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Filosofia da Nova Musica PDF

158 Pages·1974·3.392 MB·Portuguese
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Theodor W. Adorno FILOSOFIA DA NOVA MÚSICA EDITORA PERSPECTIVA ^/i\# Coleção Estudos Dirigida por J. Guinsburg Conselho Editorial: Anatol Rosenfeld (1912-1973), Anita Novinsky, Aracy Amaral, Augusto de Campos, Bóris Schnaiderman, Carlos Gui­ lherme Mota, Celso Lafer, Dante Moreira Leite, Gita K. Guinsburg, Haroldo de Campos, Leyla Perrone-Moisés, Lúcio Gomes Machado, Maria de Lourdes Santos Machado, Modesto Carone Netto, P. E. Salles Gomes, Regina Schnaiderman, Robert N. V. C. Nicol, Rosa R. Krausz, Sábato Magaldi, Sergio Miceli, Willi Bolle e Zulmira Ribeiro Tavares Equipe de realização — Tradução: Magda França; Revisão: Alice Kyoko Mivashiro; Produção: Lúcio Gomes Machado; Capa: Moysés Baumstein. Título do orlginnl alemflo: Philosophie der neuen Musik © 1958 by Europäische Verlagsanstalt GmbH, Frankfurt am Main. Direitos em língua portuguesa reservados à Editora Perspectiva S.A. Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3025 Telefone: 288-8388 01401 São Paulo Brasil 1974 Sumário Prefácio .................................................................................. 9 Introdução ............................................................................... 13 Schoenberg e o Progresso ................................................. 33 Stravinski e a Restauração .............................................. 109 Prefácio Este livro compreende dois estudos, escritos com um intervalo de sete anos e uma introdução. A estrutura e o caráter do conjunto podem justificar algumas palavras de esclarecimento. Em 1938 o autor publicou, na Zeitschrift für Sozial- forschung, um ensaio intitulado “Uber den Fetischcharakter in der Musik und die Regression des Hoerens”. Este ensaio pretendia expor a mudança da função da música atual, mos­ trar as transformações internas que os fenômenos musicais sofrem ao serem subordinados, por exemplo, à produção comercializada em massa e também determinar de que ma­ neira certos deslocamentos ou modificações antropológicas da sociedade massificada penetram até na estrutura do ouvido musical. Já então o autor pretendia dar um tratamento dia­ lético à situação da composição musical, a única que na verdade decide sobre a situação da própria música. Salta­ va-lhe aos olhos a violência da totalidade social, até em do­ mínios, como o da música, aparentemente desligados. Não podia, pois, escapar-lhe, que a arte em que se havia edu­ cado não permanecia isenta nem sequer em suas formas mais puras e livres de compromissos, desse caráter objetivo posi­ tivo predominante em toda parte, mas tinha aguda consciên­ cia de que, precisamente no empenho de defender sua inte­ gridade, a música engendra caracteres da mesma índole daqueles a que se opõe. Ao autor interessava, pois, reco- 10 FILOSOFIA DA NOVA MÚSICA nhecer as antinomias objetivas em que está necessariamente envolvida a arte quando — em meio a uma realidade hete- rônoma — pretende realmente permanecer fiel a suas próprias exigências intrínsecas, sem levar em consideração as conse­ qüências, antinomias que só podem ser superadas quando examinadas, sem ilusões, até o fim. Destas considerações nasceu o trabalho sobre Schoen- berg, terminado somente em 1940-41. Permaneceu então inédito e, fora do estreito círculo do Institut für Sozialfors- chung de New York, acessível a muito poucos. Hoje é publi­ cado em sua forma original, com alguns adendos que se re­ ferem às últimas obras de Schoenberg. Mas quando o autor decidiu publicá-lo na Alemanha, depois da guerra, pareceu-lhe necessário anexar ao estudo sobre Schoenberg um outro sobre Stravinski. Se o livro tinha realmente algo a dizer sobre a nova música considerada em seu conjunto, era preciso que o método nele empregado, oposto às generalizações e às classificações, não se aplicasse tão-somente ao tratamento de uma escola particular, mesmo que esta fosse a única a responder às possibilidades atuais objetivas do material musical e a única que sem nenhuma concessão enfrenta as dificuldades desse material. O proce­ dimento diametralmente oposto de Stravinski se impõe ao exame e à interpretação, não somente por sua validez pública e oficial e seu nível de composição — já que o próprio con­ ceito de nível não pode ser postulado de maneira dogmática e, assim como o do “gosto”, está sujeito a discussão — mas sobretudo porque destrói a cômoda escapatória segundo a qual se o progresso coerente da música conduz a antinomias, deve-se esperar alguma coisa da restauração do passado, da revocação autoconsciente da raíio musical. Nenhuma crítica ao progresso é legítima, nem mesmo quando se trata de uma crítica dirigida ao momento reacionário do progresso em meio a uma falta geral de liberdade e repele inexoravelmente todo abuso que possa ser feito a serviço dos poderes constituídos. O retomo positivo do que já caiu em decadência revela-se mais radicalmente ligado às tendências destruidoras da época do que aquilo que recebe o estigma de “destruidor”. A ordem que se proclama a si mesma nada mais é do que o véu que encobre o caos. De modo que se Schoenberg, o músico radi­ cal, inspirado pela expressão, desenvolve seus conceitos pró­ prios no plano da objetividade musical, o antipsicológico Stravinski, por outro lado, expondo o problema do indivíduo lesado, a quem se dirige em toda a sua obra, também aqui opera um motivo dialético. O autor não pretende dissimular os impulsos provoca­ tivos de seu propósito. Parece realmente cínico que, depois MRUrACIO 11 do que ocorreu na Europa e o que ainda ameaça ocorrer, dedique tempo e energia intelectual a decifrar os problemas esotéricos da moderna técnica da composição; além disso, as obstinadas discussões do texto, puramente formais, com fre­ qüência referem-se diretamente a uma realidade que não se interessa por elas. Mas talvez este começo excêntrico lance alguma luz sobre uma situação cujas conhecidas manifesta­ ções somente servem para mascará-la e cujo protesto só adquire voz quando a conivência oficial e pública assume uma simples atitude de não-participação. Trata-se apenas da música. Como poderá estar constituído um mundo em que até os problemas do contraponto são testemunhos de conflitos inconciliáveis? Até que ponto a vida estará atual­ mente perturbada, se cada estremecimento seu e cada rigidez sua se reflete ainda num plano a que não chega nenhuma necessidade empírica, numa esfera em que, segundo os ho­ mens acreditam, há um asilo seguro contra a pressão da norma funesta, e que cumpre sua promessa apenas negan­ do-se ao que os homens esperam dela? A introdução contém considerações comuns às duas partes do livro. Em algum sentido serve para pôr em relevo a unidade do conjunto, ainda que não possam ser apagadas as diferenças, especialmente lingüísticas, entre a parte mais antiga e a parte nova. No período que transcorreu entre os dois ensaios, o trabalho do autor com Max Horkheimer, que já se estende por mais de vinte anos, resultou numa filosofia comum. O autor é o único responsável pelo material musical, mas seria impossível estabelecer a qual dos dois pertence este ou aquele conceito teórico. O livro está concebido como uma digressão à Diaiektik der Aufklaerung. Tudo o que nele atesta uma perseverança, uma fé na força dispositiva da negação resoluta, deve-se à solidariedade intelectual e humana de Horkheimer. Los Angeles, Califórnia. Introdução m Pois na arte temos que ver, não através de um simples jogo agradável ou útil, mas ... atra­ vés de um desdobramento da verdade. Hegel, Estética, III. “A história filosófica como ciência da origem é a forma que, a partir dos extremos opostos, dos excessos aparentes da evolução, dá nascimento à configuração da idéia, enten­ dida como uma totalidade caracterizada pela possibilidade de uma coexistência plena de sentido de tais contrários.” O princípio seguido por Walter Benjamin, por motivos de crí­ tica gnosiológica, em seu tratado sobre o drama alemão, pode derivar do próprio objeto, num tratamento filosófico da mú­ sica moderna, que se limite substancialmente a considerar os dois protagonistas cada um por si. Na verdade, a natureza desta música está impressa unicamente nos extremos e só eles permitem reconhecer seu conteúdo de verdade. “O ca­ minho do meio”, lê-se no Prefácio às Sátiras para coro de Schoenberg, “é o único que não leva a Roma”. Por essa razão •— e não pela ilusão de que se trata das maiores personali­ dades — somente estes dois autores são considerados. Se se quisesse examinar toda a produção não cronológica, mas qua­ litativamente moderna, com inclusão de todas as transições e conciliações, terminar-se-ia, inevitavelmente, por desem- 14 FILOSOFIA DA NOVA MÚSICA bocar repetidamente nesses dois extremos, na medida em que alguém não se contentaria com a simples descrição ou com a apreciação do especialista. Todavia, isto não implica neces­ sariamente um juízo sobre o valor e nem sequer sobre a importância representativa do que permanece entre os dois extremos. Os melhores trabalhos de Béla Bartók, que em certos aspectos procurou conciliar Schoenberg e Stravinski1, são provavelmente superiores aos de Stravinski em densidade e plenitude. E a segunda geração neoclássica, que reúne nomes como os de Hindemith e Milhaud, adaptou-se à ten­ dência geral da época com vacilações menores e, dessa maneira, pelo menos aparentemente, a reflete com mais fide­ lidade do que o dissimulado conformismo da escola principal que, precisamente por causa de sua ficção, cai no absurdo. Contudo, o estudo desta tendência conduziria necessariamente ao dos dois inovadores, não porque a eles corresponda a prioridade histórica e os demais derivem deles, mas porque somente eles, por uma coerência que não conhece concessões, exaltaram os impulsos presentes em suas obras até transfor­ má-las nas idéias imanentes do objeto. Isto foi realizado na constelação específica do procedimento de composição de cada autor e não no esboço geral do estilo. Os estilos, enquanto reconhecem o guia de lemas culturais de grande ressonância, deixam o caminho aberto, em seu caráter geral, precisamente a essas mitigações desnaturalizadas que impedem a coerência da idéia não-programática, imanente à própria coisa. Mas o tratamento filosófico da arte se refere à arte e não aos conceitos de estilo, por mais contatos que tenha com estes. A verdade ou a falta de verdade de Schoenberg ou de Stravinski não pode ser estabelecida na simples discussão de categorias como atonalidade, técnica dodecafônica, neoclas­ sicismo, mas somente pela cristalização concreta de tais cate­ gorias na estrutura da música em si. As categorias de estilo pré-constituídas satisfazem seu caráter acessível ao não expres­ sar a conexão da imagem, já que se situam irremediavelmente neste lado da configuração estética. Se, em troca, se consi­ dera o neoclassicismo procurando determinar qual é a neces­ sidade interna da obra que a leva a este estilo, ou como se comporta o ideal estilístico frente ao material da obra e sua totalidade de construção, torna-se virtualmente possível re­ solver até o problema da legitimidade do estilo. O que se encontra entre os dois extremos não necessita hoje, na realidade, uma interpretação esclarecedora, já que antes com a indiferença, torna supérflua a especulação. A (1) Ver Renê Leibowitz, “Béla Bartók ou la possibilité du compromis dans la musique contemporaine”, em Les Temps Modernes, Paris, ano 2, pp. 705 e ss., out. 1947. INTRODUÇÃO 15 história do movimento da nova música já não tolera “a coe­ xistência plena de sentido dos opostos”. Desde a década he­ róica, ou seja, desde os anos da Primeira Guerra Mundial, é em toda a sua amplitude uma história de decadência, uma regressão ao tradicional. Essa separação da objetividade, própria da pintura moderna, que nessa esfera representa a mesma ruptura que a atonalidade representa na música, esteve determinada por uma posição defensiva contra a mercadoria artística mecanizada, sobretudo contra a fotografia. A mú­ sica radical, em sua origem, não reagiu de outra maneira contra a degradante comercialização do idioma tradicional. Foi o obstáculo colocado frente à expansão da indústria cul­ tural em sua esfera. É verdade que o processo pelo qual se passou à produção calculada de música como artigo de con­ sumo demorou mais a desenvolver-se do que o processo análogo verificado na literatura ou nas artes plásticas. O elemento não conceituai e não concreto da música, que desde Schopenhauer a remeteu à filosofia irracionalista, fê-la con­ trária à ratio da vendibilidade. Somente na era do cinema sonoro, do rádio e das formas musicais de propaganda, a música ficou, precisamente em sua irracionalidade, inteira­ mente seqüestrada pela ratio comercial. Mas assim que a administração industrial de todo o patrimônio cultural se faz totalitária, ela adquire ainda poder sobre tudo o que não admite conciliação do ponto de vista estético. Com o poder dos mecanismos de distribuição de que dispõem o mau gosto e os bens culturais já ultrapassados e com a predisposição dos ouvintes determinada num processo social, a música ra­ dical caiu, durante o industrialismo tardio, num completo isolamento. Para os autores que querem viver, este é o pre­ texto moral e social para uma falsa paz. Forma-se assim um tipo de estilo musical que, por mais que proclame a pretensão irrenunciável do moderno e do sério, se assimila à cultura das massas em virtude de uma calculada imbecilidade. A gera­ ção de Hindemith ainda possuía talento e arte. Seu moderan- tismo apoiava-se numa flexibilidade espiritual que não conhe­ cia nada seguro. Fazia-se música segundo o capricho do dia, eliminando em suma tudo o que poderia ser musicalmente desagradável junto ao frívolo programa. Esses compositores terminavam num néo-academismo rotineiro, mas mesmo assim inteiramente respeitável, o que por certo não se pode censurar na terceira geração. A conivência com o ouvinte, sob o dis­ farce de humanidade, começa a dissolver os critérios técnicos a que já havia chegado a composição de vanguarda. O que tinha validez antes da ruptura, a constituição de uma coerên­ cia musical mediante a tonalidade, se perde infalivelmente. E a terceira geração não acredita nos trítonos perfeitos que escreve olhando com desdém, nem os meios sonoros poderiam

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