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Anatomia da Crítica PDF

182 Pages·1957·20.71 MB·Portuguese
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\ " Northrop Frye .: l ( ~: ANATOMIA DA CRÍTICA NORTHROP FRYE N01'th1'0p F1'ye bbra de citação por assim dizer obrigatória em todas as bibliografias de livros básicos acerca de teoria da literatura, ANATOMIADACRÍ TICAé posta ao alcance do público ledor bra sileiro, particularmente dos alunos de nossas Faculdades de Letras, nesta criteriosa tradução , do poeta e ensaísta Péricles Eugênio da Silva Ramos, que a Cultrix ora publica. NATOMIA DA CRITICA O livro de Northrop Frye, docente do Vic tory CoIlege, da Universidade de Toronto, busca .oferecer uma visão sinótica dos objetivos, fun damentos teóricos, princípios e técnicas da crí tica literária. Refutando certa concepção ainda corrente de crítica, que a restringe a mera opinião ou gesto ritual, "sobrancelhas erguidas Tradução de e comentários secretos e outros signos de um PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA RAMOS entendimento muito oculto para a sintaxe", o Prof. Frye postula a concepção da crítica como uma estrutura de pensamento e conhecimento que existe por direito próprio. .Através de um ap~nhado indutivo, em que recorre a exemplos d~ literatura mundial, desde os tempos mais recuados aos atuais - o Prof. Frye formula ? /1'''-'' urti sistema conceptual para a análise da lite ratura. A seguir, em quatro brilhantes ensaios, dedicados respectivamente à crítica histórica ~4-o5 (t~oria dos modos), ética (teoria dos símbolos), JL..'5 aq.juetípica (teoria dos mitos) e retórica (teoria dós gêneros), faz ele a aplicação do método • "ctentífico", no empenho de elevar a crítica dej casual ao causal, do fortuito e intuitivo ao siJtemático. iEmANATOMIADACRÍTICA,a literatura étoma dJ como objeto de estudo científico, não como I ptetexto para divagações, e fica demonstrado ( qjJe a relação existente entre crítica e arte é da rriesma natureza que a que existe entre história e' ação, filosofia e sabedoria. EDITORA CULTRIX sÃO PAULO Título do original: ANATOMY OF CRITICISM © Copyright 1957, by Princeton University Press !/ I íNDICE J I Pág. 9 'I DECLARAÇÕEPSRELIMINARESE AGRADECIMENTOS 11/ INTRODUÇÃO POL:f:MICA 37 PRIMEIRO ENSAIO. CRÍTICAHISTÓRICA:TEORIADOSMODOS 39 DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE Modos da Ficção: Introdução 42'' 801.95 Anatomia dacritica / Modos da Ficção Trágica 49 F965ap Modos da Ficção Cômica 57 e.5 Modos Temáticos 73 1111111111111111111111111111111111111111111111111111111111IIII111 SEGUNDO ENSAIO. CRÍTICAÉTICA:TEORIADOSSÍMBOLOS 21300018873 75 Introdução Fases Literal e Desctitiva: 77 o Símbolo como Motivo e como Signo 86 Fase Formal: o Símbolo como Imagem 97 Fase Mítica: o Símbolo como Arquétipo 117/ Fase Anagógica: o Símbolo como Mônade 131 TERCEIRO ENSAIO. CRÍTICAARQUETÍPICA:TEORIADOSMITOS 133 Introdução MCMLXXIlI Teoria do Sentido Arquetipico (1): 142 ___T_eoriIamadgoensSenAtipdoocalAíprtqicuaestipico (2): J12211150814569395823_i I Direitos de tradução para a língua portuguesa adquitidos Imagens Demoníacas com exclusividade pela Teoria do Sentido Arquetipico (3): EDITORA CULTRIX LTDA. Imagens Analógiclls Rua ConselheÍl:o Furtado, 648, fone 278-4811, S. Paulo, Teorias do Mythos: Introdução que se ,reserva a propriedade literária desta tradução " O Mythos da Primavera: a Comédia O Mythos do Verão: a Estória Romanesca O M'f/ho.s do Outono: a Tragédia Impresso no Brasil \ O Mythosdo Inverno: a Ironia 'e a Sátira Printe<Jin Brazil : ~ ~:, QUARTO ENSAIO. CRÍTICARETÓRICA:TEORIADOSGÊNEROS 237 Introdução 239 O Ritmo da Repetição: o Épos 246 O Ritmo da Continuidade: a Prosa 258 O Ritmo do Decoro: o Drama 264 O Ritmo da Associação: a Lírica 266 Formas Específicas do Drama 277 Formas Temáticas Específicas (Lírica e Épos) 288 Formas 'Contínuas Específicas (Ficção em Prosa) 297 Formas Enciclopédicas Específicas 309 A Retórica da Prosa Não Literária 319 CONCLUSÃO TENTATIVA 331 NOTAS 349 GLOSSARIO 359 HELENAE UXORI di ~ DECLARAÇÕES PRELIMINARES E AGRADECIMENTOS ~I Este livro impôs-se ao meu arbítrio quando eu tentava escre ver outra coisa, e provavelmente conserva os sinais da relutância com a qual grande parte dele foi redigida. Depois de concluir um estudo sobre William Blake (Fearful Symmetry, 1947),resolvi aplicar os princípios do simbolismo literário e da tipologia bíblica que eu aprendera com Blake a outro poeta, preferentemente a algum que houvesse retirado esses princípios das teorias críticas de seu tempo, em vez de elaborá-los ele próprio, como Blake fez. Empreendi portanto um estudo da Faerie Queene, de Spenser, mas para descobrir apenas que em meu começo estava o meu fim. A introdução a Spenser tornou-se uma introdução à teoria da alegoria, e essa teoria aderiu obstinadamente a uma estrutura teórica muito maior. A base do argumento tornou-se mais e mais digressiva e cada vez menos histórica e spenseriana. Logo me vi emaranhado naquelas partes da crítica que se interessam por palavras tais como "mito", "símbolo", "ritual" e "arquétipo", e meus esforços para deslindar essas palavras, em vários artigos que publiquei, foram recebidos com interesse bastante para enco rajar-me a prosseguir nesse caminho. Finalmente os aspectos te6 ricos e práticos da tarefa que eu me impusera separaram-se com pletamente. O que se apresenta aqui é pura teoria crítica; e é deliberada omissão de qualquer crítica específica, e até, em três dos quatro ensaios, de qualquer citação. Este livro me parece, se gundo posso agora discernir, necessitar de um volume que o acompanhe, dedicado à crítica prática, uma espécie de morfologia do simbolismo literário. Agradeço à J. S.Guggenheim Memorial Foundation uma bolsa (1950-1951) que me concedeu tempo e liberdade para cuidar de meu assunto protéico, na ocasião em que ambos lhe eram mui tíssimo necessários. Agradeço tam,bém à Turma de 1932 da Universidade de Prin ceton e ao Comitê do Prog,rama Especial de Humanidades de Princeton, por proporcionar-me um prazo de trabalho muito ani mador, no curso do qual grande parte do presente livro adquiriu 9 i' ..JJ. forma final. Este livro contém a essência das quatro preleções públicas que fiz em Princeton em março de 1954. A "Introdução Polêmica" é uma versão revista de "The Func· tion of Criticism at the Present Time" (A Função Atual da Cri· tica), University of Toronto Quarterly, outubro de 1949, republi cada em Our Sense of Identity, ed. Malcolm Ross, Toronto, 1954. Oprimeiro ensaio é uma versão revista e aumentada de "Towards a Theory of Cultural History" (Para uma Teoria da História da Cultura), University of Toronto Quarterly, julho de 1953. O se· INTRODUÇÃO POLítMICA gundo ensaia engloba o material de "Levels af Meaning in Lite· rature" (Planos do Sentido em Literatura), Kenyon Review, pri· mavera de 1950; de "Three Meanings of Symbolism" (Três Sen~ tidos do Simbolismo), Yale French Studies n.O9 (1952); de "The Este livro compreende "ensaios" - no sentido original da Language of Poetry" (A Linguagem da Paesia), Explorations 4 palavra, de experimento ou tentativa incompleta - sobre a pos (Toronto, 1955); e de "The Archetypes af Literature" (Os Arqué· sibilidade de uma vista sinópticà do escopo, teoria, princípios e tipos da Literatura), Kenyon Review, invernO' de 1951. O terceiro técnicas da crítica literária. O objetivo principal do livro é apre ensaio contém o material de "The Argument of Comedy" (O Argu· sentar minhas razões para crer em tal vista sinóptica; seu obje mento da Comédia), English Institute Essays, 1948,Columbia Uni tivo secundário é ministrar uma versão tentativa dessa vista, que versity Press, 1949; de "Characterizatíon in Shakespearean Come faça bastante sentido para convencer meus leitores de que uma dy" (A CaracterizaçãO' na Comédia de Shakespeare), Shakespea sinopse, do gênero que esboço, pode ser atingida. Aslacúnas no re Quarterly, julho de 1953; de "Comic Myth in Shakespeare" (O assunto, tal como tratado aqui, são enormes demais para que se Mito Cômico em Shakespeare), Transactions of the Royal Society tome o livro como uma apresentação de meu sistema, ou mesmo ofCanada (Secção 11)junho de 1952; e de "The Nature af Satire" de minha teoria. Deve ser antes considerado como um grupo (A Natureza da Sátira), University of Toronto Quarterly, outubro conexo de sugestões que se espera sejam de alguma utilidade de 1944. O quarto ensaio compreende o material de "Music itl prática, não só para críticos, como para estudiosos de literatura. Poetry" (A Música na Poesia), University of Toronto Quarterly, Tudo o que não tiver utilidade prática, e isso para ninguém, pode janeiro de 1942; de "A Conspectus of Dramatic Genres" (Vista ser tomado como sacrificável. Minha abordagem baseia-se no Geral dos Gêneros Dramáticos), Kenyon Review, outono de 1951; preceito de Matthew Arnold, de deixar a mente agir com liber de "The Four Forms af Prose Fiction" (As Quatro Formas da dade em torno de um assunto no qual tenha havido muita dili Ficção em Prosa), Hudson Review,inverno de 1950; e "The Myt11 gência, embora pouco esforço no sentido de uma visão geral. as Information" (O Mito como Informação), Hudson Review, Todos os ensaios cuidam de crítica, mas por crítica eu entendo verão de 1954. Fico muito agradecida à gentileza dos editores dos a obra conjunta da erudição e dogosto voltados para a literatura; suprametlciotlados periódicos, da Columbia Utliversity Presse da uma parte do que é variamente chamado educação liberal, cul Royal Society of Catlada, por permitirem a republicação desse tura, ou estudo das humanidades. Parto do princípio de que a material. Também aproveitei algumas frases de outros artif!.ps crítica não ésimplesmente uma parte dessa atividade mais ampla, e resetlhas de minha autoria, totios dos mesmos periódicos, quan mas uma parte essencial. do me pareceram ajustar-se ao presente COtltexto. A matéria da crítica literária é uma arte, e a crítica eviden Quanto a outras obrigações que devo, tudo o que pode ser temente é também uma espécie de arte. Isto soa como se a crí· dito aqui, e não é menos verdade por ser rotineiro, é que muitas tica fosse uma forma parasitária da literatura, uma arte baseada das virtudes deste livro pertencem a outros; os erros de fato, de noutra arte preexistente, uma cópia de segunda mão do poder gasto, de lógica e proporção, embora coisas infelizes, estes são criador. Para essa teoria, os críticos são intelectuais que gostam meus. de arte, mas aos quais faltam tanto o poder de produzi-Ia como N.F. o dinheiro para serem patronos, e assim formam uma classe de Victoria College revendedores da cultura, que a distribuem à sociedade com lucro University of Toronto para si mesmos, ao explorar o artista e aumentar a carga sobre o público deste. Aconcepção do crítico como parasita ou artista manqué ainda é muito popular, especialmente entre os artistas. 10 11 Reforça-a por vezes uma dúbia analogia entre as funções inven mudo ou sem fala, há um sentido importantíssimo no qual os tiva e procriadora, de modo que ouvimos falar da "impotência" e da "esterilidade" da crítica, de sua aversão às figuras verdadei poemas são tão silenciosos como as estátuas. A~sia é um uso desinteressa4Qdª pªIªvra: não se volta para quãlquerIettõí-(1ue: ramente criadoras, e aSsimpor diante. Aidade de ouro da crítica tamente. Quando o faz, comumente sentimos que o poeta nutre anticrítica foi a última parte do século XIX, mas alguns de seus ~erta desconfiança na capacidade dos leitores e críticos de inter prejuízos ainda nos rodeiam. pretarem sem auxílio o sentido do poema, e que caiuportanto no Dequalquer modo, o destino da arte que tenta prescindir da nível subpoético da fala métrica ("verso" ou "versalhada") que crítica é instrutivo. O tentame de atingir o público diretamente, qualquer um pode aprender a produzir. Não é apenas a tradição' por intermédio da arte "popular", supõe que a crítica seja pos que impele um poeta a invocar a Musa e a declarar involuntária tiça e o gosto público natural. Atrás disso há uma presunção a sua obra. Nem é imaginação exagerada que faz Mr. MacLeish, mais distante sobre o gosto natural, que remonta, por intermédio em sua famosa Ars Poetica, aplicar as palavras "calado", "mudo" de Tolstoi, às teorias românticas de um "povo" espontaneamente e "silencioso" a um poema. O artista, como John Stuart MilIviu criador. Essas teorias foram limpamente postas a.prova; não se num admirável lampejo de discernimento crítico, não é ouvido, defrontaram muito bem com os fatos da história literária e com mas ouvido a furto. O axioma da crítica devia ser, não que o aexperíência, etalvezseja tempo deas deixarmos para trás. Uma poeta não sabe do que está falando, mas que ele não pode falar reação extrema contra o primitivo modo de ver, ao mesmo tempo do que sabe. Defender o direito da crítica de existir em qualquer associada com o lema da "arte pela arte", imagina a arte nos condição, portanto, é admitir que a crítica é uma estrutura de termos precisamente opostos, como um mistério, uma iniciação pensamento e de saber, existente por direito próprio, com seu para ingresso numa comunidade esotericamente civilizada. Aqui tanto de independência da arte com a qual trabalha. a crítica se restringe ao ritual dos gestos maçônicos, a sobran Opoeta pode naturalmente ser dono de certa capacidade crí celhas erguidas e comentários secretos e outros signos de um tica, e assim conseguir falar a respeito de sua própria obra. Mas entendimento muito oculto para a sintaxe. A falácia comum às o Dante que escreve um comentário sobre o primeiro canto do duas atitudes é a de uma correlação imperfeita entre o mérito Paradiso é apenas mais um dos críticos de Dante. O que ele diz da arte e o grau da reação do público a ela, embora a correlação tem interesse especial, mas não autoridade especial. Admite-se presumida seja direta num caso e inversa no outro. geralmente que um crítico é melhor juiz do valor de um poema Podem-se encontrar exemplos que parecem apoiar os dois do que o seu criador, mas há ainda uma noção hesitante de que modos de ver; mas é clara e pura verdade que não há real cor é um tanto ridículo olhar o crítico como o juiz final do signifi relação, de qualquer maneira, entre os méritos da arte e sua cado do poema, embora na prática esteja claro que deva ser. A recepção pelo público. Shakespeare era mais popular do que razão disso é a incapacidade de distinguir a literatura da escrita Webster, mas não porque fosse maior dramaturgo; Keats era descritiva ou afirmativa que procede da vontade em ação e da menos popular do que Montgomery, mas não porque fosse melhor inteligência consciente, e que se preocupa primacialmente com poeta. Por conseguinte, não há meio de obstar que a crítica seja, "dizer" alguma coisa. em todas as situações, a pioneira da educação e a modeladora Parte da razão do crítico para achar que os poetas podem da tradição cultural. Seja qual for a popularidade que Shakes ser convenientemente avaliados apenas depois de sua morte está peare e Keats tenham agora, isso é num caso e noutro o resultado em que não podem então prevalecer-se de seu mérito comopoetas da difusão da crítica. º.mplÍ1?IiçQqllt:ten.taciisp<;:nsar a crítica, para importuná-Ia com insinuações de conhecimento por dentro. e - afirma - sabe o que quer ou de que gosta, brutaliza as Quando Ibsen sustenta que Imperador e Galileu é sua maior peça artes e perde a memória cultural. Aarte pela arte é uma fuga à e que certos episódios de Peer Gynt não são alegóricos, pode-se crítica que termina num empobrecimento da própria vida civili apenas dizer que Ibsen é um crítico medíocre de Ibsen. O Pre zada. O único meio de atravessar a obra da crítica é a censura, fácio de Wordsworth às Lyrical Ballads é um documento notável, que está na mesma relação, para com a crítica, do linchamento mas comopeça da crítica de Wordsworth ninguém lhe daria nota para com a justiça. superior a uns 85. Supõe-se amiúde ridicularizar os críticos de Há outra razão pela qual a crítica tem de existir. Ela pode Shakespeare com a asseveração de que se Shakespeare voltasse falar, e todas as artes são mudas. Na pintura, na escultura, na doseio,dosmortos não seria capaz de apreciar ou sequer entender música, é muito fácil ver que a arte se exibe, mas não pode dizer a crítica deles. É bem provável: temos escassos indícios do inte coisa alguma. E por·mais que isto soe como chamar o poeta de resse de Shakespeare pela crítica, quer referente a ele próprio, 13 quer a respeito de qualquer outra pessoa. Mesmo que houvesse críticos não podem ser colhidos prontos na Teologia, na Filosofia, tais indícios, seu próprio relato do que ele tentou fazer no Ram na Política, na ciência, ou em qualquer combinação delas. let só seria uma crítica definitiva dessa peça, apta a esclarecer Subordinar a crítica a uma atitude crítica proveniente de todos os seus enigmas para sempre, em medida igual à que uma fora é exagerar os valores literários que podem relacionar-se representação dela sob sua direção fosse uma representação defi com a fonte externa, seja esta qual for. É fácil demais impor nitiva. E o que é verdade sobre o poeta com respeito à sua obra à literatura um arranjo extraliterário, uma espécie de filtro de é ainda mais verdade quanto à sua opinião sobre outros poetas. cor, religioso-político, que faz alguns poetas saltarem à preemi É quase impossível para o poeta crítico evitar a ereção de seus nência e outros surgirem como obscuros e censuráveis. Tudo próprios gostos, intimamente ligados ao seu próprio tirocínio, em o que o crítico desinteressado pode fazer com tal filtro de cor é lei geral da literatura. Mas a crítica tem de basear-se naquilo resmungar polidamente que ele mostra as coisas a uma nova que o conjunto da literatura realmente representa: à sua luz, o luz e é de fato uma constituição muito estimulante para a crí que quer que qualquer escritor altamente respeitado julgue que tica. Naturalmente esses críticos filtrantes implicam comumente, a literatura em geral deva representar, surgirá em sua perspectiva e amiúde acreditam, que estão deixando sua experiência literária correta. O poeta, falando como crítico, produz não crítica, mas falar sozinha e estão mantendo em reserva suas outras atitudes; documentos a serem examinados por críticos. Bem podem ser que os satisfaz silenciosamente, sem fazer pressão explícita sobre documentos valiosos: apenas quando aceitos como diretivos para o leitor, a coincidência entre suas apreciações críticas e suas a crítica correm algum perigo de tornar-se desencaminhadores. opiniões religiosas ou políticas. Tal independência entre crítica A noção de que o poeta necessariamente é ou podia ser o e prejuízo, contudo, não ocorre invariavelmente, mesmo com intérprete definitivo de si mesmo ou' d~ Teoria da Literatura aqueles que melhor compreendem a crítica. Dos inferiores a estes, pertence à concepção do crítico como um parasita ou servente. quanto menos for dito, melhor. Desde que admitamos que o crítico tem seu próprio campo de Se se afirma que não se pode criticar a literatura sem que atividade, e é autônomo nesse campo, temos de conceder que a se tenha adquirido uma filosofia coerente da vida, com seu centro crítica se relaciona com a literatura em termos de uma estrutura de gravidade noutra coisa, a existência da crítica como disciplina conceptual específica. A estrutura não é a da própria literatura, à parte também está sendo negada. Mas ainda há outra possibi pois isso é de novo a teoria do parasita, mas não é tampouco lidade. Se a crítica existe, deve consistir num exame da literatura, alguma coisa fora da literatura, pois nesse caso a autonomia da em termos de uma estrutura conceptual derivada de uma vista crítica desapareceria outra vez, e toda a matéria seria assimilada geral, indutiva, do campo literário. A palavra "indutiva" sugere a outra coisa. algum tipo de procedimento científico. E que aconteceria sea Esta última hipótese nos ministra, na crítica, a falácia do crítica fosse uma ciência, tanto quanto uma arte? Não uma que em História é chamado determinismo; dá-se este quando um ciência "pura" ou "exata", naturalmente; mas essas expressões estudioso com interesse especial em Geografia ou Economia ex pertencem a uma cosmologia do século XIX que já não convive prime esse interesse com o artifício retórica de pôr seu estudo conosco. Escrever História é uma arte, mas ninguém duvida de favorito em relação causal com o tudo o que lhe interessa menos. que princípios científicos se incluam no tratamento das provas Tal método dá a alguém a ilusão de esclarecer o assunto à medida pelo historiador, e de que a presença desse elemento científico é o que o estuda, sem nenhuma perda de tempo. Seria fácil compilar que distingue a História da' lenda. Pode também haver um ele uma longa lista de tais determinismos na crítica; todos eles, mar mento científico na crítica, que a distinga, de um lado do para e xistas, tomistas, de humanismo liberal, neoclássicos, freudianos, sitismo literário, da atitude crítica que se lhe imponha de jungianos ou existencialistas, põem uma atitude crítica no lugar cima, por outro. A presença da ciência em qualquer matéria da crítica, e todos propõem-se, não achar uma estrutura concep muda-lhe o caráter, do casual para o causal, do fortuito e intui tual para a crítica dentro da literatura, mas ligar a crítica a algu tivo para o sistemático, salvaguardando ao mesmo tempo a inte ma das muitas estruturas existentes fora dela. Os axiomas e pos gridade de tal matéria contra invasões estranhas. Contudo, se tuladosqa crítica, contudo, têm de nascer da arte com a qual tra há leitores aos quais a palavra "científico" comunica implicações balha. A primeira coisa que um crítico literário tem de fazer é de barbárie não criadora, podem usar em vez dela as palavras > ler literatura, para obter um levantamento indutivo de seu pró "sistemático" ou "progressivo". prio campo e deixar seus princípios críticos se configurarem a si Parece absurdo asseverar que pode haver um elemento cien próprios apenas 'com o conhecimento desse campo. Os princípios )I' tífico na crítica, quando há dúzias de publicações eruditas ba- 14 15 seadas na presunção de que há, e centenas de estudiosos empe .,.' na moda. Dou um exemplo da diferença entre as duas, que nhados num procedimento científico relacionado com a crítica corresponde a uma colisão frontal. Numa de suas curiosas, bri I literária. A prova é examinada cientificamente; as autoridades lhantes, desatentas notas de pé de página de Munera Pulveris, anteriores são usadas cientificamente; os campos são investiga escreve John Ruskin: dos cientificamente; os textos são editados cientificamente. A Prosódia tem estrutura científica; tem-na a Fonéticá, e também Dos nomes de Shakespeare falarei depois, mais de es a Filologia. Ou a crítica literária é científica, ou todos esses paço; são curiosamente - muitas vezes barbaristicamente eruditos, altamente preparados e destros, estão perdendo tempo - amalgamados de várias tradições e línguas. Três de nalgum tipo de pseudociência como a Frenologia. Não obstante, sentido mais claro já foram notados. Desdêmona algo nos impele a querer saber se os eruditos compreendem as "OU(JO~(ltO\lí~" , infortúnio - é também muito claro. ateIo implicações do fato de sua obra ser científica. Na crescente é, creio eu, "o cuidadoso", nascendo toda a calamidade da complicação das fontes secundárias, perde-se aquele senso de tragédia de uma simples falha e erro da energia dele, mag progresso que se consolida, pertencente à ciência. A pesquisa nificamente calma. Assinala-se que Ofélia, "utilidade", a começa no que se conhece como "segundo plano", e esperar-se-ia, verdadeira e perdida mulher de Hamlet, tem um nome ° enquanto ela se desenvolve,começar a organizar o primeiro plano grego, de acordo com de seu irmão Laertes; e alude-se também. Dizer-nos o que precisaríamos saber sobre literatura uma vez, primorosamente, ao seu sentido, naquela última 'deveria completar-se com dizer-nos algo sobre o que é isso. Tão palavra do irmão sobre ela, quando sua gentil valia se logo chega a este ponto, o cophecimento parece ficar obstruído opõe à inutilidade do rude sacerdote: "Minha irmã será por certa espécie de barreira, e retrocede para novos projetos de um anjo auxiliador, quando tu jazeres uivando". pesquisa. Assim, para "apreciar" literatura e entrar em contacto mais Matthew Arnold comenta como segue essa passagem: direto com ela, voltamo-nos para o crítico público, o Lamb ou Hazlitt ou Amold ou Sainte-Beuve, que representam o público Ora, com efeito, que mostra de extravagância é isso tudo! ledor em seu ponto mais experimentado e judicioso. É missão do Não direi que o sentido dos nomes de Shakespeare (deixo crítico público mostrar como um homem de gosto usa e avalia de lado a questão de saber se são corretas as etimologias a literatura, e assim apontar como a literatura deve ser consu .de Mr. Ruskin) não tenha absolutamente eficácia, possa mida pela sociedade. Mas aqui já deixamos de perceber a noção de todo ser perdido de vista; mas conceder-lhe aquele grau de um corpo impessoal de conhecimento que se solidifica. O de preeminência é dar rédeas à fantasia, esquecer todo co crítico público tende a formas episódicas como a conferência e medimento e proporção, perder inteiramente o domínio o ensaio informal, e sua obra não é um~ ciência, mas outro mental. É mostrar, na crítica de alguém, a nota da estrei gênero de arte literária. Ele adquiriu suas idéias com um estudo teza de vistas, tio auge da imoderação. pragmático da literatura, el.1ãoprocura criar uma estrutura teó rica, nem ingressar nela. Na crítica shakespeariana temos um Ora, quer Ruskin esteja certo, quer errado, está fazendo ge belomonumento dogostoclássico em Johnson, do gosto romântico nuína crítica. Está tentando interpretar Shakespeare segundo em Coleridge, do gosto vitoriano em Bradley. O crítico ideal de uma estrutura conceptual que pertence apenas ao crítico e ade mais se relaciona somente com as peças. Arnold tem toda razão Shakespeare, sentimo-Io, evitaria as limitações e prejuízos clás quando percebe que esse não é o tipo de material que o crítico sicos, românticos e vitorianos, respectivamente de Johnson, Cole público pode usar diretamente. Mas não parece suspeitar sequer ridge e Bradley. Mas não temos clara noção de progresso na da existência de uma crítica sistemática distinta da história do crítica de Shakespeare, ou de como um crítico que lesse todos gosto. A estreiteza de vistas, aqui, está é com Amold. Ruskin os seus predecessores poderia, em conseqüência, tornar-se algo I aprendeu seu ofício com a grande tradição iconológica que re melhor do que um monumento do gosto contemporâneo, com monta, através da erudição clássica e bíblica, a Dante e Spenser, todas as suas limitações e prejuízos. ambos os quais estudou cuidadosamente, e que está incorporada Noutras palavras, não há ainda meio de distinguir a crítica nas catedrais da Idade Média, sobre as quais ele refletiu com genuína, e portanto os progressos no sentido de tornar inteligível il tanta minudência. Arnold está admitindo, como lei universal da o conjunto da literatura, da que pertence unicamente à história natureza, certos axiomas críticos de "senso comum", dos quais r .do gosto e portanto segue as vacilações do preconceito que esteja ~ dificilmente se ouviu falar antes do tempo de Dryden e que segu- 16 17 -----.....-- comum na literatura. Se a presunção é verdadeira, a alta per ramente não podem sobreviver à idade de Freud e Jung e Frazer centagem de absoluta futilidade em toda a crítica deveria ser e Cassirer. hone$tamente encarada, pois a percentagem só pode crescer com O que temos até agora é, de um lado do "estudo da litera o seu volume, até que o exercício da crítica se' torne, especial tura", o trabalho do estudioso que tenta fazê-Ia possível, e do mente para os professores universitários, apenas um método auto outro lado o trabalho do crítico público, que presume sua exis mático de adquirir merecimento, mais ou menos como girar uma tência. No meio está a própria literatura, uma reserva de caça caixa de orações. Mas é apenas uma suposição involuntária onde o estudioso vaga, tendo por guia apenas sua inteligência pelo menos nunca a vi exposta como doutrina - e seria certa natural. A conjetura parece ser que o erudito e o crítico público mente de conveniência que não passasse, verificadamente, de um se ligam por um interesse comum na literatura, apenas. O eru disparate. A presunção alternativa é a de que os eruditos e oS dito deposita seus materiais fora dos portais da literatura: como críticos públicos se ligam claramente por meio de uma forma outras ofertas levadas a consumidores invisíveis, boa quantidade intermédia de crítica, uma Teoria da Literatura coerente e ampla, de tal conhecimento parece ser o produto de uma fé ultratocante, organizada com lógica e ciência, um tanto da qual o estudioso às vezes somente uma esperança de que algum Messias crítico J aprende inconscientemente ao adiantar-se, mas cujos princípios e sintetizador do futuro o considere útil. O crítico público, ou fundamentais ainda nos são desconhecidos. O desenvolvimento o porta-voz da atitude crítica iludida, tem aptidão para fazer de tal crítica preencheria o elemento sistemáti.Ço e progressivo da apenas um uso casual e fortuito desse material; muitas vezes, pesquisa, ao incorporar-lhe a obra numa estrutura unificada do de fato, para tratar o erudito como Hamlet faz com o coveiro, conhecimeJ;lto, como as outras ciências fazem. Ao mesmo tempo ignorando tudo o que ele atira para fora, exceto um crânio oca firmaria uma autoridade dentro da crítica, para o crítico público sional que pode pegar e a cujo propósito deita reflexões de cunho e para o homem de gosto. moral. Deveríamos ter a cautela de compreender a que leva a possi Aqueles que lidam com as artes amiúde se formulam per bilidade de uma crítica intermediária como essa. Significa que guntas, nem sempre simpáticas, sobre a utilidade ou valor daquilo em nenhum ponto existe qualquer aprendizado direto da própria que fazem. Provavelmente é impossível responder diretamente literatura. A Física é um corpo organizado de conhecimentos a tais perguntas, ou em qualquer hipótese responder às pessoas sobre a natUleza, e um estudante sabe que está aprendendo Fí que as formulam. A maioria das respostas, como a de Newman ~ sica, não a natureza. A arte, como a natureza, deve distinguir-se "o conhecimento liberal é o seu próprio fim", fala meramente à de seu estudo si'stemático, que é a crítica. É portanto impos experiência daqueles que passaram pela experiência exata. Simi sível "estudar literatura": uma pessoa a aprende em certo sen larmente, muitas "defesas da poesia" são apenas inteligíveis para tido, mas o que se aprende, transitivamente, é a crítica da lite os que estão bem por dentro das defesas. A base da apologética ratura. Similarmente, a dificuldade que amiúde se sente de da crítica, portanto, tem de ser a real experiência da arte, e, "ensinar literatura" nasce do fato de que isso não pode ser feito: para os que se ocupam de literatura, a primeira pergunta a res a crítica da' literatura é tudo o que pode ser ensinado direta ponder não é "Para que serve o estudo da literatura?". mas "Que mente. A literatura não é disciplina de estudo, mas objeto de se segue do fato de ser ele possível?" estudo: o fato de consistir de palavras, como vimos, faz-nos con Qualquer pessoa que haja estudado literatura seriamente sabe fundi-Ia com as disciplinas verbais da fala. Os bibliotecários que o processo mental requerido é tão coerente e progressivo I refletem nossa confusão ao catalogar a crítica como uma das como o estudo da ciência. Um adestramento da mente, em tudo subdivisões da literatura. A crítica, mais propriamente, é para a semelhante, se realiza, e forma-se um senso semelhante da uni arte o que a História é para a ação e a Filosofia para o saber: dade do assunto. Se essa unidade provém da própria literatura, I imitação verbal de uma força criadora humana que em si mesma então a própria literatura deve configurar-se como ciência, o que não fala. E assim como não há nada que o filósofo não possa contradiz nosso trato com ela; ou deve tirar algum poder con considerar filosoficamente, e nada que o historiador não possa formador de um inefável mistério no coração da pessoa, o que considerar historicamente, assim o crítico deveria poder construir e habitar um universo conceptual próprio. Esse universo crítico parece vago; ou os proveitos mentais quP se supõe derivem dela são imaginários: e provêm na realidade de outros assuntos estu parece ser uma das coisas implicadas no conceito de cultura de Amold. dados incidentalmente, em conexão com ela. Não estou. port\'lnto, dizendo que a crítica literária esteja no Isto é quanto podemos alcançar com a presunção de que o momento fazendo a coisa errada e deveria estar fazendo outra estudioso e O homem de gosto se ligam apenas por um interesse 19 18 ....1I\o...~..

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