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A Luta pela Terra PDF

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A LUTA PELA TERRA Octavio lanni PREFACIO. PREFÁCIO A historia social do Município de Conceição do Araguaia (situa do no sul do Estado do Para) apresenta tris épocas distintas, por suas peculia ridades econômicas e políticas. Em cada epoca a organizaçao social da pro dução mostra aspectos tais que uma pode ser considerada diferente da outra. Em cada vmia predomina uma forma peculiar de organizdição das forças produti^^as e relações de produção. A composição das classes sociais e diversa em cada uma delas. Mas as épocas não se põem uma depois da outra, cc'mo se estivessem numa seqílência evolutiva. Ao contrario, a sua seqílincia parece inesperada. Preci- samente por isso, tairibem, e de algum interesse teõrico conhecer essa historia; interessa corüieœr como se c)a a passagem de urra a outra forma de organização social da produção. A historia social de Conceição do Araguaia contada aqui abarca os anos 1897-1977. Se deixamos de lado, por agora, os muitos sucedidos no lu- gar - ou longe dali, com irfluência no lugar - podemos esboçar desde jã uma primeira imagan sobre as principais épocas dessa historia. Na primeira, predo minou o mcno-'ïxlTativismo da barraiii. Começou praticaænte com a fundação da localidade, em 1897, e terminou em 1912, com o início da crise da borracha, a qual provocou o rearranjo das atividades econômicas e a formação de uma econo- mia basicamente camponesa, composta de famiílias de sitiantes. Na segunda epo- ca, pois, predominou o campesinato, isto e, um. conjunto disperso de famílias cuja atividade econõiráca destinava-se principalmente ao autoconsuno. Esse campesiiiato corrpunha-se de sitiantes - os posseirœ cte en- tão - ou ex-seringueiros, que haviam decidido formar roças e criações, pescar ou recolher os frutos da mata. Essa epooa abrangeu, predominantenente, os anos 1912-60. A partir de 1960, iniciaram-se algumas mudanças fundamentais no relacLonamento do Município de Conceição do Araguaia com os centros econômicos e políticos da regição do País, tais como; Eelem, Anápolis, Goiânia, Brasília e outros. Cbnstruiu-se a Rodovia Belem-Brasília, o que permitiu abrir uma es- trac3a ligando Conceição do Araguaia com a Eelân-Brasília. 2. Essas novas \àas de comunicações pe.rmitiram intensificar o inter câmibio econômico e político de Conceição com aqueles cen'bros. Ao lado do in- tercâmbio realizado por via dos rios, iniciou-se e expandiu-se o intercâmbio por meio das estradas. Nessas condições, os núcleos dispersos de sitiantes co meçaram a deoompor-se, em face cto crescente comercio de coisas, idéias e pes- soas, oom Belém, Anápolis e demais cidades. Em seguida, desde 1966, a SUDAM, uma agencia governamental, iniciou uma política de inoent2.vo economioo e poli tico ã formação e expansão da empresa agropecuária. Na terceira epoca da histeria social de Conceição do Araguaia., portanto, o que passou a predominar foi a empresa irural, isto e, a empresa ca- pitalista no campo, formada œm a proteção econômica e polàtica do Estado. E£ sa época começou na pratica com a SUDAM, mas algumas condições de sua emergen- cia haviam começado a constituir-se nos anos anteriores. Cabe observar, aindd, que essa terceira época, iniciada em 1966, encontrava-se em franco desenvolvi- mento no ano de 1977, o ultime ano coberto por esta narração. Ao mesmo tempo que se formava a empresa agropecuária e decompurha-se o campesinato - agera oom um contingente de posseiros recentes somado aos sitiantes, cs posseir-os an tigos - desenvolvia-se uma. neva es'bcutura de classes, na qual sobressai -cíU cl burguesia, vinda principa].mente do Centro-Sul do País, e o proletariado, com- posto de peões e vaqueiros. As novas classes sociais surgiam - um pouco - dos escomibros do campesinato, cu seja, dos posseiros antigos e recentes que esta- vam sendo expulsos das terras ocupadas. Mas sinagiam muito mms da expansão do capital industrial, provenientes do 'Oentro-Sul e apoiado numa aliaiaça ativa e agressiva do Estado com a empresa privada. No ccmieço da história de Ocnceição do Araguaia, a te:rra era far- ta e disponível; sobrava para quem quisesse,, Depois, quando houve a expansão do monoextrativismo da borracha, os seringalistas, ou patrões, ocuparam as ter ras nas quais havia arvores de lãtex. Ao defender a terra ocupada, defendiam os seringais. Não se dava valor ã terra, mas es arvores de seringa que produ ziam o lãtex. Em seguida, cem a crise da borraciia, cs seringueiros e alguns se_ ringalistas se tomaram sitiantes, ou fazendeiros pobres, dis'tribuícm.-se pelo território ao acaso das disponibilidades das terras, Pcuocs foram os que bus- caram uma escritura, título ou docamento cue ga:aantisse juridicamente a propri^ edade, A terra continuava farta e disponívei, para os rniitos que havia, ou que 3. viessem. Mais adiante, principalraente desde 1966, foi que se instaurou uma lu ta alberta e generalizada pela terra. Os posseiros, antigos ou recentes, que- riam oontinuar a lavrar e viver na terra. Os fazendeiros, todos recentes e anparados pela SUDAM, queriam expulsar os posseiros, antigos ou recentes, para formar pastos, criar gado, construir currais, fazer cercas, plantar plantação. Tknto assim que se agravou de modo crescente o antagonismo dos fazendeiros can os posseiros. Estava em curso um processo de ’’acumulação primitiva", transfer mando a terra em propriedade privada, os produtores diretos em assalariados e as condições sociais de produção em condições de produção de capital. Assim, nos anos 1966-77 estava em franco desenvolvimento a luta pela posse e uso da terra, na qual o posseiro estava sendo vencido pelo fazen- deiro, a fazenda de gado sobrepujava a unidade familiar de produção para o autooonsumo e o campesinato era destruído pela empresa capitalista chegada no campo com ampla proteção econômica e política do Estado. Foi assim que oeme- çou a nascer ali o proletariado rural. Ao venoer o posseiro, a vitoria do fazendeiro transformava o posseiro em proletariado do campo. Começava a modi- ficar-se o quadro dos antagonismos de classes, quando se formavam a burguesia e o proletariado no lugar. Não há boa documentação nem historiografia sobre o Município de Cbnoeição do Araguaia. 0 que hã, para os ance 1920, 1940, 1950, 1960 e 1970, são os dados dos reoenseamentos gerais, realizados pelo governo nacional. Pa- ra 1972, há os dados colhidos pelo INCRA e, ãs vezes, relatos esparsos, reali- zados por viajantes ou cientistas sociais, sobre o mmicípio ou a região na qual ele se encontra. Afora esses dados e relatos - poucos, descontínuos e esparsos - há os oontos de habitantes do lugar, sobre o que terda sido a histo ria social de Conceição e sobre o que parece ser a economia e a sociedade do presente. Apesar das limi-taçces da documentação disponível, fiz o possível pa ra reconstruir a historia social do Município de Conceição do Amgiiaia da for- ma mais completa. No entanto, hã lacunas que não puefe cobrir, oom base nos dados, relatos e contos colhidos nos escritos e nas falas. Mas, apesar das li imitações da documentação, penso ter descrito ou analisado as principais épocas e ocasiões da historia social do lugar, inclusive, por vezes, tomei e retomei dados e análises, para marcar melhor o que era relevante neste ou aquele passQ ou descompasso. Foram muitos os habitantes do lugar que me contaram fatos e 4. sugerirBm explicações, sem os quais não me teria sido possível ccaipreender o que foi no passado e o que é no presente o Município de Conceição do Araguaia. Na cidade e no campo, pessoas das varias classes sociais, muitos foram os que me ajudaram a ver e situar os principais problemas econômicos e políticos da historia social passac3a e presente de Cbnceição do Araguaia. Em boa parte, fo ram essas pessoas - peões, posseiros, sitiantes, colonos, gerentes, fa2endei- ros, profissionais liberais, enpregados, fmcionãrios, políticos e outros - que me revelaram a riqueza e a singularidacüe cbs problemas econctidcos e políti COS que oonfornam a historia de Oonoeição. Para realizar este trabalho, contei con a colaboração de Neide L. Patarra, Marda da Oonoeição Quinteiro, Lucio Flavio Pinto, Norvam cte Mello Moreira, Paulo Botelho de Almeida Prado, Lenir Jose, Berenice de Moraes Lacroix, Pene Gonzalez Lopes, Oriowaldo Queda e Eliana Blumer Podrigues, que me auxiliaram muito na coleta dos cJacios ou discussão de problemas. A toctos a- gradeço aqui pela forma paciente e amiga com que me ajudaram. são Paulo, janeiro cte 1977 A PRIMEIRA MISSA 5. I - A PRIMEIRA MISSA Canceição do Araguaia, oomo povoado e mxjnicípio,nasceu do encontro, comunhão e antagonismo entre cristãos e índios, sob a direção de religiosos dominicanos e a proposito de bens espirituais e materiais. Hou ve a primeira missa, a catequese, a pesca, a caça, a criação e a agricultu ra de subsistência; a extração das drogas do sertão, dentre as quais o la- tex do caucho e a seringa; a mestiçagem, prlncipalmente entre brancos e fm dios, da qual resultou o caboclo; o aviamento, a ocupação de terras dévolu tas, a formação de vizinhaças, e freguezias; a prostituição, o alcoolismo e o impaludismo. A violência permeou tudo, desde o início, seja nas rela- ções dos hanens entre si, principalmente cristãos e índios, seja nas rela- ções dos hcmens com a natureza. Houve ocmunhão, antagonismo e modificação nas relações de uns e outros, pessoas e coisas. Os cristãos eram princi- palmente os caboclos anazcnenses, depois sanados can os cearenses qœ che- gavam. E os índios eram prlncipalnente Karajã, que habitavam as margens do Araguaia, e Kayapõ, que habitavam mato-a-dentro. Todcís sch a direção espiritual dos religiosos daninicanos, os freis e as irmãs. No princípio, ao menos, foi assim. A area na qual em 1897 virla fundar-se Conceição do Ara- guaia jã era palmilhada e navegada por exploradores caboclos e religiosos, alem dos índios que ali habitavam, desde fins do século XVIII. Em 1780, o Capitão Geral Fernando Eelgado levantou um presídio junto dali. Levantou-o na cutra margem do rio Araguaia, um pouco acima da futura Conceição. Os habitantes desse lugar forem trucidados em 1813, pelos Karajã. Em 1844- 45, o explorador francês Francis de Castelnau teria pousado no pcnto exato em que o arraial de Gcnoeição iria levantan-se quase ao fim do século XIX. Em 1854, o missionário italiano Frei Francisco de Mcnte-Santo-Vito, da Gcm panhia de Jesus do Brasil, e diretor da Catequese dos índios do Tocantins, tanibem teria pousado no mesmo lugar acnde mais tarde nasoeria Conceição! 1). (1) José M. Audrin, "Entre Sertanejos e índios do Norte: o Bispo-Missionã rio Efcm Daningos Carrerot',' Edições iPugil Limitada - Livraria Ãgir Editora, Rio de Janeiro, Ihhö, pSgincx oo. 6. lofais tarde, nos anos 1896-97, o e^çjlorador profissional francês Henri ''Boudreau, a serviço do governo do Estado do Para, tanibêm percorreu a area. 0 govemo do Pará decidira ejÇ)lorar os principais rios e ccnhecer as riquesas dos territórios dos Karaja e Kayap6(2). A essa epo ca, jâ se encontrava em frenoo desenvolvimento o ciclo da borracha amazo- nic". que estava mobilizando todas as forças produtivas prá-existentes e arregimentando novas, de outras regiões do país, bem emo de outras nações. As ejçiloraçces de Ccudreau naquela área faziam parte desse movimento ge- ral fundado no surto da extração da borracha amazonense. A área na qual se fundou Conceição do Araguaia, pois, não era nem um território de simples vegetação, animais e rios, nem uma natu- reza povoada apenas por índios. Já havia sido palmilhada e navegada por cristãos de diferentes matizes: coletores de drogas do sertão, caçadores, pescadores, criadores de gado, roceiros, caboclos, viajantes,exploradores, em ocmercio cem a natureza e cm os índios. É verdade que em pequeníssima proporção, tendo-se em vista os recursos e a extensão dos territórios, ^fas a área não era mais uma natureza inocente, quando o frei Gil Vilanova alí rezou a primeira missa. Já em princípios de 1897, o explorador francês Henri Cbudreau passara no lugar onde brevemente se plantaria Conceição do Araguaia. Escreveu que viajava com "hemens que em sua maioria conheciam a rota”(3). Tanto assim que ele vai cruzando cem cristãos e índios, ã medi- da que percorre o território. Anteriormente, a procura das drogas do ser- tão (eravo, baunilha, salsaparrilha, cacau, castanhas, madeiras, animais, peles, óleos etc.)já havia largado ãs margens dos rios, igarapés e lagoas, ou nos campee, oerradoe e matas, várias matizes de cristãos. E a coleta do latex, principalmente da hevea brasiliensis ou seringueira, e da casti- loa elástica cu caucho, nas últimas décadas do século XIX, havia acentuado o movimento daqueles mesmos habitantes do lugar, ou os muitos outros que passaram a chegar. 'A medida que se instalaram ou estendiam as atividades extratLvas, agrícolas e pecuárias, para fins de subsistência e ccroérrio. (2) P. Estevão Maria Gallais, 0 /^óstolo do Araguaia (Frei Gil Vilanova) Adaptação portuguesa por Frei Pedro Seoondy e Soares de Azevedo,' Prelã zia de Cenoeição do Araguaia, 1942, pp. 185-6. Consultar também, Josê M. Audrin, op.cit, p. 79. (3) Henri Coudreau, Voyage au Tocantins - Araguaia: 31 décenbre 1896 - 23 mai 1897 , A. Lahure, Imprimeur-Edxteur, Paris, 1897, p. 131. 7. forant-se œristruindo ranchos, taperas, casas e igrejas, ou tapiris, feitorias, barracões, depositos, centros e margens. Assim formaram-se habitações isola- das e dispersas, ou aglutinadas em pequenos povoados, sítios ou freguezias. Nessa área, pois, já havia alguns roceiros, criadores, pescacfores, castanhei- ros, mangabeiros, seringueiros e caucheiros dispersos principalmente as mar- gens do Araguaia. Eles se aglutinavam, em sua maioria, em tomo dos aglonera dos denominados então Pau D’Aroo, Chambioá, Santa Maria e Sant’Anna da Barrei- ra, distribuidos ao longo das léguas do território no qual estava para fmdar- -se Conceição do Araguaia. Foi cerca de 1859 que o padre Francisco estabeleceu a Nova Mis- são de Santa Maria, no lugar oncte houvera antes o Presídio de Santa fferia. Esse aglomerado situava-se no lado goiano do rio Aragmia (4). Em 1897, havia na vila de Santa Maria Nova "uma população de 64 civilizados, homens, mulhe- res e crianças". A igreja, servia tanto aos "civilizados" como aos ".'ncir.os converiddos" (5). Eentre os índios convertidos encontravam-se Kagapo e Karajá. Pas havia os "índios bravos", principalmente Kayapó, que habitavam mato-a-dentro. Sant’Anna da Barreira, a outra vila visitada por Coudraau, fica- va um pouco mais ao sul do lugar onde iria funda20-se Conceição. Era "o ultimo aglcmerado paraense, sobre o alto Araguaia" (6). Conforme escreveu o explora- dor francês então: "Esta população de Barreira compee-se atualmente de 111 fa- mílias, compreendendo um total cte 499 pessoas, das quais 179 crianças, a maio- ria em idade de frequentar escola. A grande maioria dessas famílias pertence a raça branca pura. Esta população laboriosa, honesta, pacífica parece viver em profunda paz" (7). E acrescentou: "Os habitantes de Barreira são principal mente criadores. 0 núnero total de. animais da especie bovina que eles pos- suem atualmente ultrapassa 2 500 cabeças" (8). Esse gado estava distrlbuido nas pastagens naturais dos vários fazendeiros que compunham a camada dos "nota veis" do lugar. Todas as fazendas achavam-se próximos da vila, distantes cer- (4) Henri Coudreau, op. cit, pp. 136-138. (5) Henri Coudreau, op. cit, p. 137. (6) Henri Coudreau, op. cit, p. 143. (7) Henri Coudreau, op. Cit, p. 144. (8) Henri Couctreau, op. cit, p. 140

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