M.A.F. Carmo; W. Barrella; U.P. Souza; F.C. Ferreira Estrutura do hábitat e diversidade da ictiofauna de um riacho de Mata Atlântica: um guia prático para alunos de graduação em Ciências Biológicas Michele Andriaci Ferreira Carmo¹; Walter Barrella¹; Ursulla Pereira Souza¹; Fabio Cop Ferreira² ¹Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade de Ecossistemas Costeiros e Marinhos (ECOMAR) [email protected] ²Universidade Federal de São Paulo – Campus Baixada Santista, Departamento de Ciências do Mar - Santos (SP). Resumo A Mata Atlântica constitui um bioma de elevada biodiversidade, oferecendo áreas de proteção, alimentação e abrigo para diversas espécies de peixes. A bacia do rio Itanhaém é a segunda maior bacia costeira do Estado de São Paulo, caracterizada pelo alto endemismo devido ao isolamento geográfico e à ocorrência de grupos de peixes filogeneticamente basais. Ecomorfologia é a relação existente entre os aspectos da variação morfológica, onde diferentes padrões podem explicar a convergência e a divergência morfológica existentes em um grupo de peixes. O objetivo do presente trabalho é integrar os alunos da graduação às pesquisas realizadas pelos pós-graduandos na área de Ecologia de peixes de riachos, analisando a diversidade, composição e características morfológicas da ictiofauna e estrutura de hábitat em um riacho costeiro. Será selecionado um riacho de fácil acesso na sub-bacia do rio Mambu, caracterizado por fundo de areia e vegetação marginal parcialmente desmatada. Será realizada uma caracterização estrutural do riacho e os peixes serão coletados com peneira e picaré. Após a coleta, os peixes serão mantidos em um aquário com água do riacho e as espécies registradas, fotografadas e analisadas quanto às diferenças morfológicas relacionadas à natação, alimentação e ocupação de micro-hábitats no riacho. Os alunos farão um relatório e um artigo sobre as atividades e será preparada uma prancha com ilustrações e alguns aspectos ecológicos das principais espécies coletadas. Espera-se que o conceito de ecomorfologia fique evidente para os alunos e que eles percebam qual a importância de desenvolver pesquisas que respondam questões básicas da biologia e ecologia de peixes de riachos. Palavras-chave: biodiversidade, Mata atlântica, ecomorfologia, Itanhaém. _____________________________________________________________________________ Habitat structure and diversity of the fish fauna of a stream of the Atlantic Forest: a practical guide for undergraduate students in Biological Sciences Abstract The Atlantic Forest is a biome of high biodiversity, providing protection areas, food and shelter for many species of fish. The basin of the river Itanhaém is the second largest coastal basin of São Paulo, characterized by high endemism due to geographical isolation and the occurrence of phylogenetically basal fish groups. Ecomorphology is the relationship between aspects of morphological variation, where different patterns may explain the convergence and the existing morphological divergence in a group of fish. The objective of this study is to integrate undergraduate students to research carried out by graduate students in Fish Ecology area streams, analyzing the diversity, UNISANTA BioScience – p. 1- 6; Vol. 4 (2015) nº 5 Edição Especial Metodologia de Ensino em Ecologia de Campo Página 1 M.A.F. Carmo; W. Barrella; U.P. Souza; F.C. Ferreira composition and morphology of fish populations and habitat structure in a coastal stream. You will select an easily accessible stream in the sub-basin Mambu, characterized by sandy bottom and marginal vegetation partially cleared. Structural characterization of the creek will be held and the fish will be collected with a sieve and seine. After collection, the fish will be kept in an aquarium with water from the creek and the species recorded, photographed and analyzed for morphological differences related to swimming, food and occupation of micro-habitats in the stream. Students will make a report and an article about the activities and will be prepared a board with pictures and some ecological aspects of the main species collected. It is hoped that the concept of ecomorphology be evident to students and they realize how important to develop research to answer basic questions of biology and stream fish ecology. Key-words: biodiversity, Atlantic forest, ecomorphology, Itanhaém. Introdução A Mata Atlântica é a segunda maior floresta tropical ameaçada no mundo, representando uma das áreas com maior biodiversidade (Myers et al. 2000), configurando proteção, alimentação, locais de reprodução e abrigo à ictiofauna dulcícola composta por espécies de pequeno tamanho, distribuição geográfica restrita, elevado endemismo, pouco ou nenhum valor comercial e alta dependência da vegetação ripária (Menezes, 1994; Castro & Menezes, 2001). A formação de vários componentes individuais em riachos de Mata Atlântica ocasionada pela distribuição heterogênea da ictiofauna origina diversas bacias ou sistemas de bacias presentes na região, as quais apresentam características próprias da Mata Atlântica, que são determinadas pela influência de fatores abióticos e bióticos (Buckup, 1996). A bacia do rio Itanhaém (23º35’; 24º15’ S e 46º35’; 47º00’ W) apresenta 930 km² de extensão, sendo a segunda maior bacia costeira do Estado de São Paulo, caracterizada pelo alto endemismo devido ao isolamento geográfico e à ocorrência de grupos de peixes filogeneticamente basais (Ribeiro, 2006). A bacia está localizada na Região Metropolitana da Baixada Santista (Lei Complementar Estadual no185/96), inserida no Domínio Tropical Atlântico com vegetação de Floresta Ombrófila Densa (FOD), apresentando elevada temperatura e alta precipitação. O rio Mambu nasce em trechos preservados no Planalto, passando pela Serra de Encosta e pela Planície Costeira, desaguando no rio Branco. Apresenta vegetação ripária parcialmente desmatada, substrato predominantemente composto por cascalho e areia e cobertura vegetal entre 26 e 50% (Ferreira, 2007). A relação existente entre os aspectos da variação morfológica, que revelam diferenças morfofuncionais associadas aos hábitos de vida, alimentação, locomoção e comportamento é denominada Ecomorfologia (Lemos, 2006). Ribeiro (2013) enfatiza que diferentes condições estruturais de um hábitat são diretamente correlacionadas às estruturas ecomorfológicas da ictiofauna e sendo assim, outras dimensões da comunidade de peixes podem ser influenciadas. A convergência e a divergência morfológica existente em um grupo de peixes é explicada por padrões ecomorfológicos que fornecem informações necessárias a esse entendimento (Almeida-Neto, 2012). O objetivo do presente trabalho é integrar os alunos da graduação às pesquisas realizadas pelos pós-graduandos na área de Ecologia de Peixes de Riachos, apresentando aulas teóricas, seguida de uma aula prática analisando a diversidade, composição e características morfológicas da ictiofauna, bem como a estrutura de hábitat em um riacho costeiro de Mata Atlântica. UNISANTA BioScience – p. 1- 6; Vol. 4 (2015) nº 5 Edição Especial Metodologia de Ensino em Ecologia de Campo Página 2 M.A.F. Carmo; W. Barrella; U.P. Souza; F.C. Ferreira Materiais e Métodos Proposta metodológica para desenvolvimento da teoria sobre a atividade prática Serão ministradas duas aulas teóricas em sala de aula. Na primeira, todos os procedimentos da aula prática serão explicados e discutidos com os alunos. Serão abordados os conceitos principais para realização da atividade prática, como localização e características (abióticas e estruturais) dos riachos costeiros, importância da Mata Atlântica e da vegetação ripária para a ictiofauna e algumas características morfológicas das espécies. A segunda aula teórica será realizada após a prática, com uma discussão de tudo que foi observado e realizado no campo e a preparação de pranchas com as fotos dos peixes e algumas informações sobre a bioecologia das espécies. Um relatório do que foi observado na aula prática será solicitado aos alunos. Posteriormente, será preparado um artigo, contendo introdução, materiais e métodos, resultados e discussão, conclusões, agradecimentos e referências bibliográficas. A avaliação será composta pelo relatório e pela preparação do artigo. Proposta para o desenvolvimento da atividade prática Será escolhido um riacho na sub-bacia do rio Mambu, bacia do rio Itanhaém, SP, caracterizado por fundo de areia e vegetação ripária parcialmente desmatada (Figura 1). A atividade de campo será realizada no período seco, envolvendo 15 alunos de graduação do curso de Ciências Biológicas. Inicialmente os alunos irão fazer uma caracterização da estrutura do hábitat quanto à largura, profundidade, velocidade da água, tipos de substrato e margem, utilizando-se uma ficha de campo, onde também será registrada a temperatura da água com um termômetro (ficha em anexo). A coleta da ictiofauna será amostrada com uma peneira, passada próximo ao fundo, junto à vegetação marginal, e com rede de arrasto do tipo picaré. Os peixes coletados serão colocados em um aquário de vidro contendo água do próprio riacho para a identificação da ictiofauna e discussões sobre as características morfológicas das diferentes espécies. Serão abordados aspectos ecomorfológicos relacionados à natação, micro-hábitat ocupado no riacho e alimentação, como formato do corpo e das nadadeiras e posição dos olhos e da boca. Serão registradas as espécies, abundância numérica e as fotos das amostragens no riacho e dos peixes utilizadas para as discussões na segunda aula teórica. UNISANTA BioScience – p. 1- 6; Vol. 4 (2015) nº 5 Edição Especial Metodologia de Ensino em Ecologia de Campo Página 3 M.A.F. Carmo; W. Barrella; U.P. Souza; F.C. Ferreira Figura 1: Riacho sub-bacia do rio Mambu, bacia do rio Itanhaém, SP. Resultados Esperados e Discussão Espera-se que as diferenças ecomorfológicas entre as espécies fiquem evidentes para os alunos e que eles percebam qual a importância de desenvolver pesquisas que respondam questões básicas da bioecologia de peixes de riachos. Baseando-se nos estudos na bacia do rio Itanhaém (Ferreira, 2007; Ferreira & Petrere Jr, 2009), espera- se, ao menos, que sejam coletadas as espécies Deuterodon Iguape (lambari), Rhamdioglanis cf. transfaciatus (bagre), Schizolecis guntheri (cascudo) e Gymnotus pantherinus (tuvira) para discutirmos as questões morfológicas, ocupação de hábitat e coloração. Deuterodon iguape possui o focinho pontiagudo, olhos laterais, boca terminal, mancha umeral bem nítida e faixa negra longitudinal no corpo terminando em uma mancha negra arredondada sobre o pedúnculo caudal (Oyakawa et al. 2006). Diferentemente da primeira espécie, Rhamdioglanis cf. transfaciatus apresenta olhos dorsais, barbilhões superiores e inferiores que auxiliam no forrageamento, boca subterminal, corpo dorsalmente achatado e o lobo superior da nadadeira caudal mais comprido que o lobo inferior, além de apresentar quatro faixas transversais negras no dorso do corpo (Oyakawa et al. 2006). Schizolecis guntheri possui olhos dorsais, boca subterminal, corpo dorsalmente achatado, diferenciando-se pelo abdômen totalmente desprovido de placas ósseas (Oyakawa et al. 2006). Gymnotus pantherinus possui o corpo composto por linhas claras e estreitas, formando um padrão reticulado sobre o fundo marrom-escuro que habita (Oyakawa et al. 2006). Conclusão As espécies que esperamos encontrar na sub-bacia do rio Mambu poderão esclarecer como diferentes aspectos ecomorfológicos e a estrutura de hábitat de um riacho costeiro influenciam no modo de vida dos peixes. Agradecimentos À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de estudo da primeira autora, ao Laboratório de Biologia de Organismos Marinhos e Costeiros (LABOMAC) da Universidade Santa Cecília e ao PELD (processos CNPq nº 403723/2012-4 e FAPESP nº 2012/51511-2. UNESP, Rio Claro, SP). UNISANTA BioScience – p. 1- 6; Vol. 4 (2015) nº 5 Edição Especial Metodologia de Ensino em Ecologia de Campo Página 4 M.A.F. Carmo; W. Barrella; U.P. Souza; F.C. Ferreira Referências ALMEIDA-NETO, M.S. (2012). Os padrões ecomorfológicos apresentados pelas espécies da Ordem Characiformes (Actinopterygii) são relacionados com suas adaptações ecológicas? Dissertação (Mestrado em Ecologia). Departamento de Biologia. Universidade Federal Rural de Pernambuco. BUCKUP, P.A. (1996). Biodiversidade dos Peixes da Mata Atlântica. Disponível em: www.bdt.fat.org.br/workshop/mata.atlantica/SE-S/peixes. CASTRO, R.M.C.; MENEZES, N.A. (2001). Estudo diagnóstico da diversidade de peixes do estado de São Paulo. Biota: Série biodiversidade do estado de São Paulo. 2001. http://www.biota.org.br/Link?livros.biota+Peixes+volseis+Diagnostico. Acessado em: 18/05/2015. FERREIRA, F.C. (2007). Ictiofauna De Riachos Na Planície Costeira Da Bacia Do Rio Itanhaém, Litoral Sul De São Paulo. 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Ferreira ANEXO Ficha de Caracterização do hábitat Data:_________________ Ponto (código-número):______________ Bacia/sub-bacia/rio:____________________________________ Coordenadas (UTM): ______________________________________ 1) Vegetação Ripária: ( ) Desmatada ( ) Parcialmente desmatada ( ) Preservada 2) Sombreamento: ( ) 0 - 25% ( ) 26 - 50% ( ) 51 - 75% ( ) 76 - 100% 3) Temperatura(oC):___________ Margem Largura (E/D) 1 2 3 4 Categorias de Velocidade (m) Barranco 1 - Parada (E/D) 2 - Lento Profundidade (cm) 3 - Média Velocidade 4 - Rápida Substrato 5 - Cascata Troncos (1) - Folhiço (2) Profundidade (cm) Velocidade Substrato Categorias de Substrato Troncos (1) - Folhiço (2) 1 - Silte/Areia Profundidade (cm) 2 - Cascalho Velocidade 3 - Seixo Substrato 4 - Matacão Troncos (1) - Folhiço (2) Profundidade (cm) Velocidade Categorias de Margem Substrato Troncos (1) - Folhiço (2) 0-Instável (barranco nú, Profundidade (cm) gramíneas, raízes finas Velocidade 1-Estável Substrato (rochas/troncos/raízes Troncos (1) - Folhiço (2) grossas) Profundidade (cm) Velocidade Substrato Troncos (1) - Folhiço (2) Barranco Profundidade (cm) Velocidade 0 - Baixo (< 1 m) Substrato 1 - Alto (> 1m) Troncos (1) - Folhiço (2) UNISANTA BioScience – p. 1- 6; Vol. 4 (2015) nº 5 Edição Especial Metodologia de Ensino em Ecologia de Campo Página 6