A surpresa do voto a favor Simon Schwartzman Publicado no Jornal do Brasil, 4 de outubro de 1996, p. 26. O resultado mais interessante destas eleições municipais talvez seja o voto a favor dos governantes, e sobretudo dos prefeitos das grandes cidades brasileiras. Isto é o oposto do que costumava acontecer, quando os eleitores, sistematicamente, rejeitavam os candidatos dos incumbentes e votavam na oposição Em parte. isto se deve ao fato de que as prefeituras, beneficiadas pela redistribuição ele recursos do atual sistema tributário, tiveram resultados pai a mostrar, enquanto que os governos estaduais, assim como o governo federal, ainda estão enfrentando os problemas e sofrendo com o ônus do esforço para equilibrar suas contas. Em artigo recente, o deputado federal José Genuíno procurava ai distinguir dois tipos de prefeituras. umas mais voltadas para obras, e outras voltadas para as questões sociais, que seriam as do PT. Estas diferenças existem certamente, ainda que não de maneira tão marcante quanto pareceria; e de toda forma os eleitores aprovaram as duas conforme os incumbentes de cada prefeitura. Um outro aspecto importante foi o caso das antigas lideranças populistas. O eleitor não votou em slogans nenhum candidato conseguiu polarizar as disputas em torno de grandes temas ideológicos ou bandeiras de tipo personalista, ou transformar a eleição em conflito de classes. Bem ou mal, as campanhas giraram ao redor das obras que foram ou não feitas, de como deve ser o transporte coletivo, das questões de segurança, de como andam os programas habitacionais e as escolas. Isto também é novidade, e está relacionado, sem dúvida, à estabilidade da economia, que permite que os temais relacionados com a administração da vida quotidiana dais pessoas ocupem o primeiro lugar, em lugar dais grandes formulações ideológicas e das grandes tiradas demagógicas. Estas eleições terão reflexos importantes e profundos para o quadro político dos próximos anos, a começar pelo novo delineamento partidário, com a perda de importância do PMDB e o crescimento do PSDB e do PT. Mais importantes do que ai mudança do peso dos partidos, no entanto, deverão ser as mudanças no estilo de fazer política, com o destaque cada vez maior para temas que afetam a vida das pessoas. e um papel cada vez mais reduzido para os estilos de política tradicionais, caracterizados pela esperteza do manejo dos bastidores. Um terceiro aspecto também positivo destas eleições foi o funcionamento bastante razoável do sistema de propaganda eleitoral, que deu aos principais candidatos espaço suficiente para se apresentar ao público, e manteve o eleitorado bastante informado dos programas, preferências e estilos dos candidatos. A presença cada vez maior dos marqueteiros e especialistas no uso dos meios de comunicação, combinada com o horário gratuito nos meios de comunicação, acabou equilibrando a força de comunicação dos principais candidatos, dando ao eleitorado uma condição melhor de escolha. Finalmente, o novo sistema eletrônico de votação parece ter funcionado bastante bem, reduzindo as possibilidades de fraude e aumentando a transparência das eleições para o publico. As principais notais destoantes, neste quadro geral positivo. foram as candidaturas dos partidos nanicos, que não encontraram espaço para se mostrar, e o quase total alheamento, por parte da imprensa e do eleitorado, a respeito das eleições para vereadores, o que deverá se refletir, segura- mente, em altos índices de votos nulos e 1 brancos paira os legislativos municipais. Isto mostra que o sistema partidário e eleitoral brasileiros estão necessitando de reformas urgentes. O princípio de igual acesso dos partidos aos meios de comunicação, uma conquista democrática da maior importância, é incompatível com as regrais totalmente frouxas para a criação e permanência dos partidos políticos que existem hoje. E o que ocorre com os vereadores não é diferente do que ocorre para as eleições de deputados, onde o eleitor vota quase que às cegas, sem saber quem se beneficiará afinal de seu voto, nem qual a vinculação ou compromisso de seu candidato com seu partido, com o governo ou com os eleitores. Existem várias propostas na mesa para alterar esta situação, que vão desde a introdução do voto distrital em uma de suas modalidades à introdução de regras mais rígidas de fidelidade partidária. Seria possível completar esta interpretação dizendo que o eleitorado, no Brasil de hoje, está mais amadurecido do que o sistema partidário e eleitoral dentro do qual tem que votar, e isto coloca a reforma política e eleitoral como uma necessidade urgente, para que nossa incipiente democracia se consolide. 2