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Trabalho do Ator e o Espaço PDF

333 Pages·2015·8.99 MB·Portuguese
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TEMA: TRABALHO DO ATOR E O ESPAÇO TÍTULO: INTERVENÇÕES DA MÁSCARA NA RELAÇÃO ENTRE ATOR E ESPAÇO CÊNICO Alex de Souza (bolsista FAPESC/CAPES); Prof. Dr. Valmor Beltrame (orientador); Programa de Pós-Graduação em Teatro (Doutorado) - PPGT/UDESC. As relações desenvolvidas pelo ator em relação ao espaço podem ser analisadas por meio de diferentes pontos de vista. De início, é necessário compreender que ao atuar, o conceito de “espaço” não se reduz a apenas “extensão limitada em uma, duas ou três dimensões; distância, área ou volume determinados” (HOUAISS, 2009 – verbete: 1 espaço), mas ao contrário, amplia-se graças à ação do ator neste espaço. Para Patrice Pavis, ao se tratar de teatro, “espaço” pode ser diferentemente compreendido como: “1. Espaço Dramático; 2. Espaço Cênico; 3. Espaço Cenográfico (ou Espaço Teatral); 4. Espaço Lúdico (ou Gestual); 5. Espaço Textual; 6. Espaço Interior” (PAVIS, 2007, p. 132-133 – verbete: espaço). Entretanto, aqui nos cabe discutir o trabalho do ator em relação ao chamado “espaço cênico”, conforme a definição de Pavis: É o espaço concretamente perceptível pelo público na ou nas cenas, ou ainda os fragmentos de cenas de todas as cenografias imagináveis. É quase aquilo que entendemos por “a cena” de teatro. O espaço cênico nos é dado aqui e agora pelo espetáculo, graças aos atores cujas evoluções gestuais circunscrevem este espaço cênico. (PAVIS, 2007, p. 133 – verbete: Espaço Cênico 2) Este espaço destaca-se de qualquer outro local concreto e real predominantemente pelo uso do qual é feito. Assim, uma praça pode ser inicialmente um “espaço público” e/ou um “espaço de lazer”, mas a partir do momento em que ocorre nesta mesma praça um ato teatral, ela passa a ser um “espaço cênico” enquanto durar aquele ato. Considera- se então a relação do ator com o espaço por ele ocupado como fundamental para a caracterização de um espaço cênico. Mas, se há uma relação entre ator e espaço ocupado, presume-se que há alguma distinção entre eles, que o ator não é parte deste espaço ou passa a se destacar dele em algum momento. O encenador suíço Adolphe Appia (1862- 1928) compreende esta relação entre ator e espaço da seguinte forma: No espaço “informe e vazio”, o ator representa em três dimensões; sua plasticidade ocupa portanto um fragmento de espaço impondo-lhe sua forma. Mas o ator não é uma estátua; sua plasticidade não elimina o fato de ele ser vivo e sua vitalidade expressa-se pelo movimento; ele não ocupa o espaço somente com seu volume mas também com seu movimento. O corpo, sozinho no espaço ilimitado, mede este espaço com seus gestos e suas evoluções ou, mais claramente, apropria-se portanto de uma porção do espaço, limitando-a e condicionando-a. Sem ele, o espaço volta a ser infinito e não poderá ser dominado. (APPIA apud RATTO, 2001, p. 39) Para Appia, a força do ator em relação ao espaço está em sua vitalidade expressa pelo movimento. É a ação e a presença do ator que transforma, delimita, identifica ao público que se trata de um espaço da cena e não mais um espaço “em devir”, infinito. Mas não é simplesmente o movimento que altera o espaço. Um ventilador pode mover- se e ainda assim não alterar o espaço que ocupa. O ator vivo ou o objeto que simule vida autônoma move-se para realizar vontades, necessidades, desejos. O movimento do corpo ao respirar, um olhar fixo em determinado ponto, o deslocamento do ator entre dois objetos de cena, apontar o dedo para alguém da plateia, são movimentos que circunscrevem o espaço de atuação, determinam ao público o que e onde está acontecendo a ação. Contudo, para apropriar-se dessa “porção de espaço” e poder condicioná-la à sua vontade para a plateia, é fundamental que o ator seja capaz de perceber este espaço por ele ocupado da forma mais plena possível. Percebendo o espaço e percebendo-se no espaço é que o ator se torna capaz de relacionar-se com o mesmo. Para o prosseguimento desta reflexão, entende-se por “percepção” como “a capacidade de vincular os sentidos a outros aspectos da existência, como o comportamento, no caso dos animais em geral, e o pensamento, no caso dos seres humanos”. (VEZZÁ e MARTINS, 2008, p.04). Ou seja, a percepção seria a capacidade de atribuir significados aos estímulos sensoriais captados pelo corpo, a interpretação das informações recebidas. Segundo Vezzá e Martins (2008), A percepção é um processo ativo do indivíduo, que explora as informações para dar relevo a elas: quais são os aspectos fundamentais e quais os desprezíveis para obter o conhecimento buscado. Quando o indivíduo olha à sua volta, seus olhos passeiam sobre as coisas conhecidas que o cercam, e identificam entre todos os estímulos luminosos que os atingem os traços relevantes para que ele tenha a percepção do conjunto. Ela é possível graças ao contexto em que cada um se encontra e à sua experiência passada – tem-se o conceito de mesa, cadeira, chão, janela, e de várias configurações possíveis nas quais estes elementos estão agrupados, aí incluída a configuração das sensações do corpo em contato com estes objetos – tem-se uma memória conceitual e também corporal. (p.04-05). Sendo a percepção formada por esse sistema cognitivo que parte das sensações, é interessante notar que há três principais grupos de aferências sensoriais no corpo que chegam ao sistema nervoso central: sensações interoceptivas (ou introspectivas), sensações exteroceptivas (ou extrospectivas) e a propriocepção. As sensações interoceptivas são aquelas provenientes de dentro do corpo, que informam ao sistema nervoso central sobre as condições internas do organismo e, dessa forma, percebemos quando estamos com fome, sede ou cólica intestinal. As sensações exteroceptivas, por sua vez, são provenientes de fora do corpo, captadas pelos nossos cinco sentidos (visão, olfato, audição, paladar e tato). Já a propriocepção, é um sistema sensorial que une informações internas e externas ao corpo, com a finalidade de identificar a si próprio entre suas partes e sua condição referente ao espaço que ocupa. Sobre a propriocepção, Alain Berthoz discorre: A propriocepção muscular e articular e os captadores vestibulares cooperam com a visão e com os captadores táteis da pele – em conjunto com os do corpo e os dos pés, por exemplo, para medir nossos movimentos. Tudo isso forma o que chamei em meu livro de Sentido do movimento. Não existem, portanto, somente os cinco sentidos clássicos, serão oito ou nove. O que é absurdo e inacreditável é que, apesar da acumulação extraordinária de conhecimentos que nós temos atualmente sobre esses captadores, continuemos a falar em cinco sentidos! (BERTHOZ apud CORIN, 2001, p.02) Berthoz refere-se ao movimento como sendo também um sentido, uma forma de chegar à percepção. Em seus estudos acerca do assunto, o autor aponta que o corpo é capaz de identificar acelerações, assim como alterações de nível, eixo ou rotação somente durante o movimento. Portanto, o movimento é o principal responsável pela propriocepção. Contudo, para coordenar movimentos no espaço, estão envolvidos todos os três grupos de aferências complementarmente. Segundo Berthoz, Partindo das informações de todos os sentidos, o cérebro, para coordenar nossos movimentos, deve construir uma percepção coerente e única da orientação e do movimento de nosso corpo no espaço. A coerência perceptiva é assegurada pelas convergências das informações de todos os nossos sentidos. Por exemplo, a visão e o sistema vestibular devem trabalhar juntos para medir o movimento. A visão permite medir a velocidade permanente, enquanto os captadores vestibulares só podem medir o momento da aceleração quando mudamos de velocidade. Dentro do elevador, a uma velocidade constante, não temos impressão de estarmos subindo. Os dois captadores são complementares. (BERTHOZ apud CORIN, 2001, p.02) Quando há algum tipo de incoerência na percepção, sentimos imediatamente o distúrbio e o corpo reage, com tonturas, enjoos e desequilíbrios, por exemplo. A relação do corpo com o espaço altera-se pois não há clareza na percepção dos diferentes sentidos. Mas conhecendo os modos operativos da percepção, o ator pode jogar com isso em seu trabalho. E nesse jogo de percepções tornar possível ao ator “dominar” e “transformar” um espaço físico, concreto, num espaço cênico. O lugar onde se encontra pode mudar sua configuração de acordo com o modo como é utilizado, propondo uma nova percepção ao público. O ator vê uma cadeira. Inicialmente, o sentido da visão identifica por meio da luz que chega à retina aquele objeto. Há um processo cognitivo que relaciona aquela imagem específica às imagens semelhantes vistas antes (memória) e com toda a experiência já vivida do ator com o objeto cadeira. Deu-se a percepção e o ator compreende que viu uma cadeira. Contudo, o ator vai além e segue relacionando a imagem da cadeira com outras imagens e experiências, que resulta numa aproximação com a imagem de um cavalo. O ator, ao invés de relacionar-se com a cadeira do modo como costumeiramente se faz, relaciona-se com ela como se fosse um cavalo e passa a ocupar o espaço de uma maneira distinta. O público que reconhece a assimilação feita pelo ator passa a perceber que o espaço da cena não é mais o palco, tablado ou praça de antes, o espaço então passa a ser percebido como uma arena de rodeios. Porém, como o ator pode lidar com um espaço tendo a sua própria percepção alterada? Ao utilizar uma máscara, o ator terá inevitavelmente alguns de seus sentidos limitados ou com uma sensibilidade diferente do habitual. As alterações variam conforme o tipo de máscara utilizada mas sempre causará, ao menos de início, uma sensação de estranheza. Isso porque a maior concentração de captores de sentidos em nosso corpo está situada na cabeça. Os relatos de experiências iniciais com máscaras se assemelham bastante nesse sentido, como podemos observar com o exemplo do ator Moretti, famoso por interpretar o Arlechinno em uma montagem de Giorgio Strehler: O ator resistia à máscara, e recusava as suas restrições. Moretti explica então a Strehler que tem dificuldade para respirar com a máscara, que fica sufocado, literalmente, e que aquele corpo estranho o incomoda. Convencido, ao contrário, da qualidade e da comodidade daquela máscara, Strehler mantém a sua posição: sendo de couro maleável, deveria servir “como uma luva”. O ensaio começa, mas o ator, furioso, reclama, xinga, odeia aquela máscara que o impede de interpretar com fineza a sua personagem: “Ele estava tão furioso quanto um jovem potro selvagem em quem se tivesse posto as rédeas pela primeira vez”, recorda Sartori, pois sem dúvida fazia questão de mostrar ostensivamente ao diretor a sua oposição. Não aguentando mais, explode: “Não se pode trabalhar com esta coisa no nariz; ela me aperta, não vejo nada”. E joga a máscara no chão. Sartori grita. Moretti pega uma tesoura e amplia os olhos da máscara. O ensaio tem de ser interrompido. (FREIXE, 2010, p. 05- 06) A reação de Moretti, inicialmente estarrecedora ao encenador e ao confeccionador da máscara, é compreendida por Dario Fo, que comenta: A princípio, o uso da máscara para um ator é uma experiência angustiante. Não tanto pelo uso em si, mas muito mais pela restrição do campo visual e no plano acústico-vocal. A voz fica gritando dentro da cabeça, atordoando, ressonando nos ouvidos. Até acostumar-se ao seu uso, é impossível controlar a respiração. Estranha-se a máscara, que se transforma em uma jaula de tortura. Pode-se dizer que ela nos tira a possibilidade de concentração. (FO e RAME, 2004, p. 47) Apesar de parecer ser algo tão terrível ao ator algumas vezes, a professora Ana Maria Amaral esclarece a contrapartida da máscara: Mas por que é a máscara considerada instrumento no treinamento do ator quando, na verdade, o que ele (pelo menos num primeiro impacto) sente ao usá-la é uma grande sensação de desconforto? De pronto, ao vesti-la, percebe uma limitação no seu campo visual, a respiração é dificultada e a voz ou se distorce ou perde força. Em compensação, o espaço à sua volta toma outras dimensões, o simples mover o corpo exige uma atenção tal que, para mínimos gestos, exige-se muita concentração. A máscara leva à conscientização do corpo, tornando o ator muito sensível aos estímulos físicos que o cercam. Por isso ela é fundamental para sua formação, principalmente quando o ator pretende se expressar através de personagens materiais, inanimados. (AMARAL, 2002, p. 43) A conscientização do corpo e do espaço proporcionados pelo uso da máscara são pontos interessantes levantados por Amaral, que remetem à redescoberta da máscara no século XX, especialmente com Jacques Copeau (1879-1949). Copeau recorre à máscara em seu trabalho buscando desnaturalizar o corpo e conscientizar o ator de seus gestos, para que sejam mais sintéticos (FREIXE, 2010). O trabalho de Copeau reverbera consequentemente nos aprofundamentos com relação à pedagogia teatral desenvolvidas por Jean Dasté (1904-1994), Léon Chancerel (1886-1965) e Jacques Lecoq (1921-1999). Relacionando com as pesquisas sobre percepção, Vezzá e Martins (2008) afirmam que automatizamos os movimentos a partir do momento em que dominamos a sua execução, deixando de percebê-los. Isso acontece, por exemplo, ao caminhar. Depois de aprender a caminhar, não se percebe mais o processo, até que haja alguma alteração nas respostas sensoriais que provoquem uma nova percepção. Do mesmo modo, Amaral tem razão em afirmar que a máscara leva à conscientização do corpo, pois causando tal desconforto inicial e limitação a alguns sentidos, força o ator a ter novas percepções sobre si e o espaço que ocupa. Isso também se deflagra na história de Moretti, que segundo Freixe (2010), encontra mais tarde na mesma máscara que o tolhia, a melhor aliada em seu trabalho: Para Moretti, as limitações da máscara logo se tornaram trampolins para a invenção. O seu jogo adquiriu outra dimensão, e ele recebeu da máscara o dom de uma liberdade inimaginável. As primeiras máscaras de Arlequim experimentadas por Moretti possuíam olhos redondos muito pequenos, como nas máscaras antigas que chegaram até nós. Foi a dificuldade de ver como na vida cotidiana que fez Moretti compreender que era preciso inventar uma gestualidade particular, animal, que até então havia apenas esboçado de fora, referindo-se às atitudes de Arlequim tais como as vemos nas gravuras, e que sentia agora como absolutamente necessárias. Moretti tirou proveito dessa visão alterada que tinha com a máscara: inventou a caminhada por saltos e solavancos, pois tinha que “situar a margem de ação em função do campo visual, olhar sem cessar para seus pés para precisar por onde está andando, e não tropeçar num obstáculo eventual”. Assim, num espaço muito restrito, devia executar o movimento num breve lapso de tempo, o que dava aos seus deslocamentos um caráter ao mesmo tempo mecânico e profundamente orgânico. A urgência que tinha de “ver” se tornava metafórica da outra urgência que ele tinha: a de “viver”. (FREIXE, 2010, p. 06) Ao admitir as limitações impostas pela máscara, Moretti reencontrou verdadeiramente o significado do modo de agir do seu personagem. O modo como se movia e se relacionava com o espaço deixou de ser uma escolha racional e arbitrária para se tornar uma necessidade fisiológica. Nesse sentido, percebe-se que tal qual postulou Appia, Moretti tornou-se um ser inegavelmente vivo em movimento ocupando e dominando o espaço cênico. Mas a intervenção da máscara na percepção do ator não ocorre apenas pela afetação dos sentidos extrospectivos. Conforme a pesquisa de Fernando Linares, A partir do momento em que o estudante/ator coloca a máscara, a sua mente se dividirá entre a visão do espaço real, para se orientar em cena, a sustentação da imagem de si mesmo vestido com a máscara e em imaginar o que a máscara enxerga com seus olhos pintados. A partir destes elementos, ele poderá explorar os códigos que promovem a sua expressividade. (LINARES, 2010, p. 163) Vemos a partir desta citação que o ator mascarado trabalha simultaneamente em distintos âmbitos de relação com o espaço. Ele lida com o espaço concreto que ocupa, portanto há uma relação direta de todos os seus sentidos extrospectivos com a sua percepção e o espaço ocupado. Mas ao utilizar uma máscara, o ator também constrói uma corporeidade própria para a figura que representa, consequentemente, alterando a sua propriocepção. Uma máscara que remeta a um idoso, por exemplo, acaba por exigir do jovem ator uma postura que em nada se assemelha com a sua postura habitual. A sua propriocepção lhe informará que a coluna arqueada, os joelhos rígidos e a respiração pesada estão fora dos seus padrões e precisam ser corrigidos. Há uma alteração de percepção que será trabalhada pelo ator de modo que essa se torne uma “segunda natureza”, enquanto estiver portando aquela máscara. Partindo das limitações impostas pelo objeto agregado ao seu corpo, o ator pode fazer disso parte de seu material criativo e aprofundar seu trabalho. A máscara possibilita ao ator, enquanto objeto de cena e/ou de treinamento, a rica possibilidade de perceber o mundo de novas maneiras. Reencontrar-se no espaço, relacionar-se de maneiras até então inimaginadas com o lugar, as pessoas e os objetos que compõem o mesmo, pode ser o diferencial entre uma atuação regular e uma atuação memorável para o público. REFERÊNCIAS AMARAL, Ana Maria. O ator e seus duplos: máscaras, bonecos, objetos. São Paulo: SENAC, 2002. CORIN, Florence. Le sens du mouvement. [O sentido do movimento]. Entrevista com Alain Berthoz, p. 80-93. In: Vu du corps. Nouvelles de Danse. Trad. Lucrécia Silk. Bruxelles: Contredanse, n. 48/49, 2001. FO, Dario; RAME, Franca. Manual mínimo do ator. 3. ed. São Paulo: Ed. SENAC, 2004. FREIXE, Guy. “Cinquième Partie ― L´âge d´or du Masque ― De L´Renaissance du masque de La COMMEDIA DELL´ARTE” [I – Renascimento da máscara da Commedia dell´Arte], p. 163-178, in Les Utopies du masque sur lês scènes européennes du XXe siècle [As Utopias da Máscara nos palcos europeus do século XX]. Montpellier: L´Entretemps, 2010. p. 19-22. Tradução inédita de José Ronaldo Faleiro. HOUAISS. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão monousuário 3.0. [S.l.]: Objetiva, 2009. LINARES, Fernando J. J.. A máscara como segunda natureza do ator: o treinamento do ator como uma “técnica em ação”. 2010. 180 p. Dissertação (Mestrado em Artes) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2010. PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. RATTO, Gianni. Antitratado de cenografia: variações sobre o mesmo tema. 2 ed. São Paulo: Ed. SENAC, 2001. VEZZÁ, Flora. M. G; MARTINS, Emerson. F. Sensação, Percepção, Propriocepção? Revista Brasileira de Ciências da Saúde. São Caetano do Sul, v. 6, nº 15, jan/mar, 2008. Disponível em: <http://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_ciencias_saude/article/view/531/376> Autora:Ana Maria Rodrigues;Orientador:Luiz Humberto Arantes;Universidade Federal de Uberlândia A desregrada vida do pequeno Moleque Tião e os desafios de ser Grande Otelo Resumo O presente texto apresenta uma reflexão sobre o espetáculo “Moleque tão Grande Otelo” e as questões étnico-raciais que envolvem a peça e permearam a vida do artista. O artigo fala de como os acontecimentos da vida do ator Grande Otelo tiveram implicações em sua arte, os fatos que marcaram sua carreira e que são mostrados no espetáculo, “misturam” arte, vida, fantasia e realidade. Com o intuito de desvendar o ator, a autora também faz referência a sua própria história enquanto atriz e a similaridade de suas raízes com as de Sebastião Bernardes de Souza Prata que se tornou para o mundo o Grande Otelo. Palavras chave: Grande Otelo, espetáculo, vivência. Nesse artigo, apresentarei algumas considerações baseadas no projeto de criação do espetáculo “Moleque Tão Grande Otelo”, montagem que o grupo Athos de Teatro, realizou em 2011, com dramaturgia e encenação de Luiz Humberto Arantes no qual, além de trabalhar como atriz sendo a avó de Otelo, fiz também a produção do espetáculo. Ao estudar o processo de criação e a história de vida de Grande Otelo, notei que havia muitos pontos de conexão de sua trajetória com minha própria história de vida e meu processo de formação como atriz. No processo de pesquisa de campo realizei um resgate de memórias pessoais, que perpassaram momentos da minha infância e adolescência. Cenas que me abriram em direção ao novo, ao outro, e a um novo olhar a respeito de questões concernentes ao universo afro-descendente. Assim, pretendo realizar, com o artigo, uma intersecção entre o universo vivido por Grande Otelo em sua experiência de vida a partir do material colhido no processo de montagem do espetáculo Moleque Tão Grande Otelo e a minha trajetória pessoal passando por questões de vivências de uma forma geral como a infância, as dificuldades do meu trabalho de atriz que são similares, em alguns aspectos com a trajetória de vida do grande gênio dos palcos. Para reforçar o estudo deste material, serão realizadas algumas considerações baseadas nos textos “Experiência e Paixão” de Jorge Larrosa, ”Memória (in) Performance” da Professora Doutora Mara Lúcia Leal e “Tempo Passado” de Beatriz Sarlo. O moleque Otelo O espetáculo “Moleque Tão Grande Otelo” revelara os bastidores da vida de Grande Otelo, mostrando seus duplos, homem de teatro com grande poder de comunicação e talento em contraponto com uma vida desregrada como boêmio e ébrio. Sebastião Bernardes de Souza Prata vivia seu Grande Otelo com o intuito de trazer a alegria que, muitas vezes, não possuía. Sua arte como ator foi usada para encarar, com riso, as angústias e o preconceito que vivenciava. Ele não era somente artista, fazia da sua arte o alento para a sua vida, o que lhe gerou infortúnios. O próprio Otelo traz, em seus depoimentos risonhos, brincantes, como bom palhaço, o fato de que vivia “escondendo no riso a sua dor”. Sua arte possui um caráter libertador que escamoteava suas dores e angústias, e se próprio biógrafo relata a respeito: “absolve-se ou condena-se Grande Otelo por sua vida errante e, ao mesmo tempo, encantadora. Compreendemos que a arte o liberta” (SANTOS, 2011). O processo criativo do espetáculo, desenvolvido pelo encenador Luiz Humberto Arantes, foi marcado pela construção a partir das memórias, sejam elas biográficas pelo livro de Sergio Cabral, ou autobiográficas, pelos depoimentos e entrevistas em vídeo e em texto do próprio artista. Todas estas fontes apontaram em uma montagem carregada de memórias híbridas, de um lado do próprio artista e, em outra perspectiva, aliado ao contexto histórico social da época. Nesse caso, trabalhando a partir de conceitos stanilavskianos, como a “memória emotiva”, “mergulhei” em meu próprio universo e, revisitei etapas de meu processo formador como mulher negra e atriz, me nutrindo de um arcabouço emocional que me forneceu material suficiente para me aproximar, com cautela e denodo, dos sofrimentos e alegrias da arte de se fazer artista como Otelo se fez. Entremeada por emoções variadas, vivenciadas ao longo de minha trajetória de formação revisitando meu passado e vivência ao lado de meus irmãos, acionei o material de que necessitava para revigorar meu trabalho cênico. Corpo e memória atrelados em conexão com o passado e a reconstrução da história de Otelo, lugares comuns que se convergem, experiência e memória. Em meu corpo, memória e experiências me trouxeram entendimento e me conectaram com Otelo. Esta relação de experiências vividas fisicamente, que podem nos levar a um lugar de compreensão do mundo através do sensorial resguardado no corpo é relatada pelo encenador Constántin Stanislavski: (...) é somente através da percepção, da relação do corpo com o mundo por meio dos sentidos que se aciona a memória, que no caso da involuntária, seria para Stanislavski a “verdadeira” erupção do passado, carregada de sensações e sentimentos. (Stanislavski apud Mara, p. 66, 2011) No espetáculo, revelamos os lugares comuns onde Otelo passou e que compõe o arcabouço da memória concernente ao imaginário dos cidadãos uberlandenses como o Colégio Estadual Bueno Brandão, onde ele estudou, a esquina do Hotel Presidente onde engraxou sapatos, ou quando vendia jornal na Estação Ferroviária Mogiana. Desta forma, o universo em que Sebastião Bernardes de Souza Prata viveu perpassa por espaços sensíveis de cada homem, como a terra natal e lugares de vivência com respectivos familiares, adquirindo memórias como um fio que, entrançado, compõe a construção da imagem de um homem. A respeito da pesquisa deste material de campo sobre Otelo, os seus lugares comuns ajudaram a formar o arcabouço necessário à formação do material de trabalho e levaram ao universo de identidade e compreensão do espaço étnico racial naquele tempo e naquela sociedade. Este tipo de pesquisa que nos leva à compreensão de nosso questionamento a respeito de nossa etnia a partir de material biográfico de Otelo, e autobiográfico, ao mesmo tempo, relacionado com minhas vivências é revelado na pesquisa da Professora Mara Leal em sua tese de doutorado, que a partir de seu processo fez a seguinte reflexão:

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Axioms for Environmental Theater.” New York: Applause, 1994. SYLVESTER, David. Entrevistas com Francis Bacon: David Sylvester. 2a. edição, São
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