquima axial (seta). F- Mesma seção, em maior aumento, destacando fibras com pontoações areoladas eraio com margens unisseriadas mais curtas do que ocorpo central multisseriado. 19 & Chalk (1972) também reconhecem como cia com a interpretação de Sobral (2003), feita característico de Campomanesia, a baixa fre- com base na morfologia externa: Campo- qüência de poros «20/mm2) e a presença de manesia xanthocarpa apresenta raios mais lar- vasos de diâmetro médio. Apesar do presente gos (1-4 (até 5) células de largura) e séries estudo corroborar esta generalização, mesmo parenquimáticas mais altas (4-5 (até 8) células assim ela parece inadequada, posto que certas de altura) doque Campomanesia rhombea, que espécies do gênero, caso de Campomanesia tem raios com 1-3 (raro 4) células de largura e guazumifolia (Marchiori, 1998) e Campo- séries de parênquima de até 4 células. manesia aurea (Marchiori & Santos, 2010), apresentam valores que ultrapassam os acima referidos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Para o gênero Campomanesia, Metcalfe & BURGER, L.M., RICHTER, H.o. Anatomia da Chalk (1972) referem, ainda, apresença de va- Madeira. São Paulo: Ed. Nobel, 1991. 154p. GOVAERTS, R.; SOBRAL, M.; ASHTON, P.; sos com distribuição em linhas oblíquas frou- BARRIE, F.; HOLST, B.K.; LANDRUM, L.; xas, padrão distinto doobservado naespécie em MATSUMOTO, K.; MAZINE, F.F.; LU- estudo. Marchiori (1998) eMarchiori &Santos GHADHA, E.N.; PROENÇA, C.; SILVA, (2010), por sua vez, também não mencionam L.H.S.; WILAON, P.; LUCAS, E. World esta tendência de distribuição de poros nas ma- Checklist ofselected plant families - Myrtaceae. deiras do gênero por eles investigadas. Kew Publishing, Royal Botanic Gardens, Kew. Além destas características, foram também 2008. observados: elementos vasculares de compri- IAWA COMMITTEE. IAWA list of microscopic mento médio; placas de perfuração simples; features for hardwood identification. IAWA pontoações intervasculares alternas eornamen- Bulletin, v.lO, n. 3, p.218-359, 1989. tadas; fibrotraqueídeos de comprimento médio; KRAUS, J.E.; ARDUIN, M. Manual básico de mé- presença de traqueídeos vasicêntricos; eausên- todos em morfologia vegetal. Rio de Janeiro: cia de cristais e de espessamentos espiralados. EDUR, 1997. 198 p. LANDRUM, L.R. Campomanesia, Pimenta, Todos estes aspectos, segundo Vliet & Baas Blepharocalyx, Legrandia, Acca, Myrrinium and (1984), apresentam ampla ocorrência em Luma. Flora Neotropica, n.45, p .1-178, 1986. Myrtaceae. MARCHIORI, J.N.C. Estudo anatômico do xilema No tocante aos caracteres anatômicos dife- secundário de algumas espécies dos gêneros renciais para as espécies nativas de Acacia e Mimosa, nativas no Estado do Rio Campomanesia, salientam-se: a frequência e Grande do Sul. 1980. 186f. Dissertação diâmetro de poros; a presença ou não de (Mestrado em Engenharia Florestal) - Univer- espessamentos espiralados; a largura de raios; sidade Federal do Paraná, Curitiba, 1980. o arranjo e a altura das séries de parênquima MARCHIORI, J.N.C. Estudo microscópico da ma- axial; eo comprimento de fibras. deira de sete-capotes, Campomanesia Resta salientar que Campomanesia rhombea guazumifolia (Camb.) Berg. (Myrtaceae). Ciên- é,porvezes, referida naliteratura botânica como cia Rural, Santa Maria, v. 28, n. 1, p. 47-51, 1998. sinônimo de Campomanesia xanthocarpa MARCHIORI, J.N.C.; SANTOS, S.R.Anatomia das (Landrum, 1986). Aanálise comparativa da es- madeiras de Campomanesia aurea O. Berg e trutura anatômica das duas espécies, todavia, Eugenia myrcianthes Niedenzu (Myrtaceae). não corrobora tal posicionamento. Foram ob- Balduinia, n. 22, p. 23-30, 2010. servadas diferenças anatômicas importantes, que METCALFE, C. R., CHALK, L. Anatomy of the justificam amanutenção das mesmas como en- Dicotyledons. Oxford: Clarendon Press, 1972. tidades taxonômicas distintas, em concordân- 1500 p. 20 OVANDO, P.e.; LONGHI, E.L.; ROMEIRO, D.; commersoniana (Baillon) Smith & Downs SANTINI JUNIOR, L.; AGUIAR, O.T.; (Euphorbiaceae). Tese (Doutorado) - Univer- FLORSHEIM, S.M.E.; LIMA, I.L.Anatomia do sidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. lenho de Myrcia albotomentosa DC. e Myrcia SANTOS, S.R.; MARCHIORI, J.N.e. Caracteriza- multiflora (Lam.) De. (Myrtaceae). 4°Seminá- ção microscópica do lenho de Campomanesia rio de Iniciação Cientifica do Instituto Flores- xanthocarpa O. Berg (Myrtaceae). Balduinia, tal, 2010. n. l8,p. 10-14,2009. RECORD, S.J.;HESS,R.W.1imbers ofthe New World. SOBRAL, M. Afamília Myrtaceae no Rio Grande New Haven: YaleUniversity Press, 1949.640 p. do Sul. São Leopoldo: Unisinos, 2003. 215p. RODRIGUES, T.T. Os efeitos do solo contaminado VLIET, G.J.e. van; BAAS, P.Wood anatomy and com petróleo na estrutura anatômica e estado classification of the Myrtales. Annals of the nutricional do lenho jovem de Campomanesia Missouri Botanical Garden, n. 71, p. 783-800, xanthocarpa Berg (Myrtaceae) e Sebastiania 1984. 21