Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Alexandre Patucci de Lima A linguagem e o discurso teológico em Adolphe Gesché Mestrado em Teologia SÃO PAULO 2015 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC SP Alexandre Patucci de Lima Mestrado em Teologia A linguagem e o discurso teológico em Adolphe Gesché Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Teologia Sistemática sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Manzatto SÃO PAULO 2015 Banca Examinadora __________________________________ __________________________________ __________________________________ Na condição de bolsista, grato a CAPES Agradecimentos: Agradeço a Deus, Palavra que antecede e fundamentada toda palavra; A meus familiares: meus pais Antônio e Ademilde; meu irmão Adriano com sua esposa Daniele e Lohane, minha sobrinha. A todos os meus parentes e amigos. À Ordem dos Frades Menores Conventuais na pessoa do atual Ministro Provincial Fr. Gilson M. Nunes, como também ao Ministro anterior Fr. Geraldo Monteiro pelo apoio e confiança nesta caminhada de mestrado, e a todos os frades pela fraternidade. Aos professores e funcionários da PUC-SP Campus Ipiranga, De modo particular ao meu orientador Antônio Manzatto, pela orientação e sugestões desde o início, onde após idas e vindas, na busca de delimitar o tema de pesquisa, me sugeriu adentrar na obra de Adolphe Gesché, o qual não conhecia, mas que me encantou pelo modo de fazer e pensar teologia! Ao povo de Deus que na caminhada do dia a dia me ensina a ‘ouvir’, a ‘escutar’ e a procurar palavras que nos apontem caminhos... As palavras sempre apontam para além delas mesmas. Aqui, a palavra gratidão é insuficiente... Mesmo assim, a todos: Muito obrigado! Resumo A linguagem tornou-se questão central no pensamento contemporâneo. Na Tradição clássica até inícios do sec. XX, foi concebida preponderantemente como mero ‘instrumento do pensamento’. Esta abordagem da linguagem como instrumento do pensamento, culminou na busca de uma linguagem universal, neutra e objetiva visando a edificação da Ciência. Neste caminho, também a Filosofia, no início do sec. XX, a partir de algumas correntes (Positivismo, Filosofia Analítica, Círculo de Viena), passou a proceder como ‘análise de linguagem’ a fim de delimitar o que deveria ser considerado proposições com sentido e que agregam conhecimento, isto a partir de uma análise lógico-matemática e principalmente da verificação empírica. Na abordagem destes filósofos, as proposições da Metafísica, da Ética, da Religião e da Teologia foram consideradas como ‘sem-sentido’. Tal abordagem, aliada a outros fatores, colocou em questão a ‘linguagem teológica’. No entanto, no próprio seio da filosofia aprofundaram-se questões que permitiram recuperar o valor das várias outras formas de linguagens. Percebeu-se que a linguagem científica não é a única que veicula ‘conhecimento’, mas que há ‘jogos de linguagens’. Abordagens como as de Wittgenstein, Heidegger, Levinas e Paul Ricoeur aprofundaram tal aspecto ‘plural da linguagem’. Assim, abriram-se vias pelas quais a teologia pode (e deve) refletir sobre a natureza de sua linguagem. Nelas é que Adolphe Gesché se coloca. Ele não aborda sistematicamente a questão da linguagem teológica, nem mesmo sua teologia é estruturada como grande sistema ou manual. Ele oferece ‘fragmentos’ de reflexão que permitem pensar a questão. Para Gesché é preciso ouvir de novo e recuperar o valor das ‘palavras da fé’. Para ele, a Teologia possui um ‘discurso todo próprio’ sobre o homem e para o homem. Dialogando com a cultura contemporânea, Gesché visa mostrar a racionalidade própria da linguagem e do discurso da fé, e com isso anunciar que Deus é uma boa notícia para o homem. Palavras chave: Linguagem - discurso - Adolphe Gesché - Teologia Abstract The language became central issue in contemporary thought. In the classical tradition until the early twentieth century, it was designed primarily as a mere ‘instrument of thought’. This approach to language as a tool of thought, led to the search for a universal, neutral and objective language aiming at building up the science. In this way also philosophy in the early twentieth century, from some currents (positivism, Analytical Philosophy, Vienna Circle), started proceeding as ‘language analysis’ in order to define what should be considered meaningful propositions which aggregate knowledge, this from a logical-mathematical analysis and especially from empirical verification. In these philosophers’ addressing, propositions of Metaphysics, Ethics, Religion and Theology are considered as ‘meaningless’. This approach, combined with other factors, put into question the ‘theological language’. However, in the very heart of philosophy, issues were deepened which allowed recovering the value of several other forms of languages. It was realized that scientific language is not the only one which conveys ‘knowledge’, but there are ‘language games’. Approaches such as Wittgenstein, Heidegger, Levinas and Paul Ricoeur deepened such ‘plural aspect of language’. Thus, ways were opened in which theology can (and should) reflect on the nature of its own language. In these ways Adolphe Gesché arises. He does not systematically address the theological language issue, not even his theology is structured as large system or manual. He offers ‘fragments’ of reflection that allow us to think the matter. According to Gesché, it is necessary to hear again and recover the value of the ‘words of faith’. For him, theology has a ‘speech entirely of its own’ about man and for man. In dialogue with contemporary culture, Gesché aims to show the specific rationality of faith’s language and discourse, and thereby proclaim that God is good news for man. Keywords: Language - speech - Adolphe Gesché - Theology SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7 CAPÍTULO I: A PROBLEMATIZAÇÃO DA LINGUAGEM TEOLÓGICA. UMA VISÃO A PARTIR DA FILOSOFIA: DA CRISE À NOVOS HORIZONTES ............... 11 1. A LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DO PENSAMENTO NA FILOSOFIA GREGA ..................... 14 1.1 Platão e o Crátilo ........................................................................................................ 15 1.2 Aristóteles .................................................................................................................... 19 2. OS MEDIEVAIS E A LINGUAGEM ANALÓGICA ...................................................................... 21 3. FILOSOFIA MODERNA E LINGUAGEM .................................................................................. 25 4. FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA E A VIRADA LINGUÍSTICA: METAFÍSICA E LINGUAGEM RELIGIOSA EM QUESTÃO ......................................................................................................... 30 5. A CRISE DA LINGUAGEM TEOLÓGICA .................................................................................. 35 6. ACENOS FILOSÓFICOS: PARA ALÉM DA CRÍTICA ANALÍTICA ................................................ 40 6.1 Virada pragmática e os jogos de linguagem ............................................................... 40 6.2 linguagem e ontologia: Heidegger .............................................................................. 42 6.3 Linguagem e Ética: Lévinas ........................................................................................ 46 6.4 Linguagem poética e hermenêutica: Paul Ricoeur ..................................................... 50 7. DA ABERTURA FILOSÓFICA AO TRABALHO DO TEÓLOGO .................................................... 59 CAPITULO II: A LINGUAGEM E O DISCURSO TEOLÓGICO: APONTAMENTOS DE ADOLPHE GESCHÉ ...................................................................................................... 61 1. ADOLPHE GESCHÉ: VIDA E OBRA ....................................................................................... 62 2. A CRISE DA LINGUAGEM TEOLÓGICA COMO CRISE DA IMAGEM DE DEUS ............................ 68 3. A LINGUAGEM COMO LUGAR DE INVESTIGAÇÃO (E REVELAÇÃO) SOBRE O HOMEM ............ 73 4. A LINGUAGEM DO NOUS E A LINGUAGEM DO LOGOS COMO EXPRESSÃO DA RAZÃO ............. 80 5. RAZÃO-LOGOS: ESPAÇO PARA LINGUAGEM DA FÉ COMO EXPERIÊNCIA DE SENTIDO ........... 85 6. A LINGUAGEM TEOLÓGICA A PARTIR DE UM LUGAR NATAL (A CONTINGÊNCIA HISTÓRICA) 88 7. O IMAGINÁRIO COMO EXPRESSÃO DO LOGOS: A LINGUAGEM TEOLÓGICA E LITERÁRIA ...... 94 8. KERIGMA E VERDADE:A LINGUAGEM TEOLÓGICA COMO ANÚNCIO .................................. 107 9. A TEOLOGIA COMO DISCURSO SOBRE O SER HUMANO....................................................... 114 10. A LINGUAGEM COMO ‘LUGAR’ DE RELAÇÃO E DO DISCURSO SOBRE DEUS ..................... 122 CONCLUSÃO....................................................................................................................... 131 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 133 7 INTRODUÇÃO A Linguagem tornou-se questão central no pensamento contemporâneo. O ser humano tomou consciência de que é um ser de linguagem, de que a linguagem não é somente um ‘instrumento do pensamento’, mas antes, que ela o constitui. Por isso, a linguagem tornou-se ‘lugar’ na busca da compreensão do ser humano. Perceber as diferentes formas de expressão, os ‘diversos jogos de linguagens’, permite mergulhar ainda mais na complexidade e profundidade do conhecimento sobre o ser humano, este ser que a partir de sua experiência no mundo ‘inventou’ palavras como Deus, graça, salvação, redenção, pecado, eternidade, etc., condensando nestas palavras uma experiência do infinito, do transcendente que lhe descortinou horizontes e possibilidades de edificar sua existência. Entre estes ‘jogos de linguagens’ no qual o ser humano expressa formas de estar no mundo e de conhecê-lo, a linguagem religiosa surge como expressão desta dimensão da experiência humana ligada ao ‘infinito e ao transcendente’ e conectada a ela a linguagem teológica aparece enquanto impulso da racionalidade humana que quer compreender tais experiências explicitadas na linguagem religiosa1, por que deseja sempre uma palavra de ‘sentido’, que lhe traga sentido e lhe oriente os caminhos! Assim, a linguagem teológica define-se, segundo Adolphe Gesché, como uma linguagem que aborda a ‘linguagem do homem que fala de Deus na fé’, e ao fazer isso expressa características profundas do homem, e de seu Deus. É uma linguagem que fala de Deus a partir da experiência religiosa, expressando e buscando dar a compreender dimensões profundas do ser humano em sua experiência do transcendente. No entanto, esta noção de que a linguagem teológica expressa algo de importante sobre o homem, foi profundamente questionado na modernidade. A linguagem teológica foi criticada como sendo ‘linguagem sem sentido’, já que a modernidade foi marcada pela prevalência da linguagem cientifica como ‘padrão de linguagem verdadeira’. Como a linguagem teológica, (a começar pelo seu objeto 1 “La teología es un descubrimiento de la racionalidad interna propia de la confesión de fe, que permite captar su verdad propia”. (RODRIGUES, Paulo. Pensar al hombre. Antropología teológica de Adolphe Gesché. UNE: Salamanca, 2012, pg. 22). 8 principal: Deus) era marcada pela ‘inverificabilidade’, (já que não é possível verificar empiricamente a existência de Deus), foi classificada como linguagem sem sentido. Também ocorreu que no afã de estruturar-se como ‘ciência’, a linguagem teológica, enquanto linguagem racional que deveria expressar o sentido da linguagem religiosa caiu em certo ‘abstracionismo’. A Teologia por um bom tempo estruturou-se de forma muito abstrata em especulações conceituais rígidas, no que derivou certo distanciamento entre Teologia e vida. O Concilio Vaticano II trouxe uma renovação fecunda para o fazer teológico, reconhecendo a pluralidade teológica (fruto de toda emergência de renovações teológicas que tiveram cabo no decorrer do sec. XX), o que permitiu certa renovação da linguagem teológica, e a busca de uma mais profunda compreensão de sua natureza, e isso diante das criticas externas da Filosofia Analítica, e das exigência ‘internas’ de renovação desta linguagem a fim de que estivesse ela mais próxima das questões humanas hodiernas. Este trabalho tem, portanto, a finalidade de apontar características da linguagem teológica a partir da obra de Adolphe Gesché, teólogo belga, falecido em 2003 que teve como grande empenho no seu projeto teológico mostrar que a Teologia possui um discurso muito próprio, único e relevante ao homem contemporâneo. Porem, para bem situar a questão da linguagem teológica, este trabalho se propõe no primeiro capítulo a explanar o modo como a linguagem se tornou problemática em teologia, apontando de maneira geral o modo como ela foi abordada ao longo dos séculos por alguns filósofos, e como dentro do próprio pensamento filosófico, surgiram críticas e questionamentos radicais à Linguagem teológica, como também aberturas e possibilidades para uma maior compreensão da linguagem e da linguagem teológica. A partir destas reflexões, no segundo capitulo, aborda-se o pensamento de Adolphe Gesché sobre a linguagem e o discurso teológico. A pergunta que se pode fazer nesta introdução é: porque Adolphe Gesché? De fato, pode-se dizer que Gesché não se propôs a pensar sistematicamente a questão da linguagem teológica. Para um estudo mais sistemático e ‘analítico’ sobre esta questão outros autores se destacaram, tais como John Macquarrie2, Jean Ladriere3, Battista 2 Cf. MACQUARRIE, John. God-talk: El analisis Del lenguaje y La lógica de La teologia. Salamanca: Ediciones sígueme, 1976.
Description: