Sumário Prefácio, por Hermano Vianna Apresentação ABRE-ALAS Introdução VIVA O ZÉ-PEREIRA! • Capítulo 1 • PELO TELEFONE • Capítulo 2 • MAMÃE, EU QUERO • Capítulo 3 • É FREVO, MEU BEM! • Capítulo 4 • O CANTO DA CIDADE Conclusão QUARTA-FEIRA DE CINZAS O que ouvir? Onde curtir o carnaval? O que ler? O que ver? Pequena cronologia do carnaval • • • Notas Bibliografia Agradecimentos Sobre o autor Créditos das ilustrações Índice onomástico E ste livro é dedicado aos amigos que brincaram muitos carnavais ao meu lado: Fábio de Jesus, Alexandre e Érica Carapeticow, os irmãos Carvalho, Gustavo e Guilherme, Juliana Carneiro, Cícero Nascimento, Viviane Nielsen e Danielle Nigromonte. Ele vai também para os pequenos Francisco, Maria, João, Natália, Maria Eduarda, José, Ana e Antônio, futuros foliões verde-e-rosa e vermelho-e-preto. PREFÁCIO A inda me lembro do dia em que vi, pela primeira vez, o Olodum passar pela praça Castro Alves, na época o epicentro do carnaval de Salvador. Todo mundo cantava “Faraó, divindade do Egito”. Quem, como eu, nunca tinha ouvido falar de bloco afro, olhava para os outros foliões espantado. Que música era aquela? De onde surgira aquele ritmo incrível? A novidade espetacular deixava a folia ainda mais animada. A cidade estava absolutamente feliz: era como se cada dançarino soubesse que aquele era um momento entusiasmado/entusiasmante de revolução festiva, para ficar na história, quando o povo de um lugar inventa algo maior, brilhante, uma obra-prima, produto nobre da criatividade local. Era como se Salvador cantasse para si própria: olha só de quanta beleza e animação somos capazes! Essa música é mais que a soma de nossas individualidades: é brincadeira popular com energia de sobra, fruto de muitos anos de tradição foliã, capaz de nos alegrar (e alegrar também quem mais quiser vir aqui brincar conosco) por muitos outros carnavais futuros, até outra novidade mais bacana surgir por aqui, deste mesmo modo sempre surpreendente. Ao ler este Almanaque do carnaval, que dá continuidade à deliciosa série de almanaques de André Diniz, fiquei com esta certeza: aquilo que vivi em Salvador não foi algo raro na história das folias brasileiras. O carnaval cria esse ambiente favorável e adequado para a propagação de boas novidades, mesmo as mais radicais, mesmo as que colocam em xeque as regras festivas anteriores. É como se a festa fosse uma sucessão ininterrupta de intensas revoluções artísticas, que caem imediatamente no gosto popular de forma consagradora. Invenção permanente é a história do carnaval. Pensem bem: Hilário Jovino, baiano recém-chegado no Rio de Janeiro, não titubeia – transfere a saída do seu rancho do Dia de Reis para o carnaval. Bide inventa o surdo, ao mesmo tempo em que seus amigos inventam a escola de samba. Dodô e Osmar inventam a guitarra baiana, eletrificando a folia de Salvador. Mestres de bandas militares pernambucanas inventam o frevo. Em todos esses momentos, suas cidades pegaram fogo: a novidade se espalhou pelas festas de rua com uma rapidez impressionante, e logo virou símbolo daquilo que de mais vibrante elas poderiam criar. Em outros ambientes, que cultivam de maneira triste e pesada a preservação mumificante das tradições, todas essas novidades seriam condenadas como altas traições, contra a “essência” das festas. Mas o carnaval é realmente algo bem doido (tanto que é chamado de folia…): sua essência, contrariando as regras racionalistas, é mutante, e não pode deixar de mudar, pois sem mudança a brincadeira perde toda sua graça. Feliz do país que sabe fazer um bom carnaval. Não é preciso muita coisa: outro dos melhores carnavais da minha vida foi passado na Varginha, no município de Santo Antônio do Leverger, no Mato Grosso. Juro que a dança, realizada ao som do siriri (só com um tambor chamado tamborete), quando a procissão brincante entra em cada uma das casas do vilarejo, fica tão animada quanto o desfile do Galo da Madrugada pernambucano. Todo mundo sabe que nada disso acontece apenas por encanto, ou por acaso: cada carnaval, grande ou pequeno, exige longa preparação, planejamento, economia, produção. Não é para qualquer um, não é qualquer bagunça. A festa é um inegável talento brasileiro; sonho (um sonho certamente carnavalesco) que poderíamos nos especializar nisto: que vitória, um país com a economia baseada em festa, onde o mundo viria aqui afogar suas mágoas e voltar para casa revigorado… Como mostra André Diniz, o grande carnaval, o carnaval em toda parte, meganegócio, é algo relativamente recente na história das terras brasileiras, mesmo se pensarmos essa história apenas da chegada de Cabral para cá. Até o século XIX, outras festas, como a Festa do Divino, tinham mais destaque no calendário folião nacional. Só o entrudo (já tive oportunidade de ver essa tradição em Malaca, na Malásia, por lá também deixada pelos portugueses…) não chegava a ser muito contagiante ou animador: uma coisa quase chata de jogar líquidos – mais ou menos nojentos – uns nos outros. Mas com a invenção das marchinhas brasileiras, do samba, do frevo, tudo mudou de figura; o carnaval levantou as massas e virou a festa nacional por excelência. As novidades populares foram tão sedutoras que forçaram as elites a abandonar seus bailes fechados para cair nas ruas, e usaram todas as novas mídias eletrônicas para propagar os seus sucessos (tanto que até hoje só o carnaval é capaz de mudar a sagrada grade de programação da TV Globo, de maneira que nem o futebol – a não ser em Copa do Mundo – consegue fazer). O carnaval é por definição – se definições são válidas no território de Momo – uma obra aberta, voraz, em sua incansável vontade de carnavalizar o resto do mundo. Não é possível compreendê-lo em sua totalidade, em todos os seus detalhes. Este Almanaque é sábio: não pretende ser totalizante ou totalitário. André Diniz escolheu algumas cidades, alguns músicos, algumas brincadeiras. Outros autores, outros foliões, teriam outras maneiras de penetrar na festa, de brincar seu carnaval. Mas poucos podem ser tão ecléticos e “didaticamente estimulantes” quanto André Diniz: do É O Tchan ao Flor do Sereno, do Mestre Zuzinha ao não menos mestre Joãozinho Trinta – há aqui animadoras histórias carnavalescas para todo mundo que quiser conhecer melhor a vibrante multiplicidade da nossa necessária (e cada vez mais) folia, daquilo que melhor podemos oferecer para o planeta. Hermano Viannaa Rio de Janeiro, novembro de 2007 a O antropólogo Hermano Vianna é autor, entre outros livros, do clássico O mistério do samba. • APRESENTAÇÃO • ABRE-ALAS J á estamos indo para o terceiro livro do projeto Almanaques. Os dois primeiros, o do choro e o do samba, ensaiam entrar na terceira edição. Seu papel de informar e estimular a curiosidade intelectual, tendo a história da música brasileira como porta de entrada para compreender a nossa complexa sociedade, talvez seja o que de melhor apresentamos nessa série. A música, linguagem democrática e universal, ocupa, no Brasil, posição central nas principais questões políticas, sociais e culturais a partir da segunda metade do século XX. Em seu seio, as classes sociais dialogam, os espaços urbanos encurtam, os compositores atingem status de poeta, os músicos ocupam simultaneamente a escola e a rua, os debates culturais acontecem, o acirramento ideológico se explicita. Ela é, parafraseando o crítico da cultura Antonio Candido, “o pão nosso cotidiano de consumo cultural”.1 O Almanaque do carnaval não se propõe a contar a história ipsis literis da maior festa brasileira. Com um texto leve e direto, convidamos o leitor a conhecer suas manifestações ao som dos seus principais gêneros musicais: o samba, o frevo, a marchinha e o axé. Mesmo sabendo que o carnaval paulista, com o estímulo das transmissões do desfile de suas escolas de samba ao vivo pela Rede Globo, atingiu o patamar de terceiro maior pólo carnavalesco do Brasil – com ligas de escolas e Passarela do Samba nos moldes do Rio de Janeiro –, não há registro de músicas do carnaval de São Paulo que tenham atingido dimensão nacional. O Pernambuco de “Vassourinhas”, a Bahia de “O canto da cidade” e o Rio de Janeiro de “Pelo telefone” e “Mamãe, eu quero” justificam por si só a escolha dos três estados como os mais representativos na criação de músicas de carnaval. Para cada gênero musical, há uma introdução sobre o local em que ele
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