RICHARD DAWKINS Desvendando o arco-íris Ciência, ilusão e encantamento Tradução Rosaura Eichenberg 2ª reimpressão COMPANHIA DAS LETRAS Copyright © 1998 by Richard Dawkins Título original Unweaving the rainbow Capa João Baptista da Costa Aguiar Índice remissivo Carla Aparecida dos Santos Preparação Cássio de Arantes Leite Revisão Ana Maria Barbosa Cláudia Cantarin Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Dawkins, Richard, 1941-Desvendando o arco-íris/Richard Dawkins; tradução Rosaura Eichenberg. — São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Título original: Unweaving the rainbow. Bibliografia. ISBN 978-85-359-0030-9 1. Ciência — Filosofia 2. Ciência — História 3. Informações científicas 1. Título. 00-2480 CDD'501 Índice para catálogo sistemático: 1. Ciência : Filosofia 501 [2009] Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA SCHWARCZ LTDA. Rua Bandeira Paulista 702 cj. 32 04532-002 — São Paulo -— SP Telefone (11) 3707-3500 Fax (11) 3707-3501 www.companhiadasletras.com.br Para Lalla Sumário Prefácio 1. O anestésico da familiaridade 2. O salão dos duques 3. Códigos de barras nas estrelas 4. Códigos de barras no ar 5. Códigos de barras no tribunal 6. De olhos vendados pelas fantasias 7. O desvendamento do mistério 8. Vastos símbolos nebulosos da alta fantasia 9. O cooperador egoísta 10. O livro genético dos mortos 11. O mundo reconstruído 12. O balão da mente Bibliografia selecionada Prefácio Um editor estrangeiro de meu primeiro livro confessou que não conseguiu dormir durante três noites depois de lê-lo, tão perturbado ficou com sua “mensagem”, que a ele pareceu desolada e fria. Outros me perguntaram como é que aguento me levantar todas as manhãs. Um professor de um país distante me escreveu uma carta de censura, pois uma aluna o tinha abordado em lágrimas depois de ler o mesmo livro, persuadida de que a vida era vazia e sem sentido. Ele a aconselhou a não mostrar o livro para nenhum de seus amigos, por medo de contaminá-los com o mesmo pessimismo niilista. Acusações semelhantes de desolação estéril, de veicular uma mensagem árida e melancólica, são frequentemente lançadas à ciência em geral, e é fácil que os cientistas passem a reagir de acordo com essas censuras. O meu colega Peter Atkins começa o seu livro The Second Law (1984) na seguinte veia: Somos os filhos do caos, e a estrutura profunda da mudança é a deterioração. No fundo, há apenas corrupção e a maré invencível do caos. Foi-se o desígnio, só resta a direção. Essa é a desolação que temos de aceitar, ao examinar profunda e desapaixonadamente o coração do universo. Contudo, esse expurgo muito apropriado do falso desígnio açucarado, essa elogiável firmeza da mente em desmascarar a sentimentalidade cósmica, não deve ser confundido com a perda de esperança pessoal. É presumível que não haja de fato nenhum desígnio no destino final do cosmos, mas algum de nós realmente deposita as esperanças de sua vida no destino final do cosmos? Claro que não, isto é, se não formos loucos. As nossas vidas são regidas por todo tipo de ambições e percepções humanas mais íntimas, mais calorosas. Acusar a ciência de roubar da vida o calor que a torna digna de ser vivida é um erro tão disparatado, tão diametralmente oposto a meus sentimentos e aos da maioria dos cientistas ativos que sou quase levado à desesperança que erroneamente suspeitam em mim. Mas neste livro tento buscar uma resposta mais positiva, apelando para o senso de encantamento da ciência, porque é muito triste imaginar o que esses queixosos e negativistas estão perdendo. Essa é uma das coisas que o falecido Cari Sagan sabia fazer muito bem, e pela qual sentimos tanto a sua falta. O sentimento de admiração reverente que a ciência pode nos proporcionar é uma das experiências mais elevadas de que a psique humana é capaz. É uma profunda paixão estética que se equipara às mais belas que a música e a poesia podem despertar. É na verdade uma das coisas que tornam a vida digna de ser vivida, função que cumpre, se é que se pode fazer essa distinção, com mais eficácia ainda, quando nos convence de que o tempo que temos para viver é finito. O meu título é tirado de Keats, para quem Newton havia destruído toda a poesia do arco-íris reduzindo-o às cores prismáticas (o trecho do poema em questão, “Lamia”, aparece no capítulo 3, a seguir). Keats não poderia estar mais equivocado, e o meu objetivo é conduzir à conclusão oposta todos os que são tentados a adotar uma visão semelhante. A ciência é, ou deve ser, inspiração para a grande poesia, mas não tenho o talento para comprovar o argumento por meio de uma demonstração, por isso dependo de uma persuasão mais prosaica. Alguns títulos de capítulos são emprestados de Keats; e os leitores também podem descobrir, adornando o texto, alusões ou meias citações dele (bem como de outros poetas). São uma homenagem ao seu gênio sensível. Keats era uma pessoa mais simpática que Newton, e a sua sombra foi um dos juízes imaginários a espiar sobre o meu ombro enquanto eu escrevia. O fato de Newton ter decomposto o arco-íris conduziu à espectroscopia, que provou ser a chave para grande parte do que hoje sabemos sobre o cosmos. E o coração de qualquer poeta digno do título de romântico não poderia deixar de pular se contemplasse o universo de Einstein, Hubble e Hawking. Lemos a sua natureza pelas linhas de Fraunhofer — “Códigos de barras nas estrelas” — e seus deslocamentos ao longo do espectro. A imagem dos códigos de barras nos leva a reinos de som (“Códigos de barras no ar”), que são muito diferentes, mas igualmente intrigantes; e depois às impressões digitais do DNA (“Códigos de barras no tribunal”), o que nos oferece a oportunidade de refletir sobre outros aspectos do papel da ciência na sociedade. Na parte do livro que chamo de Seção das Ilusões, “De olhos vendados pelas fantasias” e “O desvendamento do mistério”, dirijo-me àquelas pessoas supersticiosas que, menos exaltadas do que poetas em defesa do arco-íris, deliciam-se com o mistério e sentem-se enganadas se ele é explicado. São aquelas que amam uma boa história de fantasmas, logo pensando em poltergeists ou milagres sempre que acontece algo ainda que só ligeiramente estranho. Nunca perdem uma oportunidade de citar a frase de Hamlet Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, Do que sonha a sua filosofia. (there are more things in heaven and earth, Horatio,/Than are dreamt of in your philosophy) e a resposta do cientista (“Sim, mas estamos trabalhando nisso”) não atinge nenhuma corda da sua sensibilidade. Para eles, explicar um bom mistério é ser um desmancha-prazeres, exatamente o que alguns poetas românticos pensavam sobre a explicação do arco-íris de Newton. Michael Shermer, editor da revista Skeptíc, conta a história emblemática de uma ocasião em que publicamente desmascarou um famoso espiritualista de televisão. O homem estava realizando truques comuns de prestidigitação, induzindo as pessoas a pensar que se comunicava com espíritos mortos. Mas, em vez de ser hostil com o charlatão então desmascarado, a plateia se virou contra seu detrator, apoiando uma mulher que o acusava de comportamento “inapropriado” por destruir as ilusões das pessoas. Seria de esperar que ela ficasse agradecida por ter a venda arrancada dos olhos, mas aparentemente ela preferia o pano bem amarrado sobre a vista. Acredito que um universo ordenado, um universo indiferente às preocupações humanas, em que tudo tem uma explicação, ainda que seja longo o caminho antes de encontrá-la, é um lugar mais belo, mais maravilhoso que um universo logrado por meio de magia ad hoc, caprichosa. A paranormalidade poderia ser considerada um abuso do senso legítimo de encantamento poético que a verdadeira ciência deveria estar promovendo. Uma ameaça diferente provém do que se pode chamar má poesia. O capítulo sobre “Vastos símbolos nebulosos da alta fantasia” alerta contra a sedução da má ciência poética, contra o fascínio da retórica desorientadora. A guisa de exemplo, examino um colaborador específico de minha área, cujo estilo imaginativo lhe conferiu uma influência desproporcionada — e acredito infeliz — sobre a compreensão norte-americana da evolução. Mas o impulso dominante do livro é a favor da boa ciência poética, expressão que não emprego para me referir a uma ciência escrita em verso, e sim a uma ciência inspirada pelo senso poético do encantamento. Os quatro últimos capítulos procuram, com respeito a quatro tópicos distintos mas interrelacionados, dar uma dica sobre o que podem fazer cientistas poeticamente inspirados mais talentosos do que eu. Genes, apesar de “egoístas”, também podem ser “cooperativos”—no sentido de Adam Smith (e é por isso que o capítulo “O cooperador egoísta” é iniciado com uma citação de Adam Smith, embora claramente não se refira a esse tema, mas ao próprio encantamento). Os genes de uma espécie podem ser encarados como a descrição de mundos ancestrais, um “livro genético dos mortos”. De modo similar, o cérebro “reconstrói o mundo”, montando um tipo de “realidade virtual” continuamente atualizada na cabeça. Em “O balão da mente”, especulo sobre as origens das características mais especiais de nossa própria espécie, e volto, finalmente, à
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