ebook img

AS CONCESSÕES E AUTORIZAÇÕES PETROLÍFERAS E O PODER NORMATIVO DA ANP I PDF

30 Pages·2015·1.37 MB·Portuguese
by  
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview AS CONCESSÕES E AUTORIZAÇÕES PETROLÍFERAS E O PODER NORMATIVO DA ANP I

AS CONCESSÕES E AUTORIZAÇÕES PETROLÍFERAS E O PODER NORMATIVO DA ANP ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO* I - Introdução. II - Panorama no Ordenamento Jurídico Brasileiro. III - As Concessões Petrolíferas. IV - As Autorizações no Setor Petroleiro. V - As Relações de Sujeição Especial no Direito do Petróleo. VI Extensão e Limites dos Poderes Normativos da ANP. VII - Conclusões. I - Introdução O setor do petróleo foi uma das áreas mais atingidas pela chamada reforma do Estado brasileiro. A liberalização de um setor que tradicionalmente é permeado de preocupações nacionalistas e estratégicas, tendo ficado nas mãos de apenas uma empresa pública por décadas, não poderia se dar sem algumas perplexidades e percalços jurídicos, dificuldades estas potencializadas pelo ineditismo do modelo adotado em relação aos demais países que viveram o mesmo momento de abertura do setor: no Brasil, a empresa pública antes exclusiva continuou a existir, sendo criada concomitantemente uma agência reguladora, figura por si só eivada de con trovérsias, para regular o setor, para assinar contratos de exploração e produção, emitir autorizações etc. Estas perplexidades, como não poderia deixar de ser, logo se manifestaram no cotidiano da indústria do petróleo, que passou a lidar com instrumentos de regulação * Mestre em Direito Público pela U.E.R.J. Professor contratado de Direito Administrativo e da disciplina eletiva" Agências Reguladoras" da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - U.E.R.J. Professor da Pós Graduação em Direito Econômico Internacional da PUC/RJ e da Pós Graduação em Direito da Administração Pública da UFF. Membro das Comissões de Direito Administrativo e de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB (aJexaragao@ne tyet.com.br). R. Dir. Adm., Rio de Janeiro, 228: 243-272, Abr./Jun. 2002 estatal até então desconhecidos ou pouco utilizados, além das peculiaridades já próprias do Direito do Petróleo. 1 Os legítimos interesses dos investidores merecem proteção, inclusive pelos altos riscos e elevados montantes que envolvem a atividade do petróleo. Todavia, este desiderato, para que tenha êxito, não pode desconsiderar os interesses estratégicos que foram acolhidos pelo Legislador e pelo Constituinte; o fato da atividade petro lífera, apesar de indubitavelmente constituir uma atividade econômica, continuar sendo um monopólio estatal; e as mudanças que há décadas vêm se consolidando no Direito Administrativo como um todo. Cabe, neste sentido, trazer à baila a advertência de CARLOS ARI SUNDFELD de que a Constituição Federal não dá uma disciplina acabada para os diversos serviços públicos e atividades econômicas do Estado, deixando ao Legislador um campo bastante largo de conformação. Sendo assim, o estudo da matéria deve mais ter em vista a "legislação de regência" de cada uma destas atividades do que" recorrer-se acriticamente de lições doutrinárias (umas, velhíssimas e desatualizadas; outras, copiadas sem reflexão de livros estrangeiros, muitas vezes mal-lidos; algumas ditadas por vinculações econômicas, partidárias ou pessoais), tentando encaixá-las à força na realidade, sem o menor respeito ao Direito Positivo vigente".2 É sob esta perspectiva que, por exemplo, hoje é muito mais profícua a elaboração científica do direito dos investidores participarem da elaboração dos regulamentos editados pela Agência Nacional do Petróleo - ANP, do que o repasse desgastado de teses oitocentistas do Princípio da Legalidade, que só cabem em alguns livros de doutrina menos atualizados e que, de toda sorte, são totalmente irrealistas na vida prática institucional, não apenas do Brasil, mas de todos os países ocidentais.3 Elegemos como objeto do presente estudo o poder normativo da ANP, não apenas em razão da sua riqueza teórica, como pela grande importância prática que possui, vez que já não são poucas as normas regulamentares ou contratuais emitidas por esta autarquia que vêm causando dúvidas quanto à sua legalidade. Partiremos, na busca do esclarecimento da matéria, da análise de algumas premissas imprescindíveis para o seu deslinde, começando pela colocação da ordem econômica na Constituição de 1988 com as reformas que lhe sucederam, tratando inclusive da crucial distinção entre atividade econômica e serviço público, e pelas linhas gerais da Lei do Petróleo (Tópico lI). Passaremos então à análise da natureza jurídica das concessões e autorizações no setor do petróleo, tema de grande importância para a determinação das prerroga- 1 Marilda Rosado define o Direito do Petróleo como sendo "um conjunto de temas e questões do campo minerário, que, pela especificidade de sua economia, amplitude e complexidade de seus efeitos, exige delimitação de conteúdo e fixação de um marco de referência metodológico" (As "]oint Ventures" na Indústria do Petróleo, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 1997, p. 05). 2 A Regulação de Preços e Tarifas dos Serviços de Telecomunicações, na obra coletiva Direito Administrativo Econômico, coordenada pelo próprio Carlos Ari Sundfeld, Ed. Malheiros, São Paulo, 2000, p. 318. 3 O tema será tratado especificamente no Tópico VI. 244 tivas e do poder normativo que a Administração Publica possui no setor (Tópicos III a V). Após fixadas estas premissas, adentraremos, então, na questão específica do poder normativo da ANP (Tópico VI). II - Panorama do ordenamento jurídico brasileiro A Constituição Brasileira, como constituição compromissória, não poderia dei xar de refletir o persistente conflito entre público e privado; entre o livre caminhar da economia e a intervenção estatal; entre os interesses individuais e os coletivos. Tanto é assim, que as reformas que sucederam à promulgação da Constituição de 1988 tiveram como um dos seus principais focos justamente o Direito Econômi co.4 Vejamos, portanto, como este se encontra balizado constitucionalmente. Ao contrário do que ocorre em outros direito positivos, a nossa Constituição estabelece uma nítida distinção entre serviço públic05 e atividade econômica. Na verdade, contudo, não podemos torcer a realidade a ponto de sustentar que os serviços públicos não sejam atividades econômicas. Os serviços públicos são atividades econômicas qualificadas como tal, qualificação esta que visa a permitir a prestação direta pelo Estado ou uma forte regulação e ingerência estatal na atividade quando gerida por particulares delegatários. O serviço público revela-se, então, como uma das mais intensas formas de intervenção do Estado na economia. É desta forma que EROS ROBERTO GRAU considera que a Constituição brasileira de 1988 subdividiu a atividade econômica lato sensu em serviço público e atividade econômica stricto sensu.6 Tanto é assim, que o art. 175, que disciplina a prestação dos serviços públicos pelo próprio Estado ou por concessionários e permissionários privados, está contido no Capítulo destinado aos "Princípios Gerais da Atividade Econômica" . 4 As reformas à Constituição de 1988 não chegaram a alterar a classificação das diversas moda lidades de regulação estatal da economia, atribuindo, contudo, maior relevo a algumas em detrimento de outras, sem retirar do Texto Maior qualquer uma delas. Em sua maior parte, as reformas permitiram que determinados serviços públicos, que só podiam ser prestados indiretamente por empresas da Administração Indireta, passassem a ser prestados por delegatários privados. 5 Naturalmente que não estão incluídas em nosso conceito de serviço público as funções públicas soberanas, indelegáveis, como a defesa nacional, a tributação etc. (Ramón Parada, Derecho Admi nistrativo, I, Ed. Marcial Pons, Madrid, lI" ed., 1999, pp. 473/4). Seguindo a melhor doutrina, nosso conceito também não contempla "as atividades que não correspondam a uma específica prestação aos usuários, como por exemplo, as obras públicas" (Elio Casetta, Manuale di Diritto Amministrativo, Ed. Giuffre, Milão, 2000, p. 605). 6 Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, Ed. Malheiros, São Paulo, 4" ed., 1998, pp. 137/9. Alguns autores utilizam a expressão "serviços públicos econômicos" ou "industriais" para denominar as atividades econômicas stricto sensu exploradas pelo Estado (v.g. Charles Celier, Droit Public et Vie Économique, PUF, Paris, 1949, p. 136). Preferimos, no entanto, não fazer uso destas expressões para não misturar os conceitos de atividade econômica (em sentido estrito) explorada pelo Estado e os serviços públicos propriamente ditos. 245 Note-se que o objetivo da publicaria há de ser o atendimento direto de neces sidades ou utilidades públicas, não o interesse fiscal ou estratégico do Estado, hipóteses em que estaríamos diante de atividades econômicas stricro sensu, que só podem ser monopolizadas pelo Estado nos casos taxativamente estabelecidos na Constituição, e que, ainda que em regime de concorrência com a iniciativa privada, só podem ser por ele exploradas se atendidos os requisitos do capur do art. 173 da Consti tuição Federal. 7 Uma das mais objetivas distinções entre atividades econômicas srricro sensu e os serviços públicos foi elaborada por JOSÉ MARIA SOUVIRÓN MORENILLA, que afirma que "uma coisa é a atuação empresarial do Estado, desenvolvida com objetivos de rentabilidade econômica e conforme o mercado, e outra é - ou deveria ser - a atividade" de não-mercado" ou de serviço público. Esta se define porque, a partir dos princípios de universalidade e de igualdade que a preside, se dirige à satisfação de uma necessidade coletiva com objetivos de justiça e de solidariedade social, prevalentes, em todo caso, sobre os critérios econômicos de rentabilidade na exploração do serviço".8 RAMÓN PARADA também denota que a atuação econômica (srricro sensu) do Estado não se funda na idéia de essencialidade dos serviços, mas no mais amplo e difuso conceito de interesse público, no qual pode ser incluída qualquer atividade de produção industrial ou de serviços econômicos que, de uma forma ou outra, beneficie os habitantes de determinado local, ainda que apenas para lhes proporcionar emprego, ou mais simplesmente para obter recursos para serem destinados a outras atividades do Poder Público etc.9 O interesse do Estado nestes casos, afirma GASPAR ARINO ORTIZ, "não é um interesse de utilidade do público, mas um interesse econômico global" . Tanto 10 nos serviços públicos como nas atividades econômicas o Estado busca a realização de finalidades públicas, que, todavia, são de espécies muito diferentes: "na gestão econômica não há uma finalidade de serviço ao público, isto é, aos cidadãos indi vidualmente considerados, mas uma finalidade de ordenação econômica, de confor- 7 Para uma específica análise da aplicação do Princípio da Subsidiariedade sobre a exploração de atividades econômicas pelo Estado, admissível apenas nos casos de falha do mercado, ver Laurent Richer, Service Public et Interêt Privé, constante dos Archives de Philosophie du Droit, Tomo 41 - Le Privé et le Public, Ed. Sirey, Paris, 1997, p. 295. 8 La Actividad de la Administración y el Sen'icio Público, Ed. Colmares, Granada, 1998, p. 574. 9 Derecho Administrativo, Tomo I, Ed. Marcial Pons, Madrid, lia ed., 1999, p. 478. "A atividade econômica desenvolvida pelo Estado também apresenta interesse público, só que subjetivo, na medida em que depende da valorização da Administração; não traz em si mesma o interesse público; mas se lhe atribui um interesse público" (Roberto Ribeiro Bazilli, Serviços Públicos e Atividades Econômicas na Constituição de 1988, RDA, 197/15-6). Caso muito comum foi a transferência para o Estado de grandes indústrias como forma de evitar o encerramento das suas atividades (ampliar em Maria Alessandra Stefanelli, La Tutela dell'Utente di Publici Servici, Ed. CEDAM, Padova, 1994, p. 68). 10 Gaspar Arino Ortiz, Principios de Derecho Público Ecollómico, Ed. Comares e Fundación de Estudios de Regulación, Granada, 1999, p. 241. 246 mação social, de serviço nacional, isto é, de promoção econômico-social da nação considerada em seu conjunto" .11 Além dos arts. 175, 25, § 2° e 30, V, a Constituição também prevê no art. 21 a prestação de serviços públicos pela União, mas, desta feita, não apenas diretamente, por concessão ou por permissão, mas também mediante autorização: art. 21, incisos X (postal e correio), XI (telecomunicações) e XII, "a" a "f' (serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; serviços e instalações de energia elétrica e o aprovei tamento energético dos cursos de água; a navegação aérea, aeroespacial e a infra estrutura aeroportuária; os serviços de transporte ferroviário e aquaviário; os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; os portos ma rítimos, fluviais e lacustres) e XIII (nucleares). Os princípios das atividades econômicas fixados no art. 170 devem inspirar a exploração de todas as atividades econômicas, sejam elas serviços públicos ou atividades econômicas stricto sensu. Em relação à atividade econômica stricto sensu, a Constituição estabelece o monopólio em favor da União (arts. 20, 176 e 177) de uma série de bens e atividades a eles correlatas, com destaque para os bens minerais, inclusive o petróleo e seus derivados. A exploração pelo Estado de outras atividades econômicas stricto sensu, isto é, além daquelas que são objeto de monopólio, é permitida apenas em regime de concorrência com a iniciativa privada e desde que seja necessária aos imperativos da segurança nacional ou ao atendimento de relevante interesse coletivo (art. 173). Vige para as atividades econômicas stricto sensu não monopolizadas, participe delas o Poder público ou não, o princípio da liberdade de iniciativa, observadas as regras de polícia econômica geral que as conforme aos princípios e valores funda mentais da República Federativa do Brasil (arts. 1° e 3°) e aos princípios setoriais da ordem econômica (art. 170), exigida, quando for o caso, autorização prévia para o seu exercício (art. art. 170, parágrafo único). Especificamente sobre o petróleo, a Constituição Federal é pródiga, dispondo sobre: a) a titularidade federal sobre os principais bens envolvidos nesta indústria - os recursos minerais; b) a competência da União para legislar sobre energia e recursos minerais (art. 22, IV e XII); c) a competência dos Estados para prestar os serviços de distribuição de gás canalizado (art. 25, § 2°); d) o monopólio federal sobre as atividades básicas da indústria do petróleo (art. 177); e) as condições da atuação pública e privada no setor (art. 20, § 1°, 176 e 177); e f) a previsão de um órgão regulador (art. 177, § 2°, III).12 O art. 177 da Constituição Federal estabelece como monopólio da União a pesquisa; a lavra; o refino do petróleo, nacional ou estrangeiro; a importação; exportação e o transporte marítimo ou por dutos do petróleo e dos seus derivados. 11 Gaspar Arino Ortiz, Principias de Derecho Público Económico, Ed. Comares e Fundación de Estudios de Regulación, Granada, 1999, p. 494. 12 Regime Jurídico do Setor Petrolífero, p. 386, de Carlos Ari Sundfeld, constante da obra coletiva coordenada pelo próprio, Direito Administrativo Econômico, Ed. Malheiros, São Paulo, 2000. 247 Note-se que há atividades da indústria do petróleo, como o transporte que não seja marítimo ou por dutos, assim como a distribuição e a revenda, que não constituem monopólios da União, sendo atividades da iniciativa privada, sujeitas, no entanto, à regulação estatal na forma dos arts. 170 e 174 da Constituição Federal. Regulamentando o art. 177, CF foi editada a Lei n° 9.478/97, conhecida como a Lei do Petróleo, que estabeleceu a política energética nacional, disciplinou as atividades da indústria do petróleo tal como definida no seu art. 6°, XIX, criou o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo - ANP, cabendo a esta a implementação da política traçada pelo primeiro (art. 8°, I). As atividades petrolíferas foram pela Lei do Petróleo" declaradas de utilidade pública. Assim, elas têm o ônus público de deverem ser prestadas em benefício da população, no sentido de que o explorador destas atividades tem alguns ônus para com a população e para com o Estado" .13 O art. 5° da Lei do Petróleo dispõe que a faculdade conferida pelo art. 177, § 1°, da Constituição Federal, ou seja, a contratação de particulares ou de empresas estatais para a exploração das atividades petrolíferas monopolizadas pela União, se dará mediante concessão ou autorização. Para cada espécie ou fase da atividade petrolífera a Lei do Petróleo dá uma disciplina distinta, razão pela qual é de grande relevância distinguirmos: (a) explo ração (ou pesquisa), na qual a empresa procura por petróleo em blocos ou áreas pré-delimitadas; (b) produção ou lavra, pela qual o petróleo é extraído da jazida; (c) importação e exportação, sendo que aquela, tal como a produção, concorre para o suprimento interno do produto; (d) refino, processo pelo qual o petróleo deve passar para poder ser utilizado; (e) transporte: para que o petróleo bruto ou seus derivados cheguem aos seus destinos devem ser transportados. "O transporte pode se dar de várias formas. Há os meios fixos, os condutos ( o oleoduto e o gasoduto). Há os meios móveis, sendo os navios os principais"; 14 e (f) distribuição: para que os deri vados do petróleo cheguem aos consumidores deve haver "a distribuição de derivados do petróleo, uma espécie de revenda destes derivados no atacado"; 15 e (g) revenda: "os consumidores finais são atingidos pela atividade de revenda de deri vados de petróleo" ,16 feita nas maioria das vezes pelos" postos de gasolina" . Apenas as atividades de exploração e produção (letras "a" e "b") foram submetidas à concessão, tendo sido exigida para as demais (letras "c" a "g") a prévia autorização. 13 Maria d' Assunção Costa Menezello, Introdução ao Direito do Petróleo e Gás, constante da obra coletiva Direito Administrativo Econômico, coordenada por Carlos Ari Sundfeld, Ed. Malhei ros, São Paulo, 2000, p. 382. 14 Carlos Ari Sundfeld, Regime Jurídico do Setor Petrolífero, constante da obra coletiva, coorde nada pelo próprio autor, Direito Administrativo Econômico, Ed. Malheiros, São Paulo, 2000, p. 388 .. 15 Idem. 16 Idem. 248 Vê-se que a Lei do Petróleo, considerando menos o monopólio incidente sobre as atividades do setor, e mais a possibilidade de concorrência que cada uma delas pode propiciar, destinou a autorização para as atividades nas quais se dêem as maiores possibilidades de concorrência. Assim, as atividades não monopolizadas (transporte que não seja marítimo ou por dutos, a distribuição e a revenda) não são sujeitas à prévia concessão, até porque esta, precedida de licitação, pressupõe a limitação do número de operadores, limi tação esta que não seria admissível em se tratando de atividade de titularidade da iniciativa privada, sujeita, todavia, a autorização (art. 9°, Lei do Petróleo). Já as atividades monopolizadas (exploração, produção, importação, exportação, refino, transporte marítimo e por dutos) podem ser sujeitas à concessão ou à auto rização. A Lei reservou esta modalidade regulatória para as atividades (monopo lizadas) de refino, importação, exportação e transporte marítimo ou por dutos, que não apenas admitem, como, pelo Princípio da Subsidiariedade, demandam, a maior concorrência possível (arts. 53, 56 e 60, Lei do Petróleo). A concessão foi destinada apenas para a exploração e produção, vez que pres supõem a delimitação espacial, não sendo factível a abertura de concorrência para que todas as empresas interessadas explorassem ao mesmo tempo determinada jazida (art. 23, Lei do Petróleo). Além destas limitações fáticas, concorre para a imposição da prévia concessão para a exploração e produção de petróleo o fato de " envolverem o uso de bem público; portanto, a fruição é um privilégio" .17 Não estamos a dizer que não deva haver concorrência nestas atividades, mas apenas que esta fica restrita à escolha do concessionário, que, uma vez escolhido, não terá a concorrência de outros concessionários sobre a mesma área. Observe-se que em relação às atividades petrolíferas monopolizadas, que não são apenas a exploração e produção de petróleo, o § IOdo art. 177 da Constituição Federal alude à contratação de estatais ou de empresas privadas. Não sendo a autorização contrato, mas ato administrativo, poderia o Legislador ter assentido na exploração privada de algumas destas atividades mediante autorização? Entendemos que sim, ou seja, que, em razão dos princípios da proporcionalidade e subsidiariedade, sempre que atendido o interesse da coletividade, se impõe a adoção da modalidade regulatória menos constritiva, in casu a ordenatio, em detrimento da publicatio. As atividades petrolíferas monopolizadas de refino, importação, expor tação e transporte marítimo ou por dutos, podem ser consentidas a um número indeterminado de agentes econômicos privados, o que é consentâneo com o princípio da livre iniciativa, ficando, no entanto, sujeita à ordenação pública autorizativa. Podemos resumir o exposto pela seguinte tabela: 18 17 Carlos Ari Sundfeld, Regime Jurídico do Setor Petrolífero, constante da obra coletiva coorde nada pelo próprio, Direito Administrativo Econômico, Ed. Malheiros, São Paulo, 2000, p. 395. 18 Cf. Marcello Mello, A Natureza Jurídica dos Contratos de Concessão Firmados entre a União e os Particulares no Setor Petrolífero, mimeo. 249 Atividade Petróleo Gás Natural GLP, Gasolinas, Naftas, Querosenes, Oleo Diesel GasÓleos. Óleos Combustíveis Exoloracão Concessão Concessão - Produção Concessão Concessão Autorização Transporte Autorização Autorização Autorização Refino Autorização Autorização - Imoortação Autorização Autorização Autorização Exportação Autorização Autorização Autorização Concessão Distribuição - dos Estados Autorização Procuraremos nos Tópicos seguintes demonstrar as garantias que as concessões e autorizações petrolíferas dão aos seus titulares, assim como as prerrogativas das quais a ANP dispõe, não apenas no momento da sua elaboração, como ao longo da execução dos respectivos objetos. lU - As concessões petrolíferas A Constituição permite que as atividades economlcas petrolíferas monopo lizadas pela União sejam, sem quebra do monopólio, exploradas pela iniciativa privada (art. 177, § l°). Há grande discussão sobre a natureza jurídica dos contratos que dão aos parti culares o direito de exploração de monopólios públicos, aí incluídos os que lhes propicia a exploração e produção de petróleo - bem público dominical-, contratos normalmente denominados de concessão de exploração de atividades econômicas ou de bens públicos dominicais monopolizados pela União. Preliminarmente, há de se destacar que" os bens públicos não são só suscetíveis de uso (ou aproveitamento), mas também de gestão ou exploração econômica por alguém que toma o lugar da pessoa coletiva de direito público. Embora relacionadas com um bem público, o que caracteriza as concessões de exploração do domínio público é a atribuição do direito de exercer uma actividade que a lei reservou para a Administração: o que está em causa não é a utilização do bem, mas a actividade de o explorar ou gerir" .19 Como adverte GASPAR ARINO ORTIZ, não podemos inferir da nomenclatura de "concessão" a caracterização da atividade econômica stricto sensu monopolizada como serviço público: " a simples denominação como tal ou a exigência de concessão para determinadas atividades agrícolas, industriais ou comerciais ( ... ) não correspon de necessariamente à existência de um verdadeiro serviço público" .20 19 Pedro Gonçalves, A Concessão de Serviços Públicos, Ed. Almedina, Coimbra, 1999, p. 93. 20 Gaspar Arino Ortiz, Principios de Derecho Público Económico, Ed. Comares e Fundación de Estudios de Regulación, Granada, 1999, p. 488. 250 o próprio surgimento das concessões tem uma conotação bem mais ampla do que a meramente ligada aos serviços públicos. As concessões advieram da necessi dade de conciliação entre os dogmas liberais não-intervencionistas e a urgência do Estado regular com maior intensidade novas atividades (ferrovias, gás, telefonia, eletricidade etc.), de complexidade técnica e de tendências monopolizadoras até então desconhecidas.21 Tradicionalmente, os contratos pelos quais a Administração Pública assente no exercício por particulares de atividade econômica monopolizada são denominados de concessões - não de serviços públicos -, mas concessões industriais ou eco nômicas. A determinação da natureza jurídica destas concessões - se privada ou pública - não é pacífica: por um lado, como têm por objeto atividade econômica, seriam de Direito Privado; por outro, como dizem respeito a atividades ou bens que, por força da Constituição, são monopolizados pelo Poder Público por razões estratégicas ou fiscais, exigem uma disciplina publicística. Devemos, todavia, ter em vista que a diferença entre o que é de direito privado e o que é de direito público é cada vez mais relativa, havendo contratos tradicional mente considerados como de direito público com um sem número de resguardos dos interesses da partes privadas, e contratos de direito privado sujeitos a forte interven ção estatal. 22 Assim é que ANDRÉ DE LAUBADERE, distinguindo as concessões de serviços públicos das concessões industriais, afirmou que, "a despeito desta intervenção do Estado na atividade do particular e da utilização do termo" concessão" , este instituto é totalmente diferente da concessão de serviço público: a atividade sobre a qual incide é uma atividade privada, submetida não ao regime de serviço público, mas àquele do direito privado, sob reserva das infiltrações de direito público" .23 21 Gaspar Arifio Ortiz, afIrmou que "a tensão entre a urgência de satisfazer as novas necessidades públicas - exigências de uma sociedade progressivamente urbana e industrial-e as concepções ideológicas liberais imperantes, será resolvida mediante um mecanismo genial: a concessão admi nistrativa. Na concessão, o Estado encontrará uma fórmula que lhe permitirá compatibilizar uma e outra postura; de uma parte, se entenderá que o Estado é titular de tais atividades; o dominus dos serviços públicos; de outra, se entenderá que o Estado não deve geri-los diretamente e se valerá da concessão como fórmula-ponte que o permite dirigir sem gerir. A concessão se confIgurará assim como uma transferência de funções e tarefas cuja titularidade corresponde primariamente ao Estado, atividades que não eram intrinsecamente públicas, que não faziam parte das finalidades históricas do Estado, de seus fins essenciais, mas que acabaram sendo" publicizadas" (Principios de Derecho Público Económico, Ed. Comares e Fundación de Estudios de Regulación, Granada, 1999, pp. 483/4). 22 No Direito Civil destaca-se a insurgência do Direito Civil Constitucional, cuja construção teórica no Brasil é em grande monta devida a Gustavo Tepedino (entre outros, ver O Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa, constante da obra coletiva Problemas de Direito Civil Constitucional, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2000, coordenada pelo próprio autor citado, pp. 17/54. 23 Manuel de Droit Administratif, Ed. LGDJ, 15" ed., Paris, 1995, p. 289. 251 No mesmo sentido pronunciou-se GLADYS V ÁSQUEZ FRANCO, valendo-se das lições de VILLAR PALAS I: "A maior abrangência e expansão da atividade administrativa do Estado contribuiu para o enriquecimento da idéia concessional. Foi necessária a inclusão neste conceito de novas atividades que não cabem dentro da tradicional concessão de serviço público. Nasce desta forma a moderna concessão industrial. ( ... ) A extensão da atividade da Administração até o campo econômico atribuído inicialmente apenas aos particulares, rompe com a estrutura tradicional" .24 A nosso ver, tais contratos, como não visam à delegação de serviços públicos, são, em linhas gerais, de Direito Privado,25 o que não impede e, ao revés, impõe, que possuam cláusulas de ordem pública e de dirigismo estatal, não apenas quando da sua celebração, como também ao longo da sua execução.26 No momento da celebração das concessões, nem há como se falar propriamente em dirigismo, uma vez que o proprietário do bem monopolizado ou o titular exclusivo da atividade monopolizada é o próprio Estado, que pode estabelecer as condições contratuais que, dentro do que a lei permitir, melhor lhe convierem.27 Os particulares 24 La Concessión Administrativa de servicio público, Ed. Temis, Bogotá, 1991. p. 50. 25 Toshio Mukai também considera que os contratos de exploração de atividades econômicas monopolizadas são de direito privado (Contrato de Concessão formulado pela Agência nacional do Petróleo - Comentários e Sugestões, RTDP, 25/82-93). O autor, no entanto, parece entender que por esta razão tais contratos não estão sujeitos a quaisquer influxos publicísticos, o que, como expomos, não ocorre sequer em muitos contratos de direito privado celebrados entre particulares. O autor também, a nosso ver equivocadamente, critica a utilização pela Lei do Petróleo do termo "concessão", olvidando que nem toda concessão é de serviço público, e que há muito a doutrina nacional e estrangeira trata das concessões de atividades econômicas monopolizadas pelo Estado. Em Portugal, por exemplo, se afirma, em lição plenamente afinada com o nosso Direito, que" um dos setores de aplicação desta modalidade concessória é constituído pela atribuição a particulares de poderes de exploração das riquezas naturais que se encontram no território do Estado e que a lei considera propriedade pública (Pedro Gonçalves, A Concessão de Serviços Públicos, Ed. Alme dina, Coimbra, 1999, p. 93). 26 Em sentido contrário, mas ainda antes da flexibilização do monopólio estatal do petróleo, entendendo tratar-se de contrato de direito público, Caio Tácito, Permissão de Refino de Petróleo, constante da obra Temas de Direito Público, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 1997, pp. 1.617 a 1.631. Segundo Paulo Valois (A evolução do Monopólio Estatal do Petróleo, Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2000, p. 134), "a doutrina se posiciona das mais variadas formas, desse modo, a quem diga que o referido contrato tem natureza de: concessão de serviços públicos, serviços de utilidade pública, exploração de bem público, acordo de desenvolvimento econômico, de exploração de atividade econômica e até de relação regida pelo Direito Internacional". Sobre o mesmo tema, podemos também trazer o posicionamento de Marcos Juruena Villela Souto (Desestatização; Privatização; Concessões e Terceirizações, Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, p.127), para quem "o contrato não é de serviço público, obra pública ou direito real de uso. O Direito Internacional já identificou a concessão de petróleo como sui generis. São chamados contratos de Estado, entre Governos e particulares. No mundo todo, usa-se o termo license, aqui traduzido como concessão, que é contrato econômico e não administrativo. O Estado atua como agente econômico (empresá rio)" . 27 Não devemos nos esquecer que, tanto a lei como o contrato, são fontes primárias do Direito. Noutras palavras, os contratos têm a mesma capacidade das leis para criarem direitos e obrigações. 252

Description:
III. - As Concessões Petrolíferas. IV - As Autorizações no Setor Petroleiro. V - As Relações de Sujeição Especial no Direito do Petróleo. VI-. Extensão e
See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.