KA Cad 2011.4 12.04.12 16:20 Page 125 Alcances e Limites da Lei dos Consórcios 125 Públicos – um balanço da experiência consorciativa no estado de São Paulo 1 THAMARA STRELEC E FRANCISCO FONSECA INTRODUÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO A promulgação da Lei nº. 11.107/2005, conhecida como “Lei dos Con- sórcios Públicos”, representa um importante marco legal e institucional quanto à experiência de consorciamento no Brasil. Afinal, a longa tradição de consórcios, notadamente intermunicipais na trajetória brasileira (perpassada por períodos autoritários e democráticos), foi marcada pela informalidade, seja em razão da inexistência de uma lei que os permitisse, seja pela natureza dos arranjos que historicamente os possibilitaram: acordos por afinidades político/ideológicas, de redes políticas, partidárias, pessoais, por demandas de movimentos sociais e de outros atores relevantes nos locais consorciados, entre outras motivações, dependendo do momento histórico observado. Os consórcios, surgidos por razões diversas e moldados por naturezas dis- tintas, foram se constituindo com o objetivo de resolver problemas que não se circunscreviam a um município ou região. Constituíram-se pela necessi- dade de articulação intergovernamental quanto a temas crescentemente com- plexos, casos, entre inúmeros outros, do meio ambiente (poluição de rios que cortam diversos municípios, destinação de resíduos sólidos), dos sistemas de 1 O presente trabalho decorre da análise de dados resultantes da pesquisa em nível de Mes- trado “Desafios da adaptação institucional: um estudo do impacto da Lei de Consórcios Públicos no Estado de São Paulo”. (Strelec, 2011). KA Cad 2011.4 12.04.12 16:20 Page 126 126 transporte (crescente interligação entre pessoas que residem num município e trabalham em outros), dos sistemas de educação e de saúde (demanda por 4 equipamentos públicos, com dispêndios correspondentes, sediados num º N ) município, mas com usuários de outras regiões) e do desenvolvimento, dada 11 20 a necessidade imperiosa dos municípios se pensarem como “regiões adminis- ( XII trativas” e “pólos de desenvolvimento” com a articulação da cadeia produtiva. R E Os exemplos são muitos e demonstram ampla diversidade de temas e pro- U A N blemas. E D A Longe de ser uma panacéia, os consórcios foram a solução possível ao S O longo de décadas de desenvolvimento urbano e industrial acelerado, assim N R como do contexto pós-industrial das últimas décadas. Nesse sentido, a cres- E D A cente complexificação da sociedade brasileira desde os anos 1940 aos dias de C hoje, com transformações em diversas direções, complexificou também os problemas, exigindo dos Estados subnacionais respostas distintas a problemas cada vez mais interligados. Basta citar as chamadas “macrometrópoles”, arti- culadoras de milhares (ou até milhões) de pessoas num raio de cerca de duzentos quilômetros, impactando orçamentos e programas governamentais os mais diversos. Mas mesmo os pequenos e médios municípios vêm sendo impactados por transformações importantes: desde a instalação de empresas multinacionais em determinadas regiões, com toda sorte de mudanças, à migração da violência para o interior, no contexto de rotas do crime organi- zado, apenas para ficar em dois exemplos fartamente conhecidos. A esse con- junto de problemas os consórcios possibilitam seu enfrentamento de forma mais sistêmica e efetiva, alavancando, além do mais, poder político. Mais importante, apesar das falhas e questionamentos à Lei dos Consór- cios Públicos – demonstrados pela ainda baixa adesão dos municípios, como se verá neste texto, que analisa o consorciamento no estado de São Paulo –, trata-se de uma inovação institucional capaz de se contrapor propositiva- mente à competição predatória do federalismo brasileiro. Essa predação é sin- tetizada pela chamada “guerra fiscal”, em que os municípios – e também os estados – lutam desesperada e individualmente pela atração de empresas pri- vadas ao reduzir sobremaneira os principais impostos municipais: o IPTU e sobretudo o ISS (no caso dos estados, o ICMS). É claro que os Arranjos Pro- dutivos Locais (APLs), os fóruns de discussão e deliberação (tais como de secretarias temáticas), os fóruns informais entre prefeitos, os pólos de desen- volvimento regionais, as Câmaras Setoriais regionais e outras formas de coo- peração continuam existindo e são mostras vivas do contraponto possível à predação federativa. Mas são os Consórcios Públicos a instituição-chave de KA Cad 2011.4 12.04.12 16:20 Page 127 articulação de atores e regiões – com suas confluências e conflitos – em razão 127 de sua capacidade de institucionalizar mecanismos de resolução de problemas regionais por meio de instituições públicas e da articulação e mobilização de s o c diversos e contrastantes atores. bli ú Ao superarem, em sua já longa trajetória, os limites político/administra- p s tivos da federação brasileira, os municípios ganham um reforço institucional cio r e legal de peso para o enfrentamento dos graves e complexos problemas locais ó s n e regionais brasileiros. Há experiências fracassadas e exitosas ao longo desse o c s processo, mesmo desde 2005, com a edição da Lei, mas que de forma alguma o d diminuem a importância do consorciamento, notadamente em sua forma ei a l legal/institucional. d s Dado esse contexto, veremos nas seções seguintes a trajetória dos con- te mi sórcios, os elementos necessários à sua constituição (notadamente a Lei que o e li criou), suas características e os impactos (da Lei), sua aplicação no estado de s e c São Paulo – foco deste texto – e o aprendizado institucional que o consorcia- n a c mento traz à federação, às políticas públicas e à democracia brasileira. Deve- al se ressaltar o entrelaçamento entre as características do federalismo brasileiro, as desigualdades regionais, o multipartidarismo e as iniquidades tributárias e fiscais no país e no estado de São Paulo como pano de fundo da análise reali- zada a seguir. A LEI Nº. 11.107/2005: ANTECEDENTES HISTÓRICOS E DISPOSITIVOS LEGAIS O riginário das experiências de consórcios do setor privado, que correspon- diam à associação de empresas autônomas para a realização conjunta e temporária de diversas atividades da vida econômica do país, a figura dos con- sórcios intermunicipais tradicionais, ou seja, as associações civis, teve sua pre- visão jurídica enquadrada nos moldes dos convênios, sem atendimento às par- ticularidades típicas do setor público: sujeição a mecanismos de controle externo mais rígidos, dotação orçamentária para a destinação dos recursos, publicização, entre outras. Cronologicamente, no intervalo que compreende as experiências inau- gurais da década de 1970 até fins da década de 1980, os consórcios eram vistos ainda como acordos de colaboração inseguros, sem garantia de perma- nência e de obrigações, mesmo com sua evolução crescente a partir das elei- ções de 1982, no governo Montoro. Com o contexto da redemocratização, apesar do não reconhecimento jurídico dos consórcios na Constituição de KA Cad 2011.4 12.04.12 16:20 Page 128 128 1988, a política nacional de saúde, que previu a constituição de consórcios para o fornecimento de serviços de saúde, propiciou o considerável aumento 4 desse tipo de arranjo, principalmente nos estados do Paraná e Minas Gerais, º N ) o que impulsionou a demanda pelo aperfeiçoamento dessas experiências, isto 11 20 é, sua regulamentação. ( XII Esse atraso, contudo, não inviabilizou o surgimento de novas experiên- R E cias. Ao contrário, a partir dos anos 1990 o surgimento de consórcios em U A N outras áreas como meio-ambiente, informática, resíduos sólidos – como é o E D A caso do Consórcio do ABC –, entre outros, cresceu vertiginosamente, princi- S O palmente na área da saúde. N R Esse crescimento, aliado ao esforço de lideranças políticas envolvidas E D A nessa temática, como Celso Daniel2, constituíram-se em uma forma de C pressão na negociação da aprovação do artigo 247 da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº. 173/1995, que manifestava a expectativa de intro- duzir constitucionalmente novos formatos institucionais para a gestão coope- rada entre municípios, estados e União. Apesar de sua aprovação na PEC nº. 173/1995, o artigo 247 foi supri- mido quando da aprovação da Emenda Constitucional nº. 19/1998, deno- minada Reforma Administrativa do Estado, e, em meio à nova redação, foi aprovado o artigo 241 da Constituição Federal, contemplando a constituição de consórcios públicos. O que se esperava solucionar eram os principais entraves enfrentados pelos consórcios já em funcionamento pelo país: dificuldades para obtenção de recursos externos, impossibilidade na prestação de serviços de competência exclusiva do poder público, ausência de orientação jurídica que regulamen- tasse a obrigatoriedade no cumprimento das obrigações financeiras assumidas pelos municípios e, sobretudo – resultado dessas questões –, dificuldades para exercer atividades de médio e longo prazo, baseadas no planejamento das ações, uma vez que os municípios poderiam deixar de participar do consórcio sem cumprir com as responsabilidades assumidas. Apesar de sua aprovação, foi em 2003, já no Governo Lula, que o Exe- cutivo federal demonstrou disposição em atender as demandas pela regula- mentação do artigo 241, demanda essa apresentada pela Carta do ABC – documento assinado pelos prefeitos das sete cidades integrantes do Consórcio 2 Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), prefeito de Santo André (1989-1992, 1997- 2000 e 2001-2002), deputado federal (1994-1996) e primeiro presidente do Consórcio Intermunicipal do ABC. KA Cad 2011.4 12.04.12 16:20 Page 129 do Grande ABC e pelos membros do Comitê de Articulação Federativa 129 (CAF), constituído em 2003. (Dias, 2006). Resultante dessas reivindicações, o Projeto de Lei nº. 3.884 foi subme- s o c tido ao Congresso Nacional em 30 de junho de 2004 sob forte resistência, ali- bli ú cerçada, sobretudo, em dois campos: o jurídico e o político. De um lado, p s juristas ressaltavam possíveis inconstitucionalidades da Lei e, de outro, repre- cio r sentantes políticos oposicionistas ao Governo Lula, que apresentaram argu- ó s n mentos que defendiam que a Lei viria a instaurar a centralização dos poderes o c s nas mãos da União, retirando dos estados sua importância na coordenação o d federativa. ei a l Diante do impasse para votação da matéria, o resultado foi o arquiva- d s mento do Projeto de Lei nº. 3.884/2004 e o aproveitamento de conceitos te mi principais do Projeto de Lei nº. 1.071/1999, de autoria do deputado federal e li Rafael Guerra (PSDB), pois em tramitação no Senado à época, originou-se s e c assim a Lei nº. 11.107/2005, promulgada em abril de 2005 e que “dispõe n a c sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras provi- al dências” (Brasil, 2005). De acordo com a lei, os objetivos dos consórcios públicos serão determi- nados de acordo com os parâmetros dos entes da Federação que compõem o consórcio e os parâmetros legais da Constituição, o que garante flexibilidade na definição dos objetivos. Tendo em vista o grande volume de políticas públicas necessárias ao atendimento das demandas regionais, os objetivos dos consórcios públicos não necessariamente precisam ser únicos e nem tratarem especificamente de determinada política pública. Os projetos a ele vinculados podem assumir formatos diversos, de acordo com as necessidades de cada consorciado. Isso equivale a dizer que o Consórcio X, por exemplo, que tiver como objetivo o desenvolvimento regional poderá estabelecer convênios de cooperação em diversas áreas – cada um com entes federativos distintos, mas que integram o consórcio – ou então um mesmo ente federativo poderá inte- grar diversos consórcios, pactuando objetivos diferentes com cada um deles. Quanto à constituição dos consórcios públicos, a Lei nº. 11.107/2005 prevê a preparação e aprovação de um protocolo de intenções como pressu- posto básico e imprescindível para sua ocorrência, que incluirá as cláusulas norteadoras do funcionamento do consórcio: desde a denominação, obje- tivos, área de atuação, personalidade jurídica, até os critérios para a determi- nação dos valores de tarifas, quando for o caso. O protocolo de intenções, assinado por todos os membros consorciados, antecede a aprovação da parti- cipação do ente em sua respectiva Casa Legislativa, que ratificará o protocolo KA Cad 2011.4 12.04.12 16:20 Page 130 130 de intenções. Após sua ratificação, o protocolo deverá ser publicado na imprensa oficial local, e uma Assembleia constituída pelos chefes do Poder 4 Executivo é convocada para a elaboração e aprovação do Estatuto do novo º N ) arranjo, que em seguida deverá ser registrado nos órgãos competentes. 11 20 No que se refere à área de atuação dos consórcios, a Lei nº. 11.107 con- ( XII sidera que, independentemente de a União integrar consórcios, a área total R E corresponde à soma dos territórios: dos municípios, quando formado U A N somente por municípios ou por um estado e municípios pertencentes a esse E D A estado; dos estados ou dos estados e do Distrito Federal: quando formado por S O mais de um estado ou por um ou mais estados e o Distrito Federal; ou dos N R municípios e do Distrito Federal: quando constituído por municípios e o Dis- E D A trito Federal. Essa multiplicidade de formatos possíveis significou para os C entes da Federação algumas possibilidades, dentre elas constituírem consór- cios entre municípios não limítrofes, ou, ainda, pertencentes a diferentes estados da Federação. Nessa direção, a lei tornou visível a importância do atendimento às particularidades políticas, territoriais e demandas de cada município. Isso porque, mesmo sendo mais comum a constituição de arranjos entre municípios limítrofes, podem existir casos de desinteresse político entre municípios vizinhos, vocações produtivas comuns entre municípios de estados distintos, ou até mesmo dificuldades na prestação de serviços públicos compartilhadas entre entes que podem estar em regiões distintas. Nesses casos, e em outros, a flexibilidade desses formatos sugere o cuidado em relação à preservação da autonomia dos municípios e a importância do redesenho ter- ritorial na gestão administrativa quando operados por um consórcio público. Quanto à sustentabilidade financeira dos consórcios, a lei contemplou uma das fragilidades mais evidenciadas pelos consórcios em curso: a inadim- plência comum dos membros consorciados em relação à manutenção das ati- vidades dos consórcios, dado que o pagamento das contribuições mensais – via quotas-parte – era frequentemente desonrado. Dessa fragilidade impli- cavam algumas dificuldades no campo da gestão: incapacidade de oferecer contrapartidas no caso de recebimento de investimentos externos; dificuldade no planejamento de ações de médio e curto prazo; instabilidade e insegurança dos membros consorciados em relação à permanência das atividades em desenvolvimento; assim como o cumprimento das obrigações financeiras assumidas, como aluguel de sede, contratação de funcionários, elaboração de materiais de divulgação, taxas administrativas, entre outros. O instrumento da lei que procurou resolver tais dificuldades denomina-se “contrato de rateio”, documento exclusivo para a discriminação dos recursos e contribui- KA Cad 2011.4 12.04.12 16:20 Page 131 ções financeiras ao consórcio – incluída a cessão de bens e servidores públicos 131 dos membros e as contribuições em bens e direitos quando resultado da gestão associada de serviços públicos, que a cada exercício financeiro é for- s o c malizado respeitando-se os valores discriminados pelas dotações orçamentá- bli ú rias aprovadas a cada exercício pelos membros consorciados. p s No que tange à fiscalização, de acordo com a Lei os consórcios públicos cio r sujeitam-se às diligências do Tribunal de Contas em suas atividades contábeis, ó s n operacionais e patrimoniais, assim como na execução de suas receitas e des- o c s pesas. Vale destacar que a Lei não gerou, para as entidades anteriormente o d constituídas, a obrigatoriedade de adotarem uma nova personalidade jurídica ei a l de direito público. Mas mesmo nos casos de manutenção da personalidade de d s direito privado (consórcio público de direito privado), deve respeitar todas as te mi normas do direito público que regem os consórcios constituídos após a Lei. e li Dessa maneira, estarão sujeitos à mesma fiscalização dos Tribunais de Contas s e c que os demais. n a c No que se refere às modalidades de licitação a Lei incluiu algumas espe- al cificidades, como a ampliação dos valores licitatórios (dobro dos valores para cartas-convite, tomadas de preço e concorrência, quando se tratarem de con- sórcios formados por até três entes da federação e o triplo dos valores quando formados por mais de três entes da federação) e a possibilidade de execução de licitações compartilhadas, acompanhadas da contratação pelos entes con- sorciados. Observa-se que a Lei nº. 11.107/2005, ao propor algumas inovações, como a possibilidade de se constituírem consórcios entre os três entes da fede- ração, pretendeu atender às demandas preconizadas pela concepção do fede- ralismo cooperativo na tentativa de aperfeiçoar o formato do federalismo bra- sileiro. A possibilidade de se constituírem arranjos de cooperação também entre níveis distintos possibilitou maior coordenação das políticas públicas, compartilhando responsabilidades de acordo com as competências de cada ente, de modo mais flexível e dinâmico. A APLICABILIDADE DA LEI NO ESTADO DE SÃO PAULO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS C om o advento da Lei nº. 11.107/2005 e sua regulamentação por meio do Decreto nº. 6.017/2007, houve a tentativa de atender à ausência da legi- timidade dos consórcios constituídos, apresentando-se uma série de novi- dades que conferiu-lhes uma série de vantagens. KA Cad 2011.4 12.04.12 16:20 Page 132 132 Segundo atores que participaram da formulação da lei, essa nova regula- mentação permitiria o aprimoramento do federalismo cooperativo, idealizado 4 com a Constituição de 1988, mas não alcançado diante de uma série de cons- º N ) trangimentos à sua consolidação: sobreposição de responsabilidades e 11 20 ausência de regras claras a respeito da responsabilidade dos estados; a cultura ( XII da autossuficiência aliada à autonomia dos entes federados; o desequilíbrio R E oriundo das dificuldades orçamentárias; e também as disparidades econô- U A N micas (Trevas, 2007; Losada, 2008). E D A De acordo com tais autores, permitiu-se corrigir as imperfeições desse S O modelo oferecendo-se principalmente aos municípios, de modo legítimo, N R constitucional e judicial, um arcabouço legal para a cooperação intermuni- E D A cipal ou interfederativa. C Na realidade, a Lei criou um instrumento específico para a cooperação e ampliou as possibilidades de atuação dos consórcios na execução de políticas públicas. Os consórcios públicos passam, assim, a ser compreendidos como instrumentos de cooperação horizontal (município – município ou estado – estado), como também de cooperação vertical (estado-município, União- estados, União-estados-municípios), constituídos de maneira voluntária e cooperativa. Além disso, revestidos de personalidade de direito público passam a ser integrantes da administração indireta, que corresponde ao mesmo escopo de direito das autarquias. Apesar de tais intenções, o panorama da adaptação dos consórcios inter- municipais à figura jurídica de consórcio público de direito público no estado de São Paulo atesta, até aqui, que tais avanços não têm sido suficientes para a repactuação dos entes federativos na direção do novo formato jurídico ampa- rado pela nova lei. Com base no levantamento das experiências de consórcios intermunici- pais em funcionamento no estado de São Paulo, realizado pelo Centro de Estudos em Administração Municipal (CEPAM), constatou-se o volume de 105 consórcios em funcionamento neste estado (CEPAM, 2010). A partir desse volume de experiências e de uma pesquisa preliminar divulgada pelo mesmo órgão de pesquisa, Strelec (2011) realizou um levantamento comple- mentar com o objetivo de identificar o percentual de consórcios que se adap- taram ou não à Lei e as possíveis dificuldades no processo de adaptação. Quanto aos consórcios que se adaptaram à Lei ou que se constituíram como consórcio público de direito público, após a regulamentação da Lei, observa-se o percentual de 33%, demonstrando que a Lei foi parcialmente reconhecida e assimilada pelos consórcios de modo positivo. No entanto, KA Cad 2011.4 12.04.12 16:20 Page 133 39% dos consórcios não aderiram ao novo formato institucional. Pode-se 133 dizer, portanto, que de alguma maneira a Lei não foi incorporada por um conjunto expressivo de consórcios. s o c Tendo em vista que o conhecimento do novo marco legal não é homo- bli ú gêneo e que algumas experiências podem existir apenas formalmente, o que p s dificultou o levantamento dos dados, 28% das experiências foram identifi- cio r cadas como “sem informação” a respeito de sua adaptação. Apesar disso, uma ó s n observação preliminar demonstra forte tendência de que essas experiências o c s não se adaptaram à Lei de Consórcios Públicos. As experiências ainda “sem o d informação” compreendem em sua ampla maioria consórcios de infraestru- ei a l tura (59%), vinculados ao Programa Pró-Estradas. Esse programa, desenvol- d s vido em 2000 pelo Governo do estado para induzir a formação de consór- te mi cios entre os municípios visando a recuperação, construção ou manutenção e li de estradas vicinais, apesar de ter apresentando resultados positivos em s e c termos de volume de experiências, vêm sofrendo refluxo pelos gestores dos n a c consórcios. al Alguns motivos para esse quadro foram apontados pelos gestores ligados aos consórcios e à Companhia de Desenvolvimento Agrícola do Estado de São Paulo (CODASP), empresa responsável pelo programa. Segundo os relatos, a impossibilidade de contratação de mão de obra terceirizada, os impedimentos jurídicos trazidos pela fiscalização do Tribunal de Contas, a ausência de reposição das máquinas e a não conversão da máquina financiada em patrimônio são motivos que justificam a redução das experiências e que, para efeito deste trabalho, podem revelar que a adaptação tornar-se-á desne- cessária diante da retração das atividades. (Bizon, 2011). Colocando em primeiro plano a não adaptação dos consórcios em fun- cionamento, é possível caracterizar algumas motivações apresentadas pelos gestores que justificam o comportamento dessas entidades de resistência à Lei. Essa caracterização, ainda que não represente todos os consórcios que não se adaptaram à lei no estado de São Paulo e no país, auxilia a compreensão dos principais motivos relacionados a esse comportamento3: a) Criação de outra entidade nos moldes da Lei e manutenção, em paralelo, do consorciamento atual como associação civil sem fins econômicos; b) Gestão apenas do Programa Pró-Estradas, sendo desnecessária a adaptação; 3 Dados coletados com base em contatos telefônicos e entrevistas realizadas entre os meses de out. a fev. de 2011 com gestores públicos e técnicos responsáveis pelos consórcios. Ver: Strelec (2011). KA Cad 2011.4 12.04.12 16:20 Page 134 134 c) Desinteresse em prestar serviços públicos; d) Entraves administrativos; 4 e) Entendimento de que a adaptação deveria acontecer a partir de uma soli- º N ) citação dos órgãos fiscalizadores. A não ocorrência desta solicitação 11 20 implicou a não adaptação. ( XII f) Inexistência de discussão e desconhecimento da Lei; R E g) Inexistência de estrutura em funcionamento do consórcio. Alguns con- U A N sórcios foram legalmente constituídos, mas não possuem sede ou E D A recursos e não fazem reuniões. S O h) Em fase de dissolução; N R i) Impossibilidade de incluir a participação da sociedade civil como E D A membro na estrutura organizacional do consórcio; C j) Impossibilidade de incluir como membros associados organizações da iniciativa privada; k) Divergência política; l) Desinteresse em dissolver uma organização e rescindir as contratações em andamento para contratação por meio de processo seletivo; m) Impacto dos encargos trabalhistas: assumir a personalidade jurídica de direito público, apesar de obter isenção de impostos federais, amplia os encargos trabalhistas, entre eles a quota patronal; n) Possível impacto social gerado pela abertura da contratação de funcioná- rios de outras regiões, em detrimento das vagas já ocupadas por mora- dores dos municípios que constituem o consórcio intermunicipal; o) Contaminação da prestação de contas dos demais entes quando um dos membros participantes apresentar restrições na prestação de contas. A variedade de argumentos ora apresentada coloca em evidência a mul- tiplicidade de questões que perpassam a realidade dos consórcios em funcio- namento, ilustrando as diversas implicações que a aplicação da Lei tem sobre a gestão desses arranjos em todo o país. Essas implicações são sobremaneira resultado de uma trajetória institu- cional desses arranjos. Os consórcios, constituídos ao longo de 40 anos, arrai- garam-se pelo país principalmente sob o formato de associações civis, dotados de flexibilidade para funcionar de acordo com a dinâmica local que se lhes apresentava, e construíram um sistema complexo de regras, símbolos e con- dutas particular, uma vez que cada consórcio desenvolveu o modelo que melhor atendesse a suas necessidades, ainda que existam consórcios de setores específicos com formatos muito parecidos.
Description: