A Constituição e o Futuro Simon Schwartzman Enviado para publicação no Jornal da Tarde, 15 de outubro de 1993. Por detrás das notícias e discussões sobre revisão constitucional, controle da inflação, violência urbana, corrupção, o grande tema que preocupa saber se somos, ainda, um país do futuro, se existe alguma luz no fim desta noite de pesadelo. Se a luz existe, pode-se conviver com o presente pensando no interesse coletivo, planejando a longo prazo, ponderando sobre as conseqüências sociais da busca de nossos interesses privados e individuais. Se não, nenhuma destas questões de interesse geral tem sentido, e cada qual que busque preservar o seu pedaço neste salve-se quem puder. Infelizmente, não há resposta pronta para esta questão. A experiência dos últimos anos, brasileira e mundial, no entanto, nos ensinou algumas coisas importantes. Primeiro, nem todos os países têm futuro. Basta olhar para a África, e para muitos países da Ásia e da América Latina, para entendermos o que isto pode significar. Violência crescente e descontrolada, conflitos raciais e religiosos sem fim, economia em frangalhos, bandos armados disputando os despojos de sociedades decadentes. Os historiadores sempre souberam que nações e impérios crescem e decaem, mas esta é uma novidade para a geração do pós-guerra, criada na ilusão do progresso sem limites. Segundo, a capacidade que têm as pessoas de manejar e coordenar grandes sistemas econômicos, sociais e políticos é muito menor do que se pensava. Esta é, no fundo, a grande questão por detrás do debate entre o liberalismo e as diferentes doutrinas intervencionistas na economia, sociedade e na política. Levado a seu extremo, o liberalismo afirma que não existe nada além dos interesses individuais, e que tentativas de planejar e dirigir a sociedade ou a economia não passam de formas disfarçadas (e mais ou menos hipócritas) de colocar os interesses de minorias contra os interesses das maiorias. Para o liberal, os dilemas entre o privado e o coletivo, o curto e longo prazo, não existem: a única maneira de fazer prevalecer o interesse de todos seria fazendo prevalecer os interesses privados de cada um. O terceiro ensinamento, no entanto, é que o liberalismo é insuficiente. A desmontagem do socialismo burocrático, o fim do protecionismo econômico, a redução dos investimentos sociais dos estados modernos, nada disto garante o bem estar social e o crescimento econômico. Não é possível deixar de pensar e tratar de agir sobre o coletivo, e administrar coisas como as formas de governo, o padrão monetário, a segurança pública, a educação e o controle ambiental. O importante, e difícil, é combinar a ação pública decidida com o espaço para a autonomia e a liberdade individuais. Países que tiveram a coragem e a competência de organizar suas economias, investir na educação e liberar a criatividade de seus cidadãos estão agora colhendo os frutos de seu trabalho. Em seu conjunto, estes três ensinamentos nos permitem pensar que para nós ainda existe um espaço importante e necessário para ações de interesse coletivo. Embora não seja possível imaginar um futuro risonho nos espreitando por detrás de tanta miséria, temos um caminho a percorrer, que passa precisamente pelos principais itens da revisão constitucional: o equilíbrio financeiro, o sistema partidário, a divisão de poderes, a limitação dos privilégios corporativos e a garantia dos direitos individuais. O governo e o Congresso parecem, finalmente, estar percebendo esta janela de possibilidades e responsabilidades. O varejo da política não desapareceu, mas a agenda de reforma vai muito além dos casuísmos e interesses eleitorais de grupos e pessoas. Existem políticos de verdade preocupados com os interesses comuns, e, pasmem, aumentando seu apoio e seu prestígio exatamente por esta razão. Ainda há algum espaço para otimismo.