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2000 anos depois: o renascimento de Israel PDF

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2000 anos depois O renascimento de Israel Alexandre Lissovsky SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros LISSOVSKY, A. 2000 anos depois: o renascimento de Israel [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009. Bibliografia. 547 p. ISBN: 978-85-7982-003-8. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. BIBLIOTECA VIRTUAL DE CIÊNCIAS HUMANAS 2000 ANOS DEPOIS Alexandre Lissovsky Alexandre Lissovsky 2000 Anos Depois O Renascimento de Israel Rio de Janeiro 2009 Sumário: Esta publicação é parte da Biblioteca Virtual de Ciências Humanas do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais – www.bvce.org PREFÁCIO – Paulo de Castro..................................................................................5 Copyright © 2009, Alexandre Lissovsky Introdução...............................................................................................................18 Copyright © 2009 desta edição on-line: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais Ano da última edição: 1967 1 Precursores do Sionismo......................................................................................20 2 Herzl e o Sionismo Político.................................................................................49 3 O Movimento Sionista Após Herzl (1904-1914).................................................95 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer meio de comunicação para uso comercial sem a permissão escrita dos proprietários dos direitos autorais. A publicação ou partes dela podem ser 4 A Primeira Grande Guerra e a Declaração de Balfour.......................................112 reproduzidas para propósito não-comercial na medida em que a origem da publicação, assim como seus autores, seja reconhecida. 5 A Palestina sob Mandato (Os Primeiros Anos).................................................153 6 O Desenvolvimento do Lar Nacional Judaico...................................................165 ISBN 978-85-7982-003-8 7 A Palestina na Década 1929-1939.....................................................................181 8 A Palestina e a Segunda Guerra Mundial..........................................................247 9 O Problema Palestinense nos Primeiros Anos do Pós-Guerra...........................270 10 UNSCOP.........................................................................................................327 Centro Edelstein de Pesquisas Sociais 11 Da Decisão de Partilha à Independência..........................................................459 www.centroedelstein.org.br Rua Visconde de Pirajá, 330/1205 Ipanema – Rio de Janeiro – RJ CEP: 22410-000. Brasil Contato: [email protected] Apêndice I O Mandato para a Palestina..................................................................................528 Apêndice II Declaração do Estabelecimento do Estado de Israel.............................................538 Bibliografia...........................................................................................................541 2 3 PREFÁCIO Prefaciar um livro significa, a meu ver, associar-se a um empreendimento intelectual a que se reconhecem méritos, mas não implica a concordância automática e global com todas as suas teses. Os problemas versados na pesquisa, a um tempo minuciosa e ampla, do professor Alexandre Lissovsky estão longe de ter sido definitivamente resolvidos pelos historiadores e, de certo modo, principalmente os acontecimentos que levaram ao nascimento do Estado de Israel, demasiado próximos para serem julgados com inteira objetividade. Contudo, dentro da perspectiva do autor é realizado um esforço considerável, para mostrar as raízes e o bem fundado das medidas e lutas, das razões e legitimidade da criação do Estado judeu. O grande número de documentos que apresenta – muitos inéditos em português, o que só por si torna este trabalho de consulta obrigatória – e a À memória de meus pais longa transcrição de debates, por exemplo na Comissão Especial para a Palestina (UNSCOP), onde tem a probidade de apresentar opiniões de correntes políticas muito diferentes da sua, indicam uma intenção de abrir num sentido vasto o problema, embora cingindo-o ao propósito fundamental da linha cêntrica que é a justificação e defesa do Estado de Israel. É dentro desta ótica que o livro deve ser lido e neste sentido, que pelo momento estou apenas determinando, constitui uma obra de interesse inegável, dispensando a consulta de muitos documentos e pondo à disposição dos interessados, de uma forma lógica e clara, argumentos básicos e importantes para se entender o nascimento do Estado de Israel. Em certo sentido, nestas páginas, o Estado nasce uma segunda vez, pelas suas mãos e pelo que os gregos chamariam de maiêutica. O seu valor é não ser uma apologia cega mas submetida a um critério de demonstração que, embora subordinada a um objetivo inalterável, indica os caminhos do raciocínio. Ortodoxa quanto aos propósitos, é problemática quanto aos meios, o que equivale a dizer inteligente, mesmo quando 4 5 algumas teses imponham, a meu ver, prudentes reservas, e algumas Creio apenas que o trabalho do professor Alexandre Lissovsky ficaria omissões exijam referência. enriquecido se aceitasse, como fez Ben-Gurion, em 1949, que violências injustificáveis foram praticadas contra populações árabes e seus bens. “Nós ficaríamos profundamente indignados se nos tivessem dito há dois anos que Defendo, e sempre defendi, o Estado de Israel contra todas as os judeus seriam capazes de semelhantes atos”2. tentativas ou intenções de o destruir pelas armas, assim como estou certo de E fica-nos devendo o professor Lissovsky um segundo volume, que haverá uma solução para o litígio judeu árabe, mas tendo como indispensável, em que trate dos problemas de Israel, entre os quais o dos premissa a transformação socialista dos países árabes, não ditaduras refugiados. Este é fundamental, exigindo perfeita objetividade pois é entre bonapartistas representando apenas a revolução burguesa por meios todos se não o mais complexo pelo menos o mais delicado. militares, e visando a defesa de uma nova classe, internamente mais progressista em relação aos feudais, externamente mantendo categorias de Não podem esses refugiados ficar à mercê das manobras de certos comportamento oportunistas e procurando consolidar pelo ódio a Israel a líderes árabes nem da indiferença, ou imobilismo, de outros líderes coesão de forças e manter o domínio sobre as massas populares. O exemplo israelenses. Contribuir para a solução deste problema, dentro do típico deste fenômeno é o nasserismo. racionalmente possível para Israel, e das obrigações inalienáveis dos países árabes e dos organismos internacionais, é ajudar ao entendimento judeu- Não estou certo – e esta opinião é também a de Nahum Goldmann – árabe. que a decisão de fundar o Estado de Israel, na data em que o fato se deu, tivesse sido a melhor decisão, nem que um Estado binacional a solução Este entendimento, nas suas linhas globais e finais, implica, a meu exata, tivesse sido impossível, mas como a História vivida não trabalha ver, uma transformação fundamental nos países árabes, mas cumpre sobre hipóteses de trabalho, mas sobre realidades, e a criação do Estado trabalhar por soluções parciais num processo que se tornaria irreversível. judeu tem justificação – isso a distingue do simples fato consumado – é Em vez de se partir do entendimento judeu-árabe para a solução do sobre essa realidade que temos de pensar1. problema dos refugiados, tudo indica que tenhamos de partir da solução do problema dos refugiados para o entendimento. As duas grandes potências Não há portanto, da minha parte, uma discordância quanto à que primeiro reconheceram o Estado de Israel, os Estados Unidos e a União necessidade de preservar Israel de um ataque ou a urgência de se encontrar Soviética, têm sobre este ponto obrigações de ordem moral irrecusáveis, um entendimento, pois o considero indispensável. assim como a ONU e todos os homens, pois todos nos devemos sentir Estou inteiramente de acordo quanto às responsabilidades terríveis do humilhados com a existência subumana dessa massa de famintos e imperialismo britânico em não ter sido encontrada a verdadeira solução desesperados, sujeitos a todas as manobras políticas e a uma desolação para o problema, bem como aos erros dos feudais árabes em não permitir, apenas alimentada por quimeras. O povo judeu que historicamente sempre apoiados por Londres, um acordo pela base entre a grande massa representou, inalteravelmente, um princípio de justiça tem de fazer em dos trabalhadores, árabes e judeus, na antiga Palestina. Israel e na Diáspora um esforço sobre-humano para resolver este problema. Sei que não o pode fazer unilateralmente nem pondo Israel em grave risco a Tudo isso já tratei em aulas, conferências e livros, e seria enfadonho repetir-me. 1 A essência filosófica do trabalho do professor Alexandre Lissovsky, se não estou em erro, é 2 André Falk, Israel terre deux fois promise. A descrição de Falk é longa e os fatos são precisamente distinguir uma realidade justificável de um fato consumado. Sempre dentro graves. Ao citar Ben-Gurion, Falk procura evidentemente defender-se de uma acusação de deste critério, sendo justificável, é, além de internacionalmente consagrado pela ONU, parcialidade ou incompreensão. Devo dizer que aponta, também, uma série de documentos moralmente irreversível, enquanto um ato de força – sendo apenas isso – está submetido à lei árabes, que tornam responsáveis, alguns dos seus líderes, pelo êxodo precipitado da da impugnação perpétua. população. 6 7 sua segurança, mas é indispensável e urgente tentar, por seu lado, o que seja consciência aflita está em Israel. Por isso a Israel nos dirigimos, certos de possível. que a nossa obstinação é uma homenagem. Quem teve a grandeza de criar um Estado, pode ter a heroica Eis o problema nodular que esperamos seja tratado pelo professor humildade de reparar um erro, e mesmo quando o erro tenha sido de todos, Alexandre Lissovsky, com seu pendor para a busca correta das fontes, e sua cabe ao governo de Israel demonstrar por atos, e de uma forma categórica, análise em muitos pontos sutil, num outro trabalho que nos fica devendo e que está disposto a ir à raiz, retomando agora, já em fase de estabilidade e mais ainda depois da repercussão justa do atual ensaio, que precisamente de consagração internacional, os momentos da sua criação. Os gregos estabelece as premissas da grande problemática criada pelo Estado de julgavam que o destino é superior aos próprios deuses, mas a criação de Israel. Israel demonstra que a vontade do homem é superior ao destino. Que esta Tem todos os elementos para nos oferecer um estudo à altura deste mesma vontade seja posta ao serviço da solução do problema dos que agora publica e a que anteponho algumas reflexões sobretudo como refugiados, é o que desejam os seus amigos, que o sejam, como eu, menos estímulo a que prossiga numa obra de inegáveis méritos em que me permito por realizar o milagre da transformação do deserto em jardim – outros interpolar algumas notas e até sugestões de trabalho num espírito de povos realizaram façanhas maiores sem por isso merecerem particular afeto fraterna colaboração. – mas porque nasceu como encarnação de uma ideia e por confessada oposição a uma injustiça, e representa uma parcela do povo judeu. E ao Porque a contextura do livro é sólida, e o nervo vibrátil, e estes dizer isto exprimo da forma mais elevada e mais discreta as razões problemas dizem respeito à sorte de comunidades inteiras, é que não resisto essenciais da minha convicção de que o problema dos refugiados será à tentação de intervir um pouco além do que aconselha uma certa resolvido ou tentará ser resolvido, por Israel. Ter por antepassado um deontologia, ou norma, dos prefaciadores, que se limitam ao elogio da obra Spinoza – e aqui poderia abrir-se um friso com dezenas de citações de e do autor, pensando cumprir assim um dever de amizade, quando apenas humanistas incluindo Chaim Weizmann – tem os seus inconvenientes. O incorrem num ato de estéril cortesia. que de grande um povo ofereceu ao mundo – e por isso teve apoio na Elogiar o autor, neste caso, seria fácil e não demandaria mais que formação do Estado de Israel – não pode esgotar-se, exaurir-se, negar-se algumas linhas, mas colaborar com o autor numa crítica amplificante, isso nos labirintos do poder. impõe mais espaço e tempo. Sem economizar louvores ao trabalho do Nasser é apenas um coronel do Oriente Médio que nada tem a ver professor Alexandre Lissovsky, pois os merece, o mais importante é com a cultura árabe de grande riqueza e finura como sabem todos os que se trabalhar um pouco em conjunto para clarificação dos problemas. interessam pelo patrimônio humano, para além das fronteiras, das nações e Pois não se trata de um livro episódico, mas dos que ficam como das vicissitudes atuais. ponto inevitável de referência e de obrigatório estudo para todos os que se Mas Eshkol, esse é um intelectual e sabe o que representa; atrás de si, interessam pelo sionismo, suas origens e filosofia, pelo nascimento do glorificados, caluniados ou mesmo queimados, estão alguns dos símbolos Estado de Israel. da própria humanidade superior. Isto impõe obrigações de consciência, e até onde a segurança de Israel o permita, impõe iniciativas, imediatas e construtivas. Quando surgirem espero que os árabes do Oriente Médio – As referências neste ensaio, por tantos títulos valiosos, ao “affaire pois a estes apenas me dirijo – não suponham que se trata de um ato de Dreyfus”, dão, em meu entender, uma visão limitada, podem fazer crer, a fraqueza. Porque é forte, o Estado de Israel pode ser generoso, e porque se um leitor menos informado, que o antissemitismo encarnado nesse episódio trata de uma parcela do povo judeu deve saber a importância de não ver às representou o pensamento do povo francês. suas portas legiões de refugiados. A responsabilidade é de muitos mas a 8 9 A descrição das humilhações sofridas por Dreyfus é dada em todos E naturalmente se apontamos intelectuais antissemitas, forçoso é os pormenores, enquanto a reação, que partiu dos intelectuais não judeus, incluirmos o judeu Gumplowicz3. Nem por isso se deduz que Gumplowicz como Emílio Zola e das próprias organizações operárias, fica sem uma seria partidário das câmaras de gás. necessária e justa invocação. Sobre este problema do antissemitismo cumpre usar da maior Não creio que para se defender o sionismo seja indispensável prudência, para não assistirmos a espetáculos como o oferecido por David esquecer a grandiosa reação que se observou na França e afinal triunfou da Rousset, que publicamente chamou antissemita a Steiner, o autor de minoria de antissemitas incrustados no Estado-Maior do exército, com Treblinka, porque apresentou certos fatos de uma maneira pouco exaltante apoio de algumas castas residuais que em Dreyfus combatiam, afinal de para os judeus desse campo, quando não houve da parte desse autor, tão contas, a própria Revolução francesa por ter dado aos judeus, como disse judeu, pelo menos, como Rousset, o intuito de denegrir, mas demonstrar a Julien Benda, a “plena cidadania e dignidade”. degradação a que pode chegar um grupo humano – de qualquer nacionalidade – quando, sem meios de defesa e numa engrenagem Qualquer ideia de que as perseguições aos judeus, mesmo quando monstruosa, procura sobreviver. não explícita, nem mesmo subjacente, neste trabalho, mas podendo deduzir- se por inferência subjetiva; qualquer sinal, mesmo longínquo, de que a E Hannah Arendt, escritora judia norte-americana, a autora do já perseguição aos judeus, nos países onde vivem, e aos quais pertencem, é famoso testemunho Eichmann in Jerusalem – A Report on the Banality of inevitável, constitui um elemento nocivo para a necessária compreensão Evil, que foi ainda recentemente acusada de antissemitismo, por causa das convivente no seio de qualquer nação. suas teses sobre esse processo e em geral sobre o problema da culpabilidade? Por mim não aceito as suas teses, e considero-as mesmo Assim o “affaire Dreyfus”, podendo ser apontado e devendo mesmo perigosas, mas jamais poderia ocorrer-me a ideia de a considerar ser apontado para execração histórica dos seus responsáveis, impõe, ao antissemita. mesmo tempo, o reconhecimento da grande luta empreendida contra os antissemitas que provocaram precisamente um dos maiores movimentos de Quando um André Spire4 se viu obrigado a defender Romain Rolland opinião pública já desencadeado em qualquer época, e do qual participaram da acusação de um irresponsável, que o considerava antissemita, judeus e não judeus irmanados pelo mesmo espírito de justiça. Se falamos no “affaire Dreyfus” devemos descrever não apenas a 3 Lukács em Sozialer Darwinismus, Rassentheorie und Faschismus demonstra que as teorias maneira como foi vilipendiado, mas a batalha que suscitou e o de L. Gumplowicz, com antecipação de meio século, contêm todas as bases racistas da comportamento nobre da elite intelectual francesa e o apoio dado pelas aventura hitleriana. E Joseph Gabei, em La fausse conscience, diz: “Não deixa de ser humorístico notar que o autor de Der Rassenkampf, L. Gumplowicz, era judeu. Isso impediu organizações operárias, a sua massa e seus líderes, que terminou por uma os doutrinários do nazismo de o citar, mas nada retira ao título, pouco invejável, de ser um vitória grandiosa que foi da própria democracia e dos ideais republicanos. precursor do hitlerismo”. E já que nos permitimos fazer uma advertência sobre certos aspectos deste problema complexo, lembremos que, ao contrário da crença de alguns Não creio, por outro lado, que seja justa a alusão ao antissemitismo sionistas, há quem defenda a existência do Estado de Israel sendo contudo antissemita. Este é de Renan, fenômeno muito complexo e que diz respeito mais à preferência o caso de Xavier Vallat em Souvenirs d'un homme de droite – prefácio de Charles Maurras. de que prevalecessem no cristianismo as influências gregas, por as julgar 4 André Spire, Souvenirs a bâtons rompus. Também foi explorado o litígio, que terminou mais propícias a uma visão racionalista e tolerante do que as judaicas. aliás por uma reconciliação, entre Romain Rolland e Léon Blum. Spire transcreve uma carta de Romain Rolland que é um documento histórico sobre as possibilidades de opção do povo judeu. Farei adiante uma referência a este documento. A altitude e fraternidade do pensamento judeu revolucionário – para além de um sentido estrito de partidos – em relação aos não judeus, pode encontrar-se de uma forma exemplar em George Altman (ver o colóquio dos intelectuais judeus franceses de 1963 publicado sob o título La Conscience Juive – Prefácio de André Néher). 10 11 verificamos como é duvidosamente certo transcrever uma passagem de um Este é um problema básico. autor, e por algumas linhas situá-lo no friso dos inimigos do povo judeu. E um problema que não pode ser ignorado quando se trata de um Uma outra ideia a que julgo dever uma referência é a de centripetar o livro sobre Israel. Num país que é uma democracia racial como o Brasil, as mundo no povo judeu, principalmente quando se trata de ofensas aos judeus crianças de origem judaica que aqui nascem, brasileiros como todos os que parece deixam indiferentes os que não têm o privilégio de o ser. outros e com direitos iguais a todos os outros, não têm qualquer motivo para emigrar para Israel, mesmo podendo ter por Israel afetuoso interesse, o Ora isto se verifica na citação, quando das medidas contra os judeus mesmo que possam dedicar a qualquer comunidade judaica. Não é na Palestina por parte dos ingleses, de Léon Blum, isolado do conjunto dos necessário desinteressar-se de Israel, é apenas necessário que esse interesse protestos do partido socialista, principalmente da ala esquerda de Marceau não prevaleça sobre o que dedicam ao seu próprio país. Pivert, o primeiro, e muito antes de Blum, que levantou seu protesto na França. E, agora, voltemos ao livro do professor Alexandre Lissovsky. Talvez porque não sou judeu e tenho passado a vida inteira a protestar, junto com judeus e não judeus, tenho particular sensibilidade para A documentação que nos apresenta sobre a luta dos judeus por um estes fatos, e conheço bem a minha raça espiritual, a dos que não se Lar e a criação do Estado de Israel constitui um esforço de pesquisa único curvaram ante o pretexto das ditaduras e as demonstrações do ódio racista, no Brasil. neste século, a partir do momento em que reconheci com espanto e horror as chagas que ainda marcam o viver do homem. Dentro da perspectiva do autor, a sua visão dos acontecimentos é ampla e não pode dizer-se que tenha exagerado aspectos negativos da orientação dos líderes árabes. Numa carta a André Spire, datada de 1913, Romain Rolland, em Pelo contrário, foi brando, talvez porque sendo judeu teve o nobre resposta ao envio da obra Quelques juifs (trata-se no caso de Zangwill, propósito de não ferir o outro povo que por força das circunstâncias é um James Darmesteter e Weininger), traçou o que no seu entender representam tema central do livro. Mas eu que não sou judeu e me considero amigo dos as opções do povo judeu. Segundo o autor de Jean-Christophe, árabes, do felá egípcio, cuja miséria conheci de perto, dos sírios apesar da compreendem três: sua turbulência, dos argelinos porque constituem hoje a maior esperança da 1º– “A generosa união do judeu com a pátria de adoção”; África e do socialismo no terceiro mundo, posso dizer o quanto o professor Alexandre Lissovsky, sendo exato, usou, contudo, ao mesmo tempo, apenas 2º – “A grande ideia de que os judeus dispersos no mundo são e devem da crítica o indispensável para a clarificação dos problemas. ser os representantes da Lei”; Da personalidade do mufti de Jerusalém, diz o necessário para se 3º – “O sonho de fundar um Estado judeu”. conhecer a sua atuação funesta. Como historiador, cingiu-se, e muito bem, Para Romain Rolland são três posições legítimas, embora a primeira neste caso, aos acontecimentos da Palestina. Mas poderia apontar, se seja a melhor, a que mais promete em fecundidade para todos no domínio quisesse, e ninguém o poderia acusar de parcialidade, a ligação desse intelectual e moral. lúgubre personagem com os nazis. Admitindo as três, adverte, contudo, que não podem as três aceitar-se Quando visitou Goebbels e Himmler, este teve a cortesia de lhe ao mesmo tempo. Aí é que reside a opção, sem desdouro para as outras. “Il mostrar Auschwitz para o informar e o formar na nova técnica da faut choisir”, diz Romain Rolland, “et le choix ne saurait être le même pour exterminação em massa de judeus. tous les Juifs.” 12 13 Este mufti de Jerusalém era um dos líderes árabes e a maior pelos problemas que até hoje existem, e constantes conflitos onde judeus e desventura das massas árabes foi terem tido como líderes homens deste árabes ainda hoje pagam as consequências da política realizada durante o tipo. Mandato. Esta opinião que é minha, mas hoje, também, de muitos árabes, está O episódio do Exodus nada fica a dever às atrocidades nazistas, e discretamente apresentada ou subentendida nas páginas, sem dúvida marca com um estigma uma certa política imperial em que a democracia e o valiosas, do professor Alexandre Lissovsky sobre a luta de judeus e árabes respeito aos direitos do homem apenas existem nas Metrópoles. até a criação do Estado de Israel. A tragédia do Exodus mereceu algumas páginas de relevo ao Toda a documentação sobre a Comissão Especial para a Palestina professor Alexandre Lissovsky, como parte da grande tragédia do povo (UNSCOP), a que já fizemos referência, é, no sentido da informação judeu na Palestina, em busca da salvação. histórica, um dos pontos altos do livro. E honra o autor a maneira ampla Creio firmemente que este trabalho, que tenho a honra de prefaciar, como apresenta os depoimentos, incluindo o dos comunistas Samuel ajudará muitos a entender as raízes históricas de um combate e suscitará Mikunis, secretário-geral do partido, Dr. Walter Ehrlich e Meir Vilner, reflexões úteis. O mais importante não é a concordância, mas o debate sabendo-se perfeitamente que a orientação política do professor Alexandre sobre documentos e fatos apresentados pelo professor Alexandre Lissovsky. Lissovsky é inteiramente diferente, para não dizermos contrária. Quero pela minha parte, antes de terminar, fazer um apelo aos meus Mas num trabalho histórico todos os documentos devem ser amigos árabes do Oriente Médio, sobretudo aos que hoje estão muito consignados e o autor cumpriu fielmente esta norma mostrando a sua próximos do poder na Síria, no sentido de um reexame de posições. perfeita probidade. Importantes e menos conhecidos são os testemunhos de dois representantes da Liga Pró-Reconciliação e Cooperação Judeu-Árabe, Esse reexame é indispensável e não devemos deixar nas mãos de Dr. Ernst Simon e Aharon Cohen. Burguiba o que deve ser feito pela esquerda nos países árabes, mas com a certeza de que é urgente e será tentado, pelos elementos conservadores mais O leitor encontrará, de uma forma mais ampla, no livro estes lúcidos, como o presidente da Tunísia, no caso dos mais lúcidos da depoimentos, mas quero apenas transcrever as primeiras palavras do Dr. esquerda hesitarem em fazê-lo. Ernst Simon: “O nosso objetivo é alcançar neste país uma união das duas nações. Acreditamos que um tal esforço poderá constituir a nossa maior Até hoje apenas um líder comunista árabe viu com clareza o contribuição ao bem-estar e unidade do mundo, especialmente por vivermos problema das relações com Israel, o egípcio Fathi ar-Rãmla que no jornal Al num dos seus lugares perigosos. Mu’ãrada (Oposição) preconizou a paz com Israel como meio de combate ao imperialismo, considerando um erro a política dos árabes contra o A Liga Pró-Reconciliação e Cooperação Judeu-Árabe não é um Estado judeu e a abertura de uma “segunda frente contra uma comunidade partido político. Compõe-se de várias organizações e personalidades da onde se podem entre os trabalhadores encontrar aliados na luta comum”5. colônia judaica. Todos nós vemos na questão das relações judeu-árabes o ponto crucial da situação política neste país”. É inconcebível que um líder comunista da categoria de Khaled Baghdache não tenha compreendido a importância da formulação teórica de Este foi um grande movimento judeu de boa vontade, submerso como tantos outros pela política de intrigas da Inglaterra e seus aliados, das classes privilegiadas árabes e a imaturidade das massas da Palestina que não permitiu uma aliança, pela base, com sentido político e revolucionário, dos 5 Uma referência a esta posição encontra-se no livro Communism and Nationalism in the trabalhadores judeus e árabes. Ao conseguir impor a dialética do ódio e da Middle East de Walter Z. Laqueur. Algumas ideias de Fathi ar-Rãmla foram desenvolvidas pelo marxista A. R. Abdel Kader no seu livro Le conflit judéo-arabe. É um fio tênue, mas o interdestruição de duas comunidades, o Império Britânico é o responsável único límpido que existe entre os marxistas árabes em relação ao problema de Israel. 14 15

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