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A flexão verbal do português (estudo de morfologia histórica) PDF

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Joseph-Marie Piel In “Estudos de Linguística Histórica Galego-Portuguesa” BN: L.41496V. A FLEXÃO VERBAL DO PORTUGUÊS (ESTUDO DE MORFOLOGIA HISTÓRICA) (1944) [Os factos e fenómenos morfológicos, que constituem o objecto do presente estudo, já foram examinados e interpretados mais de uma vez (veja-se a bibliografia). O que pretendemos nesta teoria de conjunto é classificá-los de modo mais rigoroso do que se tem feito, e submeter a um exame crítico as explicações que a seu respeito têm sido propostas. A disposição da matéria, que poderá parecer demasiado rígida, obedece a um intuito pedagógico, e teríamos satisfação em saber que fizemos trabalho útil para os estudantes de filologia portuguesa. Contrariamente ao uso até hoje seguido pelas gramáticas históricas do português (J. CORNU, J. J. NUNES, A. RIBEIRO DE VASCONCELOS, J. HUBER, E. B. WILLIAMS), julgámos conveniente analisar os vários fenómenos dentro do seu quadro hispânico, focando, na medida do possível, as evoluções paralelas em espanhol e galego, sem contudo aspirarmos a escrever um tratado de morfologia comparativa propriamente dita.]. A. OBSERVAÇÕES PRELIMINARES 1. Contrariamente ao que sucede com o nome, o verbo românico herdou do latim um sistema variado de flexão. Contudo a conjugação portuguesa, como a românica em geral, não oferece a mesma riqueza de formas que a latina. Houve uma simplificação, que varia segundo os idiomas, e que em português e espanhol não atinge o grau a que chegou, p. ex., no francês. As perdas que se verificam em tempos e modos devem-se, em primeiro lugar, às alterações que estes sofreram nas suas funções. Formas arcaicas, raras e equívocas foram eliminadas para serem substituídas por novas, mais claras e expressivas, o que explica o extraordinário desenvolvimento de formações perifrásticas. Assim, a ausência de formas românicas correspondentes a AMABO e AMOR, explica-se pela circunstância de a língua popular latina ter recorrido a outros meios para exprimir, de maneira mais imediata e viva, as ideias que aquelas formas encerravam. É diferente deste caso o da redução do número absoluto de formas pessoais nos idiomas modernos. Se hoje o português perdeu a distinção formal entre DIXĪ e DIXĬT, empregando-se nos dois casos disse, tal fenómeno resulta unicamente da evolução fonética, que fez emudecer o t final e coincidir Ĭ com I. Por outro lado, é natural que o homomorfismo, quer dizer a coincidência formal de morfemas originariamente distintos, tenha contribuído para a decadência de determinados tempos e modos. Assim, admite-se geralmente que foi a fusão fonética do perfeito do conjuntivo com o futuro do perfeito (em todas as pessoas, menos na 1.ª do sing.), que determinou a perda, senão de ambas, pelo menos da primeira destas modalidades verbais. Que o homomorfismo por si só não chega para explicar a eliminação de um elemento verbal, prova-o eloquentemente uma forma como o port. cantar que, mesmo na língua falada, se usa hoje com triplo valor: o de infinito, de infinito pessoal e de futuro do conjuntivo. Se examinarmos a sua origem nas duas últimas acepções, reconheceremos o outro factor importante da evolução morfológica, a que aludimos: a atribuição de novas funções a determinados tempos e mo- dos. Com efeito, cantar, na acepção de futuro do conjuntivo, ascende ao futuro do conjuntivo latino, CANTAVERO (Cf. o ant. esp. cantaro), ao passo que na função de infinito pessoal assenta no imperfeito do conjuntivo, CANTAREM. 1 2. O verbo latino, que estava longe de possuir toda a riqueza do verbo indo-europeu, visto que lhe faltavam a voz média, o modo optativo e o número dual, sofreu na última fase da sua história mais amputações, perdendo a voz passiva (excepto o particípio, AMATUS), os depoentes, o imperativo (aliás, raro) em -to, o gerundivo1, o futuro do indicativo AMABO (substituído pela perífrase AMARE HABEO), o imperfeito do conjuntivo AMAREM (cujo lugar foi preenchido pelo mais-que-perfeito do conjuntivo, amasse), o perfeito do conjuntivo AMAVERIM (que cedeu o passo a tenha amado), o infinitivo passado AMAVISSE, o particípio do futuro AMATURUS, e finalmente os supinos AMATUM e AMATU, absorvidos pelo particípio do passado, homófono. Em contrapartida, as línguas continuadoras do latim equilibraram a perda desses tipos tradicionais que, ao que parece, exprimiam noções demasiado subtis para estarem ao alcance de todos e para se não prestarem a confusões, recorrendo a criações novas, de carácter perifrástico, por via de regra, e daí mais inequívocas e expressivas que as formas antigas. Estas inovações são: o novo futuro amar-ei, que gramaticalmente se sintetizou; o condicional amar-ia, de formação análoga, e os tempos compostos tenho, ant. tive, tivesse, terei e teria amado, onde pode também servir de auxiliar o verbo haver. As principais inovações, que se operaram no sistema verbal latino em relação com o português, vêm resumidas no quadro que se segue, sendo as formas latinas dispostas em duas séries que correspondem às duas conhecidas significações fundamentais indo-europeias de «infectum» (acção não acabada) e de «perfectum» (acção acabada). Os colchetes [ ] indicam as formas que se perderam, os sinais < > aquelas que assumiram nova função, o itálico as formas portuguesas que sucederam ou se substituíram a estas duas categorias. Deve, porém, frisar-se que a distinção primitiva entre «infectum» e «perfectum», já bastante abalada no próprio latim clássico, perdeu no românico quase completamente o seu valor, tendo a noção racional de tempo prevalecido sobre a mais concreta de aspecto. Assim, o perfeito deixou de designar uma acção acabada, para se tornar pretérito, quer dizer: exprimir simplesmente uma acção passada. infectum perfectum presente AMO AMAVI indic. imperfeito AMABAM AMAVERAM futuro [AMABO] <AMA(VE)RO> amarei terei amado presente-fut. AMEM [AMAVERIM] conj. tenha amado imperfeito <AMAREM> ← <AMAVISSEM> amasse tivesse amado 3. As causas que determinaram a decadência da passiva hão-de buscar-se na extrema complexidade desta voz, que devia constituir um sério obstáculo a que fosse adoptada pelas populações romanizadas, tanto mais que numerosas formas passivas eram pouco usadas. Partindo do particípio passado, AMATUS, que se generalizou como particípio presente passivo (valor que já possuía em algumas construções tradicionais latinas), substituiu-se AMOR pela perífrase SUM AMATUS, o que deu origem a um tipo inteiramente novo de conjugação: ERAM AMATUS por AMABAR, SIM AMATUS por AMER, ESSEM AMATUS por AMARER. Entram igualmente neste sistema os novos futuros e condicionais compostos com HABERE: serei amado, seria amado, etc. No pretérito, SUM é substituído por FUI. Quanto aos depoentes, que também nenhum vestígio deixaram nas línguas românicas, a tendência para os substituir por verbos activos vem de longe, encontrando-se já em Terêncio, por exemplo, HORTO por HORTOR. 2 4. Aos quatro tipos da conjugação latina correspondem, em português, apenas três, caracterizados pelas vogais temáticas a, e, i. Ta1 redução deve-se à absorção, em tempos proto-históricos, dos verbos da 3.ª conjugação (em -ĔRE) pelos da 2.ª (em -ĒRE), tendência que já se nota na «Peregrinatio» (2.ª metade do séc. IV), onde numerosos verbos daquela conjugação se flexionam segundo o modelo desta. Na Sicília e na Sardenha, produziu-se o fenómeno inverso, ou seja, o triunfo da 3.ª classe sobre a 2.ª, ao passo que no italiano, francês e provençal-catalão subsiste a distinção entre estas duas categorias, cf. fr. perdre, it. pérdere a par de devoir, dovére. Abstraindo da fusão dos verbos com tema em e, deu-se uma série de permutas entre as diferentes conjugações, umas que remontam ainda ao latim, sendo por este motivo inter-românicas, outras que se produziram independentemente umas das outras, no decorrer da evolução de cada idioma. 5. Os verbos em -ar constituem a categoria mais rica e fecunda da conjugação portuguesa (e românica, em geral), sendo na sua maioria fiéis continuadores de verbos latinos da 1.ª conjugação. Chamaram a si alguns verbos pertencentes a outras classes, como minguar (MINUĔRE), torrar (TORRĔRE), fiar (FIDĔRE), molhar (MOLLĪRE). De um modo geral, é nesta conjugação que ingressam os verbos que a língua criou e continua a criar independentemente do latim. Ao grande número de verbos derivados por meio de sufixos, como -ICARE (folgar), -NTARE (espantar, rebentar), -IDIARE (bocejar) vieram juntar-se os latinismos em –izar (concretizar) e -itar (dormitar). Também os verbos germânicos em -AN e -ON são tratados como verbos em –ar: WARDAN > guardar; RAUBON > roubar, ao passo que os terminados em -ián foram atraídos pelos verbos em -ir. 6. A conjugação em -er abrange, segundo já notámos, os verbos da 2.ª e 3.ª conjugação latina. Lembremos que o latim conhecia formas divergentes como OL RE, STRID RE, FERV RE, etc. Podem considerar-se como restos da 3.ª conjugação os infinitos far, dir e trar, formas particulares que entram na formação do futuro e condicional. Em face do ant. esp. femos, feches, que indubitavelmente reflectem FÁCIMUS, FÁCITIS2, e do ant. port. tréyde, tréydes, que procedem de TRÁHITE, TRÁHITIS (cf. D. Carolina Michaëlis, RL III, 188), não há motivo para se não admitir esta explicação3. Com rigor far poderia explicar-se como sendo formado analogicamente a dar (Grandgent), interpretação que todavia não é aplicável a dir. A conjugação em -er não atrai verbos das outras classes, tendo pelo contrário perdido muito do seu primitivo património, que transitaram para os verbos em -ir, principalmente quando formavam a 1.ª do pres. em -IO ou -EO, como sucede com fugir, parir, possuir e rir, luzir, ant. gouvir, que em latim tinham um infinito em -ĔRE e –ĒRE, respectivamente. Tais perdas foram em parte compensadas pelo grande incremento que tomaram os verbos incoativos em -ESCERE/ -ecer, que com frequência se substituíram a verbos em -ir, ou se criaram a par deles, cf. falecer/falir, escarnecer/escarnir, guarecer/guarir. 7. A conjugação em -ir é, depois daquela em -ar, a mais fecunda. Ampliou consideravelmente o seu âmbito primitivo, atraindo uma série de verbos latinos com tema em e, como PETĔRE /pedir, CONSPUĔRE /cuspir, MULGĔRE/mungir4, sem contar os verbos em -IO e -EO a que fizemos referência no parágrafo anterior. Compreende-se que a identidade da terminação em FUGIO e DORMIO pudesse levar à constituição de um novo infinito * FUGĪRE, em harmonia com DORMIRE. Deve, porém, frisar-se que nem todos os verbos em -IO e -EO desertaram a sua classe primordial, segundo se vê por saber, fazer, encher, etc., que, apesar de SAPIO, FACIO, IMPLEO, não apresentam hoje infinitos em –ir. Nalguns verbos a substituição de -er por -ir produziu-se, aliás, só posteriormente à Idade Média, época em que ainda se dizia finger, cinger, caer, munger, correger, aduzer, esparger. etc. Neste pormenor o espanhol foi ainda mais longe que o português, dizendo decir, concebir, arrepentir, verbos que nesse idioma continuam a fazer parte da 2ª con- jugação. É verdade que, ao invés, o espanhol conservou caer. Já referimos no § 5.º que os poucos verbos germânicos em -ián que passaram para as línguas românicas se encorporaram nos verbos em -ir: WARNJAN > guarnir, SKIRNJAN > escarnir, WARJAN > ant. guarir. Cabe, enfim, dizer que os verbos latinos em -ĔRE recentemente tomados ao latim, fazem igualmente o infinito em -ir: imbuir IMBĔERE, discernir < DISCERNĔRE. 3 8. A evolução das flexões obedece a uma tendência geral para uniformizar e simplificar a conjugação, para reduzi-la a um esquema homogéneo, eliminando-se formas anómalas e procurando-se fazer corresponder uma determinada função a uma forma de flexão idêntica. Esta intervenção da língua torna-se particularmente necessária devido à acção desorganizadora da evolução fonética que, ora associando morfemas originariamente distintos (cf. DEDĪ e DEDĬT > dei, confusão que levou à criação de deu), ora dissociando morfemas semelhantes (cf. DIXĬT > disse, mas MANSĬT> ant. más), vai destruindo o equilíbrio das formas. Deste modo a conjugação parece-se com um edifício que, devido à sua antiguidade, é ameaçado de ruína, e que exige um trabalho de restauro contínuo. Formas aberrantes só têm probabilidade de viver quando pertencem a verbos de uso frequente, que se mantêm sempre presentes ao espírito, sendo nos outros casos a pouco e pouco adaptadas a tipos que maior papel desempenham na língua. A acção da analogia (aquela força reguladora e compensadora, que é um factor decisivo das transformações morfológicas) não se faz apenas sentir de morfema para morfema, mas também de verbo para verbo. Sirvam de exemplo, para o primeiro caso, formas incorrectas como tu cantastes, tu fizestes, que se ouvem mesmo em pessoas cultas e que se explicam pelo facto de a 2.ª sing. de todos os outros tempos terminar em s; para o segundo, o pretérito estive, que não deriva do ant. *estide (cf. 3.ª estede) < STETĪ, mas deve a sua desinência a tive <TENUI. 9. Sendo o infinitivo a forma que exprime a noção do verbo no seu maior âmbito, não admira que tenda a tornar-se formalmente a base da flexão. Assim, a língua sentiu a conveniência de restabelecer a antiga solidariedade existente entre o infinito e o futuro, destruída nas formas arcaicas contractas querrei, terrei, porrei, normalizando-as para quererei, terei, porei. Dá-se, todavia, também o caso de ser o infinito a acomodar-se a outra forma do verbo. Erguer, p. ex., que anti- gamente se pronunciava erger, deve o seu gu à 1.ª ind. pres. ergo e conj. erga. Por vezes, a língua reage contra acidentes fonéticos com a amputação total de um verbo. Afigura-se-nos que foi a conjugação extremamente complexa do antigo verbo mãer < MANĒRE: pres. manho, *mães, man, pret. masi, maseste, mas, fut. marrei, etc, que, se não determinou, pelo menos apressou a sua eliminação e substituição por ficar. A evolução fonética pode também fazer coincidir a conjugação de dois verbos em todas as suas formas. É o que aconteceu com aque(e)cer < AD-CAĒSCERE, «acontecer», e aque(e)cer < AD-CADĒSCERE, homofonia que significou a sentença de morte para o primeiro. 10. Atendendo à decisiva influência exercida sobre as vogais pelo acento tónico, é evidente que entre as formas acentuadas no radical («fortes») e aquelas acentuadas na desinência («fracas») hão-de surgir divergências fonéticas maiores ou menores. O acento incide sobre o radical nas 1.ª e 3.ª sing. e 3.ª plur. dos pretéritos «fortes». Contrariamente ao latim, a 1.ª pessoa plur. destes pretéritos acentua-se na desinência, cf. DÍXĬMUS / dissemos, deslocação do acento que não se observa no francês, onde se diz dîmes. Embora seja estranha ao português a ditongação espontânea das vogais tónicas abertas, que caracteriza o espanhol e que se reflecte nas alternâncias ie/e ,ue/o: quiero/queremos, ruego/rogamos, a conjugação daquele idioma não é menos variada que a deste, devido a alternâncias de outra natureza (cf. § 19). Destas considerações preliminares infere-se que são três os aspectos que, numa exposição histórica da flexão verbal portuguesa, devem fixar a nossa atenção: 1.º as desinências; 2.º o radical; 3.º o lugar e efeito do acento. 4 B. FORMAS E EVOLUÇÃO DAS FLEXÕES CAPÍTULO I: Presente 1. As desinências 11. Indicativo I (= lat. I) II (= lat. II e III) III (= lat. IV) -O cant-o (-EO, -IO) -O dev-o -IO durm-o -AS cant-as -ES, -ĬS dev-es -IS dorm-es -AT cant-a -ET, -ĬT dev-e -IT dorm-e -AMUS cant-amos -EMUS dev-emos -ĪMUS dorm-imos -ATIS cant-ais -ETIS dev-eis -ĪTIS dorm-is ant. -ades ant. -edes ant. -ides gal. -ades, -ás gal. -edes, -és gal. -ides, ís -ANT cant-am -ENT dev-em -IUNT dorm-em A primeira classe conservou-se fiel à conjugação latina respectiva. Na segunda, a fusão dos verbos em ĒRE com os em -ĔRE reflecte-se no plural, onde -EMUS, -ETIS, -ENT absorveram -ĬMUS, -ĬTIS, -UNT. Na terceira, nota-se apenas a troca, na 3.ª plur., de -IUNT por -ENT sob a influência da segunda conjugação, fenómeno inverso àquele que observamos na maioria dos idiomas românicos, que generalizaram -UNT à custa de -ENT, cf. o it. vendono e o prov. vendon. O emudecimento do d em -ades, -edes, -ides, que originou as desinências actuais -ais, -eis, -is (< iis), produziu-se nos princípios do séc. xv, o mais tardar5. A língua manteve até hoje aquela consoante nos casos em que a vogal temática se podia confundir com a da desinência, tornando o plural idêntico ao singular: credes, ledes, vedes, rides, ides (e também vades, ameaçado de se confundir com vais), ou quando o d era precedido de uma vogal, ou, melhor, de um ditongo nasal: tendes< teẽdes, vindes < viĩdes, pondes < poẽdes, formas em que o timbre nasal se concretizou modernamente num n6. O galego conservou as desinências antigas -ades, -edes, -ides, desenvolvendo ao mesmo tempo um novo tipo, contraído, em -ás, -és, -ís. As desinências -aides, -eides, que ocorrem em falares de Entre-Douro-e-Minho (Leite de Vasconcelos, Esquisse, 135) representam certamente uma fusão de -ades, -edes com -ais, -eis. A terminação -endes que aparece no Minho e, esporadicamente, noutras regiões, acusa a intervenção de tendes. 12. É de notar que na 1.ª pessoa do sing. a maioria dos verbos da 2.ª e 3.ª conjugação caracterizados por -EO e -IO substituíram estas desinências por -O, certamente sob a influência dos numerosos verbos da 3.ª terminados em -O. Contudo, alguns verbos de uso frequente conservaram-se fiéis à flexão clássica, como p. ex. valho, ant. arço, manho, assim como faço, caibo, que reflectem as formas latinas VALEO, ARDEO, MANEO, FACIO e CAPIO. Na 3.ª pessoa sing., os verbos que perdiam normalmente o e final, devido à circunstância de o radical terminar em r, l ou n — cf. ant. quer, fer, dol, sol, fal (de falir), sal — restauraram aquela vogal em analogia com os restantes verbos; daí quere, fere, dói (< doe), sai. Este e não foi, porém, restabelecido a seguir a c (ç): faz, diz, 1uz, traz, aduz. 13. No conjuntivo, o esquema primitivo da flexão quase não sofreu alteração: I II III -EM cant-e -AM deve-a -IAM durm-a 5 -ES cant-es -AS dev-as -IAS durm-as -ET cant-e -AT dev-a -IAT durm-a -EMUS cant-emos -AMUS dev-amos -IAMUS durm-amos -ETIS cant-eis -ATIS dev-ais -IATIS durm-ais ant. e gal. -edes ant.e gal. -ades ant.e gal. –ades -ENT cant-em -ANT dev-am -IANT durm-am A única modificação de relevo que se pode apontar é a absorção, na 2.ª classe, de -EAM, -EAS, etc., e -IAM, -IAS, etc., por -AM, -AS, etc., fenómeno que corresponde à redução de -EO e -IO a -O, que registamos no § anterior. Os poucos verbos que, na 1.ª sing. ind., se subtraíram a este trabalho de normalização, mostram esta particularidade também em todas as formas do conjuntivo: valha, ant. arça, manha, a par de faça, caiba, saiba, cuja estrutura fonológica exige um conjuntivo em -EAM ou -IAM, respectivamente. Acrescentemos ainda que na linguagem popular se observa a tendência de, na II e III classe, se normalizar a acentuação, dizendo-se dévamos, dévades e dúrmamos, dúrmades, por analogia com as formas do sing. e da 3.ª pessoa do plural. 14. As duas pessoas do imperativo latino que sobreviveram em português (2.ª sing. e plur.) oferecem evolução normal: I II III -A cant-a -E dev-e -Ī part-e -ATE cant-ai -ETE dev-ei -ĪTE part-i ant. e gal. ant. e gal. ant. e gal. -ade -ede -ide As antigas desinências -ade, -ede, -ide conservaram-se até hoje em falares da Galiza e de Leão, regiões que, porém, não ignoram as reduzidas -ai, -ei, i, usadas igualmente em certas regiões de Castela. O d do plural mantém-se hoje em português nas mesmas circunstâncias e nos mesmos verbos em que é mantido na 2.ª pessoa plur. do indicativo: crede, lede, vede, ride, ide, tende e vinde (cf. § 12). Os antigos imperativos dí, fa e adú, resultantes da evolução regular de DĪC, FAC e ADDŪC, cederam o passo às formas normalizadas diz(e), faz(e), aduz(e) 15. Enquanto que o espanhol dispõe, no gerúndio, (que, como se sabe, assumiu o papel de particípio activo) apenas de duas terminações, -ando (I) e -iendo (II e III: temiendo, dormiendo)7, o português distingue três tipos correspondentes às três classes de conjugação8: -ANDUM -ENDUM -IENDUM cant-ando dev-endo dorm-indo É evidente que -indo não procede directamente de -IENDUM, mas foi criado em harmonia com -ando, -endo. Observa-se esporadicamente a curiosa tendência de flexionar o gerúndio à imitação do infinito pessoal: em tu comendos (Nunes, Dial. algarvios, RL, VII, 51); saindo-mos de casa (Soares de Azevedo, Linguagem pop. de Ervedosa do Douro, RL, XXVII, 59). Antigamente, o gerúndio podia ser precedido da preposição sem (p. ex. sem fazendo), como sucede ainda hoje com em. 16. Tendo o gerúndio a pouco e pouco assumido, em português, as funções verbais do particípio não admira a ausência desta última categoria no quadro moderno da conjugação portuguesa. A decadência do particípio presente parece ter-se produzido nos meados ou fins do século XIV. Sendo, efectivamente, empregue na mais antiga versão conhecida da Regra de São Bento9 (atribuída aos princípios do referido século)1O com frequência e com nítido valor verbal, falta por completo nas 6 duas redacções subsequentes, dos princípios e meados do séc. XV. Onde a mais antiga diz estante, dizente, dorminte, estas empregam invariavelmente estando, dizendo dormindo11, a não ser que recorram a uma oração relativa com que. É natural que a língua não eliminasse simultaneamente todos os particípios em -ante, -ente, -inte (que reflectem o acusativo do particípio em -ANS, -ENS, -IENS), e ainda no séc. XVI Garcia da Orta podia escrever estante em Goa. Constituem reminiscências do particípio as formas invariáveis, equivalentes a preposições, salvante, tirante, passante, e as locuções temente a Deus, a mão tente, bem falante, etc. Cf. J. Moreira, Estudos I, 93. Abstraindo destes casos, os particípios tornaram-se adjectivos: semelhante, doente, ou substantivos: figurante, tenente (= lugar tenente), pedinte, cf. Leite de Vasconcelos, Lições, 2.ª ed., p. 188. 2. O radical a) Vogal radical 17. No presente do indicativo, onde quatro formas fortes, CANTO, CANTAS, CANTAT, CANTANT, rivalizam com duas fracas, CANTAMUS, CANTATIS, o timbre da vogal radical obedece à distinção fundamental entre vogais tónicas e átonas, sem que a ortografia dê conta da diferença. Esta, que acusticamente pouco se nota em fa÷lo — falamos, é muito nítida em de÷ves — d´vemos e do÷rmes — durmimos. 18. Em numerosos verbos, também o vocalismo das formas fortes não é homogéneo. A grande riqueza de alternâncias (variações, apofonia) vocálicas que a língua portuguesa oferece, deve-se essencialmente a três factores fonológicos, caracterizados pelas expressões de inflexão, metafonia e atracção. Entenda-se pela primeira uma adaptação (aproximação gradual) da vogal radical à vogal final (esse - e÷ssa)12; pela segunda, uma alteração do timbre daquela vogal sob a acção da semivogal i (VINDEMIA > vindima); pela terceira, a passagem desta semivogal para a sílaba tónica (FĒRIA >feira). Inflexão e metafonia, que muitas vezes andam intimamente associadas, têm um carácter assimilatório; a atracção obedece a um princípio dinâmico. 19. Os tipos de alternância que ocorrem dentro das formas fortes são representados pelas oito séries seguintes: inflexão 1. ẹ – e÷ tẹço, te÷ces, te÷ce; tẹça: TĔXO 2. ọ – o÷ cọzo, co÷zes, co÷ze; cọza: CŎQUEO metafonia+ 3. i – e÷ sirvo, se÷rves, se÷rve; sirva: SĔRVIO inflexão 4. u – o÷ durmo, do÷rmes, do÷rme; durma: DŎRMIO 5. ai – a caibo, cabes, cabe; caiba: CAPIO atracção 6. oi – o÷ [coimo], co÷mes, co÷me; [coima] CŎMEDO 7. ei – e÷ [feiro], fe÷res, fe÷re; [feira] FĔRIO vogal de 8. ei – ẹ creio, crês, crê; creia: CRĒDO transição 20. Pertencem ao primeiro tipo, ẹ/e÷, além de tẹço, os verbos rẹjo, vẹrto, fẹrvo e dẹvo, bẹbo, do lat. RĔGO, VĔRTO, FĔRVEO e DĒBEO, BĬBO. A estrutura fonética destas formas latinas é demasiado diferente para dela se poder derivar o fenómeno da inflexão portuguesa. Temos, com efeito, três verbos com e÷ tónico, e dois com ẹ tónico13, havendo em ambos os grupos uma forma com semivogal. Como esta semivogal deixou de se articular na maioria dos verbos em -ERE (cf. § 12), não é lícito atribuir-lhe a inflexão. Por outras palavras, é inadmissível supor que o e÷, se fechou 7 primeiro em fẹrvo, propagando-se o novo timbre a rejo e verto. Esta hipótese não responderia também à pergunta referente à razão por que o ẹ primitivo de dẹvo e bẹbo se abriu em de÷ves e be÷bes. Não há dúvida de que estamos em presença de um princípio fonológico interno do português, dependendo a qualidade fechada da vogal tónica do o, e a aberta do e da desinência. 20a. Encontram-se em caso idêntico os verbos que se conjugam segundo o modelo do segundo tipo, ọ/o÷, ou seja mọvo, mọrdo, tọrço, cọmo e sọrvo, do lat. MŎVEO, MŎRDEO, TŎRQUEO, CŎMEDO e SŎRBEO. Em todos estes verbos, o fechado alterna com o aberto, segundo o mesmo princípio que ẹe e÷ nos verbos apontados acima. É possível que no português arcaico se pronunciasse ainda ve÷rto e co÷zo, como sugere Williams, § 176, que faz referência a outras tentativas de explicar o fenómeno que aqui nos ocupa. 20b. Falta só referirmo-nos ao conjuntivo, que em todas as pessoas apresenta e ou o fechados, quando é certo que, nas outras categorias de palavras, o a final condiciona, de um modo geral, uma vogal tónica aberta, cf. vitẹ1o – vite÷1a, formọso – formo÷sa. Responderemos a tal dúvida com dizer que, neste caso, a solidariedade morfológica existente entre a 1.ª pessoa do indicativo e as formas do conjuntivo se revelou mais forte que os factores fonéticos. 21. As alternâncias do terceiro e quarto tipo têm um carácter um pouco diferente do analisado no parágrafo antecedente. Aqui, o grau de oclusão da vogal tónica é maior, transitando e÷ para i, e, paralelamente, o÷ para u. Os verbos que mostram esta particularidade procedem todos de verbos em -IRE: a) minto, mentes, minta: MĔNTIO; sirvo, se÷rves, sirva: SĔRVIO; firo, fe÷res, fira: FĔRIO; sigo, se÷gues, siga: *SĔQUIO; sinto sentes, sinta: SĔNTIO; visto, ve÷stes, vista: VĔSTIO; b) durmo, do÷rmes, durma: DŎRMIO; cubro, co÷bres, cubra: COOPERIO; acudo, aco÷des, acuda: [AD]CŬTIO; tusso, to÷sses, tussa: TŬSSIO; fujo, fo÷ges, fuja: FŬGIO. No nosso parecer, e deixando de parte outras tentativas de explicação, o i de sirvo e o u de durmo resultam da acção combinada da metafonia e da inflexão. Analogamente a SUPĔRBIA que, através do ant. sobervha (= sobérvia), passou a sobẹrba, SĔRVIO evolucionou para ant. servho, donde sẹrvo, resultando a forma moderna sirvo da inflexão do ẹ sob a acção do o final. Basta ter-se pre- sente a palavra siso < ant. seso (Graal, CV, etc.) < SENSU, para se reconhecer a exequibilidade desta interpretação. A série DO9RMIO, dormho, dọrmo, durmo ilustraria a evolução paralela dos verbos com o÷. As grafias servo e dormo ocorrem, com efeito, em textos antigos, a par de servho e dormho, encontrando-se a forma moderna sirvo já no Cancioneiro da Ajuda. Nos verbos acudir, tossir e fugir, cujos étimos latinos tinham ọ (<Ŭ, Ō), a 2.ª e 3.ª pessoas subordinaram-se ao esquema u – o÷, dizendo-se aco÷des, to÷sses, fo÷ges, quando historicamente se esperaria, *acọdes, *tọsses, *fọges. Reconhecemos aqui o mesmo princípio que levou a dẹvo/de÷ves, cf. § 2O. Não se pode passar em silêncio o facto de algumas das formas apontadas serem produto de um trabalho de normalização. De MĔNTIO, SĔNTIO, o português arcaico tirava regularmente menço, senço, com transformação normal de TI > ç, cf. *CREDĔNTIA > crença. Como, porém, tal alteração vinha isolar a 1.ª pessoa do ind. das restantes pessoas, reintegrou-se o t, conjugando-se aqueles verbos segundo o modelo de sirvo14. Esta adaptação, a avaliar por sento (Graal), deve ser bastante antiga. As mesmas razões levaram à substituição do ant. feiro < FĔRIO por firo. É antiga a tendência popular de generalizar o i ou u da 1.ª pessoa. 22. Acontece que o princípio da inflexão vocálica se aplica a verbos com Ī, Ū, onde historicamente não se justifica. É o caso de frijo fre÷ges e sumo, so÷mes, correspondentes a FRĪGO, FRĪGIS e SŪMO, SŪMIS, em que o i, u são primitivos, e o e÷, o÷ analógicos. Apresentam a alternância i/e÷, u/o÷, também os verbos eruditos, de introdução mais ou menos moderna, como competir, repetir, compelir, repelir, aderir, reflectir, discernir, deferir, convergir, etc. Há, porém, outros que fogem a esta norma, generalizando o i ou, respectivamente, o u da 1.ª pessoa, p. ex. dirijo – diriges, divides, prevines, progrides, transgrides e pulo – pules (de polir), 8 surtes (de surtir), entupes (de entupir), curtes (de curtir). Cremos que tais «excepções» se devem principalmente à preocupação de evitar formas que evoquem outros verbos, de manter, p. ex., distintas as formas de pulir das de pular, as de surtir das de sortir, e as de cortir das de cortar. É também de ponderar que uma 2.ª pessoa que soasse *divedes poderia facilmente dar a impressão de pertencer a um composto de vedar e que uma conjugação previno, *prevenes levaria fatalmente a *prevens, e com isto à perda do carácter culto do verbo prevenir. O povo, nalguns casos, procura integrar verbos daquela categoria no esquema que lhe é familiar, dizendo p. ex. entupo, entopes; curto, cortes. 23. A par dos casos em que a semivogal i modifica o timbre da vogal tónica, existem outros em que ela é atraída, formando ditongo com esta. Sobre o fenómeno da atracção veja-se o § 18. Assim alternam: 1.º ai com a: caibo, cabes, caiba, < CAPIO; [beir. saibo], sabes, saiba, < SAPIO; 2.º [moiro], mo÷rres,[moira]; [coimo], co÷mes, [coima], < CŎMEDO; 3.º ei com e÷: [queiro]15, requeiro, que÷res, queira; [feiro], feres, [feira], < * FERIO. Da alternância oi– o, o português mo- derno já não oferece nenhum exemplo, sendo os ant. moiro/moira, coimo/coima expulsos pelas formas analógicas morro/morres e cọmo/co÷mes, do tipo cọzo/co÷zes. Dos verbos com ei – e÷, a língua reteve apenas requeiro e queira, dizendo hoje que÷ro e fe÷ro, sem inflexão do e÷ para ẹ, anomalia que certamente se deve atribuir ao r seguinte, cf. espe÷ro < SPERO. Também o conj. feira cedeu o lugar a fira. Quanto à alternância ai - a, não creio que a forma regional beiroa saibo derive directamente de SAPIO, que, a avaliar pela antiguidade de sei, evolucionou em solidariedade com *AIO > hei. Foi certamente refeita sobre saiba < ant. sabha, saibha. 24. Certos verbos apresentam na 1.ª pessoa sing. um ei que não é devido, como em ant. feiro, à atracção, mas ao facto de um i de transição (eufónico, não etimológico) se ter introduzido entre duas vogais em hiato. Refiro-me a creio < ant. creo < CREDO e leio < ant. leo (de leer < LĔGERE). O hiato, por seu lado, é originado pelo emudecimento de uma consoante intervocálica que, além de d (como em creo), pode ser um l: receio < RECĔLO, ou um n: ceio < CĒNO. Nestes verbos em -ar, o ditongo, na verdade, caracteriza naturalmente todas as formas fortes, o mesmo sucedendo com os verbos em –ear: passeio, vagueio, granjeio, pranteio. Esta flexão -eio, -eias, etc., estendeu-se analogicamente a alguns verbos eruditos em -iar: comerceio, medeio, licenceio, remedeio, presenceio, incendeio, sentenceio, ao passo que outros, por razões que não conseguimos descobrir, se mostram refractários a esta inovação: contrario, evidencio, vario, sacio, etc. É de notar que criar faz crio, em contradição com procreio e recreio, possivelmente para evitar confusão com a forma respectiva de crer. 25. No aspecto das alternâncias, o espanhol opõe-se nitidamente ao português, não variando, de um modo geral16, o timbre da vogal radical das formas fortes, cf. sirvo, sirves, sirve, sirven e pudro, pudres, pudre, pudren, onde a vogal originariamente privativa da 1.ª pessoa se impôs às outras17. Em compensação, o castelhano oferece as alternâncias que resultam da ditongação espontânea das vogais tónicas Ĕ e Ŏ ou seja ié/e, ué/o: quiero/queremos, acuerdo/acordamos, caracterizando o ditongo todas as formas fortes, e o monotongo as fracas. A frequência dos verbos com Ĕ, Ŏ, fez com que este tipo de inflexão se propagasse a verbos que no latim tinham Ē, Ō, segundo se vê pelos exemplos pienso < PĒNSO e muestro <MŌNSTRO. Dentro das formas fracas, as alternâncias que opõem sentimos a sintamos, e dormimos a durmamos, correspondem às do português. Em contrapartida, este idioma, visto lhe ser alheia a ditongação acima referida, não tem as alternâncias que aparecem dentro do conjuntivo espanhol: sienta/sinta- mos, duerma/durmamos. I. Alternância a dois termos: i/e: visto vestimos vista vistamos u/o: pudro podrimos pudra pudramos II. Alternância a três termos: ie/e/i: miento mentimos mienta mintamos ue/o/u: duermo dormimos duerma durmamos 9 b) Consoante radical 26. Por vezes, e devido a razões nem sempre reconhecíveis, a semivogal i, em vez de inflexionar a vogal, afecta a consoante radical, palatalizando-a. As consoantes, em que se pode produzir este fenómeno, são c, t e d, que se transformam em ç, assim como n, 1, m, v e p, donde resultaram, respectivamente, os sons palatais graficamente representados por nh, lh, mh, vh e bh, dos quais a língua conservou apenas os dois primeiros. Resumimos as alternâncias consonânticas do português no quadro histórico que se segue: I 1. CI ç/z FACIO, -IAM: faço, faça FACIS: fazes 2. TI ç/d *PETIO, -IAM: peço, peça PETIS: pedes ç/t MENTIO, -IAM: [menço, mença] MENTIS: mentes 3. DI ç/v AUDIO, -IAM: ouço ouça AUDIS: ouves II 4. NI nh/- TENEO, -EAM: tenho, tenha TENES: tens 5. LI lh/l VALEO, -EAM: valho, valha VALES: vales 6. MI mh/m DORMIO, -IAM: [dormho, dormha] DORMIS: dormes 7. VI vh/v SERVIO, -IAM: [servho, servha] SERVIS: serves 8. PI bh/b SAPIO, -IAM: [sabha] SAPIS: sabes 26a. Os verbos em que o ç alterna com a consoante etimológica eram antigamente mais numerosos: arço/arça, de arder; menço/mença, de mentir; senço/sença, de sentir; perço/perça, de perder; feço/feça, de feder; jaço/jaça, de jazer; preço/preça, de prezar. Hoje temos apenas faço, ouço, peço e meço, tendo-se nos outros casos imposto a consoante das restantes pessoas. Os verbos do tipo II são, além dos que figuram no quadro, ponho, ant. manho (de mãer), ant. comho «cômo», ant. chouvha (de chover), ant. gouvha (de gouvir < GAUDERE), formas escritas também com i, em vez de h, que naturalmente tem o valor de semivogal (p. ex. cómia). 27. A palatização da consoante do radical não tem paralelo no verbo espanhol, embora o fenómeno seja normal noutras classes de palavras deste idioma, cf. PLATEA > plaza, CAPĬTIA > cabeza, PŬTEU > pozo. A faço, peço, meço e ant. jaço correspondem, com efeito, na língua vizinha, hago, pido, mido18, yago. Estamos, como se vê, em presença de outro arcaísmo notável do português, confirmado pelo facto de menço e senço serem anteriores a minto, sinto. Diga-se ainda que mido, que antigamente rivalizava com meço, não conseguiu usurpar o lugar desta forma tradicional. 28. Abstraindo da acção exercida pela semivogal sobre a consoante do radical, há outros casos em que a evolução fonética destruiu a uniformidade primitiva desta consoante. É o que se observa nas oclusivas c e g que, combinadas com i, e, adoptam o valor z e j, respectivamente: digo/dizes; trago/trazes; [adugo]/aduzes; [cingo]/cinges; [fingo]/finges. Nos dois últimos verbos, a língua impôs à 1.ª pessoa ind. (e, naturalmente, também ao conjuntivo) o j das outras pessoas, ao passo que inversamente, em erguer, que antigamente se conjugava ergo/erges, foi o g da 1.ª pessoa e do conjuntivo que se insinuou em todas as formas do verbo, inclusive o infinito, o mesmo se verificando, aliás, no galego cinguir «cingir». Seja ainda dito que o z da 3.ª sing. de fazer, trazer, dizer, seguido do pronome átono, é assimilado ao l: fá-lo = faz-lo, desaparecendo praticamente, como as desinências r e s, em vê-lo e vês-lo. 29. Também os incoativos em -ecer < -ESCERE se flectiam primitivamente em conformidade etimológica com as formas respectivas latinas, dizendo-se gradesco/gradeces/gradesca; meresco/-eces/-esca; paresco/-eces/-esca; nasco/naces/nasca; cresco/creces/cresca, etc. Este tipo de 10

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