PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA ISSN 1809-2632 R. Bras. Intelig. Brasília, DF v. 3 n. 4 p. 1-153 set. 2007 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Presidente Luiz Inácio Lula da Silva GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL Ministro Jorge Armando Felix AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA Diretor-Geral Márcio Paulo Buzanelli SECRETARIA DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO Secretário Wilson Roberto Trezza Comissão Editorial da Revista Brasileira de Inteligência Ana Beatriz Feijó Rocha Lima e Maria Cristina Moraes Pereira (CGDI) - Coordenação; Edílson Fernandes da Cruz e Eliete Maria de Paiva (Esint); Gecy Tenório de Trancoso (Acom); Orlando Alvarez de Souza e Olívia Leite Vieira (DI); Glauco Costa de Moraes (DA) Jornalista Responsável Gecy Tenório de Trancoso – DRT DF 10251/92 Capa Carlos Pereira de Sousa e Wander Rener de Araujo Editoração Gráfica Jairo Brito Marques Revisão Lúcia Penha Negri de Castro; Caio Márcio Pereira Lírio; Luiz Cesar Cunha Lima Catalogação bibliográfica internacional, normalização e editoração Coordenação-Geral de Documentação e Informação – CGDI/SEPC Disponível em: http://www.abin.gov.br Contatos: SPO Área 5, quadra 1, bloco K Cep: 70610-905 Brasília – DF Telefone(s): 61-3445.8164 / 61-3445.8427 E-mail: [email protected] Tiragem desta edição: 3.000 exemplares. Impressão Gráfica – Abin Os artigos desta publicação são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abin. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta revista, desde que citada a fonte. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Revista Brasileira de Inteligência / Agência Brasileira de Inteligência. – Vol. 3, n. 4 (set. 2007) – Brasília : Abin, 2005 - Quadrimestral ISSN 1809-2632 1. Atividade de Inteligência – Periódicos I. Agência Brasileira de Inteligência. CDU: 355.40(81)(051) 2 REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA. Brasília: Abin, v. 3, n. 4, set. 2007. Sumário Editorial ............................................................................. 5 Uma cartilha para melhor entender o terrorismo internacional: conceitos e definições Cmt. Int. Paulo de Tarso Resende Paniago e outros .......... 13 O papel dos serviços de Inteligência na prevenção e no combate ao terrorismo internacional Cmt. Int. Paulo de Tarso Resende Paniago ........................ 23 Ensaio sobre as distinções entre organizações guerilheiras e terroristas 3º Of. Int. Carolina Souza Barcellos.................................... 29 O desafio do terrorismo internacional Cmt. Int. Paulo de Tarso Resende Paniago ........................ 35 Terrorismo e contraterrorismo: desafio do século XXI 2º Of. Int. Álisson Campos Raposo..................................... 39 Por uma outra visão do terrorismo 3º Of. Int. Thiago Lourenço Carvalho.................................. 57 Terrorismo cibernético e cenários especulativos Tecnologista Sênior Eduardo Müssnich Barreto.................. 63 O Hizballah e a evolução do quadro no Oriente Médio Cmt. Int. Romulo Rodrigues Dantas.................................... 77 REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA. Brasília: Abin, v. 3, n. 4, set. 2007. 3 Repercussões da contenção da ameaça do terrorismo internacional na economia brasileira Cmt. Adj. Int. Ricardo Zonato Esteves ................................ 93 O partido de Deus no Líbano: histórico e atividades Cmt. Int. Eliane Schroder de Moura.................................... 99 Uso da Internet por Grupos Extremistas Cmt. Int. Rômulo Baptista de Souza ................................. 105 Resumo At the center of the storm: my years at the CIA Cmt. Int. Romulo Rodrigues Dantas.................................. 109 Caso histórico A Batalha de Argel..................................................................115 Livros Recomendados.................................................. 131 Cartas do Leitor............................................................. 145 Normas Editoriais.......................................................... 149 4 REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA. Brasília: Abin, v. 3, n. 4, set. 2007. Editorial A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NA PREVENÇÃO DA AMEAÇA TERRORISTA A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tem como uma de suas prioridades a prevenção do terrorismo no Brasil. Trabalhan- do ativamente para neutralizar essa forma de ameaça à socieda- de e ao Estado, a Abin conseguiu, ao longo dos últimos anos, acu- mular capacidade e experiência ímpar no tratamento dessa ques- tão. Divulgando essa experiência, em dezembro de 2006, promo- veu, em Brasília, o II Seminário Internacional sobre o Terrorismo, com a presença de representantes de mais de vinte países com vivência no enfrentamento dessa ameaça. Os oficiais de inteligên- cia da ABIN têm igualmente se especializado, no país e no exteri- or, para melhor compreender e analisar tal fenômeno. Em concomitância, participam das várias iniciativas do Governo brasi- leiro, em especial as que buscam a modernização de estruturas e do aparato legal referentes ao tema, bem como tratativas no plano internacional que alinham o Brasil com as nações mais engajadas na luta contra essa forma de crime transnacional. Entretanto – e, diga-se, afortunadamente -, dado o exotismo do fenômeno terrorista em nosso país, verifica-se uma conseqüente dificuldade de considerá-lo uma ameaça real. Não obstante, uma das competências atribuídas pela Lei 9.883, de 07 de dezembro de 19991, à ABIN, é a de “avaliar as ameaças internas e externas à 1 Lei que criou o SISBIN e instituiu a ABIN, aprovada após vinte e sete meses de tramitação no Legislativo, em projeto precedido por vinte e cinco meses de estudos e adequação no âmbito do Executivo. REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA. Brasília: Abin, v. 3, n. 4, set. 2007. 5 ordem constitucional”, o que determina a necessidade de exame permanente dos indicadores de ameaça terrorista e dos possíveis cenários decorrentes. Um dos elementos básicos da guerra assimétrica é a obten- ção do elemento surpresa, que garante ao agressor a capacidade de determinar onde, quando e como este executará sua ação. Isso lhe confere a necessária iniciativa estratégica (operacional ou táti- ca, de acordo com o nível de engajamento) e a conseqüente imprevisibilidade. Outro aspecto importante é o que se refere à amplitude de sua ação operacional: em época de globalização, o mundo inteiro pode se converter em teatro de operações. Com efeito, os alvos do terrorismo podem ser atingidos em todos os quadrantes e a estratégia de ação indireta lhe impele a golpear o inimigo principal em teatros de operações secundários, onde as medidas de segurança sejam menos rígidas e as facilidades operacionais otimizadas. Fortalece a opção pela ação em áreas periféricas a constatação de que o efeito demonstração e a visibi- lidade do ato – uma necessidade do terrorismo – são, no mundo globalizado, imediatamente alcançáveis pela televisão, internet e outros meios de informação. Ao contrário do que se imagina, os atentados de 11 de setem- bro de 2001, nos EUA, não foram uma trovoada em céu azul. Em- bora as dimensões da ação e o elevado número de vítimas, essa nova forma de terrorismo já se evidenciava anos antes, nos atenta- dos contra o próprio World Trade Center e contra embaixadas nor- te-americanas em países africanos. Conforme demonstraram os vários relatórios e inquéritos conduzidos nos Estados Unidos, pós 11 de setembro, falhou a inteligência em identificar os vários indíci- os de atividade terrorista; falhou, igualmente, em compartilhar, entre as diferentes agências, as evidências disponíveis; por último, em- bora não menos importante, falhou em atribuir demasiada impor- tância à captação de dados por meios eletrônicos e, em descompasso, dedicar menor relevância às fontes humanas. 6 REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA. Brasília: Abin, v. 3, n. 4, set. 2007. As novas tendências do terrorismo internacional são clara- mente delineadas e apontam para cenários que mostram a cres- cente dificuldade para assinalar os agentes do terrorismo, devido à sua dispersão e, principalmente, autonomia, bem como à sua arquitetura organizacional não-estruturada, ao contrário das orga- nizações terroristas atuantes nos anos setenta e oitenta, basea- das em modelos ideológicos e com objetivos revolucionários e independentistas. Mesmo o modus-operandi da Al-Qaeda e gru- pos associados está se modificando de forma perceptível num curto intervalo de seis anos, desde os atentados nos EUA. Com efeito, não são mais os integrantes do núcleo central da Al-Qaeda que praticam as ações, porém pessoas que estão na periferia da organização e mesmo outras que não têm qualquer contato com a mesma, porém emulados por suas ações e pelo desejo de atingir os que, no seu entender, conspiram contra seu credo religioso e cultural, associam-se em pequenas células e se auto-imolam em ações punitivas. Oportuno, nesse contexto, é o estudo feito por Marc Sageman2 com base em estatísticas de material biográfico de mais de qua- trocentos terroristas da Al-Qaeda, que derruba, de forma definiti- va, alguns mitos sobre o terrorismo. De acordo com as evidências reunidas por aquele autor, a maioria dos praticantes dos principais atos terroristas dos últimos sete anos não veio do Oriente Médio, mas já estava radicada no Ocidente há vários anos; não eram po- bres, nem ignorantes ou mesmo jovens ingênuos recrutados em “madrassas”3, porém pessoas de classe média, em famílias razo- avelmente bem estabelecidas, muitos com cursos universitários, empregos fixos e, em sua maioria, recrutados por amigos ou fami- liares com histórias de luta ou envolvimento com organizações “jihadistas”. Por último, Sageman conclui que, ao contrário da crença geral de que se tratavam de desajustados, criminosos comuns ou indivíduos com transtornos de personalidade, eram, em sua maio- ria, pessoas sem antecedentes criminais e nenhum caso de doen- 2 “Understanding Terror Networks” _ University of Pennsilvania Press – 2004. 3 “madrassas”: escolas de estudos corânicos. REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA. Brasília: Abin, v. 3, n. 4, set. 2007. 7 ça mental registrado. Muitos dos novos terroristas são jovens nas- cidos no Ocidente, de famílias islâmicas ou convertidos, com me- nos de vinte anos e foram atraídos pela internet. Por fim, outra perceptível tendência do terrorismo é a que aponta para a probabi- lidade de maior letalidade das ações e o possível uso de armas de destruição em massa e, especialmente, do que se convencionou chamar de dispositivos de dispersão radiológica ou “bombas su- jas”. Cabe mencionar igualmente a tendência da ampliação do uso da internet para comunicações e recrutamento. Entretanto, não são as modificações e a surpreendente resiliência que garantem a manutenção ou o aumento da ameaça terrorista, apesar do imenso aparato militar, tecnológico e de inte- ligência mobilizado pelos países centrais para a sua destruição. A principal causa para o recrudescimento do terrorismo ainda é o desconhecimento do Ocidente quanto aos valores fundamentais da cultura, história e religião; o tratamento diferenciado em relação aos países do Oriente Médio e o profundo sentimento de injustiça com relação aos direitos nacionais na região. O apoio a governantes despóticos, a prolongada ocupação do Iraque e do Afeganistão e a irracional “islamofobia” são igualmente fatores determinantes no avivamento da ameaça terrorista. A crença de que está em curso um choque de civilizações, como defende Samuel Huntington4, somente fortalece aqueles que, também nos países islâmicos, acre- ditam na existência de dois campos opostos: de um lado os “cren- tes” e, do outro, os denominados “cruzados” e seus “aliados sio- nistas”. A “divisão do mundo” em campos opostos favorece as po- sições defendidas pelos extremistas de ambos os lados e é tão equivocada quanto à dissipada tese do fim da História5, há alguns anos apresentada, quando do colapso do socialismo real na Euro- pa. Cair na tentação fácil de julgar o Islã responsável pelo terroris- mo é um equívoco inaceitável e sem fundamento. E, nesse contexto, como fica o Brasil? É, afinal, possível um atentado no Brasil, um país com oito milhões de árabes e seus 4 “O Choque das Civilizações” – Samuel Huntington. 5 “O Fim da História e o Último Homem” - Francis Fukuyama. 8 REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA. Brasília: Abin, v. 3, n. 4, set. 2007. descendentes e cerca de um milhão de islâmicos, segundo dados da World Assembly of Muslim Youth (WAMY), e onde a tolerância e a integração são fatores de força e não de fragilidade nacional? Com efeito, poucos países no mundo detêm um estágio tão avan- çado de integração entre etnias, nacionalidades e confissões reli- giosas como o Brasil. Há mais descendentes de libaneses no Bra- sil que a própria população do Líbano, o que faz com que, em nosso país, as comunidades síria e libanesa tenham grande im- portância política, econômica e cultural. Em função disso é que se mostra incompatível trabalhar com listas de organizações terroris- tas, porque não é admissível impedir a visita a essas comunidades de parlamentares eleitos pelo Hizballah, afinal um partido legal e com representatividade no parlamento libanês. Da mesma forma, mostra-se dificil precisar a diferença entre a contribuição devida por todo islâmico, a título de “zakat”6, e remetida para o Líbano, bem como as remessas financeiras que todos os imigrantes fa- zem para as famílias que continuam na terra natal e supostas ações de financiamento do terrorismo. Como sabemos, brasileiros já foram vítimas de atentados ter- roristas: estiveram entre as vítimas do World Trade Center, em Nova York, em 11 de setembro de 2001; um sargento brasileiro a serviço da ONU, estava entre as vítimas em Bali; havia brasileiros nos trens de Madrid, em 11 de março de 2004; e brasileiros foram vítimas no Iraque, em Bagdá e em Beiji. Não foram vítimas por serem brasileiros, mas, em função de terrorismo indiscriminado, foram atingidos por serem circunstantes, isto é, por estarem cir- cunstancialmente nos sítios de atentados, como poderiam estar também, como turistas, em outros locais onde ocorreram ações terroristas, como no Balneário de Sharm El-Sheik ou no sítio histó- rico de Luxor, por exemplo. Atentados, em tese, podem ocorrer no Brasil, em função das já mencionadas condições de presumível inadequação das medi- 6 “zakat” é a contribuição anual e espontânea devida por todo islâmico, segundo suas posses. Não se trata de caridade. Constitui um dos cinco pilares do islamismo, ao lado da “shahada” (o credo ou testemunho) ; o “salat” (as cinco preces diárias); o “hajj” (a peregrinação a Meca); e a abstinência no mês do “Ramadã”. REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA. Brasília: Abin, v. 3, n. 4, set. 2007. 9
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