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135 O aborto, no Brasil, ainda é um tema polêmico, que desperta discussões apaixonadas e PDF

22 Pages·2009·0.38 MB·Portuguese
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04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança OS DEBATES SOBRE O ABORTO NA MÍDIA BRASILEIRA: DOS ENQUADRAMENTOS MIDIÁTICOS A CONSTRUÇÃO DE UMA DEMOCRACIA PLURAL ANDREA AZEVEDO PINHO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, BRASIL Resumo: Este trabalho busca mapear os principais elementos do debate sobre o aborto no Brasil, a partir da análise do desenvolvimento da discussão sobre o tema no âmbito da mídia no país, acompanhando o debate dos anos de 2003 a 2008, no jornal diário Folha de S. Paulo, o periódico de maior circulação no país. Entre tais elementos, buscou-se evidenciar àqueles que são reforçados, muitas vezes, pela presença de grupos que tem grande espaço e voz na mídia, em detrimento de outros. Nesse sentido, o objetivo desse trabalho, a partir desse mapeamento, é destacar a importância, para o fortalecimento dos espaços democráticos, da pluralidade e do aumento dos espaços de fala, sobretudo, para as mulheres, na discussão sobre o aborto. A idéia geral é a de que os argumentos sob os quais os discursos sobre o aborto são enquadrados não se estabelecem sobre um marco interpretativo coerente com o elemento tomado como central na discussão sobre o tema: o aborto enquanto direito à liberdade de disposição das mulheres sobre seus próprios corpos. Palavras-chave: aborto; mídia; liberdades individuais; enquadramento; democracia. 1. INTRODUÇÃO O aborto, no Brasil, ainda é um tema polêmico, que desperta discussões apaixonadas e opiniões fortes por parte de defensores e opositores da descriminalização da prática no país. A discussão sobre o aborto, no caso brasileiro, não é apenas uma controvérsia entre grupos religiosos, movimentos feministas, ou responsáveis pela formulação de políticas públicas relacionadas ao tema: ela toca em elementos muito mais sérios para a consolidação de uma democracia que garanta o acesso aos direitos mais fundamentais, como o direito a dispor sobre o próprio corpo, a todos os seus cidadãos. Regulado legalmente desde 1940, o direito à interrupção voluntária da gravidez é negado e criminalizado no Brasil segundo os artigos 124, 125 e 126 do Código Penal 135 brasiileiro de Deezembro de 1940, sob o título de "Dos crimes contra a vvida". Todavia, a legislação brasiileira, ao coontrário da legislação de países latino-ameericanos como o Chilee e a Nicarágua, peermite que o aborto seja realiizado em duas situaações espeecíficas, seggundo o incciso I e II doo artigo 128 do Código Penal: no ccaso de riscco de mortee da gestante; e em ccaso de graavidez resuultante de eestupro, resspectivamennte, o abortto terapêutiico e o aborrto sentimenntal (Diniz, 2003). AA discussão sobre o aborto no Brasil vem crescendoo em importtância e voolume desdde os anoss 80, tantoo no seio do movimeento feminista brasileeiro quantoo das instââncias instituucionais doo país, mas passado o momento dda abertura política, pooucos avannços aconteeceram em termos leggislativos ppor uma muudança noss quadros legais que rregem o dirreito ao aboorto no Brassil até o iníccio da décadda de 90. Todavia, muito foi feito em termoss de políticaas de assisttência às mmulheres víttimas de vioolência sexxual e no ââmbito do juudiciário, onnde a discuussão sobrre a permisssão do aboorto seletivvo, ou seja, aquele reaalizado em rrazão de umm problemaa de formaçção que inviiabilize a vidda do feto após o parrto, como nnos casos de anenceffalia, serviuu para reaccender o deebate sobree a legalizaação do aboorto no Brassil. AA discussãoo sobre a leegalização do aborto, no Brasil, ssobretudo, mmas tambémm em outroos países, é perpasssada por dois problemas: (1) as taxas alarmantees de mortaalidade maaterna, que mobilizam o debate eem termos de um probblema de ssaúde públiica; e (2) aa ainda forrte influênccia de instittuições religgiosas (sobbretudo a Igreja Catóólica) em assuntos quee envolvem discussõess éticas ou mmorais (Amaral, 2008: 120). A base de discuussão está, então, dividdida entre eesses dois pólos, ondee o termo ceentral da luuta pelo direito ao abborto como direito dass mulheress de decidirem sobre seus próprios corposs não estáá em pautta, sobretuddo nas insstâncias institucionaiss que polarrizam o debbate. OO objetivo dda pesquisaa que possibilitou essee artigo foi desenvolveer um olhar mais críticco sobre a forma como os argummentos quee compõe aa discussãoo sobre o aaborto foramm enquadraados pela mídia, no ccaso, a míídia impresssa, consideerada comoo um espaaço público legítimo dee expressãoo de opiniõões e difusãão de informmações. A base sobree a qual see desenvolveu esse traabalho foi coonstituída aa partir do pprojeto “Aboorto e Demmocracia: o debate no Brasil” (Miguel, 2008), que tevee como objeetivo mapear os princcipais elemeentos do deebate sobree o aborto no Brasil nos meios dde comunicaação, no peeríodo entree 2003 e 20008, se conncentrando, inicialmentte, nas mattérias veiculadas pelo jornal diárioo Folha de S. Paulo. 136 04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança 2. ABORTO E MÍDIA: REPENSANDO OS LIMITES ENTRE PÚBLICO/PRIVADO A complexidade desse tema nos faz repensar as fronteiras entre a escolha política formal, feita por representantes eleitos, que em última instância, viria a ser a expressão da vontade popular, e o que deveria estar sob o domínio particular dos indivíduos, cidadãos e cidadãs. Dentro dessa discussão, o papel e a função da mídia enquanto produtora de opinião – ou de meio capaz de expressar publicamente visões e opiniões das mais diversas instituições e pessoas – se torna um campo privilegiado para estabelecer de forma mais clara o posicionamento e as influências dos argumentos mais comuns no debate sobre o aborto, considerando a importância do posicionamento individual frente ao domínio de seu corpo. A representação enquanto conhecimento social compartilhado é resultado da ação contínua de diversos constrangimentos e molduras normativas capazes de limitar e então orientar a conduta dos agentes frente a uma série de significados comuns compartilhados pelos indivíduos num contexto específico (Goffman, 1995). A mídia é capaz de modificar e desequilibrar a distribuição e o acesso a recursos simbólicos e culturais em uma sociedade, e exatamente por isso pode ser considerada como um campo autônomo de poder que detêm recursos específicos e dinâmicas próprias de ação e de reconhecimento entre seus agentes. As atividades de produção, transmissão e recepção de conteúdos culturais de que a mídia se ocupa são cruciais para a compreensão das representações sobre a realidade social. A possibilidade de se cultivar uma variedade de princípios de organização que informam essas percepções e interpretações da realidade social também são características de uma cultura democrática. Nessa pesquisa, o elemento destacado na relação entre o campo da mídia e campo da política foi àquele referente ao problema do enquadramento e a importância da opinião pública na formação da opinião política. Por enquadramentos entendem-se as definições de uma situação que foram construídas de acordo com o princípio de organização que rege os eventos - sociais, sobretudo – e o envolvimento subjetivo dos agentes em relação a esses eventos (Goffman, 1986). Os enquadramentos são marcos interpretativos, socialmente estabelecidos, responsáveis pela ambientação dos agentes às situações sociais, permitindo que esses agentes identifiquem a situação e, assim, estabeleçam a interação. Ou seja, são referenciais responsáveis pela definição do status da situação: se ela está se desenvolvendo sobre parâmetros conhecidos de uma dada realidade social ou se está baseada em aspectos estranhos aos referenciais de um determinado sujeito. A definição de enquadramento (Goffman, 1986) busca complementar o conceito da mídia como responsável pelo agendamento de temas, ou seja, por sua capacidade 137 de ddar visibiliddade a cerrtas questõões respondendo a ddeterminadoos interessses – sociaais, políticoss, ou econôômicos –, coonsiderandoo que, maiss do que determinar soobre o que deve ser ddiscutido, aa mídia temm a capaciddade de deeterminar as interpretaações válidas e que sserão considderadas peertinentes na discussão de um teema, ou sejja, se preocupando taambém em pensar commo o públicoo articula esssas interprretações. AAssim, todo tema político é definiddo por um ddiscurso próóprio, caraccterizado poor interpretaações reconnhecidas coomo válidass sobre fatoos consideraados relevaantes, mas que são focco de uma “disputa siimbólica soobre qual innterpretaçãoo irá prevalecer” (Portto, 2004: 81). O confllito se tornaa, nessas ciircunstânciaas, inevitáveel, pois a disputa por eesses espaços e pela possibilidaade de ter o discurso e as açções cada vez mais reconheciddos e validados no caampo é a baase do recoonhecimentoo nesses esspaços (Bourdieu, 19889). O camppo político éé um espaçço onde esssas disputass pela legitiimação dass representaações sociaais tomam fforma de diisputas pelaa possibilidaade de se pproduzirem, a partir deessas repreesentações, “produtoss políticos, problemass, programaas, análisees, comentários, concceitos, aconntecimentos, entre os qquais os ciddadãos communs, reduzzidos ao esttatuto de “cconsumidorres”, devemm escolher, com probaabilidades dde mal-enteendidos maaiores quannto mais afaastados esttão do lugar de produçção” (Bourddieu, 1989: 164). Assimm, da mesmma maneiraa que, resttringindo o espaço daa representaação sociall, se restrinnge a capaacidade de um determinado grupo e de umaa determinaada perspectiva sobree uma quesstão de seer reconheecida, tambbém se reestringe a possibilidaade que eessas repreesentações sobre a reaalidade se ffirmem na representaçção política formal. OOu seja: oss meios de ccomunicaçãão enquantoo difusores de represeentações soobre o munddo social ssão, tambéém, um esppaço cruciaal de repreesentação política (Miguel, 20022: 6) onde oos dois cammpos estão marcados pela distribbuição desiggual de recursos entree emissoress (produtorres de produtos polítticos) e recceptores (eeleitores) e pela excluusão, baseaada na visibbilidade, de certos disccursos e eleementos da realidade ssocial das fformas de ccompreensãão e legitimmação dos pproblemas políticos. EEssa exclusãão se dá poor meio dass dinâmicass de apreseentação ou oomissão dee determinaddos temas como relevvantes – oou não – para a coompreensãoo dos fenômenos soociais enquuanto fenômmenos políticos. O pproblema, aqui, é simbólico, ee trata da importância da pluraalidade de vozes nas discussõess públicas a partir daa forma commo a questão é enquuadrada pela mídia. GGrande parte da disccussão sobre o abortoo se estabbelece sobrre uma basse de argumentação polarizada, moralmente constituída, mas toomada sobb um argummento jurídiico e políticco: a idéia de que o eembrião é uma pessooa com inteeresses a sserem defenndidos e, entre eles, oo direito à viida, inviolávvel e consaggrado, consstitucionalmmente, comoo no caso ddo Brasil, coomo direito fundamental. Assim, aapenas a paartir da definição 138 04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança do que é “vida” que se pode arguir sobre o direito de proteção jurídica desse bem. O argumento liberal que encontramos na justificativa da proteção dos direitos individuais, que remonta dos princípios de separação entre Estado e Igreja e da defesa da propriedade, tenta justificar toda tipificação penal com base em argumentos seculares, mas, em um caso como esse, retorna a um dilema moral ao se deparar com a necessidade de se definir, politicamente, o que deve ser entendido como “vida”. Dworkin (2003) afirma que o aborto não pode ser pensado em termos de uma questão de direitos e interesses de uma pessoa, simplesmente porque essa concepção, que é política, não reflete as idéias morais que estão por trás da posição da maioria das pessoas sobre o aborto, sejam elas favoráveis ou contrárias à legalização da prática. As convicções de uma pessoa – enquanto expressões de seus interesses - são, certamente, impossíveis de serem descartadas quando se observam quaisquer fatos ou é preciso tomar quaisquer decisões, sobretudo quando relativas à individualidade (Dworkin, 2003). A importância da experiência compartilhada, das relações sociais e dos valores que cada indivíduo sustenta deve ser a base da tomada de decisão. A partir do argumento de Dworkin de que é preciso considerar, em questões morais, como a do aborto, as convicções pessoais dos indivíduos – nesse caso, as mulheres –, torna-se necessária uma análise das distinções e discussões sobre a definição entre o que é considerado como responsabilidade da esfera pública e o que é definido como parte da esfera privada na ação dos indivíduos em sociedade, quando confrontados por questões como a do aborto. Nesse sentido, é preciso repensar o problema da relação entre a esfera pública e a esfera privada, e, mais especificamente, repensar essa divisão como restritiva da autonomia dos indivíduos, sobretudo, no contexto da discussão sobre o aborto. A divisão entre o público e o privado surge a partir do desenvolvimento do modo de vida burguês, que evolui da empresa familiar às sociedades capitalistas, auxiliados ainda pela concepção do Estado construída desde o século XVII, contra o absolutismo e a favor das liberdades individuais. O conceito de espaço público é construído na obra do autor alemão Jürgen Habermas a partir da necessidade de analisar os limites do regime democrático frente a tais mudanças estruturais ocorridas no capitalismo tardio. No que se refere aos interesses comuns dos indivíduos, a esfera pública é aquela em que: [...] pessoas privadas se reúnem em público para discutir sobre as leis gerais que governam a vida civil, num debate orientado por regras que obrigam todos a procedimentos de racionalidade argumentativa, de suspensão das diferenças 139 pré-argummentativas, de aberturra e inclusãão, além, nnaturalmentte, de submmeter todos ao princípio doo melhor arrgumento ccomo base de legitimação da deccisão” (Gomes, 22006: 53). AA crítica feeminista asssume a idééia de esfeera pública a partir dee uma premmissa diverrsa da maiss conhecidaa acepção aao termo, habermasianna, e muito importantee para comppreendermoos o problema do isolaamento dass mulheres eem relação a essa esffera e as aatribuições que são desenvolvidaas nela. Na crítica feeminista, essse conceito se apressenta de foorma mais ampla, senndo qualquer atividadee que esteeja além daa vida domééstica e fammiliar (Fraseer, 1992: 1110). As refeerências à liberdade e a igualdadee dos indivvíduos numa esfera ppública quee é eminentemente coonstruída ssobre elemeentos mascculinos sãoo questionadas pela teeoria políticca feministaa e, nesse contexto, vvárias discuussões se ddesenvolverram sobre aa questão dda relação entre o quee é o públicco e o privaado para a tteoria e a pprática políttica feministta, e tambéém sobre a necessidadde da reelaaboração deesses conceeitos enquaanto contribbuição à teooria e à filossofia políticaa que permmita o ppleno dessenvolvimento das potencialidades dos indivídduos, indeppendentemente de suuas diferençças sexuaiss (Okin, 20008; Higginss, 2000; Coohen, 19977). Nesse ssentido, a reevalorizaçãão do privaddo e da neecessidade de se mannter o espaaço para a distinção e afirmação das identiddades – de gênero, dee raça, de eetnia, por eexemplo - eenquanto poosições pesssoais requuerem, por sua vez, a redefiniçãoo não só ddo que deve ser enttendido coomo esfera pública, mmas tambéém do connceito fundaamental doo indivíduoo enquantoo portador de direitoss privados (ou direittos à privaacidade). PPara Cohenn (1997), a reavaliaçãoo da esfera privada deeve incentivvar, e não limmitar, a libeerdade dos indivíduos. Tal desennvolvimento da relaçãoo entre sujeito e meio ssocial está baseado na revaloorização ddos processsos interaativos commo simbólicca e reflexxivamente significativoos, ou sejaa, no conteexto da disscussão soobre o que está contiido na idéiaa da esfera privada frennte à esferaa pública, éé preciso resspeitar o esspaço em qque se connstituem ass diferentess identidadees coletivass, mas, ao mesmo teempo, tambbém é preeciso presservar a identidade dos compponentes ddesses grupos, respeeitando, naa esfera prrivada, as escolhas ddos indivíduuos e a innviolabilidadde da persoonalidade (Cohen, 19997: 154). CComo já diito, o papeel e a funçãão da mídiaa se torna central nessse contexto de consstrução de identidadess, idéias e opiniões, vvisto que eela ocupa, nas socieddades conteemporâneas, uma possição centrral como prrodutora dee opinião e meio capaaz de expreessar publiccamente vissões e opinniões das mmais diversaas instituiçõões e pessooas. É inegáável a influêência dos mmeios de coomunicaçãoo na maneirra como compreendemmos o 140 04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança mundo a nossa volta, e, diretamente, na relação entres os sujeitos e seu meio social, constituído, em grande medida, pelos elementos apresentados nesses espaços de difusão de representações sociais que convencionamos chamar meios de comunicação de massa. Em relação ao problema da privacidade, a importância da mídia centra-se justamente em sua capacidade de difundir representações sociais sobre um determinado tema - no caso, o aborto – e assim, reforçar ou incitar a crítica sobre determinados enquadramentos sobre o tema, o que pode afetar, diretamente, a forma como esses temas são compreendidos e trazidos – ou banidos – da esfera política. Trazer a discussão sobre a privacidade, nesse sentido, tem a função de destacar essa função da mídia em nossas sociedades, e permite, assim, questionarmos os problemas da democracia para além de seu paradigma formal. A relação da troca de informações mediadas caracteriza uma forma de interação e troca de informações simbólicas que foi marcante no desenvolvimento social ao longo dos últimos séculos, alterando, de formas drásticas, o contexto de produção da informação, que passa a ser, ele mesmo, um importante elemento da vida social. Considerando que o desenvolvimento da ação social depende ele mesmo de contextos socialmente estruturados, responsáveis pela organização da experiência em nível individual, a mídia, enquanto elemento de mediação, também deve ser tomada como espaço onde esse contexto é estruturado. É exatamente por esse conjunto de características que a mídia é o elemento central dessa análise, considerando sua importância para os processos de formação das identidades, interesses e opiniões e de estruturação da forma como compreendemos e reproduzimos ou questionamos os contextos sociais em que estamos inseridos, a partir, nesse caso, dos referenciais de gênero. 3. ASPECTOS METODOLÓGICOS A pesquisa consistiu na coleta de dados, com base em fichas de avaliação desenvolvidas no software estatístico francês Sphinx, de todas as matérias que, na busca textual online no portal da Folha de S. Paulo, continham a palavra aborto e qualquer dos termos considerados, na pesquisa, correlatos a ele: abortamento, interrupção voluntária da gravidez, interrupção da gravidez. O jornal diário Folha de S. Paulo, composto por sete cadernos fixos e treze cadernos temáticos (quadro I), é, hoje, o jornal diário de maior tiragem e circulação no país, com média de distribuição nacional, no ano de 2007, que ultrapassou os 299 mil exemplares nos dias úteis e de mais de 370 mil exemplares aos domingos (“Conheça a Folha”, Folha de S. Paulo, 2008). 141 QQUADRO I: FOOLHA DE SÃOO PAULO - EDITORIAS DIÁRRIAS 11 . Folha Brasil: notícias e análisses sobre aa vida políticca e institucional do ppaís, cconsiderandoo também oss assuntos ligados aos mmovimentos ssociais; 22. Folha Ciêência: notíciias referentees às princippais descobeertas e pesquisas científficas nno Brasil e no mundo; 33. Folha Cootidiano: nottícias locais referentes ààs principaiss capitais do país, com ffoco nn as áreas dee segurança,, educação, ssaúde e direeito do consumidor; 44. Folha Ilusstrada: notíccias e análisees relacionaddas à área dee cultura e eentretenimento; 55. Folha Dinheiro: nottícias e anáálises sobree a conjuntuura econômica brasileirra e ii nternacional; 66. Folha Esporte: aboorda o temaa a partir dde elementoos relacionaados à políttica, mm arketing e utilizando-sse de estatíssticas nas análises dos principais ccampeonatoss do BBrasil e do mmundo; 77. Folha MMundo: ressponsável ppelas notíciaas e análisses referenttes ao cennário ii nternacional e pela veicuulação de reportagens dee outros periódicos internnacionais. Fonte: Folha dde São Paulo, 22008. OO jornal Foolha de S. Paulo se cconstituiu foormalmente no ano dee 1960 e, ddesde 19811 o grupo vem estabbelecendo fformalmentee documenntos que eexplicitam oo seu entenndimento ssobre seu pprojeto edittorial. São três os prinncipais refeerentes da linha editoorial do PProjeto Folha: plurallismo, apaartidarismo, e jornalismo críticco e indeppendente ((“Conheça a Folha”, Folha dee S. Pauloo, 2008). NNo total, fforam apressentados, desde 19881, seis pprojetos edditoriais, seempre regiidos por eesses princcípios. OO desenvoolvimento ddesses projjetos, no início dos anos 80, coincide coom o períoodo em quee a Folha dde S. Paulo se firmou eenquanto um dos maioores veículoos de mídiaa impressa no país, aassumindo o posto dee jornal de maior circuulação pagaa aos domiingos. O ddesenvolvimmento do ggrupo Folhha ao longgo desses anos, dessde o lançaamento de seu primeiro projeto eeditorial, foi, sem dúviida, exitosoo. Como umm dos princcipais veícuulos de communicação ddo país, tannto em influuência quannto em númmeros absoolutos de veendas, a Foolha de S. Paulo é umm veículo dde comuniccação de mmassa centrral no âmbitto da imprensa brasileira. TTodas as matérias coletadas tiveram seeus dadoss básicos anotados: data comppleta, tipo dde matéria, título, autooria, sexo ddo autor, edditoria. Foraam listados onze argumentos, ouu enquadraamentos, coomo os maais comunss nas discussões sobbre o abortto, com baase na anáálise préviaa do materrial coletado. O quadro II apressenta, detallhadamentee, os onze aargumentoss identificaddos como ccentrais na discussão ssobre o aborto no paíís. A partir dessa lista,, identificouu-se, em caada reportaggem que tinnha o abortto como teema centrall, referênciaa lateral ouu secundárrio, como oo argumentoo era 142 04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança apresentado. Essa classificação foi estabelecida com base na centralidade do argumento para o desenvolvimento da matéria jornalística: os argumentos eram identificados como principal, quando se tratava do elemento central da matéria; como presente, se fosse apenas um argumento secundário ao principal; como neutro ou ambíguo, se citado sem juízo aparente sobre seu conteúdo pelo autor, ou se mantém o equilíbrio entre o argumento e sua contestação; como contraditório presente, quando o argumento era utilizado para ser desacreditado na discussão; e como contraditório principal, se o contraditório, favorável ou contrário ao direito ao aborto, fosse o elemento central da matéria. QUADRO II: PRINCIPAIS ARGUMENTOS NA DISCUSSÃO SOBRE O ABORTO 1. Legislação adequada: argumento baseado na idéia de que a legislação brasileira abarca os casos suficientes à dimensão da questão do aborto. 2. Ampliação dos casos de aborto legal: pela insuficiência da legislação em relação ao aborto, com especificação sobre necessidade de ampliação dos casos legalmente au torizados, mas sem referência necessária à descriminalização total. 3. Aborto como crime: considera toda forma de aborto como passível de punição penal. 4. Medidas mais repressivas: pelo aumento da punição em caso de aborto ilegal. 5. Feto não é sujeito moral: pela descriminalização do aborto como crime por considerar que o feto não é um sujeito moral, e, assim, não há base para a defesa de seus interesses. 6. Questão de saúde pública: argumento que se desenvolve sobre a idéia de que os problemas de saúde decorrentes da prática ilegal do aborto são o elemento principal na discussão sobre o tem no âmbito do Estado, geralmente ligado à idéia de descriminalização co mo modo de diminuir as mortes ou os atendimentos decorrentes de abortos clandestinos. 7. Não é forma de contracepção: argumento que desconsidera o aborto como forma de pl anejamento familiar, controle de natalidade, ou como método contraceptivo. 8. Direito à vida: contra a prática do aborto por considerar que o direito à vida é sagrado. 9. Direito das mulheres: pela regulamentação da prática do aborto pela necessidade de se garantir às mulheres o direito de dispor sobre seu corpo. 10. Tema da agenda pública: pela institucionalização da discussão sobre o aborto como um a questão de interesse público, que deve ser regulado e debatido no âmbito dos poderes públicos. 11. Acesso ao aborto legal: argumento que se concentra sobre os problemas referentes ao acesso e as informações sobre as possibilidades legalmente estabelecidas para a realização do aborto nos casos dos permissivos legais. Fonte: “Aborto: o debate no Brasil”, 2008. Os personagens masculinos e femininos em cada matéria, assim como as instituições, foram cadastrados em formulários individuais. O motivo que tornou necessária uma ficha específica para cada personagem, assim como para cada instituição citada, direta ou indiretamente, nas matérias, foi a necessidade de se identificarem os atores que ganham voz na discussão sobre o tema do aborto. Nas fichas referentes aos personagens identificados nas matérias validadas segundo o critério de relevância do tema, eram anotados os dados básicos sobre cada personagem: nome, sexo e faixa etária. 143 NNo caso dos persoonagens, iddentificou-se a vincuulação desstes a religiões organizadas, mmovimento feeminista, ppoder públicco, ou outraa instituiçãoo ou movimmento sociaal, assim coomo o cargoo ou a posiçção de fala indicada naa matéria. NNo que se rrefere à maaneira commo foram citados, os ppersonagenns foram divididos entre aqueless que tiveraam citação direta, inddireta ou quue não tiveeram citação registrada na matérria. A partirr disso, iddentificou-se a posiçção do peersonagem quanto aao aborto: pela desccriminalizaçãão; pela ammpliação doos casos dee aborto legal; pela maanutenção dda lei; por nnovos mecaanismos repressivos; pela redução dos cassos de aborto legal; ou por posiçção neutra ou ambíguua. Em relaação à possição do peersonagem, foi identifficado tambbém o enquuadramentoo de seu aargumento na matéria: se ele foi utilizado como afirmmação, comoo negação ou de formma neutra ouu ambígua dentro do ttexto jornalíístico. Por ffim, cada ppersonagemm foi identifficado seguundo a relevvância de ssua contribuição em termos dee argumenntos na coonstrução da matéria como vvoz única, voz predominante, contrapontto, voz mminoritária, ou sem voz. A identificação das instittuições seguue basicammente os meesmos requisitos da ficcha de persoonagens. 4. MÍÍDIA, ABORTTO E ENQUADDRAMENTOSS: RESULTADDOS Foram analisaddas um totaal de 1547 matérias nos seis anoos cobertoss pela pesqquisa. Desssas 1547 mmatérias, 3005 foram julgadas commo “irrelevanntes”, tratanndo-se daquelas matéérias onde aa referênciaa ao abortoo era apenaas superficial, como, ppor exempllo, se tratavva do uso dda palavra dde forma metafórica (ccomo em “oo plano foi aabortado”) oou em conteexto difereente do quue interesssava à pessquisa. Asssim, o tottal de mattérias analiisadas em todos os critérios aapresentados na metodologia ccaiu para 1242 entraadas. EEm pesquisa referentte à análisse das detterminantess de gênerro e visibilidade polítiica no Brassil (Miguel ee Biroli, 20008), constaatou-se quee a visibilidade políticaa das mulhheres, tantoo na mídiaa quanto nos espaçços políticoos, está coondicionadaa por esterreótipos dee gênero quue limitam sua ação em amboss os campoos, mantenddo-as distaantes das posições ccentrais emm grande parte pela existênciaa de elemeentos simbbólicos, de representação que, reeforçados ppela mídia, pré-condiccionam algumas temááticas e prátticas como essencialmmente femininas, e também como temas de mmenor impoortância e vvisibilidade nno campo dda política. O discursoo do desvelo, que refoorça a posiçção das muulheres commo naturalmmente proppensas a sse interessaar por temááticas sociaais, como, por exempplo, a assisstência soccial, o meioo-ambiente, as políticaas de saúdde, de defessa dos direitos das criaanças, das mulheres ee da família, (Miguel, 22001), é exeemplo de um argumennto utilizadoo para a incclusão das mmulheres naa esfera pública, argumento essee que reforçça esses esstereótipos dda mulher ccomo frágil,, protetora, dócil. 144

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Resumo: Este trabalho busca mapear os principais elementos do debate sobre o aborto no Brasil, a partir da análise do desenvolvimento da
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