ALEX REZENDE HELENO MEMÓRIAS DE ADRIANO: LITERATURA E HISTÓRIAS EM DIÁLOGO Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Letras, para obtenção do título de Magister Scientiae. VIÇOSA MINAS GERAIS – BRASIL 2014 Ficha catalográfica preparada pela Seção de Catalogação e Classificação da Biblioteca Central da UFV T Heleno, Alex Rezende, 1986- H474m Memórias de Adriano : literatura e histórias em diálogo / 2014 Alex Rezende Heleno. – Viçosa, MG, 2014. vi, 83f. ; 29 cm. Orientador: Nilson Adauto Guimarães da Silva. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Viçosa. Inclui bibliografia. 1. Literatura - História e crítica. 2. Diálogo. I. Universidade Federal de Viçosa. Departamento de Letras. Programa de Pós-graduação em Letras. II. Título. CDD 22. ed. 809 « L‟homme est à inventer chaque jour. » (SARTRE, 2011, p. 290) “520. O perigo de nossa civilização. – Pertencemos a uma época cuja civilização corre o perigo de ser destruída pelos meios da civilização.” (NIETZSCHE, 2005, p. 243) ii AGRADECIMENTOS Agradeço ao Professor Nilson Adauto Guimarães da Silva pela orientação durante o mestrado, pela amizade e pela confiança na realização desse trabalho. Agradeço aos professores do departamento com os quais tive oportunidade de ter aulas na graduação e no mestrado compartilhando, assim, saberes e experiências. Agradeço a meus amigos e familiares pelo apoio, incentivo e por estarem sempre ao meu lado nos momentos bons e ruins. Agradeço aos amigos do mestrado – Amanda, Bruna, Bruno, Franciane, Milene, Renato, Roginei, Vinícius e Viviane – pela troca de experiências e vivências tão importantes nesse período. iii RESUMO HELENO, Alex Rezende, M. Sc., Universidade Federal de Viçosa, março de 2014. MEMÓRIAS DE ADRIANO: LITERATURA E HISTÓRIAS EM DIÁLOGO. Orientador: Nilson Adauto Guimarães da Silva. A presente dissertação tem por objetivo principal investigar o diálogo estabelecido entre literatura e história na obra Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar. Trata-se do século II, período em que Roma foi governada pelo imperador Adriano. Yourcenar dá voz ao personagem para que este se apresente ao leitor através de uma narrativa que busca refletir sobre o passado. Esse novo olhar acerca dos fatos históricos traz um viés importante para se repensar a escrita histórica, além de possibilitar maior esclarecimento quanto às frequentes oposições de sentidos no uso dos termos: “fato e ficção”, “realidade e imaginação”, “verdade e invenção”. Para esse estudo nos apoiaremos em teóricos e críticos que abordam tais relações: M. de Certeau, G. Duby, C. Ginzburg, J. Le Goff, L. Hutcheon, L.C. Lima, P. Veyne, G. Gengembre, dentre outros. Após a discussão teórico-crítica consideraremos as questões ligadas aos gêneros literários. Em seguida, visando ainda a relação entre literatura e história, poderemos perceber que Yourcenar, ao retornar a esse passado distante, não se ausenta dos problemas do presente. Por meio dos atos e relatos de Adriano podemos ver que este, bem como a autora, posiciona-se na defesa de valores humanos. As vozes do personagem e da autora estabelecem um diálogo crítico acerca dos problemas da humanidade. Temos, portanto, um diálogo entre o presente e o passado. O presente, marcado por duas Guerras Mundiais que assolaram a humanidade, transparece em certos momentos das reflexões de Adriano, quando este faz antecipações quanto ao futuro dos homens. E é através dessa preocupação com a liberdade e com o indivíduo que vemos se constituir a identidade do personagem. Há um discurso através do qual somos levados a conhecer seus conflitos e desafios. Faz- se necessário ressaltar que o narrador revela não somente seus desejos, suas angústias, suas euforias e suas decepções, mas de todo aquele que busca a liberdade, a paz e a justiça entre os homens. iv ABSTRACT HELENO, Alex Rezende, M. Sc., Universidade Federal de Viçosa, March, 2014. MEMÓRIAS DE ADRIANO: LITERATURE AND HISTORY IN DIALOGUE. Adviser: Nilson Adauto Guimarães da Silva. This dissertation has the main objective to investigate the established dialogue between literature and history in the work Memórias de Adriano by Marguerite Yourcenar. It refers to the II century, period that Rome was governed by emperor Adriano. Youcenar gives voice to the character in order to introduce him to the reader through a narrative that aims to reflect about the past. This new look about the historical facts brings an important way to rethink the historical writing, in addition to enable greater clarification for the frequent oppositions of meaning in the following expressions use: "fact and fiction", "reality and imagination", "truth and invention". For this study, we will support ourselves in theorists and critics that address those relations: M. de Certeau, G. Duby, C. Ginzburg, J. Le Goff, L. Hutcheon, L.C. Lima, P. Veyne, G. Gengembre, and others. After the theoretical- critical discussion, we will consider the questions connected to the literary genres. Afterwards, still aiming the relation between literature and history, we can notice that Yourcenar, after return to this distant past, he does not absent from the problems of the present. Through the acts and reports by Adriano, we can see that, as the author, he positions himself in defense of human values. The character and author's voices establish a critical dialogue about the humanity problems. Therefore, we have a dialogue between the present and the past. The present is determined by two World Wars that ruined the humanity, and it is also shown in some moments of Adriano's reflections when he does forethought for human beings future. And it is through this concernment with the liberty and the individual that we see to constitute the character identity. There is a discourse that leads us to know its conflicts and challenges. It is necessary to highlight that the narrator does not only reveal the desires, agonies, euphoria and private disappointments, but also the ones that seek for liberty, peace and the justice between the human beings. v ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................01 2. LITERATURA E HISTÓRIAS EM DIÁLOGO...............................................06 2.1. A História............................................................................................................06 2.2. Diálogos possíveis...............................................................................................19 2.3. Os gêneros literários..........................................................................................32 3. AS MEMÓRIAS DE ADRIANO...........................................................................36 3.1 A narrativa da vida.............................................................................................36 3.2. O olhar de Adriano sobre si..............................................................................49 4. PASSADO E PRESENTE EM QUESTÃO: VOZES QUE DIALOGAM (ADRIANO E YOURCENAR)................................................................................60 4.1. O humanismo Yourcenariano em Memórias de Adriano...............................60 4.2. Críticas ao passado e ao presente.....................................................................68 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................77 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................79 vi 1. INTRODUÇÃO Marguerite Yourcenar (1903-1987), notável representante da literatura francesa do século XX, primeira mulher eleita para a Academia Francesa, é uma escritora mundialmente conhecida, com obras traduzidas em inúmeras línguas. É vista, sobretudo, como autora de narrativas autobiográficas e de romances históricos e “humanistas”. Sua obra é vasta e multiforme, compreendendo poesias, ensaios, memórias, traduções, novelas e romances. É marcante na biografia de Yourcenar sua formação cosmopolita e seu interesse prematuro pelos clássicos, ela detinha o domínio do grego e do latim e, leitora assídua dos autores antigos, tinha acesso às obras em língua original. Nascida na Bélgica, ela viveu em seguida na França e morou ainda criança em Londres, onde aprendeu o Inglês. Realizou inúmeras viagens ou longas estadas em diversos países como Itália, Suíça, Escandinávia, Marrocos, Egito, Canadá, Japão, Índia, Quênia e Estados Unidos. Na companhia do pai, parte para a Inglaterra durante a Primeira Guerra Mundial. A vinda para os Estados Unidos em 1939 se dá também por causa da Guerra. Neste país passou grande parte de sua vida e adquiriu a nacionalidade americana. Yourcenar, contudo, diz ser totalmente francesa de hábito e de cultura1. Dentre seus romances se destacam: Mémoires d’Hadrien (Memórias de Adriano) (1951) e L’Oeuvre au noir (A Obra em negro) (1968). O primeiro, concluído após três anos de trabalho ininterrupto, revela seu gosto pelo mundo antigo e lhe traz a notoriedade e o prêmio da “Académie française”, em 1952. O último, publicado em pleno maio de 1968, desenvolve as novas ideias do Renascimento, consagra seu reconhecimento e amplia seu público, levando-a a receber o prêmio “Fémina”. Ambas as obras são consideradas “romances históricos” (cf. GUSLEVIC, 2003, p.14) e são as mais conhecidas no Brasil. Em Memórias de Adriano, que tomamos como corpus de nossa pesquisa, a retomada do imperador romano como personagem central remete de imediato, já no título, ao contexto específico do Império Romano. Daí decorre a discussão entre o texto histórico e o texto ficcional, que encadeará essa pesquisa. Yourcenar nos 1 Je suis française de naissance, bien que née par hasard à l‟étranger (en Belgique, que j‟ai quittée huit jours après ma naissance). J‟ai acquis en 1947 la nationalité américaine, mais suis restée totalement française d‟habitude et de culture, bien que j‟aie vécu dans tant de pays que j‟ai peine à me croire, par moments, une nationalité quelconque. (YOURCENAR, 2007, p. 136) 1 proporciona uma nova visão desse passado distante e abre possibilidades para repensarmos a narrativa histórica. Pretende-se considerar também a questão do gênero literário, visto que estas “Memórias” são consideradas por muitos um “romance”, por vezes, mais especificamente um “romance histórico”, que assume em alguns momentos o caráter de uma verdadeira “confissão”, de uma “biografia”. Entretanto, mesmo Yourcenar prefere não responder a que gênero pertence sua obra. Busca-se, portanto, analisar Memórias de Adriano como obra significativa para o exame das relações entre o discurso literário, de Yourcenar, e outros textos e campos do conhecimento, como a narrativa histórica. E, ainda, abordar o diálogo (nos termos pensados por Bakhtin) como aspecto essencial na composição da narrativa da autora, uma vez que o processo de interlocução articula no discurso do narrador referências mais ou menos diretas a outros discursos, em particular o discurso histórico. Perceberemos o discurso no limiar como construção da narrativa ao examinarmos a problemática do gênero romance, que assume características de outros gêneros, aproximando-se do romance epistolar, da narrativa de confissão, da narrativa histórica e da autobiografia romanceada. A temática de fundo histórico, central em Memórias de Adriano e também na Obra em Negro, está presente na tematização do tempo, bem como o tema da homoafetividade que aparece em ambos. O próprio título já nos situa num tempo histórico ao mencionar o imperador Adriano, que nos narrará em primeira pessoa episódios de sua vida. Podemos perceber na obra a problematização da relação entre o discurso literário e a narrativa histórica, bem como a utilização simultânea de gêneros literários diversos. Memórias de Adriano é, geralmente, classificado como romance histórico, contudo a história é na obra um instrumento posto à disposição de uma introspecção analítica e não o inverso. O trabalho de documentação realizado pela autora é usado como fio condutor da narrativa, proporcionando a Adriano rever sua vida, analisando-a e criticando-a. Da mesma maneira que Paul Valéry afirma que as civilizações são mortais, Yourcenar fala do tempo como elemento de dissolução. Yourcenar não compartilha do otimismo característico da visão positivista e teleológica da história, segundo a qual o transcorrer do tempo equivale a uma marcha para o progresso. O processo de 2
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