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1930 Águas da Revolução PDF

203 Pages·1.925 MB·Portuguese
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S58m Silva, Juremir Machado da, 1962- 1930 [recurso eletrônico] : águas da revolução (romance) / Juremir Machado da Silva. - Rio de Janeiro : Record, 2011. Recurso Digital Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-01-09679-1 (recurso eletrônico) 1. Romance brasileiro. 2. Livros eletrônicos. I. Título. II. Título: Mil novecentos e trinta. CDD: 869.93 11-4679 CDU: 821.134.3(81)-3 Copyright © Juremir Machado da Silva, 2010 Capa: Sérgio Campante Imagem de capa: Fundação Getúlio Vargas – CPDOC Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Direitos exclusivos desta edição reservados pela EDITORA RECORD LTDA. Rua Argentina, 171 – Rio de Janeiro, RJ – 20921-380 – Tel.: 2585-2000 ____________________________________________________________ Produzido no Brasil ISBN 978-85-01-09679-1 Seja um leitor preferencial Record. Cadastre-se e receba informações sobre nossos lançamentos e nossas promoções. Atendimento e venda direta ao leitor: [email protected] ou (21) 2585-2002. 2010 Um pouco mais, um pouco menos, cada homem é fisgado por narrativas, por romances, que lhe revelam a verdade múltipla da vida. Somente essas narrativas, lidas, por vezes, em estado de transe, situam-no em relação ao destino. Precisamos, então, buscar apaixonadamente o que pode ser narrativa — coordenar o esforço por meio do qual o romance se renova ou, melhor, perpetua-se. A preocupação com técnicas diferentes, que superem o esgotamento das formas conhecidas, ocupa, de fato, as mentes. Georges Bataille Uma coisa porém é certa; a saber, a revolução não foi boa nem má. A revolução foi indispensável e como tal invencível. Virgílio de Melo Franco Há muitas revoluções na revolução de 1930: há a que foi vista pelo jornal Correio do Povo, há a que foi contada ou sentida pelos seus principais articuladores, há uma, à margem das narrativas oficiais, vista por um combatente que, 80 anos depois, ainda se lembrará de cada detalhe. Sumário Capa Rosto Créditos Abertura 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 Agradecimentos Colofão 1 Nada parecia destinar o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas a comandar uma revolução nacional. Mas o Brasil precisará de uma revolução e ele terá a paciência e a frieza para ser o homem certo, no lugar certo, na hora “certa”: 17h30 de 3 de outubro de 1930. Uma revolução, porém, nem sempre se faz na hora certa. Na hora marcada. É questão de muitos ponteiros. É preciso um líder à frente do seu tempo e totalmente dentro dele, um homem em dois tempos. Getúlio sempre sabe, como os melhores jogadores calculistas, esperar o momento certo de agir, o que impacienta seus aliados e desconcerta seus inimigos. Ele é o quarto filho, de um total de cinco, todos homens, do general Manoel do Nascimento Vargas, que lutara na Guerra do Paraguai, tornara-se um fazendeiro rico, graças a um bom casamento e a ter escolhido o lado certo na política e nos campos de batalha, e fora um dos baluartes do conservadorismo republicano que mudara o Rio Grande do Sul, com Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, para mantê-lo sem grandes alterações. Nascido na longínqua cidade de São Borja, na fronteira com a Argentina, na chamada “savana verde”, tudo preparava Getúlio para ser um estancieiro, um militar, um chefete da agressiva política local, quem sabe um advogado ou, no máximo, um líder regional. A vida, no entanto, parece divertir-se arranjando-lhe caminhos inesperados. É um homem de sorte. Devia chamar-se Getúlio Bueno. O gesto de uma mulher traída alterou-lhe o nome. E o destino? Sua bisavó, abandonada, num fim de mundo, pelo marido — que fugiu com outra na garupa do cavalo num dia de arroubos e nuvens pesadas —, pagou o padre do lugarejo para cortar o sobrenome Bueno da sua prole. O avô de Getúlio será então apenas Evaristo Vargas. Os descendentes serão tudo em nome da mãe. Getúlio será muito. Pois o Brasil precisará de muito. É uma nação de miseráveis. Agora, nesta tarde quente, enquanto espera a visita de João Neves da Fontoura, Getúlio pensa nesse Brasil que vem revolucionando. Ele será o ditador do Estado Novo. O esquema que rabisca é muito simples: em 1500, os portugueses “descobrem” uma terra que tinha dono e apossam-se dela. Ao longo dos anos, catequizam, exploram e massacram os nativos. Introduzem negros escravos trazidos da África. Em 1822, um príncipe português proclama a independência brasileira. Em 1888, os escravos são libertados e vão somar-se ao grande contingente de miseráveis livres. Essa medida incontornável arrasta o Império, que desaba em 15 de novembro de 1889. Os quarenta anos seguintes constituirão a República Velha. Um tempo de pobreza para a maioria dos brasileiros, de analfabetismo, de fraudes eleitorais disseminadas e de controle da política por “coronéis.” O Brasil era a fraude. Uma época que a Revolução de 3 de outubro de 1930, comandada por ele, Getúlio, e articulada por seus amigos Osvaldo Aranha e João Neves da Fontoura com mineiros e paraibanos, esmagará, sepultando a política do “café com leite”, a alternância no poder central, com raras exceções, de políticos de São Paulo e de Minas Gerais. Getúlio espera. João Neves está atrasado. Faz muitos anos que não se falam. Quase sente saudades. Não quer admitir que está um pouco ansioso. Tem as mãos úmidas? Não chega a tanto. Sente raiva? O seu autocontrole não permite esse tipo de sentimento. Pensa o passado como se fosse um futuro ainda evitável. Em 1932, quando os “carcomidos” de São Paulo lançarão a contrarrevolução, João Neves mudará de lado. Passará para o inimigo. Perderá. Amargará o exílio na Argentina. Por que fará isso? Por que não se controlará? João Neves acha-se muito inteligente, pensa Getúlio, mas não consegue ver todas as peças do tabuleiro ao mesmo tempo. Falta-lhe a visão global. Vê o passado como passado. Getúlio sorri. Para avançar, é preciso recuar. Que lhe dirá João Neves? Que histórias lhe contará? Será capaz de atar os fios da aventura de todos eles? A aventura que vem levando de roldão tantas vidas. A vida, pensa Getúlio, é uma jogada de mestre. Mas quem é o mestre? * Na manhã de 16 de novembro de 1918, aos 6 anos de idade, o menino Gabriel, nascido em Santa Maria, num 4 de junho, viu o pai, juiz de paz em São Gabriel, morrer. Nos confins do Rio Grande do Sul, na Coxilha do Pau Fincado, perto do arroio Jacaré, ele se preparava para ler o Correio do Povo, depois de tomar providências para proteger seu fado da tormenta, quando um raio o fulminou diante da mulher, Zulmira, e dos filhos, Thalita, Ely, Edgar, Francisco, então com 10 anos de idade, e Gabriel. Que marcas essa visão deixará no filho Gabriel? Quantas outras tormentas lhe reservará o futuro? Que águas mais turvas rolarão na sua vida? Ele terá tempo de saber e de viver. Intensamente. Terá um século pela frente. O episódio da morte de Horácio Enéas Flores será narrado, décadas depois, por seu filho Francisco d’Ávila Flores, em A tragédia da casinha branca, livro que Gabriel terá sempre ao alcance das suas mãos centenárias. Numa troca entre dois gaúchos, a morte do pai será anunciada assim: “Escurecera um momento,/ a ventania soprava,/ movida pela tormenta,/ uma carreta marchava.” 2 Getúlio vai até a janela. Faz muito calor no Rio de Janeiro. Por que não vem uma brisa do mar? Por que João não chega? Essa impaciência contida, sua maior especialidade, não transparece no seu rosto. Nada parece alterar a sua fisionomia. Está com 54 anos de idade. Nascera em 19 de abril de 1882, embora na sua certidão de nascimento conste 1883. Mais uma artimanha da vida? Pensa em João Neves. Nas razões que o levaram a debandar depois de ter sido o incansável artífice da revolução. Pensa nas dificuldades passadas pelo amigo nos anos vividos à sombra, com doença na família, o pai que morrera sem o filho poder comparecer ao enterro, as dívidas, antes que voltasse ao Brasil, à política, e fosse eleito deputado federal para fazer- lhe oposição. Está informado de tudo. Acompanha cada passo do outro como um amante que sofre com a ausência da amada mas não pode dar o braço a torcer. Ou como um oponente impassível que finge não sentir ódio para melhor degustar a vingança. É atacado pelo outro. Apara os golpes. Pesa, pondera, aguarda, controla-se. Acredita nas virtudes do tempo. A política é assim. Ficará célebre a sua frase: “Nunca tive amigos de quem não pudesse me separar, nem inimigos de quem não pudesse me aproximar.” No íntimo, porém, não é assim. Ama seus amigos e sofre por eles. Pensar em João Neves é pensar em 1930. Como chegaram lá? Por que fizeram a revolução? Muitos haviam duvidado de que ele desse passo tão extremado. Viam nele um conservador frio e impassível. Afinal, crescera em política sob a proteção de Borges de Medeiros, que comandara com mão de ferro a política gaúcha durante quase três décadas, tendo exercido cinco mandatos de presidente do Estado a golpes de fraudes eleitorais, uma delas, ao menos, fraudada com ajuda do próprio Getúlio quando presidente da Comissão de Verificação. O velho Borges só sairia do poder forçado pela revolução de 1923, da qual ele, Getúlio, então ministro da Fazenda no governo do paulista Washington Luís, acabaria por ser o grande beneficiado, sendo eleito para substituir o cacique Borges de Medeiros em 1928. A vida é assim. Aprendera a esconder o jogo e a romper com seus mestres e benfeitores. Sem alarde.

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